Acessibilidade / Reportar erro

Lactato arterial como preditor de complicações pós‐operatórias no carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço Como citar este artigo: Souza SP, Serra MG, Oliveira NS, Oliveira MC, Junior JB, Reis TG. Arterial lactate as a predictor of postoperative complications in head and neck squamous cell carcinoma. Braz J Otorhinolaryngol. 2022;88:S97-S101.

Resumo

Introdução

A cirurgia é uma das opções mais usadas no tratamento do carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço. Nos pacientes cirúrgicos, o uso do lactato arterial para avaliação de hipoxemia e de quadros inflamatórios graves é bem fundamentado. Entretanto, existem poucos estudos sobre o seu uso em pacientes com carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço. O objetivo deste estudo foi investigar se o lactato arterial sérico no 1° dia de pós‐operatório seria um preditor de complicações pós‐operatórias nas cirurgias do carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço.

Método

Trata‐se de uma coorte prospectiva, que avaliou 44 pacientes adultos, de ambos os gêneros, com carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço, submetidos a cirurgia associada ao esvaziamento cervical em monobloco como tratamento inicial. Os pacientes foram divididos em dois grupos, segundo a presença ou não de complicações pós‐operatórias: complicados (Clavien‐Dindo II a V) e sem complicações (Clavien‐Dindo 0-I). Na comparação dos dados contínuos, foi usado o teste t de Student e as suas variantes. Na correlação dos dados, usou‐se o teste de Pearson ou Spearman. Valores de p inferiores a 0,05 (p < 0,05) foram considerados estatisticamente significativos.

Resultados

Dos pacientes, 59% (n = 26/44) desenvolveram complicações pós‐operatórias. O lactato sérico foi significantemente maior no grupo com complicações em relação aos pacientes sem complicações, respectivamente 2,15 mmoL/L (1,10-3,90) e 1,59 mmoL/L (0,70-3,44); p = 0,03. A acurácia prognóstica do lactato arterial foi de 69% (95% IC 54%-82%; p = 0,03), estimada pela curva ROC. Foi identificado um cut‐off> 1,7 mmoL/L, com sensibilidade de 65,38% e especificidade de 66,67%.

Conclusão

O lactato arterial do primeiro dia de pós‐operatório é um bom preditor de complicações pós‐operatórias nos pacientes com carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço.

Palavras‐chave
Lactato; Neoplasias de cabeça e pescoço; Complicações pós‐operatórias

Abstract

Introduction

Surgery is one of the most frequently used options in the treatment of head and neck squamous cell carcinoma. In surgical patients, the use of arterial lactate to assess hypoxemia and severe inflammatory states is well-founded. However, there are few studies on its use in patients with head and neck squamous cell carcinoma. The aim of this study was to investigate whether the serum arterial lactate level on the 1st postoperative day would be a predictor of postoperative complications in head and neck squamous cell carcinoma surgeries.

Methods

This is a prospective cohort, which evaluated 44 adult patients of both genders, with HNSCC, who underwent surgery associated with monobloc neck dissection as an initial treatment. Patients were divided into two groups, according to the presence or absence of postoperative complications: with complication (Clavien-Dindo II-V) and without complications (Clavien-Dindo 0-I). Student’s t-test and its variants were used to compare continuous data. Pearson’s or Spearman’s test was used to correlate the data and p values ​​<0.05 were considered statistically significant.

Results

A total of 59% of the patients (n = 26/44) developed postoperative complications. Serum lactate was significantly higher in the group with complications when compared to patients without complications, respectively 2.15 mmoL/L (1.10-3.90) and 1.59 mmoL/L (0.70-3.44); p = 0.03. The prognostic accuracy of arterial lactate was 69% (95% CI: 54%-82%; p = 0.03), estimated by the ROC curve. A cut-off >1.7 mmoL/L was identified, with a sensitivity of 65.38% and specificity of 66.67%.

Conclusion

Arterial lactate measured on the first postoperative day is a good predictor of postoperative complications in patients with head and neck squamous cell carcinoma.

Keywords
Lactate; Head and neck neoplasms; Postoperative complications

DESTAQUES

Lactato arterial é um bom preditor de complicações pós‐operatórias em cirurgia de cabeça e pescoço.

Um lactato arterial > 1,7 mmoL/L aumenta o risco de complicações pós‐operatórias em cirurgia de cabeça e pescoço.

