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Avaliação da capacidade funcional e da qualidade de vida em pacientes renais crônicos submetidos a tratamento hemodialítico

Assessment of functional capacity and quality of life in chronic renal patients under hemodialysis treatment

Resumos

Este estudo visou avaliar a capacidade funcional e a qualidade de vida em pacientes com incapacidade renal crônica (IRC) submetidos a tratamento hemodialítico e verificar possíveis correlações entre essas variáveis clínicas e idade, índice de massa corpórea (IMC) e tempo de hemodiálise. Dezesseis pacientes com IRC foram submetidos à avaliação da capacidade funcional pelo teste de caminhada de seis minutos (TC6'), mensuração das pressões inspiratória e expiratória máxima, e pela aplicação da escala de severidade da fadiga. Também responderam ao questionário SF-36, sobre qualidade de vida relacionada à saúde (QV). A capacidade funcional mostrou-se abaixo dos valores preditos no TC6' e na força dos músculos respiratórios (principalmente expiratórios); e todos apresentaram em média fadiga leve. Pacientes com mais de 60 anos e aqueles com menor tempo de hemodiálise apresentaram baixa capacidade funcional apenas quanto à distância caminhada, sem prejuízo das demais funções. O IMC não interferiu na capacidade funcional. O escore médio no SF-36 foi 72,3; dor e prejuízo na vitalidade foram indicados como os itens que mais interferem em sua QV, tendo os fatores idade, índice de massa corporal e tempo de hemodiálise não se mostrado relevantes na maioria dos domínios avaliados pelo SF-36. Os resultados sugerem que, com pouca interferência da idade e do tempo de hemodiálise, pacientes com IRC submetidos a tratamento hemodialítico apresentam prejuízos na capacidade funcional e na QV.

Diálise renal; Insuficiência renal crônica; Qualidade de vida


This study aimed at evaluating the functional capacity and health-related quality of life in chronic renal insufficiency (CRI) patients undergoing hemodialysis treatment, also checking possible correlations between these clinical variables and age, body mass index (BMI), and hemodialysis time. Sixteen patients were submitted to functional capacity assessment by means of the six-minute walk test (6WT), measures of maximal inspiratory and expiratory pressures, and by the fatigue severity scale (FSS). Patients also answered the SF-36 questionnaire. Functional capacity proved to be below predicted values at the 6WT and at respiratory, mainly expiratory muscles; mean FSS scores pointed to moderate fatigue. Patients over 60 years old and those with lesser hemodialysis time showed lower functional capacity only as to the distance walked at the 6WT. BMI did not interfere with functional capacity. Mean overall SF-36 scores were low; pain and lesser vitality were pointed as the SF-36 domains that most interfere in quality of life; age, BMI, and hemodialysis time have not shown to be relevant to most SF-36 domains. Results suggest that, with slight interference of age and hemodialysis time, patients with CRI undergoing hemodialysis treatment have poor functional capacity and health-related quality of life.

Quality of life; Renal dialysis; Renal insufficiency; chronic


PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

Avaliação da capacidade funcional e da qualidade de vida em pacientes renais crônicos submetidos a tratamento hemodialítico

Assessment of functional capacity and quality of life in chronic renal patients under hemodialysis treatment

Marina Stela CunhaI; Viviane AndradeI; Cristina A. Veloso GuedesII; Cristiane Helita Zorel MeneghettiIII, Ana Paula de AguiarIII, Andréa Luciana CardosoIII

IFisioterapeutas

IIDoutoranda em Ciências Médicas na Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP

IIIFisioterapeutas Ms. do Uniararas

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Marina S. C. Pedroso R. Luis Stefani 446 Parque Industrial 13601-351 Araras SP e-mail: marina_cunhapedroso@yahoo.com.br; viviandy78@yahoo.com.br

