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Relação entre perfil psicomotor e estilo de vida de crianças de escolas do município de João Pessoa, PB

Relationship between psychomotor profile and lifestyle among schoolchildren in João Pessoa, PB

Resumos

O objetivo do estudo foi comparar o grau de desenvolvimento psicomotor e o estilo de vida de crianças matriculadas nas redes pública e privada de ensino do município de João Pessoa, PB. O estilo de vida foi estimado pelo desempenho de atividades escolares e não-escolares. Participaram do estudo 74 crianças de 9 a 12 anos (10,5±1,2 anos), 38 meninas e 36 meninos. Para avaliação, foi aplicada a bateria de testes psicomotores de Picq e Vayer e um formulário com questões sobre atividades desempenhadas na escola e fora dela. Os dados revelam que, das 74 crianças avaliadas, 63 (85%) apresentavam distúrbios no desenvolvimento psicomotor, com maior incidência nas escolas da rede pública. Dentre as atividades escolares, 35% das crianças com distúrbio psicomotor indicaram não fazer atividade alguma no recreio; das que apresentaram desenvolvimento típico, nenhuma disse não fazer atividade alguma e 36% indicaram fazer esporte (contra 5% daquelas com distúrbio); quanto às atividades não-escolares, televisão, jogos eletrônicos e internet foram apontadas como preferidas por 44,3% das crianças com distúrbio, e por nenhuma com desenvolvimento típico. A preferência das crianças que apresentaram distúrbio por atividades mais estáticas sugere associação entre estilo de vida e perfil psicomotor.

Criança; Desempenho psicomotor; Estilo de vida


The purpose of the study was to assess whether schoolchildren psychomotor development is related to lifestyle - the latter estimated by performance of school and non-school leisure activities. Seventy-four children (38 girls, 36 boys) aged 9 to 12 (10.5±1.2) years old were selected among those enrolled in public and private schools in João Pessoa, PB. They were assessed by means of the Picq & Vayer test battery and by a questionnaire on school and non-school leisure activities. Results show that, among the 74 sample children, 63 (85%) presented developmental disorder, mostly attending public schools. Among school activities, 35% of children with delay said they"do nothing" during recreation; among typical-development children, none said doing nothing and 36% said they practised sport (vs 5% of disordered children). As to non-school activities, television, internet and electronic games were singled out as favourites by 44.3% of children with delay, and by none among typical ones. The fact that children with psychomotor disorders preferably engage in less lively, physical, activities suggests an association between lifestyle and psychomotor profile.

Child; Life style; Psychomotor performance


PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

Relação entre perfil psicomotor e estilo de vida de crianças de escolas do município de João Pessoa, PB

Relationship between psychomotor profile and lifestyle among schoolchildren in João Pessoa, PB

Neide Maria Gomes de LucenaI; Larissa Coutinho de LucenaII; Paulo Ortiz Rocha de AragãoIII; Luana Gadê Bandeira de MeloIV; Thiago do Valle RochaV; Suellen Marinho AndradeVI

IProfa. Dra. do Curso de Fisioterapia da UFPB

IIFisioterapeuta; mestranda no Programa de Pós-Graduação em Fisioterapia da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, RN

IIIProf. Dr. do Curso de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade Federal de Campina Grande, Campina Grande, PB

IVFisioterapeuta; pós-graduanda no Curso de Especialização em Fisioterapia Dermato-Funcional da Faculdade Redentor, Recife, PE

VGraduando em Fisioterapia na UFPB

VIFisioterapeuta; mestranda no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da UFPB

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Suellen M. Andrade R. Rejane Freire Correia 88 Edif. Gardon II, apt. 501 Jd Cidade Universitária 58052-197 João Pessoa PB e-mail: suellenandrade@gmail.com

RESUMO

O objetivo do estudo foi comparar o grau de desenvolvimento psicomotor e o estilo de vida de crianças matriculadas nas redes pública e privada de ensino do município de João Pessoa, PB. O estilo de vida foi estimado pelo desempenho de atividades escolares e não-escolares. Participaram do estudo 74 crianças de 9 a 12 anos (10,5±1,2 anos), 38 meninas e 36 meninos. Para avaliação, foi aplicada a bateria de testes psicomotores de Picq e Vayer e um formulário com questões sobre atividades desempenhadas na escola e fora dela. Os dados revelam que, das 74 crianças avaliadas, 63 (85%) apresentavam distúrbios no desenvolvimento psicomotor, com maior incidência nas escolas da rede pública. Dentre as atividades escolares, 35% das crianças com distúrbio psicomotor indicaram não fazer atividade alguma no recreio; das que apresentaram desenvolvimento típico, nenhuma disse não fazer atividade alguma e 36% indicaram fazer esporte (contra 5% daquelas com distúrbio); quanto às atividades não-escolares, televisão, jogos eletrônicos e internet foram apontadas como preferidas por 44,3% das crianças com distúrbio, e por nenhuma com desenvolvimento típico. A preferência das crianças que apresentaram distúrbio por atividades mais estáticas sugere associação entre estilo de vida e perfil psicomotor.

