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Apneia obstrutiva do sono e alterações da linguagem oral Como citar este artigo: Corrêa CC, Cavalheiro MG, Maximino LP, Weber SA. Obstructive sleep apnea and oral language disorders. Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83:98-104.

Resumo

Introdução

Crianças e adolescentes com Apneia Obstrutiva do Sono (AOS) podem apresentar sonolência diurna, alterações de aprendizado, memória e atenção, que podem interferir na linguagem oral.

Objetivo

Verificar, com base na literatura, se a AOS apresenta correlação com alterações da linguagem oral.

Método

Foi feita revisão bibliográfica nas bases de dados Lilacs, Pubmed, Scopus e Web of Science, a partir das palavras-chaves “Linguagem Infantil” AND “Apneia do Sono Tipo Obstrutiva”. Os artigos que não se relacionavam ao tema foram excluídos, bem como estudos com crianças que apresentassem outras comorbidades, além da AOS.

Resultados

Foram localizados 37 artigos na Pubmed, 47 na Scopus e 38 na Web of Science e nenhum na Lilacs. A partir dos critérios de inclusão e exclusão, foram selecionados seis estudos, publicados de 2004 a 2014. Dos artigos incluídos, observou-se em quatro artigos a relação do grupo com ronco primário/SAOS com a Linguagem Receptiva e em quatro artigos a relação dessa população com a Linguagem Expressiva. Ressalta-se que os artigos usaram instrumentos diferentes e consideraram níveis diversificados da Linguagem.

Conclusão

O diagnóstico e o tratamento tardio de AOS resultam em alterações significantes na qualidade da aquisição verbal. Torna-se imprescindível a atenção dos profissionais que atuam com a população infantil para esse aspecto, uma vez que grande parte dos sons da fala são adquiridos entre 3–7 anos, que corresponde ao período de pico de ocorrência de hipertrofia adenoamigdaliana e AOS na infância.

Palavras-chave
Linguagem infantil; Transtornos da linguagem; Fonoaudiologia; Apneia do sono tipo obstrutiva

Abstract

Introduction

Children and adolescents with obstructive sleep apnea (OSA) may have consequences, such as daytime sleepiness and learning, memory, and attention disorders, that may interfere in oral language.

Objective

To verify, based on the literature, whether OSA in children was correlated to oral language disorders.

Methods

A literature review was carried out in the Lilacs, PubMed, Scopus, and Web of Science databases using the descriptors “Child Language” AND “Obstructive Sleep Apnea”. Articles that did not discuss the topic and included children with other comorbidities rather than OSA were excluded.

Results

In total, no articles were found at Lilacs, 37 at PubMed, 47 at Scopus, and 38 at Web of Science databases. Based on the inclusion and exclusion criteria, six studies were selected, all published from 2004 to 2014. Four articles demonstrated an association between primary snoring/OSA and receptive language and four articles showed an association with expressive language. It is noteworthy that the articles used different tools and considered different levels of language.

Conclusion

The late diagnosis and treatment of obstructive sleep apnea is associated with a delay in verbal skill acquisition. The professionals who work with children should be alert, as most of the phonetic sounds are acquired during ages 3–7 years, which is also the peak age for hypertrophy of the tonsils and childhood OSA.

Keywords
Child language; Language disorders; Speech, language and hearing sciences; Obstructive sleep apnea