RESUMO

Este estudo visou avaliar a capacidade funcional e a qualidade de vida em pacientes com incapacidade renal crônica (IRC) submetidos a tratamento hemodialítico e verificar possíveis correlações entre essas variáveis clínicas e idade, índice de massa corpórea (IMC) e tempo de hemodiálise. Dezesseis pacientes com IRC foram submetidos à avaliação da capacidade funcional pelo teste de caminhada de seis minutos (TC6'), mensuração das pressões inspiratória e expiratória máxima, e pela aplicação da escala de severidade da fadiga. Também responderam ao questionário SF-36, sobre qualidade de vida relacionada à saúde (QV). A capacidade funcional mostrou-se abaixo dos valores preditos no TC6' e na força dos músculos respiratórios (principalmente expiratórios); e todos apresentaram em média fadiga leve. Pacientes com mais de 60 anos e aqueles com menor tempo de hemodiálise apresentaram baixa capacidade funcional apenas quanto à distância caminhada, sem prejuízo das demais funções. O IMC não interferiu na capacidade funcional. O escore médio no SF-36 foi 72,3; dor e prejuízo na vitalidade foram indicados como os itens que mais interferem em sua QV, tendo os fatores idade, índice de massa corporal e tempo de hemodiálise não se mostrado relevantes na maioria dos domínios avaliados pelo SF-36. Os resultados sugerem que, com pouca interferência da idade e do tempo de hemodiálise, pacientes com IRC submetidos a tratamento hemodialítico apresentam prejuízos na capacidade funcional e na QV.

Descritores: Diálise renal/efeitos adversos; Insuficiência renal crônica; Qualidade de vida

ABSTRACT

This study aimed at evaluating the functional capacity and health-related quality of life in chronic renal insufficiency (CRI) patients undergoing hemodialysis treatment, also checking possible correlations between these clinical variables and age, body mass index (BMI), and hemodialysis time. Sixteen patients were submitted to functional capacity assessment by means of the six-minute walk test (6WT), measures of maximal inspiratory and expiratory pressures, and by the fatigue severity scale (FSS). Patients also answered the SF-36 questionnaire. Functional capacity proved to be below predicted values at the 6WT and at respiratory, mainly expiratory muscles; mean FSS scores pointed to moderate fatigue. Patients over 60 years old and those with lesser hemodialysis time showed lower functional capacity only as to the distance walked at the 6WT. BMI did not interfere with functional capacity. Mean overall SF-36 scores were low; pain and lesser vitality were pointed as the SF-36 domains that most interfere in quality of life; age, BMI, and hemodialysis time have not shown to be relevant to most SF-36 domains. Results suggest that, with slight interference of age and hemodialysis time, patients with CRI undergoing hemodialysis treatment have poor functional capacity and health-related quality of life.

Key words: Quality of life; Renal dialysis/adverse effects; Renal insufficiency, chronic

INTRODUÇÃO

A insuficiência renal crônica (IRC) caracteriza-se por lesão nos rins onde há perda progressiva e irreversível da função renal, o que leva à perda da capacidade de manter o equilíbrio metabólico e hidroeletrolítico1. Os pacientes com IRC apresentam uma série de sinais e sintomas que dependem do grau de comprometimento renal, de outras condições subjacentes e da idade. Observam-se manifestações neurológicas centrais, periféricas, gastrintestinais, endocrinológicas, metabólicas, infecciosas, dermatológicas e hematológicas. A associação dessas alterações pode levar o indivíduo a fadiga e dispnéia2,3.

Várias complicações podem ocorrer no paciente com IRC devido ao tratamento hemodialítico a que são submetidos, como deterioração musculoesquelética, fraqueza, descoloração da pele, emagrecimento, edema, fadiga e alterações pulmonares4. Entre os resultados das alterações pulmonares encontram-se diminuição da capacidade de difusão, hipoventilação alveolar e hipóxia4-6.