Descritores: Criança/crescimento & desenvolvimento; Desempenho psicomotor; Estilo de vida

ABSTRACT

The purpose of the study was to assess whether schoolchildren psychomotor development is related to lifestyle - the latter estimated by performance of school and non-school leisure activities. Seventy-four children (38 girls, 36 boys) aged 9 to 12 (10.5±1.2) years old were selected among those enrolled in public and private schools in João Pessoa, PB. They were assessed by means of the Picq & Vayer test battery and by a questionnaire on school and non-school leisure activities. Results show that, among the 74 sample children, 63 (85%) presented developmental disorder, mostly attending public schools. Among school activities, 35% of children with delay said they"do nothing" during recreation; among typical-development children, none said doing nothing and 36% said they practised sport (vs 5% of disordered children). As to non-school activities, television, internet and electronic games were singled out as favourites by 44.3% of children with delay, and by none among typical ones. The fact that children with psychomotor disorders preferably engage in less lively, physical, activities suggests an association between lifestyle and psychomotor profile.

Key words: Child/growth & development; Life style; Psychomotor performance

INTRODUÇÃO

O estilo de vida é um modo de viver baseado em padrões identificáveis de comportamento no bojo das relações entre características pessoais, sociais, condições socioeconômicas e ambientais. Engloba uma série de fatores como hábitos alimentares, nível de estresse, atividade física, relação com esferas institucionais como família, escola, trabalho, dentre outros1. O desenvolvimento da criança é multifatorial, dependendo de sua predisposição genética e da ação de elementos ambientais. O ambiente em que está inserida pode facilitar ou não sua evolução física e cognitiva, dependendo das experiências que vivencia2.

O desenvolvimento psicomotor ocorre principalmente na infância, mais especificamente na fase pré-escolar. Os pais, as escolas e os educadores devem permitir que as crianças tenham a oportunidade de vivenciar cada etapa de seu desenvolvimento3. O sucesso escolar - construção social freqüentemente formada por concepções compartilhadas por pais e alunos - envolve a interação direta dos pais com o cotidiano das crianças e a relação pais-escola. Diante da participação ativa dos pais, tem-se demonstrado que as crianças apresentam melhora nas habilidades acadêmicas, diminuindo os riscos de insucesso escolar4.

Os estudos clássicos sobre componentes motores de crianças podem ser classificados em duas correntes: ligados às pesquisas norte-americanas, no domínio da chamada perceptivo-motricidade, onde se destacam os trabalhos de Getman5; Frostig e Orpet6; e aqueles ligados à corrente européia da psicomotricidade, com uma visão aproximada do modelo neurofuncional de Luria7; onde se inserem as pesquisas de Rossel8 e Wallon9. Os estudos de Fonseca e Mendes10 e Rosa Neto11 abordam questões relativas à transcendência psicológica e seu paradigma central, e não à simples mensuração das funções psicomotoras em termos de precisão e velocidade, que tradicionalmente caracterizam os estudos a respeito, amplamente aplicada em investigações de crianças. Neste estudo optou-se por utilizar o instrumento desenvolvido por Picq e Vayer12 em 1965, para análise das funções psicomotoras da segunda infância. Esse instrumento baseia-se nos elementos da educação psicomotora, compreendida como a educação da criança por seu próprio corpo em movimento, tendo como proposta estimular a criança a desenvolver suas potencialidades e ter acesso ao mundo escolar, por meio do conhecimento de si mesma e do mundo que a cerca13.

O presente trabalho teve como objetivo verificar se há relação entre o grau de desenvolvimento psicomotor - típico ou não - e o estilo de vida, estimado pela participação em atividades escolares e não-escolares, de crianças matriculadas na rede pública e privada de ensino do município de João Pessoa, PB.