Introdução

A apneia obstrutiva do sono (AOS) é caracterizada pela obstrução parcial e/ou completa das vias aéreas superiores durante o sono, associada ao aumento do esforço respiratório, sono fragmentado e/ou anormalidades nas trocas gasosas.11 American Academy of Sleep Medicine. The AASM manual for the scoring of sleep and associated events: rules, terminology and technical specifications. 1st ed. Westchester: Illinois; 2007.,22 Katz ES, D'Ambrosio CM. Pediatric obstructive sleep apnea syndrome. Clin Chest Med. 2010;31:221-34. Em crianças, distingue-se do quadro observado em adultos quanto a fisiopatologia, quadro clínico e tratamento.22 Katz ES, D'Ambrosio CM. Pediatric obstructive sleep apnea syndrome. Clin Chest Med. 2010;31:221-34. Com relação à fisiopatologia, a AOS em crianças tem um padrão predominante de obstrução parcial e persistente de vias aéreas superiores, implica hipercapnia e hipóxia intermitente.33 Marcus CL. Pathophysiology of childhood obstructive sleep apnea: current concepts. Resp Physiol. 2000;119:143-54. O ronco, principal sintoma de AOS, se faz presente no quadro clínico de praticamente todas as crianças com essa alteração. Também fazem parte do quadro clínico sinais e sintomas como respiração bucal forçada, com retrações costais, sonambulismo, enurese e sudorese noturna, tosse, engasgos e agitação durante o sono, é comum a movimentação em busca de posições que facilitem a passagem aérea.44 American Academy of Pediatrics. Clinical practice guideline diagnosis and management of childhood obstructive sleep apnea syndrome. Pediatrics. 2002;109:704-12. Já o tratamento difere do aplicado nos adultos, a adenotonsilectomia é aquele considerado como padrão ouro e, quando feito no momento adequado, beneficia a criança em aspectos neuropsicológicos, comportamentais e de qualidade de vida, ressalta-se que esse sucesso apresenta menor taxa em crianças obesas.55 Marcus CL, Brooks LJ, Draper KA, Gozal D, Halbower AC, Jones J, et al. Diagnosis and management of childhood obstructive sleep apnea syndrome. Pediatrics. 2012;130:1-9.,66 Marcus CL, Moore RH, Rosen CL, Giordani B, Garetz SL, Taylor HG, et al. A randomized trial of adenotonsillectomy for childhood sleep apnea. N Engl J Med. 2013;368:2366-76.

Estima-se que a prevalência de AOS em crianças saudáveis, sem outro quadro clínico associado, varia de 0,7 a 3%.77 American Thoracic Societ. Cardiorespiratory sleep studies in children. Am J Respir Crit Care Med. 1999;160:1381-7.1010 Bixler EO, Vgontzas AN, Lin HM, Liao D, Calhoun S, Vela-Bueno A, et al. Sleep disordered breathing in children in a general population sample: prevalence and risk factors. Sleep. 2009;32:731-6. A incidência é maior na idade pré-escolar, faixa etária na qual há maior desproporção entre a hipertrofia das tonsilas palatinas e faríngea e as dimensões das vias aéreas superiores.55 Marcus CL, Brooks LJ, Draper KA, Gozal D, Halbower AC, Jones J, et al. Diagnosis and management of childhood obstructive sleep apnea syndrome. Pediatrics. 2012;130:1-9. Essa fase é marcada também como privilegiada para a aquisição e o desenvolvimento da linguagem e intensa neuroplasticidade do sistema nervoso central, o que favorece a aprendizagem.1111 Zorzi JL. A intervenção fonoaudiológica nas alterações de linguagem infantil. Rio de Janeiro: Revinter; 2002.1414 Anderson V, Spencer-Smith M, Wood A. Do children really recover better? Neurobehavioural plasticity after early brain insult. Brain. 2011;134:2197-221.

Dentre as consequências da AOS em crianças, considera-se a associação com déficits de atenção e de memória, o que pode comprometer o processamento e o registro de informações e reduzir a capacidade de aprendizado.1515 Owens J, Spirito A, Marcotte A, McGuinn M, Berkelhammer L. Neuropsychological and behavioral correlates of obstructive sleep apnea syndrome in children: a preliminary study. Sleep Breath. 2000;4:67-78.1717 Kennedy JD, Blunden S, Hirte C, Parsons DW, Martin AJ, Crowe E, et al. Reduced neurocognition in children who snore. Pediatr Pulmonol. 2004;37:330-7. Soma-se, ainda, influência desse quadro no humor nas habilidades linguísticas expressivas, no desempenho escolar, nas habilidades cognitivas e na percepção visual dessa população.1818 Gozal D. Sleep-disordered breathing and school performance in children. Pediatrics. 1998;102 3 Pt 1:616-20.2020 Uema SFH, Pignatari SSN, Fujita RR, Moreira GA, Pradella-Hallinan M, Weckx L. Avaliação da função cognitiva da aprendizagem em crianças com distúrbios obstrutivos do sono. Rev Bras Otorrinolaringol. 2007;73:315-20.