Um estudo sobre IRC observou que a capacidade aeróbica é relativamente baixa, ao ponto de alguns pacientes não terem condições físicas para se submeter a um teste de aptidão cardiorrespiratória7. A reduzida capacidade cardiorrespiratória está associada à marcada hipotrofia muscular em fibras do tipo I e II e redução da força muscular, sendo ainda influenciada por longos períodos de inatividade após diagnóstico de IRC, o que leva a um progressivo descondicionamento. A capacidade de exercício em indivíduos com IRC pode ser de 50% em relação aos níveis esperados7,8.

Estudos prévios6,9,10 mostraram que a IRC e o tratamento hemodialítico provocam uma série de alterações que comprometem não só o aspecto físico como psicológico, com repercussões pessoais, familiares e sociais, alterando assim a qualidade de vida relacionada à saúde. Esta, além da saúde, inclui educação, acesso a serviços de saúde, satisfação e condições dignas de trabalho5,10. A IRC causa um forte impacto na vida das pessoas no que diz respeito à condição física, ao cotidiano, ao trabalho, à alimentação e também aos valores que orientam as pessoas em seu processo de viver11. Estudos mostram que pacientes com IRC em tratamento hemodialítico apresentam uma qualidade de vida prejudicada pela capacidade cardiorrespiratória limitada e capacidade física diminuída, o que pode prejudicar o desempenho nas atividades de lazer, trabalho e convívio social, principalmente para pessoas jovens, pois estão na fase produtiva e de compromissos sociais, alguns envolvidos na formação profissional e outros no trabalho5,7.

O objetivo deste estudo foi avaliar a capacidade funcional e a qualidade de vida em pacientes com IRC submetidos a tratamento hemodialítico e verificar se há correlação entre estas e características dos pacientes como idade, índice de massa corporal e tempo de hemodiálise.

METODOLOGIA

Este estudo transversal obteve aprovação do Comitê de Ética e Mérito em Pesquisa do Uniararas - Centro Universitário Hermínio Ometto.

Participaram do estudo 16 pacientes com IRC que fazem tratamento hemodialítico no Serviço de Hemodiálise da Irmandade Santa Casa de Misericórdia de Araras, de ambos os sexos, com idades entre 26 e 70 anos (média 53,56±14,18 anos), e que aceitaram participar do estudo. Foram excluídos pacientes com deficit cognitivo e visual, não-deambuladores independentes ou que não aceitaram participar do estudo. Antes de iniciar a avaliação, todos assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido.

As avaliações foram realizadas antes da sessão de hemodiálise, num período de 30 dias, sendo avaliado um paciente por dia em quatro dias na semana.

A capacidade funcional foi avaliada pelo teste de caminhada de seis minutos (TC6'), pelo desempenho dos músculos respiratórios (com mensuração das pressões inspiratória e expiratória máximas) e pela sensação de fadiga (pela ESF - escala de severidade de fadiga). Para avaliar a qualidade de vida foi aplicado o questionário SF-36.

O TC6' foi realizado em um corredor plano no setor de hemodiálise, com 20 metros de comprimento. Foi solicitado ao paciente caminhar o mais rápido possível, sendo permitido que estabelecesse a velocidade da caminhada e interrupção quando necessário. A cada minuto, sempre pela mesma pessoa e com os mesmos comandos verbais, o paciente foi encorajado a caminhar o mais rápido possível. A distância caminhada em metros e o número de interrupções durante o teste foram registrados; durante as eventuais interrupções o cronômetro não foi parado. Também foram avaliados os dados vitais - pressão arterial, freqüência cardíaca e freqüência respiratória - no inicio, no final e após no mínimo três minutos de repouso12.

Para o cálculo do valor predito, ou de referência, da distância caminhada no TC6' foram utilizadas as equações abaixo, determinando-se o percentual do predito para o alcançado no teste pelo paciente13:

Homens: distância TC6' (m) = (7,57 x altura cm) - (5,02 x idade) - (1,76 x peso kg) - 309 m

Mulheres: distância TC6' (m) = (2,11 x altura cm) - (2,29 x peso kg) - (5,78 x idade) + 667 m.