Introdução

O carcinoma epidermoide de cabeça e pescoço (CECP) tipicamente aparece em orofaringe, cavidade oral, hipofaringe e laringe.11 Galbiatti ALS, Padovani-Junior JA, Maníglia JV, Rodrigues CDS, Pavarino EC, Goloni-Bertollo EM. Head and neck cancer: causes, prevention, and treatment. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:239-47. A estimativa do Instituto Nacional do Câncer do Brasil (INCA) para o triênio 2020-2022 apresenta um risco estimado de 10,69 casos novos de câncer de cavidade oral a cada 100 mil homens, ocupa a quinta posição. Já o câncer de laringe, no mesmo período, terá um risco estimado de 6,20 casos novos a cada 100 mil homens e de 1,06 casos novos a cada 100 mil mulheres, no território nacional.22 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2019. A cirurgia e a radioterapia, com ou sem quimioterapia, têm sido as principais estratégias de tratamento para o CECP.33 Argiris A, Karamouzis MV, Raben D, Ferris RL. Head and neck cancer. Lancet. 2008;317:1695-709. É imperativo que as complicações cirúrgicas e a morbidade associada a elas sejam minimizadas, a abordagem usada permite uma máxima erradicação da doença, aumenta a sobrevida e reduz a permanência hospitalar.44 Kerawala CJ. Complications of head and neck cancer surgery - prevention and management. Oral Oncol. 2010;46:433 5.

O lactato é um produto da glicólise, obtido do piruvato, de forma particular na ausência de oxigênio. Tradicionalmente, o aumento do lactato arterial em indivíduos hemodinamicamente instáveis está relacionado com choque circulatório e/ou hipoxemia arterial. A hiperlactatemia é um marcador do estado inflamatório e recomenda‐se a investigação para infecções em foco desconhecido nas acidoses lácticas inexplicadas.55 De Backer D. Lactic acidosis. Intensive Care Med. 2003;29:699 702. São vantagens do uso do lactato a facilidade de repetição do método e de interpretação, a facilidade de acesso e o baixo custo operacional.66 Ibrahim WA, Ahmed AS. Serial estimation of blood lactate predict postoperative outcome in cancer patients undergoing head and neck surgeries. Egypt J Anaesth. 2013;29:149 54.

O decréscimo do lactato sérico durante as primeiras 24 horas indica melhores desfechos do que a permanência em hiperlactatemia.55 De Backer D. Lactic acidosis. Intensive Care Med. 2003;29:699 702. O curso dos níveis do lactato no sangue é útil para avaliar a terapia estabelecida e nos pacientes cirúrgicos tem sido demonstrado que a demora no seu clareamento está associado a desfechos ruins.77 Vincent JL, Silva AQ, Couto L Jr, Taccone FS. The value of blood lactate kinetics in critically ill patients: a systematic review. Crit Care. 2016;20:257. Pacientes que evoluíram a óbito após cirurgia de CECP apresentavam níveis de lactato arterial elevados antes da cirurgia e nas primeiras 24 horas de pós‐operatório.66 Ibrahim WA, Ahmed AS. Serial estimation of blood lactate predict postoperative outcome in cancer patients undergoing head and neck surgeries. Egypt J Anaesth. 2013;29:149 54. Numa revisão,77 Vincent JL, Silva AQ, Couto L Jr, Taccone FS. The value of blood lactate kinetics in critically ill patients: a systematic review. Crit Care. 2016;20:257. que avaliou o papel do lactato como preditor de mortalidade e outras complicações em pacientes críticos, foram identificadas cinco publicações sobre pacientes cirúrgicos, apenas uma de pós‐operatório de cabeça e pescoço. Há uma correlação na literatura entre sua ascensão e um pior prognóstico em cirurgias de grande porte, mas há poucos dados referentes à cirurgia de cabeça e pescoço de grande porte.

O objetivo desse estudo foi investigar o papel o lactato arterial sérico no 1° dia de pós‐operatório como preditor de complicações pós‐operatórias nas cirurgias de CECP.

Método

Trata‐se de uma coorte prospectiva conduzida pelo Nupescap (Núcleo de Pesquisa em Câncer de Cabeça e Pescoço), entre novembro de 2016 e setembro de 2019, na Santa Casa de Misericórdia de Feira de Santana, Bahia, Brasil.