METODOLOGIA

Este estudo foi do tipo descritivo, com corte transversal. O universo amostral foi constituído por 114 alunos de 8 instituições de ensino do município de João Pessoa, sendo 4 escolas da rede pública e 4 da rede privada. A seleção da amostra foi não-probabilística, do tipo intencional. Foram critérios de inclusão ter entre 6 e 12 anos, estar formalmente matriculado e freqüentar regularmente a instituição escolar. A perda amostral (65%) foi maior do que a prevista devido ao número de crianças excluídas por não pertencerem à faixa etária predeterminada, por terem sido transferidas de escola ou por não terem sido autorizadas a participar pelos pais ou responsáveis. Desse modo, este estudo avaliou 74 crianças, de 9 a 12 anos, sendo 44 crianças da rede pública e 30 crianças da rede privada de ensino da cidade de João Pessoa.

Esta pesquisa foi conduzida em concordância com os padrões éticos, sendo os formulários dirigidos às crianças somente aplicados mediante permissão dos pais ou responsáveis, confirmada pela assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido.

Ao final do estudo, foram realizadas oito reuniões, uma em cada escola, com a presença do respectivo corpo docente (diretores, coordenadores pedagógicos e professores) e dos pais ou responsáveis das crianças, para a divulgação dos resultados da pesquisa. A partir da apresentação dos resultados, foram identificadas situações-problema e definidas estratégias envolvendo ações conjuntas da família e da escola.

Procedimentos

As crianças participantes do estudo foram avaliadas quanto à presença ou não de distúrbio no desenvolvimento psicomotor pela bateria psicomotora da segunda infância desenvolvida por Picq e Vayer que, além de ser validada, reprodutível e com excelente confiabilidade intra e interavaliador (coeficiente de correlação intraclasse = 0,99)12; permite analisar se aspectos psicomotores, como coordenação, organização espacial e equilíbrio, se encontram ou não de acordo com a idade cronológica da criança. Após aplicação dos testes, verifica-se a idade motora pela média da soma dos resultados de cada item, comparando-se, por meio de tabela normativa do manual do teste, a idade motora obtida à da idade cronológica da criança. Considerou-se, neste estudo,"distúrbio" no desenvolvimento motor quando a idade motora da criança era inferior ao padrão esperado para a idade cronológica, a exemplo dos estudos de Guilmain e Guilmain14; Vayer et al.15 e Fonseca16. Os três examinadores que aplicaram as avaliações foram treinados de modo a aplicar o exame de forma padronizada. Um examinador foi o padrão, reexaminando 33,3% da amostra em uma segunda visita a cada instituição.

Para a realização das provas foram utilizados os seguintes materiais, confeccionados pelos pesquisadores e aplicados em protocolos baseados na literatura17,18:

  • Coordenação dinâmica geral: banco de 15 cm de altura, corda de 2 m, elástico, suporte para saltar, uma caixa de fósforos e uma cadeira de 45 cm de altura.

  • Coordenação das mãos: 6 cubos de 2,5 cm; linha nº 60, agulha de costura (1 cm x 1 mm), um cordão de sapatos de 45 cm, cronômetro, papel de seda (5 x 5 cm), bola de borracha ou bola de tênis de campo (± 6 cm de diâmetro), alvo de 25 x 25 cm, lápis nº 2 e prova de labirintos.

  • Equilíbrio: banco de 15 cm e cronômetro.

  • Esquema corporal: lápis nº 2, borracha e folha branca.

  • Dominância lateral: bola, tesoura, cartão de 15 cm x 25 cm com um furo no centro de 0,5 cm de diâmetro e tubo de cartão.

  • Organização látero-espacial: 3 bolas de cores diferentes, figuras de boneco esquematizado.

  • Rapidez: folha quadriculada (1 cm de lado cada quadrado) com 25 quadrados por 18; cronômetro e lápis nº 2.

  • Estrutura espaciotemporal: lápis nº 2, folha branca e cartões com desenhos das estruturas espaciais.

Os testes foram realizados individualmente, em locais silenciosos, bem iluminados, arejados e livres de interrupções exteriores, tendo uma duração média de 20 a 35 minutos.

A coleta de dados sobre o estilo de vida foi feita por meio de entrevistas com as crianças, utilizando um formulário estruturado adaptado da ficha de avaliação neurológica do Serviço de Fisioterapia Infantil da UFPB, contendo questões sociodemográficas e perguntas relacionadas a atividades escolares (realizadas durante o recreio e complementares, ou seja, optativas, não-inseridas entre as disciplinas obrigatórias da escola) e a atividades não-escolares (domiciliares e complementares - essas últimas desenvolvidas fora do domicílio, no tempo livre das crianças).