Tendo em vista a frequência relatada na literatura da AOS durante importante fase do desenvolvimento de crianças pré-escolares e a influência em habilidades envolvidas no processo de aquisição da linguagem, aprendizagem e desempenho escolar, torna-se relevante averiguar o desenvolvimento da linguagem oral nessas crianças. Há evidências fortes da associação entre AOS e déficit neurocognitivo,66 Marcus CL, Moore RH, Rosen CL, Giordani B, Garetz SL, Taylor HG, et al. A randomized trial of adenotonsillectomy for childhood sleep apnea. N Engl J Med. 2013;368:2366-76.,1717 Kennedy JD, Blunden S, Hirte C, Parsons DW, Martin AJ, Crowe E, et al. Reduced neurocognition in children who snore. Pediatr Pulmonol. 2004;37:330-7.,1919 Beebe DW, Gozal D. Obstructive sleep apnea and the prefrontal cortex: towards a comprehensive model linking nocturnal upper airway obstruction to daytime cognitive and behavioral deficits. J Sleep Res. 2002;11:1-16. mas não é possível localizar na literatura estudos que enfoquem o desenvolvimento de linguagem especificamente.

Para a compreensão da linguagem oral nessa população, devem-se investigar habilidades psicolinguísticas de modo amplo, desde a linguagem receptiva, que é definida pela capacidade da compreensão da linguagem em diferentes aspectos, como a compreensão da entonação da voz do outro durante a fala e a do significado das palavras, estejam elas em diferentes contextos e complexidades; até a linguagem expressiva, que se refere à capacidade de organização do sistema linguístico na programação motora; e, por fim, na verbalização de uma sequência de símbolos e significados, no caso da linguagem oral, o que resulta na habilidade de se expressar verbalmente.2121 Feldman HM, Campbell TF, Kurs-Lasky M. Concurrent and predictive validity of parent reports of child language at ages 2 and 3 years. Child Dev. 2005;76:856-68.2323 Smeekens S, Riksen-Walraven JM, van Bakel HJA. Profiles of competence and adaptation in preschoolers as related to the quality of parent–child interaction. J Res Pers. 2008;42:1490-9.

A observação e a mensuração de todos esses níveis linguísticos são possíveis apenas a partir da aplicação de protocolos desenvolvidos especificamente para a língua de origem do paciente e que apresentem escores comparativos com o parâmetro de normalidade para cada faixa etária. O único estudo que detalha esse aspecto é uma revisão sistemática que localizou, para a avaliação da linguagem oral receptiva, os seguintes testes: Peabody Picture Vocabulary Test, Peabody Picture Vocabulary Test-Revised (PPVT-R), Swedish Communication Screening at 18 months of age (SCS18), Test for Reception of Grammar – 2 (TROG-2), Reynell Test, Reynell Development Language Scales e Reynell Developmental Language Scales–II. Ressalta-se que são escassos os instrumentos e que nem todos apresentam estudos de validade.2424 Gurgel LG, Plentz RDM, Joly MCRA, Reppold CT. Instrumentos de avaliação da compreensão de linguagem oral em crianças e adolescentes: uma revisão sistemática da literatura. Rev Neuropsicol Latinoamericana. 2010;2:1-10.

Dessa forma, o presente estudo teve por objetivo verificar se a AOS apresenta correlação com possíveis alterações da linguagem oral.

Método

Foi feita busca na literatura sem delimitação temporal, por meio do cruzamento das palavras-chave “Linguagem Infantil” AND “Apneia do Sono Tipo Obstrutiva”, bem como seus correspondentes em inglês, “Child Language” AND “Sleep Apnea Obstructive”. Para isso, foram consultadas quatro bases de dados: Lilacs, PubMed, Scopus e Web of Science.

Como critérios de inclusão, foram admitidos artigos que trouxessem a temática central de crianças/adolescentes com AOS e apresentassem o enfoque em alterações na linguagem oral. Assim, compreenderam os critérios de exclusão: artigos que apresentassem outros quadros clínicos coexistentes que justificassem a alteração do sono ou da linguagem, como, por exemplo, fissura labiopalatina, síndromes genéticas (Down, craniossinostoses e velocardiofacial) e TDAH; com o foco em alterações motoras da fala, como apraxia de fala, e artigos de revisão de literatura. Ressalta-se que a busca foi feita pelo sistema VPN (Virtual Private Network); os artigos que não se apresentaram disponíveis na íntegra também foram excluídos.