A elaboração do estudo, coleta e uso dos dados respeitaram as disposições da resolução n° 466/2012.88 Brasil. Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 13 jun. 2013. Os participantes foram convidados mediante assinatura de um termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE). A feitura do estudo contou com a aprovação do projeto pelo comitê de ética em pesquisa sob número 46664315.7.0000.0053.

Os critérios de inclusão foram: pacientes maiores de 18 anos, de ambos os gêneros, portadores de câncer de cavidade oral e laringe, com estadiamento clínico T1 a T4,99 Edge SB, Byrd DR, Compton CC, Fritz AG, Greene FL, Trotti A. AJCC cancer staging manual. 7th ed. New York: Springer; 2010. submetidos a cirurgia associada ao esvaziamento cervical em monobloco como tratamento inicial.

Foram excluídos do estudo pacientes menores de 18 anos, que optaram por fazer tratamento não cirúrgico (radioterapia e/ou quimioterapia); portadores de doenças que alterem o metabolismo normal do lactato, como disfunção renal e hepática; pacientes em uso de medicações que podem causar acidose láctica, como inibidores de transcriptase reversa análogos de nucleosídeos (usados no tratamento do HIV/Aids), linezolida, isoniazida e em menor grau, a metformina e aqueles que se recusaram a assinar o TCLE.

Foram avaliados 44 pacientes que apresentaram dosagem de lactato arterial nas primeiras 24 horas de pós‐operatório. Os dados coletados incluíram informações gerais como idade, gênero, escolaridade, renda, diagnóstico primário, hábitos de vida (etilismo e tabagismo), estadiamento clínico do tumor, classificação do estado físico segundo a ASA (Sociedade Americana de Anestesiologia) para determinação de risco de mortalidade perioperatória e índice de comorbidade de Charlson (ICC) coletados no pré‐operatório.

O lactato arterial foi coletado no 1° dia pós‐operatório por punção arterial e as amostras foram analisadas em gasômetro através do método enzimático. Nessa técnica, reagentes determinam a concentração de ácido láctico através da oxidação do dinucleotideo adenina nicotinamida (NAD) com o lactato gerando piruvato, NAD em forma oxidada (NADH) e íons hidrogênio.1010 Artiss JD, Karcher RE, Cavanagh KT, Collins SL, Peterson VJ, Varma S, et al. A liquid-stable reagent for lactic acid levels: application to the Hitachi 911 and Beckman CX7. Am J Clin Pathol. 2000;144:139-43.

As complicações foram estudadas de acordo com a escala de Clavien‐Dindo1111 Dindo D, Demartines N, Clavien P-A. Classification of surgical complications: a new proposal with evaluation in a cohort of 6336 patients and results of a survey. Ann Surg. 2004;240:205-13. (tabela 1). Os pacientes foram divididos em dois grupos, segundo a presença ou não de complicações pós‐operatórias: os pacientes complicados, ou seja, Clavien‐Dindo II a V e aqueles sem complicações pós‐operatórias, Clavien‐Dindo 0-I.

Tabela 1
Escala de Clavien‐Dindo para complicações cirúrgicas

As variáveis quantitativas foram descritas por medidas de tendência central (médias ou medianas) e as respectivas medidas de dispersão (desvio‐padrão ou intervalo interquartil). As variáveis qualitativas ou categóricas por seus valores absolutos ou proporções. Na comparação dos dados contínuos, empregamos o teste t de Student e as suas variantes. A curva ROC foi empregada na avaliação da acurácia do lactato e no cálculo do valor com melhor propriedade discriminatória. Valores de p inferiores a 0,05 (p < 0,05) foram considerados estatisticamente significantes. Na análise dos dados e criação dos gráficos empregamos o programa computacional Graphpad Prism v. 8.03 for Windows, GraphPad Software, Inc. La Jolla, CA, USA.

Resultados

Foram analisados 44 sujeitos com CECP submetidos à cirurgia como tratamento inicial com idade mediana de 67 (41-79) anos e com distribuição de gênero de predominância masculina 81,82% (n = 36/44). As características sociodemográficas e clínicas da população estão detalhadas na tabela 2.

Tabela 2
Características sociodemográficas e clínicas dos participantes

Vinte seis (59%) dos pacientes (n = 26/44) desenvolveram complicações pós‐operatórias. O lactato sérico foi significantemente maior nesse grupo quando comparado aos que evoluíram sem complicações, respectivamente 2,15 (1,10-3,90) mmoL/L e 1,59 (0,70-3,44) mmoL/L (p = 0,03).

