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Rouquidão, desconforto do trato vocal e fatores de risco associados em controladores de tráfego aéreo Como citar este artigo: Korn GP, Villar AC, Azevedo RR. Hoarseness and vocal tract discomfort and associated risk factors in air traffic controllers. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:329-36.

Resumo

Introdução:

O controlador de tráfego aéreo é um profissional que executa funções de controle de tráfego aéreo em unidades de controle de tráfego aéreo e são responsáveis por controlar as várias fases de um voo.

Objetivo:

Comparar a rouquidão e o desconforto no trato vocal e seus fatores de risco em controladores de tráfego aéreo no centro de controle de aproximação de São Paulo.

Método:

Em um estudo transversal, uma autoavaliação de voz adaptada da autoavaliação preparada pelo Ministério do Trabalho para professores foi administrada a 76 profissionais do centro de controle de aproximação de São Paulo, Brasil.

Resultados:

A porcentagem de rouquidão e desconforto no trato vocal foi de 19,7% e 38,2%, respectivamente. Em relação à poluição do ar, as porcentagens de rouquidão e desconforto no trato vocal foram maiores entre aqueles que consideram seu ambiente de trabalho como intolerável do que entre aqueles em um ambiente confortável ou incômodo. A porcentagem de rouquidão foi maior entre aqueles que procuram assistência médica devido a queixas vocais e entre aqueles que têm dificuldade de usar a voz no trabalho do que entre aqueles que experimentam dificuldade leve ou não apresentam dificuldades. A porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles em um ambiente muito tenso e estressante do que entre aqueles que consideram seu ambiente de trabalho leve ou moderadamente tenso e estressante. A porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que se descrevem como muito tensos e estressados ou tensos e estressados do que entre aqueles que se descrevem como calmos. Além disso, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que se preocupam com sua saúde.

Conclusão:

Entre os controladores de tráfego aéreo, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi quase o dobro da rouquidão. Ambos os sintomas são prevalentes entre os controladores de tráfego aéreo que consideram o seu local de trabalho intolerável em termos de poluição do ar. O desconforto no trato vocal foi associado a um ambiente tenso e estressante e a rouquidão foi associada à dificuldade de usar a voz no trabalho.

KEYWORDS
Risk factors; Hoarseness; Workplace; Voice

Abstract

Introduction:

An air traffic controller is a professional who performs air traffic control functions in air traffic control units and is responsible for controlling the various stages of a flight.

Objective:

To compare hoarseness and vocal tract discomfort and their risk factors among air traffic controllers in the approach control of São Paulo.

Methods:

In a cross-sectional survey, a voice self-evaluation adapted from to self-evaluation prepared by the Brazilian Ministry of Labor for teachers was administered to 76 air traffic controllers at approach control of São Paulo, Brazil.

Results:

The percentage of hoarseness and vocal tract discomfort was 19.7% and 38.2%, respectively. In relation to air pollution, the percentages of hoarseness and vocal tract discomfort were higher among those who consider their working environment to be intolerable than among those in a comfortable or disturbing environment. The percentage of hoarseness was higher among those who seek medical advice due to vocal complaints and among those who experience difficulty using their voice at work than among those who experience mild or no difficulty. The percentage of vocal tract discomfort was higher among those in a very tense and stressful environment than among those who consider their work environment to be mild or moderately tense and stressful. The percentage of vocal tract discomfort was higher among those who describe themselves as very tense and stressed or tense and stressed than among those who describe themselves as calm. Additionally, the percentage of vocal tract discomfort was higher among those who care about their health.

Conclusion:

Among air traffic controllers, the percentage of vocal tract discomfort was almost twice that of hoarseness. Both symptoms are prevalent among air traffic controllers who considered their workplace intolerable in terms of air pollution. Vocal tract discomfort was related to a tense and stressful environment, and hoarseness was related to difficulty using the voice at work.