A seleção foi feita mediante a leitura dos títulos e resumos. Em seguida, foram acessados e analisados os artigos na íntegra, para que fossem definitivamente admitidos ou não no estudo. Os artigos incluídos foram analisados quanto aos seus objetivos, métodos, resultados e conclusões. Também foram analisados os resultados específicos das avaliações referentes a linguagem oral e sua especificação (receptiva e/ou expressiva) e apontadas as limitações de cada estudo.

Resultados

Mediante a busca feita, foram localizados 37 artigos na PubMed, 47 na Scopus e 38 na Web of Science e nenhum na Lilacs.

Em primeira análise, considerando a leitura dos títulos e resumos, foram selecionados oito estudos. A localização em uma ou mais bases de dados dos artigos selecionados é apresentada na figura 1.

Figura 1
Descrição da base de dados dos resumos considerados, em quantidade, quando foram localizados em mais de uma base.

Para a apuração final, todos os artigos foram lidos na íntegra, exceto dois, que não se apresentavam inteiramente disponíveis e foram excluídos do estudo. Assim, a tabela 1 traz os seis estudos incluídos no presente trabalho, com informações sobre autoria, ano, periódico e base de dados em que foram localizados, por ordem crescente cronológica.

Tabela 1
Dados de autoria, ano, periódico e base de dados dos artigos considerados no estudo

A tabela 2 traz a análise dos artigos considerados.

Tabela 2
Informações sobre objetivo, casuística, métodos e resultados (especificamente a respeito da linguagem oral) dos artigos considerados no estudo

Discussão

Os atuais estudos a respeito da AOS têm apresentado a característica primordial da interdisciplinaridade devido aos possíveis comprometimentos, variados e heterogêneos, que essa condição pode ocasionar. Necessitam, assim, de uma visão holística do indivíduo para um tratamento mais assertivo.

Como resultado da busca feita, pôde-se averiguar que os artigos selecionados sobre a linguagem oral foram publicados recentemente. Deve-se considerar que o diagnóstico da AOS tem aumentado nos últimos anos,3131 Valera FCP, Demarco RC, Anselmo-Lima WT. Síndrome da apnéia e da hipopnéia obstrutivas do sono (SAHOS) em crianças. Rev Bras Otorrinolaringol. 2004;70:232-7. o que pode justificar o aumento de crianças com AOS e o número maior de pesquisas científicas atuais que investigam esses aspectos.

A maioria dos trabalhos foi publicada em periódicos relacionados à área da Pediatria (quatro), um na Medicina do Sono e um Neuropsicologia. Ressalta-se que não foram encontradas publicações em periódicos da área da Fonoaudiologia, profissão responsável pela compreensão e atuação nos aspectos fonoaudiológicos da função auditiva periférica e central, função vestibular, linguagem oral e escrita, voz, fluência, articulação da fala e dos sistemas miofuncional, orofacial, cervical e de deglutição.3232 Conselho Federal de Fonoaudiologia. Exercício profissional do fonoaudiólogo 2002. Brasília (DF): CFF; 2002. [cited 21 Mar 2015]. Available from: http://www.fonoaudiologia.org.br/publicacoes/epdo1.pdf
http://www.fonoaudiologia.org.br/publica...

De modo geral, os estudos analisados apresentaram como objetivo avaliar as funções comportamentais e neurocognitivas, um trabalho investigou a fluência verbal e o desempenho escolar. Desse modo, não houve enfoque exclusivo de análise da linguagem oral, que procurasse compreendê-la efetivamente em todos seus níveis. Para a compreensão dessa linguagem, devem ser consideradas as competências da linguagem expressiva e da linguagem receptiva, ou seja, os processos de organização e expressão do pensamento que, enquanto comportamento regrado, podem ser descritos pelos aspectos: fonológico (inventário de sons de uma língua e as regras de combinação para formar unidades significativas); sintático (regras de produção verbal enquanto estrutura, levando em consideração a análise morfológica e gramatical); semântico (caracterizada pelo repertório lexical e relacionado ao significado das palavras e suas combinações) e pragmático (regras relacionadas a intencionalidade, contexto e funcionalidade da fala).3333 Hage SRV, Resegue MM, Viveiros DCS, Pacheco EF. Análise do perfil das habilidades pragmáticas em crianças pequenas normais. Pró-Fono Rev Atualização Científica. 2007;19:49-58.3636 Pennington BF, Bishop DV. Relations among speech, language, and reading disorders. Rev Psychol. 2009;60:283-306.