A acurácia prognóstica do lactato arterial do primeiro dia de pós‐operatório estimada pela curva ROC foi de 69% (95% IC 54%-82%), p = 0,03. O lactato arterial >1,7 mmoL/L foi o melhor ponto de corte, com sensibilidade de 65,38% e especificidade de 66,67%. As medidas de acurácia para os diferentes valores de lactato estão detalhados na tabela 3 e na figura 1.

Figura 1
Curva ROC do lactato no 1° dia de pós‐operatório em pacientes com CECP.

Tabela 3
Medidas de acurácia do lactato no 1° dia de pós‐operatório em pacientes com CECP

Discussão

O lactato do primeiro dia de pós‐operatório mostrou ser um bom preditor de complicações no tratamento cirúrgico do CECP, com acurácia prognóstica de 69%.

O Inca estima que, somados, os sítios correspondentes ao CECP ocupam a segunda posição em prevalência entre os homens.22 Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2019. Na Índia, os cânceres de cabeça e pescoço são os mais prevalentes na população1212 Alam MS, Siddiqui SA, Perween R. Epidemiological profile of head and neck cancer patients in Western Uttar Pradesh and analysis of distributions of risk factors in relation to site of tumor. J Cancer Res Ther. 2017;13:430-5. e no Reino Unido ocupam a sexta colocação.1313 Bannister M, Vallamkondu V, Wah-see K. Emergency presentations of head and neck cancer: a modern perspective. J Laryngol Otol. 2016;130:571-4. Nesta coorte, quanto ao sítio primário; 47,73% (n = 21/44) foram diagnosticados com carcinoma epidermoide (CE) de cavidade oral e 52,27% (n = 23/44) com CE de laringe. No presente estudo, a distribuição de gênero apresentou predominância masculina; 81,82% (n = 36/44), enquanto o gênero feminino representou 18,18% (n = 8/44). Um estudo francês sobre o perfil de pacientes com CECP apresentou distribuição semelhante.1414 Guizard AN, Dejardin OJ, Launay LC, Bara S, Lapôtre-Ledoux BM, Babin EB, et al. Diagnosis and management of head and neck cancers in a high-incidence area in France: a population-based study. Medicine (Baltimore). 2017;96:e7285.

Na Europa Oriental, sul da Índia e América Latina, a alta incidência desses cânceres em homens está relacionada a uma combinação de fatores como uso de tabaco, ingestão de álcool e hábitos dietéticos.1515 Franceschi S, Bidoli E, Herrero R, Mun˜oz N. Comparison of cancers of the oral cavity and pharynx worldwide: etiological clues. Oral Oncol. 2000;36:106-15. O consumo de álcool e tabaco são os fatores de risco mais associados à doença.11 Galbiatti ALS, Padovani-Junior JA, Maníglia JV, Rodrigues CDS, Pavarino EC, Goloni-Bertollo EM. Head and neck cancer: causes, prevention, and treatment. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:239-47.,1616 Ruiz EF, Peláez MÁC, Lapiedra RC, Gómez GE, López LAM. Efectos del consumo de alcohol etílico en la cavidad oral: Relación con el cáncer oral. Med Oral. 2004;9:14-23.,1717 Tobias JS. Cancer of the head and neck. BMJ. 1994;308:961-6. O etilismo foi relatado por 88,64% (n = 39/44) dos participantes, enquanto 93,18% (n = 41/44) tinham histórico de tabagismo no presente estudo. Na Índia, são citados ainda baixos níveis socioeconômicos e infecções virais.1212 Alam MS, Siddiqui SA, Perween R. Epidemiological profile of head and neck cancer patients in Western Uttar Pradesh and analysis of distributions of risk factors in relation to site of tumor. J Cancer Res Ther. 2017;13:430-5.

Quanto ao perfil econômico, foi identificado nesta coorte que 20,45% (n = 9/44) estavam desempregados; 56,81% (n = 25/44) possuíam renda inferior a um salário‐mínimo e 22,72% (n = 10/44) possuíam entre um e dois salários‐mínimos. Houve predominância de indivíduos que cursaram o ensino fundamental incompleto; 65,91% (n = 29/44), os não alfabetizados corresponderam a 20,45% (n = 9/44); 2,28% (n = 1/44) completaram o ensino fundamental e 11,36% (n = 5/44) tinham o ensino médio incompleto. Um estudo escocês identificou que altos níveis de educação são protetores do câncer de cabeça e pescoço, mas esse efeito foi perdido após os ajustes para tabagismo e consumo de álcool.1818 Conway DI, McMahon AD, Smith K, Black R, Robertson G, Devine J, et al. Components of socioeconomic risk associated with head and neck cancer: a population-based case-control study in Scotland. Br J Oral Maxillofac Surg. 2010;48:11-7.

