Resumos
A presença da metástase linfonodal é um fator limitante da sobrevida no câncer da boca.
OBJETIVO:
Avaliar as causas de falha no tratamento dos carcinomas de língua e soalho de boca em função do estadiamento.
MÉTODO:
Foram analisados 365 casos de carcinoma epidermoide de boca, tratados de 1978 a 2007, sendo 48 T1, 156 T2, 98 T3 e 63 T4, dos quais 193 foram pNo e 172 pN+.
RESULTADOS:
Entre os casos pN+, foram observados 17/46 recidivas (36,9%) nos casos não irradiados e 46/126 (36,5%) nos casos irradiados. Quanto aos resgates, nos casos pN0, obtivemos 16/51 (31,3%) e, nos pacientes pN+, de 3/77 (3,9%).
CONCLUSÃO:
O sucesso dos resgates é menor em pacientes com pN+, com maior recidiva local e menor sobrevida.
carcinoma de células escamosas;metástase linfática; neoplasias bucais
The presence of metastatic nodes is a survival-limiting factor for patients with mouth tumors.
OBJECTIVE:
To evaluate the causes of treatment failure in carcinomas of the tongue and floor of the mouth due to staging.
METHOD:
This study included 365 patients with squamous cell carcinoma of the mouth treated from 1978 to 2007; 48 were staged as T1, 156 as T2, 98 as T3, and 63 as T4, of which 193 were pNo and 172 pN+.
RESULTS:
Among the pN+ cases, 17/46 (36.9%) of the patients not treated with radiation therapy had relapsing tumors, against 46/126 (36.5 %) of the patients who underwent radiation therapy. Success rates in the group of subjects submitted to salvage procedures were 16/51 (31.3%) for pN0 patients and 3/77 (3.9%) for pN+ patients.
CONCLUSION:
Salvage procedure success and survival rates are lower for pN+ patients; pN+ individuals also have more relapsing local disease.
carcinoma, squamous cell; lymphatic metastasis; mouth neoplasms
INTRODUÇÃO
Carcinoma epidermoide de língua é o câncer mais comum da cavidade oral, respondendo por
25% a 40% dos casos. A língua oral tem uma rica rede linfática e uma estrutura muscular
que a torna o sítio mais frequentemente associado com metástases cervicais dentre os
tumores dos outros sítios da boca11. Süslü N, Hosal AS, Aslan T, Sözeri B, Dolgun A. Carcinoma of the oral
tongue: a case series analysis of prognostic factors and surgical outcomes. J Oral
Maxillofac Surg. 2013;71(7):1283-90. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2013.01.018
http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2013.01...
.
As recidivas locais constituem a principal falha no tratamento dos carcinomas da boca.
Contudo, a presença de metástase linfonodal por ocasião do tratamento inicial representa
um dos principais fatores prognósticos adversos, com redução de aproximadamente 50% na
expectativa de sobrevida22. Shah JP, Candela FC, Poddar AK. The patterns of cervical lymph node
metastases from squamous carcinoma of the oral cavity. Cancer. 1990;66(1):109-13.
PMID: 2354399 DOI:
http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(19900701)66:1<109::AID-CNCR2820660120>3.0.CO;2-A
http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(1990...
,33. Kowalski LP, Medina JE. Nodal metastases: predictive factors.
Otolaryngol Clin North Am. 1998;31(4):621-37. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/S0030-6665(05)70076-1
http://dx.doi.org/10.1016/S0030-6665(05)...
. Recidivas são frequentes, especialmente entre
pacientes com doença em estádio clínico avançado - III e IV - e dentro dos primeiros
dois anos após o tratamento. Apesar do pior prognóstico relacionado à doença
metastática, as recidivas regionais isoladas são pouco frequentes nos carcinomas das
vias aerodigestivas superiores44. Amar A, Franzi SA, Rapoport A. Evolution of patients with squamous
cell carcinoma of upper aerodigestive tract. São Paulo Med J. 2003;121(4):155-8.
PMID: 14595507 .
O objetivo deste estudo é verificar as causas de falha no tratamento dos carcinomas de língua e assoalho de boca em função do estadiamento.
MÉTODO
O presente estudo foi aprovado no Comitê de Ética e Pesquisa da instituição onde foi realizado, sob o nº 071/2000.