Para verificação da força dos músculos respiratórios foram mensuradas a pressão inspiratória máxima (PImáx) e a pressão expiratória máxima (PEmáx). O paciente foi posicionado sentado e as medições foram feitas com um manovacuômetro (Gerar), com escala de 4 em 4 cmH2O, previamente calibrado, acoplado a um bocal descartável e pinça nasal. Na medição da PImáx, foi solicitada uma expiração máxima até o volume residual (VR) e, em seguida, um esforço inspiratório máximo, que foi mantido por cerca de um segundo, com oclusão do manovacuômetro feita manualmente pelo pesquisador. Para a PEmáx, os pacientes inspiraram no bocal até a capacidade pulmonar total e, em seguida, fizeram um esforço expiratório máximo contra uma via aérea ocluída. A leitura do valor da medida foi feita diretamente no visor do manovacuômetro. Tanto para PImáx como para PEmáx as manobras foram repetidas de três a cinco vezes, sendo considerado o maior valor14. Os valores preditos para posterior análise foram dados pelas fórmulas abaixo:

Homens: PImáx = 143 - [0,55x idade (anos)]

PEmáx = 268 -[1,03x idade (anos)]

Mulheres: PImáx = 104 - [0,51x idade (anos)]

PEmáx = 170 -[0,53x idade (anos)]15.

Para avaliação da fadiga, os pacientes foram submetidos a um questionário de escala de severidade de fadiga (ESF), composto por nove itens, em que o paciente marcou, de um a sete, o valor para cada questão relacionada à fadiga. Na ESF, os escores variam de 9 a 63 e um escore igual ou superior a 28 é considerado indicativo de fadiga; consideram-se escores de 28 a 39 como fadiga leve, de 40 a 51 fadiga moderada e de 52 a 63, fadiga grave16.

Para avaliação da qualidade de vida foi utilizado o questionário SF-36 (Short-Form Health Survey) traduzido e validado por Ciconelli17, que consiste em 36 itens agrupados em oito domínios: capacidade funcional, aspectos físicos, dor, estado geral de saúde, vitalidade, aspectos sociais, aspectos emocionais e saúde mental. Para cada paciente e para cada um dos oito domínios, foi obtido um escore ao se aplicar uma escala de medida com valores de 0 (mais comprometido) a 100 (nenhum comprometimento).

Análise estatística

Os dados obtidos foram inicialmente analisados de forma descritiva para observação da freqüência e distribuição em média e desvio padrão de cada variável. Em seguida foi usado o teste Mann-Whitney para comparar os resultados encontrados com os valores preditos para a capacidade funcional. Para analisar a influência dos fatores idade, IMC e tempo de hemodiálise a amostra foi dividida em seis subgrupos: com idade = 60 anos, com idade > 60 anos, com IMC=24,9 kg/m2 (normal), com IMC>24,9 kg/m2 (com sobrepeso), com tempo de hemodiálise = 48 meses e com tempo de hemodiálise superior a 48 meses. Para comparação entre os grupos sob cada influência (idade, IMC e tempo de hemodiálise), foi usado o teste Mann-Whitney. O nível de significância utilizado foi p=0,05.

RESULTADOS

Foram avaliados 16 pacientes com IRC com idades de 26 a 70 anos e média de idade 53,6±14,2 anos, média de peso 65,0±12,9 kg, e altura média 170±10 cm. Dentre os pacientes, 10 são homens e 6 são mulheres. A média do IMC do grupo estudado foi de 23,77±3,41 kg/m2 . O tempo médio do tratamento hemodialítico do grupo foi de 62,3±46,8 meses.

No TC6 a média da distância percorrida foi de 404,5±105,0 m, ou seja, 70,3% do predito, com diferença significante entre o alcançado e o predito (p<0,01 - Tabela 1). Em relação à força muscular respiratória, a média de PImáx obtida foi de 70,25 cmH2O, representando 70,8% do predito, com diferença significativa (p<0,01). A média de PEmáx obtida foi bastante baixa, uma porcentagem de 28,6 do valor predito, com diferença também significativa (p<0,01).