Em relação ao estadiamento clínico, uma parte representativa da amostra apresentava estádio clínico avançado, 45,45% (n = 20/44) em estádio III e 2,28% (n = 1/44) no estádio IVA e outra parte no estádio inicial, 25% dos casos (n = 11/44) no estádio I e 27,27% (n = 12/44) no estádio II. Um estudo escocês apresentou todos os pacientes em estádio III ou IV e 60% já apresentavam metástase para linfonodos cervicais.1313 Bannister M, Vallamkondu V, Wah-see K. Emergency presentations of head and neck cancer: a modern perspective. J Laryngol Otol. 2016;130:571-4. Em uma região com incidência elevada na França, 56,6% dos pacientes estudados foram diagnosticados já no estádio IV, estando a doença avançada relacionada com aumento de volume no pescoço, estado geral ruim e dispneia.1414 Guizard AN, Dejardin OJ, Launay LC, Bara S, Lapôtre-Ledoux BM, Babin EB, et al. Diagnosis and management of head and neck cancers in a high-incidence area in France: a population-based study. Medicine (Baltimore). 2017;96:e7285.

Todos os pacientes do presente estudo foram classificados como ASA2. Um estudo holandês identificou 53% dos participantes com pontuação semelhante.1919 Ferrier MB, Spuesens EB, Le Cessie S, Jong RJB. Comorbidity as a major risk factor for mortality and complications in head and neck surgery. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;131:27-32. O ICC estima o impacto prognóstico que algumas condições clínicas pré‐existentes exercem na mortalidade dentro de um ano, pode apresentar no máximo 6 pontos, a pontuação é proporcional ao prognóstico.2020 Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis. 1987;40:373-83. Na presente coorte, em relação ao ICC; 61,36% (n = 27/44) não pontuaram; 36,36% (n = 16/44) obtiveram um ponto e dois pontos foram atribuídos para 2,28% (n = 1/44). Guizard et al.1414 Guizard AN, Dejardin OJ, Launay LC, Bara S, Lapôtre-Ledoux BM, Babin EB, et al. Diagnosis and management of head and neck cancers in a high-incidence area in France: a population-based study. Medicine (Baltimore). 2017;96:e7285. identificaram, no ICC, 11,7% dos pacientes sem pontuação, enquanto 47,5% pontuaram um ou dois, estando 40,8% com pontuação maior ou igual a três. O fato de este estudo ter apresentado em sua amostra considerável quantidade de pacientes com doença avançada, (51,2% em estadio IV)1414 Guizard AN, Dejardin OJ, Launay LC, Bara S, Lapôtre-Ledoux BM, Babin EB, et al. Diagnosis and management of head and neck cancers in a high-incidence area in France: a population-based study. Medicine (Baltimore). 2017;96:e7285. pode ter contribuído para um ICC pior em relação a população estudada em questão.

Ibrahim e Ahmed,66 Ibrahim WA, Ahmed AS. Serial estimation of blood lactate predict postoperative outcome in cancer patients undergoing head and neck surgeries. Egypt J Anaesth. 2013;29:149 54. em um estudo prospectivo com 322 pacientes com câncer de cabeça e pescoço submetidos à cirurgia de grande porte no Cairo (Egito), identificou o lactato elevado na admissão e em 16 horas de pós‐operatório, além de escore APACHE aumentado e idade avançada como preditores de complicação. A mediana das idades no presente estudo foi 67 (41-79) anos, não muito diferente da média de idade identificada pelos egípcios de 64,4 (44-84) anos. Na avaliação de pós‐operatório de cirurgias cardíacas já foram encontrados como valores preditivos um lactato acima de 1,5 mmoL/L em 12 horas de pós‐operatório,2121 Lindsay AJ, Xu M, Sessler DI, Blackstonr EH, Bashour A. Lactate Clearance time and concentration linked to morbidity and death in cardiac surgical patients. Ann Thorac Surg. 2013;95:486-92. acima de 2 mmoL/L 30 minutos após a cirurgia,2222 Toraman F, Evrenkaya S, Yuce M, Aksoy N, Karabulut H, Bozkulak Y, et al. Lactic acidosis after cardiac surgery is associated with adverse outcome. Heart Surg Forum. 2004;7:155-9. acima de 3 mmoL/L após 24 horas2323 Lopez-Delgado JC, Esteve F, Javierre C, Torrado H, Rodriguez-Castro D, Carrio ML, et al. Evaluation of serial arterial lactate levels as a predictor of hospital and long-term mortality in patients after cardiac surgery. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2015;29:1441-53. e acima de 4 mmoL/L em 6 horas de pós‐operatório.2424 Hajjar LA, Almeida JP, Fukushima JT, Rhodes A, Vincent JL, Osawa EA, et al. High lactate levels are predictors of major complications after cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2013;146:455-60.

