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Otomastoidite tuberculosa em lúpico

Introdução

Lúpus eritematoso sistêmico (LES) é uma doença crônica inflamatória autoimune cujo tratamento com corticoide e imunossupressor contribui para infecção oportunista pelo Mycobacterium tuberculosis.11. Pereira JCB. Associação entre lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose - revisão crítica. Rev Port Pneumol. 2008;14:843-55.,22. Sousa DC, Medeiros MMC. Lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose renal: descrição de nove casos. Rev Bras Reumatol. 2008;48:2-6. Na literatura, a tuberculose em lúpicos predomina na forma extrapulmonar.11. Pereira JCB. Associação entre lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose - revisão crítica. Rev Port Pneumol. 2008;14:843-55. Essa bactéria pode acometer a orelha média pela tuba auditiva ou por via externa, por perfuração timpânica.33. Pinho MM, Kós AOA. Otite média tuberculosa. Braz J Otorhinolaryngol. 2003;69:829-37.,44. Sens PM, Almeida CIR, Valle LO, Costa LHC, Angeli MLS. Tuberculose de orelha, doença profissional? Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74:621-7. A otite média tuberculosa (OMT) é rara, representando 0,05 a 0,9% da otite média crônica,44. Sens PM, Almeida CIR, Valle LO, Costa LHC, Angeli MLS. Tuberculose de orelha, doença profissional? Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74:621-7.,55. Juanet JI, Acuña A, Casar C. Otomastoiditis tuberculosa: a propósito de un caso. Rev Chil Enf Respir. 2011;27:43-8. embora em lúpicos seja significativamente mais comum (3,6% a 11,6%).22. Sousa DC, Medeiros MMC. Lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose renal: descrição de nove casos. Rev Bras Reumatol. 2008;48:2-6. A tríade clínica de OMT é otorreia indolor, perfuração de membrana timpânica e paralisia facial periférica, podendo manifestar otalgia.44. Sens PM, Almeida CIR, Valle LO, Costa LHC, Angeli MLS. Tuberculose de orelha, doença profissional? Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74:621-7. O diagnóstico tardio de OMT é comum, estando associado a complicações como mastoidite e hipoacusia.33. Pinho MM, Kós AOA. Otite média tuberculosa. Braz J Otorhinolaryngol. 2003;69:829-37. Este relato apresenta um caso de otomastoidite tuberculosa em adulta com LES.

Apresentação do caso

ILS, 44, feminina, do lar, queixava-se de plenitude súbita em orelha esquerda há um ano, seguida de otorreia diária, serossanguinolenta a mucopurulenta, com perda progressiva da audição e zumbido. Negava otorreia prévia, vertigem ou contato com tuberculoso. Tratamento prévio com amoxacilina/clavulanato, ciprofloxacina, e gentamicina/betametasona tópico. Portadora de lúpus, controlado com prednisona 10 mg/dia. Apresentava-se sem linfonodomegalia cervical, cavidade oral, faringe e rinoscopia normais, VII par normal. Otoscopia direita normal; esquerda com secreção mucosa, massa esbranquiçada no fundo do canal. Exames laboratoriais normais. Tomografia computadorizada: mastoides pneumatizadas, esquerda velada sem erosões. Audiometria: perda mista moderada ipsilateral. Suspeitou-se de otite média crônica supurativa (OMCS). Realizada timpanomastoidectomia, foram achados: tecido esbranquiçado friável em mastoide e orelha média, sem colesteatoma, erosão da bigorna, estribam mal-identificados. Realizada limpeza da mastoide, coleta de material e enxerto de fáscia. Ossiculoplastia para segundo tempo.

Evoluiu com zumbido, deiscência progressiva da incisão, otorreia e paresia facial (recuperada em três semanas). Iniciou-se azatioprina e prednisona 40 mg. Dois meses depois a mastoide estava totalmente exposta (fig. 1). Suspeitou-se de tuberculose. O material coletado na cirurgia foi insuficiente para diagnóstico. Apresentou PPD não reator e raio-X torácico normal. Realizada biópsia pela incisão deiscente, que constatou extensa reação granulomatosa com células epitelioides e células gigantes multinucleadas com áreas focais necróticas. Pesquisa de fungos e BAAR negativas. Com esses dados optou-se pelo início de esquema antituberculose: rifampicina, isoniazida, pirazinamida e etambutol por dois meses, seguido de rifampicina e isoniazida por sete meses.66. Ministério Da Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Nota técnica sobre as mudanças no tratamento da tuberculose no Brasil para adultos e adolescentes, 2009. Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_tecnica_versao_28_de_agosto_v_5.pdf
http://portal.saude.gov.br/portal/arquiv...
Após 30 dias já houve melhora da cicatrização (Fig. 1). Após três meses a incisão estava fechada.