KEYWORDS
Risk factors; Hoarseness; Workplace; Voice

Introdução

O uso profissional da voz é definido como a comunicação oral por pessoas que dependem da voz para fazer as atividades de trabalho.11 Brazilian Society of Otorhinolaryngology, Brazilian Academy of Laryngology and Voice. Voice and work: a matter of health and worker's rights. In: 3rd national consensus on professional voice. 2004. Aproximadamente um terço das profissões atuais usa a voz em graus variados.22 Vilkman E. Occupational safety and health aspects of voice and speech professions. Folia Phoniatr Logop. 2004;56:220-53. Entre os profissionais que dependem de suas vozes, os professores são o foco da maioria dos estudos sobre uso profissional da voz.33 Dragone ML, Ferreira LP, Giannini SP, Simões-Zenari M, Vieira VP, Behlau M. Teachers’ voice: a review of 15 years of SLP contribution. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2010;15:289-96.

4 Cantor Cutiva LC, Vogel I, Burdorf A. Voice disorders in teachers and their associations with work-related factors: a systematic review. J Commun Disord. 2013;46:143-55.

5 Titze IR, Lemke J, Montequin D. Populations in the U.S. workforce who rely on voice as a primary tool of trade: a preliminary report. J Voice. 1997;11:254-9.

6 Korn GP, Augusto de Lima Pontes A, Abranches D, Augusto de Lima Pontes P. Vocal tract discomfort and risk factors in university teachers. J Voice. 2016;30:507.e1-8.

7 Korn GP, Augusto de Lima Pontes A, Abranches D, Augusto de Lima Pontes P. Hoarseness and risk factors in university teachers. J Voice. 2015;29:518.e21-8.

8 Korn GP, Park SW, Pontes AAL, Pontes PAL. Vocal symptoms and associated risk factors between male and female university teachers. Int Arch Otorhinolaryngol. 2018;22:271-9.

9 Hunter EJ, Titze IR. Variations in intensity, fundamental frequency, and voicing for teachers in occupational versus nonoccupational settings. J Speech Lang Hear Res. 2010;53:862-75.
-1010 Titze IR, Hunter EJ, Svec JG. Voicing and silence periods in daily and weekly vocalizations of teachers. J Acoust Soc Am. 2007;121:469-78.

Entre outros trabalhadores que fazem uso profissional da voz, os controladores de tráfego aéreo (CTA) têm sido o foco de poucos estudos sobre problemas de voz e competência de comunicação.1111 Villar AC, Korn GP, Azevedo RR. Perceptual-auditory and acoustic analysis of air traffic controllers’ voices pre- and postshift. J Voice. 2016;30:768.e11-5.

Um CTA é um profissional que desempenha funções de controle de tráfego aéreo em unidades de controle de tráfego aéreo sob o Comando Aeronáutico Brasileiro. Esses profissionais são responsáveis pelo controle das várias etapas de um voo.1212 Departamento de Controle do Espaço Aéreo. Serviços de Tráfego Aéreo (ICA 100-37) [Internet]. Rio de Janeiro: Comando da Aeronáutica; 2013, 188p. Available from: http://servicos.decea.gov.br/arquivos/publicacoes/78ac54dc-ff24-4977-8a7fc5a2f6459dc9.pdf?CFID=2cd3d7a9-1d68-4257-98a5-90607b28e386&CFTOKEN=0 [accessed 22.05.15].
http://servicos.decea.gov.br/arquivos/pu...

Uma aeronave normalmente passa por três níveis de controle de tráfego entre a decolagem e o pouso. A torre é responsável pela aeronave até perder contato visual, enquanto o Controle de Aproximação (APP) e o Centro de Controle de Área (ACC) são responsáveis pela direção do avião no ar.1111 Villar AC, Korn GP, Azevedo RR. Perceptual-auditory and acoustic analysis of air traffic controllers’ voices pre- and postshift. J Voice. 2016;30:768.e11-5.

A função dos controladores de APP é assegurar uma distância mínima entre os aviões sob seu comando perto do aeroporto e indicar por rádio as coordenadas (headings), velocidades e altitudes que o piloto deve adotar para voar com a máxima segurança e evitar colisões.1212 Departamento de Controle do Espaço Aéreo. Serviços de Tráfego Aéreo (ICA 100-37) [Internet]. Rio de Janeiro: Comando da Aeronáutica; 2013, 188p. Available from: http://servicos.decea.gov.br/arquivos/publicacoes/78ac54dc-ff24-4977-8a7fc5a2f6459dc9.pdf?CFID=2cd3d7a9-1d68-4257-98a5-90607b28e386&CFTOKEN=0 [accessed 22.05.15].
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Essa é uma tarefa altamente dinâmica que requer a atenção especial desses controladores porque, além de fornecer a sequência final para o pouso, os CTA devem manter uma distância entre a aeronave que pousa daquelas que decolam. Sua voz é, portanto, de extrema importância e quaisquer alterações vocais que influenciem a transmissão de sua voz para os pilotos, mesmo que temporárias, podem colocar em risco centenas de vidas.1111 Villar AC, Korn GP, Azevedo RR. Perceptual-auditory and acoustic analysis of air traffic controllers’ voices pre- and postshift. J Voice. 2016;30:768.e11-5.

O Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP) é responsável por uma área de aproximadamente 260 km e foi responsável pelo movimento de 320.179 aeronaves em 2015, o que representa 17,6% do movimento anual de aeronaves em aeroportos administrados pela Companhia Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária.1313 Empresa Brasileira de Infraestrutura Aeroportuária (INFRAERO). Movimento nos Aeroportos: Estatística 2015 [Internet]. Brasília: INFRAERO; 2016, 150p. Available from: http://www.infraero.gov.br/index.php/br/estatisticas/estatisticas.html [cited 13.09.17].
http://www.infraero.gov.br/index.php/br/...

Os CTA que trabalham nessa área de controle, portanto, tendem a apresentar maior risco de disfonia porque, além do estresse natural de seu trabalho, estão sujeitos a maiores demandas sobre suas vozes do que aquelas experimentadas por CTA de outros órgãos operacionais.1111 Villar AC, Korn GP, Azevedo RR. Perceptual-auditory and acoustic analysis of air traffic controllers’ voices pre- and postshift. J Voice. 2016;30:768.e11-5.

Recentemente usamos uma pesquisa de autoavaliação de voz, elaborada pelo Ministério do Trabalho para professores,1414 Ministry of Labor and Employment (Brazil). Labor Office in the State Sao Paulo SDT 1 North/SP. Occupational dysphonia program in teachers. Sao Paulo, Brazil: Labor Office in the State of Sao Paulo, Security Section and Health Worker; 2003. para obter um perfil epidemiológico de queixas de voz (rouquidão e desconforto no trato vocal) e fatores de risco em professores universitários.66 Korn GP, Augusto de Lima Pontes A, Abranches D, Augusto de Lima Pontes P. Vocal tract discomfort and risk factors in university teachers. J Voice. 2016;30:507.e1-8.

7 Korn GP, Augusto de Lima Pontes A, Abranches D, Augusto de Lima Pontes P. Hoarseness and risk factors in university teachers. J Voice. 2015;29:518.e21-8.
-88 Korn GP, Park SW, Pontes AAL, Pontes PAL. Vocal symptoms and associated risk factors between male and female university teachers. Int Arch Otorhinolaryngol. 2018;22:271-9. Professores universitários apresentam alta porcentagem de rouquidão e desconforto no trato vocal (39,6% e 50,8%, respectivamente). Fatores como tempo de ensino, gênero, organização do trabalho, condições de trabalho, além de hábitos e estilo/qualidade de vida estão relacionados a esses sintomas autorrelatados.77 Korn GP, Augusto de Lima Pontes A, Abranches D, Augusto de Lima Pontes P. Hoarseness and risk factors in university teachers. J Voice. 2015;29:518.e21-8.,88 Korn GP, Park SW, Pontes AAL, Pontes PAL. Vocal symptoms and associated risk factors between male and female university teachers. Int Arch Otorhinolaryngol. 2018;22:271-9.

Em outro estudo recente sobre o Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP), Villar et al.1111 Villar AC, Korn GP, Azevedo RR. Perceptual-auditory and acoustic analysis of air traffic controllers’ voices pre- and postshift. J Voice. 2016;30:768.e11-5. usaram uma análise perceptual-auditiva da vogal /a/ e observaram que uma alta porcentagem de CTA apresentava alterações vocais (44%), mesmo em um grupo de indivíduos sem queixas vocais.

Não encontramos estudo sobre autoavaliação em CTA. O uso dessa autoavaliação de voz adaptada para CTA pode fornecer informações sobre a prevalência de rouquidão e desconforto no trato vocal e fatores de risco relacionados nesse importante grupo de usuários profissionais da voz.