Além disso, considerando que o desenvolvimento da linguagem ocorre de forma gradual, respeita a maturação da criança e é influenciado pelas relações estabelecidas pelo meio ambiente que está inserido,3232 Conselho Federal de Fonoaudiologia. Exercício profissional do fonoaudiólogo 2002. Brasília (DF): CFF; 2002. [cited 21 Mar 2015]. Available from: http://www.fonoaudiologia.org.br/publicacoes/epdo1.pdf
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a faixa etária da casuística contemplada nos estudos incluídos na presente pesquisa foi um fator limitante, devido a sua alta variabilidade, que impediu comparações. Ressalta-se que três estudos avaliaram crianças até 6 anos,2727 Andreou G, Agapitou P. Reduced language abilities in adolescents who snore. Arch Clin Neuropsychol. 2007;22:225-9.,2929 Liukkonen K, Virkkula P, Haavisto A, Suomalainen A, Aronen ET, Pitkäranta A, et al. Symptoms at presentation in children with sleep-related disorders. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2012;76:327-33.,3030 Yorbik O, Mutlu C, Koc D, Mutluer T. Possible negative effects of snoring and increased sleep fragmentation on developmental status of preschool children. Sleep Biol Rhythms. 2014;12:30-6. um avaliou de 5 a 7 anos,2525 O'Brien LM, Mervis CB, Holbrook CR, Bruner JL, Klaus CJ, Rutherford J, et al. Neurobehavioral implications of habitual snoring in children. Pediatrics. 2004;114:44-9. outro apresentou crianças de 6 a 13 anos2626 Kurnatowski P, Putyński L, Lapienis M, Kowalska B. Neurocognitive abilities in children with adenotonsillar hypertrophy. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2006;70:419-24. e, por último, houve a avaliação de adolescentes.2828 Landau YE, Bar-Yishay Greenberg-Dotan S, Goldbart AD, Tarasiuk A, Tal A. Impaired behavioral and neurocognitive function in preschool children with obstructive sleep apnea. Pediatr Pulmonol. 2012;47:180-8.

O desenvolvimento da linguagem é caracterizado pela presença de alguns marcadores, um deles é o período de 4 a 7 anos, no qual a criança passa a produzir sons mais complexos, de forma gradual, inicia pela produção adequada de palavras mais simples e até palavras mais longas.3535 Wertzner HF. Fonologia: desenvolvimento e alterações. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO, editors. Tratado de Fonoaudiologia. 1st ed São Paulo: Roca; 2004. p. 772-86. Em relação à casuística apresentada, observou-se em quatro trabalhos a idade máxima de 7 anos e outros dois consideraram crianças de faixa etária acima da idade prevista para a estabilidade do sistema fonológico. Apesar de não ser possível estabelecer relações entre as amostras quanto ao desenvolvimento fonológico, devido ao intervalo da faixa etária, cabe ressaltar que o período entre 3 e 7 anos é o pico de ocorrência de hipertrofia de adenoide em crianças com AOS3737 Greenfeld M, Tauman R, DeRowe A, Sivan Y. Obstructive sleep apnea syndrome due to adenotonsillar hypertrophy in infants. Int J Pediatr Otorhinolaryngol. 2003;67:1055-60. e é também quando grande parte dos sons da fala é adquirida.3535 Wertzner HF. Fonologia: desenvolvimento e alterações. In: Ferreira LP, Befi-Lopes DM, Limongi SCO, editors. Tratado de Fonoaudiologia. 1st ed São Paulo: Roca; 2004. p. 772-86.