Figura 1
Incisão retroauricular deiscente. À esquerda, aspecto após 80 dias da cirurgia; à direita, 30 dias após início do tratamento para tuberculose mostrando melhora da cicatrização.

Um ano após permanecia zumbido, otorreia discreta e perfuração timpânica. Audiometria revelou piora em frequências agudas, ausentando-se em 6 e 8 kHz, mantendo os demais limiares.

Discussão

A raridade dos relatos de OMT retarda o diagnóstico.33. Pinho MM, Kós AOA. Otite média tuberculosa. Braz J Otorhinolaryngol. 2003;69:829-37.

4. Sens PM, Almeida CIR, Valle LO, Costa LHC, Angeli MLS. Tuberculose de orelha, doença profissional? Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74:621-7.
-55. Juanet JI, Acuña A, Casar C. Otomastoiditis tuberculosa: a propósito de un caso. Rev Chil Enf Respir. 2011;27:43-8. Neste caso, a investigação foi motivada pela evolução desfavorável (deiscência da incisão). A apresentação clínica inicial simulou OMCS com evolução mais agressiva, que foi atribuída ao uso de corticoide e ao lúpus.11. Pereira JCB. Associação entre lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose - revisão crítica. Rev Port Pneumol. 2008;14:843-55.,22. Sousa DC, Medeiros MMC. Lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose renal: descrição de nove casos. Rev Bras Reumatol. 2008;48:2-6. Talvez o conhecimento prévio de que a OMT em lúpicos é muito mais comum que na população geral22. Sousa DC, Medeiros MMC. Lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose renal: descrição de nove casos. Rev Bras Reumatol. 2008;48:2-6. levasse à investigação enfática dessa patologia e maior ponderação na indicação cirúrgica. Entretanto, é difícil dizer se o diagnóstico seria confirmado sem a cirurgia, pela maior dificuldade em se coletar material expressivo. Mesmo com a coleta de material abundante pela incisão deiscente o diagnóstico definitivo não foi possível, o que é compatível com a literatura que aponta dificuldade no diagnóstico etiológico,33. Pinho MM, Kós AOA. Otite média tuberculosa. Braz J Otorhinolaryngol. 2003;69:829-37.,55. Juanet JI, Acuña A, Casar C. Otomastoiditis tuberculosa: a propósito de un caso. Rev Chil Enf Respir. 2011;27:43-8. vindo a se confirmar somente pela pronta melhora da evolução após o início da medicação antituberculosa. Outro aspecto a ser comentado é a imagem tomográfica, que revelou pneumatização normal da mastoide, não esperada em casos de OMCS, devendo alertar o médico a possibilidades diagnósticas mais raras.33. Pinho MM, Kós AOA. Otite média tuberculosa. Braz J Otorhinolaryngol. 2003;69:829-37.

Considerações finais

Condições imunossupressoras, como lúpus e outras doenças autoimunes, assim como o uso de corticoide, associadas ao comportamento atípico das otites ou outras infecções otorrinolaringológicas, devem alertar o médico para infecções específicas, dentre elas, a tuberculose.

Referências

  • 1
    Pereira JCB. Associação entre lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose - revisão crítica. Rev Port Pneumol. 2008;14:843-55.
  • 2
    Sousa DC, Medeiros MMC. Lúpus eritematoso sistêmico e tuberculose renal: descrição de nove casos. Rev Bras Reumatol. 2008;48:2-6.
  • 3
    Pinho MM, Kós AOA. Otite média tuberculosa. Braz J Otorhinolaryngol. 2003;69:829-37.
  • 4
    Sens PM, Almeida CIR, Valle LO, Costa LHC, Angeli MLS. Tuberculose de orelha, doença profissional? Braz J Otorhinolaryngol. 2008;74:621-7.
  • 5
    Juanet JI, Acuña A, Casar C. Otomastoiditis tuberculosa: a propósito de un caso. Rev Chil Enf Respir. 2011;27:43-8.
  • 6
    Ministério Da Saúde. Programa Nacional de Controle da Tuberculose. Nota técnica sobre as mudanças no tratamento da tuberculose no Brasil para adultos e adolescentes, 2009. Available from: http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_tecnica_versao_28_de_agosto_v_5.pdf
    » http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/nota_tecnica_versao_28_de_agosto_v_5.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2014

Histórico

  • Recebido
    28 Ago 2012
  • Aceito
    23 Mar 2013
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