O objetivo deste estudo é comparar a rouquidão autopercebida e o desconforto no trato vocal e os fatores de risco em Controladores de Tráfego Aéreo (CTA) no Controle de Aproximação de São Paulo (APP-SP).

Método

Este estudo transversal foi analisado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (CAAE 49357115.6.0000.5505) e foi autorizado pelo Comando Brasileiro de Aeronáutica, a partir do qual os dados foram coletados.

Formulários de autoavaliação de voz, elaborados pelo Ministério do Trabalho para professores1414 Ministry of Labor and Employment (Brazil). Labor Office in the State Sao Paulo SDT 1 North/SP. Occupational dysphonia program in teachers. Sao Paulo, Brazil: Labor Office in the State of Sao Paulo, Security Section and Health Worker; 2003. e adaptados para CTA foram completados pelos 76 CTA pertencentes à APP-SP por um mês em 2016.

As variáveis analisadas relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal foram selecionadas dos formulários de autoavaliação e agrupadas da seguinte forma:

  • Variáveis de identificação: idade, sexo e tempo de trabalho como CTA (em anos);

  • Variáveis de organização do trabalho: atividades profissionais além de CTA e atividade profissional que consome mais tempo;

  • Variáveis do local de trabalho: ruído, poluição do ar, ar condicionado (os CTA escolheram entre três opções: confortável, tolerável e intolerável); e estresse e ansiedade devido à atividade (três opções: leve, moderada e muito tensa e estressante);

  • Variáveis de cuidados com a voz: cuidados ou medicação para a garganta ou voz, busca de atendimento médico por causa de sintomas vocais e o grau de dificuldade de usar a voz durante o trabalho (nenhum, leve, moderado e grave);

  • Variáveis de hábitos e estilo/qualidade de vida fora da APP: uso da voz, estresse e ansiedade (calmo, tenso e ansioso, e muito tenso e ansioso), consumo de água/hidratação, dieta, tabagismo, consumo de álcool, consumo de café e cuidados com a saúde (distraído, controlado/cuidadoso ou preocupado).

Foram consideradas diferenças nas taxas de rouquidão e de desconforto no trato vocal para cada variável. As análises estatísticas foram feitas com o pacote estatístico SPSS para Windows, versão 13.0. O teste t de Student foi usado para comparar as taxas de rouquidão e desconforto no trato vocal com as variáveis numéricas; o teste do qui-quadrado foi usado para comparar a rouquidão e o desconforto no trato vocal com as variáveis categóricas; e o teste exato de Fisher ou teste de razão de verossimilhança foi usado quando necessário. Usou-se um nível de significância de 5% (p < 0,05).

Resultados

A incidência de rouquidão e desconforto no trato vocal na amostra de 76 CTA foi de 19,7% e 38,2%, respectivamente. Dos CTA, 13,16% apresentaram os dois sintomas. O tempo médio e desvio-padrão do tempo trabalhando como CTA foi de 7,8 ± 6,6 anos (variação de um a 37 anos). A idade dos CTA era de 29,2 ± 6,5 anos e eram predominantemente do sexo masculino (57,9%).

Variáveis de identificação e de organização do trabalho

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nas taxas de rouquidão e desconforto no trato vocal para as variáveis de identificação e de organização do trabalho (tabelas 1 e 2, respectivamente).

Tabela 1
Comparação de variáveis de identificação relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal
Tabela 2
Comparação de variáveis de organização do trabalho relacionadas à rouquidão e desconforto no trato vocal

Variáveis do local de trabalho

Em termos de poluição do ar, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que consideravam o local de trabalho intolerável do que entre aqueles que consideravam seu local de trabalho confortável e tolerável.

A porcentagem de desconforto no trato vocal também foi maior entre aqueles que consideravam seu local de trabalho um ambiente muito tenso e estressante do que aqueles que consideravam seu local de trabalho um ambiente leve ou moderadamente tenso e estressante.

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes na taxa de rouquidão e desconforto no trato vocal para as demais variáveis (tabela 3).

Tabela 3
Comparação de variáveis do local de trabalho relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal

Variáveis de cuidados com a voz

A porcentagem de rouquidão foi maior entre aqueles que haviam procurado cuidados médicos por causa da rouquidão. A porcentagem de rouquidão também foi maior entre aqueles que experimentaram dificuldade moderada no trabalho devido a problemas vocais.