Os estudos diferem ainda pelas características do sono, em três artigos foram consideradas crianças com AOS diagnosticadas por meio do exame de PSG, dois compostos por crianças com ronco primário e um estudo que não apontou entre seus métodos a PSG, caracterizou a amostra apenas com uso de questionários. A definição do diagnóstico da AOS por meio da PSG, bem como seu grau, é necessária para possibilitar a correlação das alterações da linguagem oral com a estimativa do comprometimento fisiológico.3838 Ryan CM, Bradley TD. Pathogenesis of obstructive sleep apnea. J Appl Physiol. 2005;99:2440-50. Ressalta-se ainda que, nos cinco estudos que constaram a PSG nos métodos, os critérios/parâmetros adotados para considerar a AOS também diferiram (variaram de IAH > 1 até IAH > 10). Dessa forma, torna-se difícil a comparação entre os estudos incluídos, e, considerando que todos apresentam o desenho transversal, o nível de evidência trazido por eles é intermediário.

No que tange à metodologia de análise da linguagem, mediante os diferentes testes usados para avaliar a linguagem oral (Kaufman, Peabody, Token, Nepsy e um teste grego não especificado), não foi possível uma comparação minuciosa dos resultados apurados. Isso sugere a necessidade de pesquisas com a padronização desses protocolos, favorece maior entendimento da correlação da AOS com a linguagem oral. Entretanto, apesar da ausência de índices estatísticos que comparem os resultados da presente pesquisa, há crescente evidência do comprometimento da linguagem oral nos casos de AOS.

Nos que se refere aos níveis da linguagem oral, nos resultados dos estudos citados foram encontradas dificuldades nos níveis semânticos, fonológicos e de fluência verbal. Alguns autores buscaram explicar como o desempenho neurocognitivo de crianças pode ser afetado pelas alterações de sono. Além disso, afirma-se que os déficits de linguagem e fluência verbal podem ser explicados pelo efeito cumulativo da interrupção na arquitetura do sono associado ao período de maturação neurológica, que, ao longo dos anos, interfere no desenvolvimento das redes sinápticas neuronais e que ocorre de maneira rápida e intensa em crianças.1919 Beebe DW, Gozal D. Obstructive sleep apnea and the prefrontal cortex: towards a comprehensive model linking nocturnal upper airway obstruction to daytime cognitive and behavioral deficits. J Sleep Res. 2002;11:1-16.,3939 O'Brien LM, Gozal D. Behavioral and neurocognitive implications of snoring and obstructive sleep apnea in children: facts and theory. Pediatric Respir Rev. 2002;3:3-9. Os déficits de fluência verbal ainda estão associados à disfunção no córtex pré-frontal.4040 Desmond J, Fiez J. Neuroimaging studies of the cerebellum: language, learning and memory. Trends Cogn Sci. 1998;2:355-62.,4141 Janowski JS, Shimamura AP, Squire LR. Source memory impairment in patients with frontal lobe lesions. Neuropsychologia. 1989;27:1043-56.

Dessa forma, o diagnóstico e o tratamento precoces devem ser enfatizados, não só pelas possíveis implicações na linguagem oral, como demonstrado nos estudos revisados da literatura, que tendem a se agravar conforme a idade cronológica da criança,2727 Andreou G, Agapitou P. Reduced language abilities in adolescents who snore. Arch Clin Neuropsychol. 2007;22:225-9. mas também pelos benefícios no desempenho neurocognitivos e na qualidade de vida dessas crianças.1818 Gozal D. Sleep-disordered breathing and school performance in children. Pediatrics. 1998;102 3 Pt 1:616-20.,4242 Goldstein NA, Post JC, Rosenfeld RM, Campbell TF. Impact of tonsillectomy and adenoidectomy on child behavior. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2000;126:494-9.4444 Balbani APS, Weber SAT, Montovani JC, Carvalho LR. Pediatras e os distúrbios respiratórios do sono na criança. Rev Assoc Med Bras. 2005;51:80-6.

  • Como citar este artigo: Corrêa CC, Cavalheiro MG, Maximino LP, Weber SA. Obstructive sleep apnea and oral language disorders. Braz J Otorhinolaryngol. 2017;83:98-104.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Feb 2017

Histórico

  • Recebido
    14 Jun 2015
  • Aceito
    10 Jan 2016
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