Foram revisados os prontuários dos pacientes com carcinoma epidermoide de língua e soalho de boca, tratados cirurgicamente entre janeiro de 1978 e dezembro de 2007, em serviço de referência terciária. Excluídos os casos assintomáticos com seguimento inferior a 12 meses, foram selecionados 365 pacientes. Nos pacientes com doença no estádio I, não submetidos ao esvaziamento cervical eletivo, foi considerada recidiva regional apenas a segunda recidiva, após o tratamento do pescoço. Para o diagnóstico de segundo tumor primário, foi considerada a doença em outro sítio anatômico ou com pelo menos dois centímetros de distância do tumor original. Nos casos submetidos a tratamento de resgate, foi considerado sucesso terapêutico quando sem evidência de nova recidiva até a última consulta. Todos os pacientes foram reestadiados conforme a classificação TNM de 2002. Foi avaliada a frequência de recidivas locais, regionais, à distância e segundo tumor primário, conforme o sítio primário, estadiamento e radioterapia pós-operatória. As recidivas regionais e a distância relacionadas ao segundo tumor foram consideradas separadamente.
A sobrevida atuarial foi calculada pelo método de Kaplan-Meier e a diferença entre os grupos pelo teste de log-rank. O teste de qui-quadrado foi usado nas variáveis qualitativas. A análise multivariada usou o teste de regressão logística. Foram consideradas significantes as diferenças com valor de p < 0,05.
RESULTADOS
Quanto ao sítio primário, 160 casos apresentavam tumor na língua, 198 no soalho e sete casos acometiam igualmente ambos os sítios. A idade média foi de 53 anos (22 a 84). Em relação ao estádio T, 48 casos eram T1; 156 T2; 98 T3; e 63 T4. Quanto ao estadiamento pN, 193 eram pN0 e 172 pN+. Os tipos de recidiva são detalhados nas Tabelas 1 e 2. A radioterapia pós-operatória foi empregada em 27 pacientes pN0 e em 126 pacientes pN+. Entre os casos pN+, as recidivas locais foram observadas em 17/46 (36,9%) casos sem radioterapia e em 46/126 (36,5%) casos irradiados no pós-operatório (p = 0,95).
Os resgates de recidivas locorregionais foram realizados com sucesso em 16/51 (31,3%) casos pN0 e em 3/77 (3,9%) casos pN+ (p = 0,0001). Da mesma forma, o tratamento do segundo tumor primário teve sucesso em 13/29 (44,8%) pacientes resgatáveis no grupo pN0 e em 2/21 (9,9%) no grupo pN+ (p = 0,01). As recidivas de acordo com o estadiamento T e a análise multivariada são mostradas na Tabela 3. À análise multivariada, os fatores T e pN foram os mais importantes para a recidiva local, com um valor p, respectivamente, de 0,0002 e 0,02. A sobrevida atuarial de acordo com o estadiamento pN é mostrada na Figura 1.
DISCUSSÃO
Recidiva é um relevante fator prognóstico: mesmo entre pacientes submetidos a um novo procedimento com finalidade curativa, os índices de controle da doença são baixos. Fisiologicamente, há duas possibilidades de recorrência: persistência do tumor, que permanece quiescente por longo período ou uma segunda lesão. Recorrência tardia parece estar mais relacionada às características do paciente do que ao efeito da terapêutica44. Amar A, Franzi SA, Rapoport A. Evolution of patients with squamous cell carcinoma of upper aerodigestive tract. São Paulo Med J. 2003;121(4):155-8. PMID: 14595507 .
O tratamento do câncer do andar inferior da boca permanece principalmente cirúrgico, com
a radioterapia adjuvante adicionada à doença em estádio avançado ou em pacientes com
alto risco de falha locorregional11. Süslü N, Hosal AS, Aslan T, Sözeri B, Dolgun A. Carcinoma of the oral
tongue: a case series analysis of prognostic factors and surgical outcomes. J Oral
Maxillofac Surg. 2013;71(7):1283-90. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2013.01.018
http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2013.01...
. Apesar da
menor sobrevida nos pacientes com metástase linfonodal, o controle regional é alcançado
na maioria dos pacientes submetidos ao esvaziamento cervical e radioterapia
pós-operatória. A principal falha ocorre no controle local, que está relacionada ao
estadiamento T mais avançado e também ao estadiamento pN, conforme demonstrou a análise
multivariada. Metade dos casos com recidiva regional apresentou recidiva associada no
sítio primário. Nos casos com fenótipo de metastatização linfonodal, o tumor primário
parece ser mais agressivo localmente, mas também deve ser considerada a possibilidade de
recidiva em linfonodos sublinguais ou mesolinguais, não removidos no esvaziamento
cervical, que poderiam ser confundidas com recidivas no sítio primário55. Ozeki S, Tashiro H, Okamoto M, Matsushima T. Metastasis to the
lingual lymph node in carcinoma of the tongue. J Maxillofac Surg. 1985;13(6):277-81.
DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S03010503(85)80064-3
http://dx.doi.org/10.1016/S03010503(85)8...
,66. Zhang T, Ord RA, Wei WI, Zhao J. Sublingual lymph node metastasis of
early tongue cancer: report of two cases and review of the literature. Int J Oral
Maxillofac Surg. 2011;40(6):597-600. PMID: 21277742 DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/j.ijom.2010.12.009
http://dx.doi.org/10.1016/j.ijom.2010.12...
.
Outro fator que repercutiu na sobrevida foi a menor taxa de resgate nas recidivas
locorregionais de pacientes inicialmente pN+, possivelmente relacionado ao estádio
inicial mais avançado e maior utilização de radioterapia pós-operatória77. Chedid HM, Franzi SA, Amar A, Lehn CN, Rapoport A, Dedivitis RA, et
al. Recurrences of Oral and Oropharyngeal Cancer. Int Arch Otorhinolaryngol.
2009;13(1):69-77.. A baixa frequência de recidiva à distância sugere
um subdiagnóstico, considerando a não realização de exames subsidiários adicionais nas
recidivas locorregionais irressecáveis. As metástases distantes têm relação direta com o
estadiamento locorregional e na presença de recidiva88. Coca-Pelaz A, Rodrigo JP, Suárez C. Clinicopathologic analysis and
predictive factors for distant metastases in patients with head and neck squamous
cell carcinomas. Head Neck. 2012;34(6):771-5. DOI:
http://dx.doi.org/10.1002/hed.21804
http://dx.doi.org/10.1002/hed.21804...
.
Apesar da maior frequência de segundo tumor nos casos pN0, que pode ser explicada pela
maior sobrevida deste grupo, uma vez que a incidência de segundo tumor é estável ao
longo do tempo, também houve maior sucesso no tratamento desses pacientes no grupo
inicialmente pN044. Amar A, Franzi SA, Rapoport A. Evolution of patients with squamous
cell carcinoma of upper aerodigestive tract. São Paulo Med J. 2003;121(4):155-8.
PMID: 14595507 ,77. Chedid HM, Franzi SA, Amar A, Lehn CN, Rapoport A, Dedivitis RA, et
al. Recurrences of Oral and Oropharyngeal Cancer. Int Arch Otorhinolaryngol.
2009;13(1):69-77.. Acreditamos que o segundo tumor em maior número
nos casos sem metastatização regional (pN0) possa ser explicado pela barreira natural na
história da neoplasia de boca representada pela disseminação para os linfonodos
regionais. Na ausência destes, a segunda neoplasia ocorre na faringe, esôfago, pulmão ou
para o pâncreas. Esta última, muito mais frequente na história de sobrevidas longas. As
metástases regionais refletem maior agressividade tumoral em todos os sítios e
diminuição importante da sobrevida, a despeito do controle regional ser alcançado na
maioria dos casos33. Kowalski LP, Medina JE. Nodal metastases: predictive factors.
Otolaryngol Clin North Am. 1998;31(4):621-37. DOI:
http://dx.doi.org/10.1016/S0030-6665(05)70076-1
http://dx.doi.org/10.1016/S0030-6665(05)...
,44. Amar A, Franzi SA, Rapoport A. Evolution of patients with squamous
cell carcinoma of upper aerodigestive tract. São Paulo Med J. 2003;121(4):155-8.
PMID: 14595507 ,99. Leemans CR, Tiwari R, Nauta JJ, van der Waal I, Snow GB. Recurrence
at the primary site in head and neck cancer and the significance of neck lymph node
metastases as a prognostic factor. Cancer. 1994;73(1):187-90. PMID: 8275423 DOI:
http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(19940101)73:1<187::AID-CNCR2820730132>3.0.CO;2-J
http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(1994...
.