A média do escore obtido na ESF na amostra foi 31,7±20,5, indicando fadiga leve.

O estudo da influência do fator idade nos escores da ESF não mostrou diferença significativa entre os indivíduos com idade igual ou menor que 60 anos (n=8) e aqueles com mais de 60 (n=8), embora os primeiros tenham tido escore médio mais elevado, devido ao maior tempo de hemodiálise (Tabela 2). No TC6', foi encontrada diferença significativa (p=0,05) entre a distância média percorrida pelos mais jovens (455,1 m) e os mais velhos (354,0 m). As medidas da PImáx e PEmáx não foram significativamente diferentes quanto à idade (Tabela 2). Tampouco foi encontrada diferença significativa de IMC entre aqueles com índice acima (n=7) e abaixo (n=9) do limite de sobrepeso (24,9 kg/m2) nas demais variáveis, sugerindo que este não teve influência na capacidade funcional (Tabela 2).

Quanto ao tempo de hemodiálise, teve influência significativa (p=0,05) na distância percorrida pelos sujeitos com TH=48 meses (349,8 m) e com tempo superior a 48 meses (459,4 m) - Tabela 2.

Dentre as respostas ao questionário SF-36, sobre qualidade de vida relacionada à saúde, as pontuações foram mais elevadas nos domínios aspectos sociais (média de 88,3±24,4) e aspectos emocionais (77,1±40,3). As pontuações mais baixas foram nos domínios dor (62,9±31,4) e vitalidade (65,3±21,3).

A análise da influência do fator idade (=60 anos ou >60 anos) nos escores do SF-36 mostrou diferença significativa (p=0,03) apenas para o domínio saúde mental, tendo o subgrupo de mais velhos apresentado média superior àqueles com 60 anos ou menos (Gráfico 1). Quanto ao IMC, foi encontrada significância estatística (p<0,01) apenas na diferença de escores no domínio capacidade funcional, tendo o subgrupo com peso considerado normal ou inferior apresentado média superior à do subgrupo com IMC superior a 24,9 kg/m2 (Gráfico 2). A análise da influência do tempo de hemodiálise sobre os escores de qualidade de vida mostrou significância (p=0,02) apenas nos escores do domínio estado geral, tendo o subgrupo com menor TH apresentado média superior à do grupo com mais de 48 meses de hemodiálise (Gráfico 3).




DISCUSSÃO

Pacientes com IRC que são submetidos a tratamento hemodialítico apresentam diminuição na capacidade funcional, resultando em prejuízos na qualidade de vida, tanto física quanto mental9,18. No presente estudo, a capacidade funcional dos sujeitos avaliados, representada pela distância percorrida em seis minutos, força dos músculos respiratórios e sensação de fadiga, mostrou-se reduzida. Segundo Medeiros et al.19, pacientes com IRC submetidos a tratamento hemodialítico sofrem alterações importantes no sistema muscular, uma vez que a musculatura se atrofia. Como conseqüência, ocorre no organismo uma fraqueza generalizada, causada pela perda de força, levando o paciente a ter di-minuição na tolerância ao exercício físico. A fadiga é um fator limitante da capacidade funcional em pacientes com IRC5,19. Na amostra estudada, o escore médio na escala de sensação de fadiga indicou presença de fadiga leve, o que também pode ter contribuído para a reduzida capacidade funcional observada no presente estudo.

Alterações na função respiratória também estão entre as condições mais freqüentes apresentadas por pacientes com IRC submetidos a tratamento hemodialítico20,21. Os pacientes deste estudo apresentaram importantes alterações quanto à força muscular respiratória, principalmente na força expiratória, tendo apresentado níveis muito abaixo dos preditos, o que pode estar associado à diminuição da força da musculatura esquelética, como comentado acima.