O lactato é um elemento bioquímico que se encontra elevado em quadros inflamatórios agudos de diferentes etiologias e indica piores desfechos.55 De Backer D. Lactic acidosis. Intensive Care Med. 2003;29:699 702. Em cirurgias de tumores intracranianos, o valor de lactato > 2 mmoL/L não apresentou relação com a mortalidade, mas foi preditor de maior duração do procedimento cirúrgico e maior tempo de permanência.2525 de Smalen PP, van Ark TJ, Stolker RJ, Vincent AJ, Klimek M. Hyperlactatemia after intracranial tumor surgery does not affect 6-month survival: a retrospective case series. J Neurosurg Anesthesiol. 2020;32:48-56. No entanto, até o momento, estudos que abordem sua dosagem em pacientes com CECP submetidos a tratamento cirúrgico são escassos. O estudo egípcio avaliou o valor preditivo da dosagem seriada do lactato no câncer de cabeça e pescoço66 Ibrahim WA, Ahmed AS. Serial estimation of blood lactate predict postoperative outcome in cancer patients undergoing head and neck surgeries. Egypt J Anaesth. 2013;29:149 54. e identificou valores significativamente maiores no grupo que não sobreviveu, no entanto não estabeleceu um ponto de corte que fosse preditor de complicações.

Em nosso estudo, foi possível identificar que o valor de lactato arterial de 1,7 mmoL/L foi o ponto de corte com melhor poder discriminatório (p = 0,03). Como principais limitações consideramos o tamanho amostral e o caráter unicêntrico do estudo, que limita comparações.

Conclusão

O estudo identificou que o lactato arterial é um bom preditor de complicações no pós‐operatório para o tratamento de CECP. A importância desse achado reside no baixo custo e facilidade da coleta do lactato, esse é um parâmetro, muitas vezes, solicitado de forma rotineira no paciente cirúrgico. Além disso, a sua boa acurácia, quando feito no primeiro dia de pós‐operatório pode inseri‐lo em um dos critérios para definir alta hospitalar nesse grupo de pacientes.