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes na taxa de rouquidão e desconforto no trato vocal para a outra variável (tabela 4).

Tabela 4
Comparação de variáveis de cuidado vocal relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal

Variáveis de hábitos e estilo/qualidade de vida

A porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que eram estressados e ansiosos ou muito tensos e ansiosos do que entre aqueles que eram calmos. Além disso, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que se preocupavam com cuidados de saúde.

Não foram observadas diferenças estatisticamente significantes nas taxas de rouquidão e desconforto no trato vocal para as demais variáveis (tabela 5).

Tabela 5
Comparação de variáveis hábitos e estilo/qualidade de vida relacionadas à rouquidão e ao desconforto no trato vocal

Discussão

Em sua revisão sistemática, Cantor Cultiva et al.1515 Cantor Cutiva LC, Vogel I, Burdorf A. Voice disorders in teachers and their associations with work-related factors: a systematic review. J Commun Dis. 2013;46:143-55. encontraram uma ampla variação na prevalência de distúrbios de voz e sugeriram que essa variação pode ser devido ao uso de termos genéricos como “queixas vocais” e “sintomas vocais” para descrever esses distúrbios. Assim, ficamos interessados em usar a pesquisa de autoavaliação de voz reformulada pelo Ministério do Trabalho, que examina sintomas como rouquidão e desconforto no trato vocal para obter um perfil epidemiológico das queixas vocais e fatores de risco no cenário de CTA. No presente estudo, a incidência de desconforto no trato vocal foi quase o dobro da rouquidão, 38,2% e 19,7%, respectivamente.

Em comparação com os professores universitários que usam quase a mesma autoavaliação de voz, a prevalência de rouquidão e desconforto do trato vocal nos CTA foi menor (19,7% vs. 39,6% e 38,2% vs. 50,8%, respectivamente).66 Korn GP, Augusto de Lima Pontes A, Abranches D, Augusto de Lima Pontes P. Vocal tract discomfort and risk factors in university teachers. J Voice. 2016;30:507.e1-8.,77 Korn GP, Augusto de Lima Pontes A, Abranches D, Augusto de Lima Pontes P. Hoarseness and risk factors in university teachers. J Voice. 2015;29:518.e21-8.

Uma comunicação efetiva é essencial entre os pilotos e os CTA. Além disso, os CTA trabalham em uma profissão em que qualquer distúrbio na comunicação durante os voos pode levar a uma falha de entendimento e comprometer importantes informações de voo.

Um estudo anterior relatou a presença de disfonia em 44% dos CTA, os quais nem sempre estavam conscientes da presença desse desvio vocal. O ambiente de trabalho e a presença de fatores de risco, além de altos níveis de estresse e grande demanda vocal, são combinações que podem levar à ocorrência de disfonia. Se o principal motivo para procurar cuidados médicos é estar consciente de um problema, deve-se considerar que os CTA podem não entender a gravidade da presença de disfonia, o que adia o diagnóstico e aumenta o risco de uma falha de comunicação entre os CTA e pilotos.

Neste estudo, não foram observadas diferenças estatisticamente significativas nas taxas de rouquidão e desconforto no trato vocal para as variáveis “tempo de trabalho como CTA”, “idade”, “gênero”, “atividades profissionais além de CTA” e “atividades profissionais que consomem mais tempo”. Aproximadamente 15% dos CTA relataram outras atividades profissionais, o que é uma taxa muito menor do que em uma amostra de professores universitários de uma instituição privada de São Paulo.66 Korn GP, Augusto de Lima Pontes A, Abranches D, Augusto de Lima Pontes P. Vocal tract discomfort and risk factors in university teachers. J Voice. 2016;30:507.e1-8.

Em relação ao local de trabalho, a porcentagem de ambos os sintomas foi maior entre os CTA que consideravam a poluição do ar intolerável. Muitos estudos observaram correlações entre queixas vocais e qualidade do ar em professores;1616 Rantala LM, Hakala S, Holmqvist S, Sala E. Associations between voice ergonomic risk factors and acoustic features of the voice. Logoped Phoniatr Vocol. 2015;40:99-105.

17 Rantala LM, Hakala S, Holmqvist S, Sala E. Connections between voice ergonomic risk factors in classrooms and teachers’ voice production. Folia Phoniatr Logop. 2012;64:278-82.