Em relação à idade, os pacientes acima de 60 anos apresentaram prejuízos maiores no que se refere à capacidade funcional, principalmente no TC6'. Segundo vários autores21-23, a intensidade da fadiga associa-se à idade mais elevada, à condição crônica da doença e ao tempo de tratamento hemodialítico do paciente com IRC, diminuindo assim ainda mais a capacidade funcional. Dentre esses três fatores, o maior tempo de tratamento hemodialítico foi o que mais interferiu na sensação de fadiga do grupo com menos de 60 anos.

Já na comparação da capacidade funcional com o tempo de hemodiálise, o grupo com tempo menor que 48 meses apresentou pior desempenho no TC6'. O que pode justificar esse fato é que a idade média desse grupo era bem mais elevada que a daqueles com mais tempo de hemodiálise, sendo possível que o principal fator limitante seja a idade e não o tempo de hemodiálise.

Dentre os estudos que abordaram a questão da qualidade de vida de pessoas com IRC submetidas a tratamento hemodialítico, vários autores9,17,24 encontraram uma perspectiva negativa de viver com IRC, que traz importantes limitações físicas, psicológicas e sociais. A pontuação obtida em todos os domínios avaliados pelo questionário SF-36, no presente estudo, confirma isso, tendo os sujeitos relatado perceber o impacto da doença em sua qualidade de vida, principalmente no que se refere aos domínios dor e vitalidade.

Segundo Schardong et al.20, os pacientes mais velhos tendem a estar mais satisfeitos com o tratamento hemodialítico, aceitando melhor suas limitações do que indivíduos jovens. Isso pode justificar os resultados no presente estudo em relação à qualidade de vida, de que os pacientes com idade superior a 60 anos apresentaram maior escore no domínio saúde mental do SF-36 quando comparados àqueles com idade inferior a 60 anos.

Em estudo realizado por Trentini et al.5, pessoas com IRC submetidas a tratamento hemodialítico ganham peso entre uma sessão e outra de hemodiálise devido à retenção de líquido, o que vem a causar cansaço, entre outras alterações, prejudicando assim a capacidade funcional. Esses achados confirmam o observado no presente estudo, onde o subgrupo com sobrepeso apresentou menor escore médio no domínio capacidade funcional do SF-36 quando comparado ao grupo com IMC normal ou menor. Marchesan et al.21 verificaram que quanto mais tempo o paciente com IRC estiver submetido ao tratamento hemodialítico, mais prejuízos apresenta na qualidade de vida relacionada à saúde. Também no presente estudo, os pacientes com mais de 48 meses de tratamento apresentaram menores escores no domínio estado geral do questionário de qualidade de vida.

CONCLUSÃO

Neste estudo, a capacidade funcional dos pacientes com IRC submetidos a tratamento hemodialítico mostrou-se abaixo dos valores preditos quanto à distância percorrida no TC6' e à força dos músculos respiratórios (principalmente musculatura expiratória), tendo relatado em média sensação de fadiga leve. Pacientes com idade acima de 60 anos e aqueles com maior tempo de hemodiálise apresentaram redução da capacidade funcional apenas quanto à distância percorrida, sem prejuízo das demais funções. Dor e prejuízo na vitalidade foram indicados como os fatores que mais interferem em sua qualidade de vida relacionada à saúde, tendo fatores como idade, índice de massa corporal e o tempo de hemodiálise não se mostrado relevantes na maioria dos domínios desta. Os resultados do estudo indicam que pacientes com insuficiência renal crônica submetidos a tratamento hemodialítico têm a qualidade de vida afetada negativamente e apresentam diminuição da capacidade funcional.

Apresentação: dez. 2008

Aceito para publicação: maio 2009

Estudo desenvolvido no Curso de Fisioterapia do Uniararas - Centro Universitário Hermínio Ometto, Araras, SP, Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Marina S. C. Pedroso
    R. Luis Stefani 446 Parque Industrial
    13601-351 Araras SP
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2009

    Histórico

    • Aceito
      Maio 2009
    • Recebido
      Dez 2008
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