References

  • 1
    Galbiatti ALS, Padovani-Junior JA, Maníglia JV, Rodrigues CDS, Pavarino EC, Goloni-Bertollo EM. Head and neck cancer: causes, prevention, and treatment. Braz J Otorhinolaryngol. 2013;79:239-47.
  • 2
    Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. Coordenação de Prevenção e Vigilância. Estimativa 2020: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA; 2019.
  • 3
    Argiris A, Karamouzis MV, Raben D, Ferris RL. Head and neck cancer. Lancet. 2008;317:1695-709.
  • 4
    Kerawala CJ. Complications of head and neck cancer surgery - prevention and management. Oral Oncol. 2010;46:433 5.
  • 5
    De Backer D. Lactic acidosis. Intensive Care Med. 2003;29:699 702.
  • 6
    Ibrahim WA, Ahmed AS. Serial estimation of blood lactate predict postoperative outcome in cancer patients undergoing head and neck surgeries. Egypt J Anaesth. 2013;29:149 54.
  • 7
    Vincent JL, Silva AQ, Couto L Jr, Taccone FS. The value of blood lactate kinetics in critically ill patients: a systematic review. Crit Care. 2016;20:257.
  • 8
    Brasil. Resolução no 466, de 12 de dezembro de 2012. Dispõe sobre diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Diário Oficial da República Federativa do Brasil. 13 jun. 2013.
  • 9
    Edge SB, Byrd DR, Compton CC, Fritz AG, Greene FL, Trotti A. AJCC cancer staging manual. 7th ed. New York: Springer; 2010.
  • 10
    Artiss JD, Karcher RE, Cavanagh KT, Collins SL, Peterson VJ, Varma S, et al. A liquid-stable reagent for lactic acid levels: application to the Hitachi 911 and Beckman CX7. Am J Clin Pathol. 2000;144:139-43.
  • 11
    Dindo D, Demartines N, Clavien P-A. Classification of surgical complications: a new proposal with evaluation in a cohort of 6336 patients and results of a survey. Ann Surg. 2004;240:205-13.
  • 12
    Alam MS, Siddiqui SA, Perween R. Epidemiological profile of head and neck cancer patients in Western Uttar Pradesh and analysis of distributions of risk factors in relation to site of tumor. J Cancer Res Ther. 2017;13:430-5.
  • 13
    Bannister M, Vallamkondu V, Wah-see K. Emergency presentations of head and neck cancer: a modern perspective. J Laryngol Otol. 2016;130:571-4.
  • 14
    Guizard AN, Dejardin OJ, Launay LC, Bara S, Lapôtre-Ledoux BM, Babin EB, et al. Diagnosis and management of head and neck cancers in a high-incidence area in France: a population-based study. Medicine (Baltimore). 2017;96:e7285.
  • 15
    Franceschi S, Bidoli E, Herrero R, Mun˜oz N. Comparison of cancers of the oral cavity and pharynx worldwide: etiological clues. Oral Oncol. 2000;36:106-15.
  • 16
    Ruiz EF, Peláez MÁC, Lapiedra RC, Gómez GE, López LAM. Efectos del consumo de alcohol etílico en la cavidad oral: Relación con el cáncer oral. Med Oral. 2004;9:14-23.
  • 17
    Tobias JS. Cancer of the head and neck. BMJ. 1994;308:961-6.
  • 18
    Conway DI, McMahon AD, Smith K, Black R, Robertson G, Devine J, et al. Components of socioeconomic risk associated with head and neck cancer: a population-based case-control study in Scotland. Br J Oral Maxillofac Surg. 2010;48:11-7.
  • 19
    Ferrier MB, Spuesens EB, Le Cessie S, Jong RJB. Comorbidity as a major risk factor for mortality and complications in head and neck surgery. Arch Otolaryngol Head Neck Surg. 2005;131:27-32.
  • 20
    Charlson ME, Pompei P, Ales KL, MacKenzie CR. A new method of classifying prognostic comorbidity in longitudinal studies: development and validation. J Chronic Dis. 1987;40:373-83.
  • 21
    Lindsay AJ, Xu M, Sessler DI, Blackstonr EH, Bashour A. Lactate Clearance time and concentration linked to morbidity and death in cardiac surgical patients. Ann Thorac Surg. 2013;95:486-92.
  • 22
    Toraman F, Evrenkaya S, Yuce M, Aksoy N, Karabulut H, Bozkulak Y, et al. Lactic acidosis after cardiac surgery is associated with adverse outcome. Heart Surg Forum. 2004;7:155-9.
  • 23
    Lopez-Delgado JC, Esteve F, Javierre C, Torrado H, Rodriguez-Castro D, Carrio ML, et al. Evaluation of serial arterial lactate levels as a predictor of hospital and long-term mortality in patients after cardiac surgery. J Cardiothorac Vasc Anesth. 2015;29:1441-53.
  • 24
    Hajjar LA, Almeida JP, Fukushima JT, Rhodes A, Vincent JL, Osawa EA, et al. High lactate levels are predictors of major complications after cardiac surgery. J Thorac Cardiovasc Surg. 2013;146:455-60.
  • 25
    de Smalen PP, van Ark TJ, Stolker RJ, Vincent AJ, Klimek M. Hyperlactatemia after intracranial tumor surgery does not affect 6-month survival: a retrospective case series. J Neurosurg Anesthesiol. 2020;32:48-56.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2021
  • Aceito
    11 Abr 2021
Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico-Facial. Sede da Associação Brasileira de Otorrinolaringologia e Cirurgia Cérvico Facial, Av. Indianópolia, 1287, 04063-002 São Paulo/SP Brasil, Tel.: (0xx11) 5053-7500, Fax: (0xx11) 5053-7512 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revista@aborlccf.org.br