Tem-se demonstrado que, em pacientes com tumores HPV-positivos, as variáveis
relacionadas a metástases regionais exercem um papel muito menos importante para o
prognóstico que entre pacientes com tumores HPV-negativos. A melhor sobrevida entre
pacientes HPV-positivos deve-se em parte ao melhor controle locorregional, supostamente
refletindo maior sensibilidade à radioterapia e radiossensibilização pela
cisplatina1010. Klozar J, Koslabova E, Kratochvil V, Salakova M, Tachezy R. Nodal
status is not a prognostic factor in patients with HPV-positive oral/ oropharyngeal
tumors. J Surg Oncol. 2013;107(6):625-33. PMID: 23192334 DOI:
http://dx.doi.org/10.1002/jso.23292
http://dx.doi.org/10.1002/jso.23292...
.
CONCLUSÃO
O índice de sucesso no resgate cirúrgico é menor entre pacientes pN+, quando comparado com aqueles pN0, com maior índice de recidiva local e menor sobrevida.
REFERÊNCIAS
-
1Süslü N, Hosal AS, Aslan T, Sözeri B, Dolgun A. Carcinoma of the oral tongue: a case series analysis of prognostic factors and surgical outcomes. J Oral Maxillofac Surg. 2013;71(7):1283-90. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2013.01.018
» http://dx.doi.org/10.1016/j.joms.2013.01.018 -
2Shah JP, Candela FC, Poddar AK. The patterns of cervical lymph node metastases from squamous carcinoma of the oral cavity. Cancer. 1990;66(1):109-13. PMID: 2354399 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(19900701)66:1<109::AID-CNCR2820660120>3.0.CO;2-A
» http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(19900701)66:1<109::AID-CNCR2820660120>3.0.CO;2-A -
3Kowalski LP, Medina JE. Nodal metastases: predictive factors. Otolaryngol Clin North Am. 1998;31(4):621-37. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S0030-6665(05)70076-1
» http://dx.doi.org/10.1016/S0030-6665(05)70076-1 -
4Amar A, Franzi SA, Rapoport A. Evolution of patients with squamous cell carcinoma of upper aerodigestive tract. São Paulo Med J. 2003;121(4):155-8. PMID: 14595507
-
5Ozeki S, Tashiro H, Okamoto M, Matsushima T. Metastasis to the lingual lymph node in carcinoma of the tongue. J Maxillofac Surg. 1985;13(6):277-81. DOI: http://dx.doi.org/10.1016/S03010503(85)80064-3
» http://dx.doi.org/10.1016/S03010503(85)80064-3 -
6Zhang T, Ord RA, Wei WI, Zhao J. Sublingual lymph node metastasis of early tongue cancer: report of two cases and review of the literature. Int J Oral Maxillofac Surg. 2011;40(6):597-600. PMID: 21277742 DOI: http://dx.doi.org/10.1016/j.ijom.2010.12.009
» http://dx.doi.org/10.1016/j.ijom.2010.12.009 -
7Chedid HM, Franzi SA, Amar A, Lehn CN, Rapoport A, Dedivitis RA, et al. Recurrences of Oral and Oropharyngeal Cancer. Int Arch Otorhinolaryngol. 2009;13(1):69-77.
-
8Coca-Pelaz A, Rodrigo JP, Suárez C. Clinicopathologic analysis and predictive factors for distant metastases in patients with head and neck squamous cell carcinomas. Head Neck. 2012;34(6):771-5. DOI: http://dx.doi.org/10.1002/hed.21804
» http://dx.doi.org/10.1002/hed.21804 -
9Leemans CR, Tiwari R, Nauta JJ, van der Waal I, Snow GB. Recurrence at the primary site in head and neck cancer and the significance of neck lymph node metastases as a prognostic factor. Cancer. 1994;73(1):187-90. PMID: 8275423 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(19940101)73:1<187::AID-CNCR2820730132>3.0.CO;2-J
» http://dx.doi.org/10.1002/1097-0142(19940101)73:1<187::AID-CNCR2820730132>3.0.CO;2-J -
10Klozar J, Koslabova E, Kratochvil V, Salakova M, Tachezy R. Nodal status is not a prognostic factor in patients with HPV-positive oral/ oropharyngeal tumors. J Surg Oncol. 2013;107(6):625-33. PMID: 23192334 DOI: http://dx.doi.org/10.1002/jso.23292
» http://dx.doi.org/10.1002/jso.23292
Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
Nov-Dec 2013
Histórico
-
Recebido
30 Jun 2013 -
Aceito
01 Ago 2013