18 Rantala LM, Hakala SJ, Holmqvist S, Sala E. Connections between voice ergonomic risk factors and voice symptoms, voice handicap, and respiratory tract diseases. J Voice. 2012;26:819.e13-20.
-1919 Ilomäki I, Leppänen K, Kleemola L, Tyrmi J, Laukkanen AM, Vilkman E. Relationships between self-evaluations of voice and working conditions, background factors, and phoniatric findings in female teachers. Logoped Phoniatr Vocol. 2009;34:20-31. isso foi especificamente observado em um estudo-piloto com um teste provocativo por inalação.2020 Geneid A, Rönkkö M, Airaksinen L, Voutilainen R, Toskala E, Alku P, et al. Pilot study on acute voice and throat symptoms related to exposure to organic dust: preliminary findings from a provocation test. Logoped Phoniatr Vocol. 2009;34:67-72. Além disso, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que consideravam seu local de trabalho um ambiente muito tenso e estressante. Nerrière et al. encontraram uma associação entre estresse psicológico e problemas de voz.2121 Nerrière E, Vercambre MN, Gilbert F, Kovess-Masféty V. Voice disorders and mental health in teachers: a cross-sectional nationwide study. BMC Public Health. 2009;9:370. De fato, deve-se notar que o estresse está associado a um padrão de fonação devido ao maior esforço dos músculos laríngeos, que geralmente é associado à constrição do trato vocal e vibração deficiente da prega vocal, o que reduz a eficiência da produção e projeção da voz. A compensação no trato vocal pode ser frequente, contribui para a pioria na produção de voz.

Embora não houvesse associação entre os sintomas vocais e o local de trabalho em termos de ruído, Ishikawa et al. (2017)2222 Ishikawa K, Boyce S, Kelchner L, Powell MG, Schieve H, de Alarcon A, et al. The effect of background noise on intelligibility of dysphonic speech. J Speech Lang Hear Res. 2017;60:1919-29. observaram que a fala disfônica é relativamente mais difícil de entender na presença de ruído de fundo em comparação com a fala normal.

Entre os CTA, uma pequena porcentagem (14,8%) relatou receber cuidados ou tomar medicamentos para a garganta e/ou a voz. Adicionalmente, apenas 9,2% procuraram cuidados médicos por causa de sintomas vocais. Além disso, a porcentagem de rouquidão foi maior entre aqueles que experimentavam dificuldade moderada por causa de problemas vocais, o que pode explicar a maior porcentagem de rouquidão entre aqueles que procuraram cuidados médicos por causa da rouquidão. Como afirmado anteriormente em estudos com professores universitários,77 Korn GP, Augusto de Lima Pontes A, Abranches D, Augusto de Lima Pontes P. Hoarseness and risk factors in university teachers. J Voice. 2015;29:518.e21-8. é interessante como sintomas vocais específicos influenciam acentuadamente o fato de os indivíduos procurarem cuidados médicos.

Em contraste, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi maior entre aqueles que eram estressados e ansiosos e entre aqueles preocupados com o cuidado de sua saúde.

Esses achados justificam a necessidade de maior cuidado e orientação dados aos CTA, não apenas no local de trabalho, mas em qualquer ambiente.

As limitações deste estudo incluem o fato de que a amostra veio de um único APP; portanto, esses dados não podem ser generalizados para controladores de tráfego aéreo em outros APPs em todo o país.

Conclusão

Entre os CTA, a porcentagem de desconforto no trato vocal foi quase o dobro da rouquidão. Ambos os sintomas estavam presentes em CTA que consideravam seu local de trabalho como um ambiente intoleravelmente poluído. O desconforto no trato vocal estava relacionado a ambientes tensos e estressantes e a rouquidão estava relacionada à dificuldade de usar a voz no trabalho.

  • Como citar este artigo: Korn GP, Villar AC, Azevedo RR. Hoarseness and vocal tract discomfort and associated risk factors in air traffic controllers. Braz J Otorhinolaryngol. 2019;85:329-36.
  • A revisão por pares é da responsabilidade da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    May-Jun 2019

Histórico

  • Recebido
    11 Jan 2018
  • Aceito
    20 Fev 2018
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