Análise estatística

Os dados foram organizados e tabulados utilizando-se o programa SPSS v.11.5. Os dados demográficos e as atividades realizadas pelas crianças são apresentados de forma descritiva. O teste de qui-quadrado (χ2) foi utilizado para comparar as freqüências entre os grupos analisados. Para avaliação da correlação entre variáveis categóricas realizou-se o teste V de Cramer; o coeficiente Kappa foi empregado para verificar a concordância entre os examinadores e o padrão, sendo valores de p<0,05 considerados significantes.

RESULTADOS

Os resultados da avaliação psicomotora indicam que, das 74 crianças avaliadas, 63 apresentavam distúrbio psicomotor - ou seja, idade motora inferior à esperada - enquanto 11 não apresentavam qualquer alteração (Tabela 1). As 74 crianças eram 38 meninas e 36 meninos; dentre as meninas, 92% apresentavam distúrbio e, entre os meninos, 77%. Não foi encontrada associação estatisticamente significativa entre sexo e distúrbio psicomotor (χ2=2,99; V=0,20; p=0,83), nem entre o tipo de escola (pública ou privada) e distúrbio psicomotor (χ22=1,05; V=0,11; p=0,30).

A média de idade das crianças foi de 10,5±1,2 anos, sendo observada maior prevalência de distúrbio psicomotor na faixa de 9 a 10 anos, correspondendo a 47,2% (n=25) do total de crianças avaliadas. Em relação à classe social, 30 crianças (40,5%) eram de classe baixa, sendo 28 de escolas públicas e 2 de escolas privadas; 39 (52,7%) eram de classe média, sendo 16 de escolas públicas e 23 de escolas privadas; e 5 (6,7%) eram de classe alta, todas estas de escolas privadas.

As respostas sobre a atividade mais realizada, tanto dentro como fora da escola, pelas crianças com e sem alterações psicomotoras, estão sintetizadas na Tabela 2. Dentre as crianças com distúrbio psicomotor, 34,9% responderam"nenhuma" atividade no recreio, e quase metade (47,6%) indicaram "outras" atividades. Na categoria"outras", dentre outras atividades, as apontadas de forma mais expressiva foram brincar de pega-pega (22,9%) e conversar com amigos (13,5%). Em contrapartida, a atividade mais relatada pelas crianças sem distúrbio psicomotor foi esporte (36,3%), seguida de jogar bola de gude, pular corda e amarelinha. Dentre as atividades escolares complementares (não-obrigatórias oferecidas pela escola), a maioria das crianças com distúrbio psicomotor referiram não realizar atividade alguma (47,6%), enquanto o esporte foi a atividade mais apontada pelas crianças sem distúrbio (63,6%).

Em relação às atividades não-escolares domiciliares, assistir à televisão (31,7%) e ajudar os pais (26,9%) foram as atividades mais referidas pelas crianças que apresentaram distúrbio no desenvolvimento motor. Vale salientar que apenas elas também apontaram como atividades mais executadas em casa itens como navegar na internet (6,3%) e jogos eletrônicos (6,3%). Atividades mais dinâmicas, como praticar esporte (36,3%) e andar de bicicleta (27,2%), foram mais indicadas pelas crianças sem distúrbios motores. Quanto às atividades realizadas fora de casa, as crianças com distúrbio psicomotor indicaram"nenhuma" (47,6%), seguida de esporte (25,3%) e natação (11,1%). As crianças que não apresentaram distúrbio psicomotor indicaram majoritariamente a prática de esportes (45,4%), tendo ainda três delas indicado balé, dança e natação, mostrando-se mais ativas do que as crianças com distúrbio.

Buscou-se verificar se haveria relação entre as atividades complementares que as crianças desenvolviam dentro e fora da escola. O valor do χ2 foi de 14,14 com uma probabilidade associada de p menor que 0,05 para um grau de liberdade de 1; o V de Cramer obtido foi de 0,33, indicando que aproximadamente 11% da variação da freqüência das atividades complementares escolares pode ser explicada pela variação da freqüência das atividades complementares não-escolares. Assim, verifica-se que há uma fraca correlação positiva entre as atividades complementares que as crianças realizam dentro e fora do contexto escolar.

Quanto ao cotidiano do final de semana, os resultados obtidos mostram que as crianças de escola privada freqüentam mais o shopping (p=0,02), usam mais jogos eletrônicos (p=0,03) e utilizam mais a internet (p=0,02) do que as crianças de escola pública. Os dados referentes às atividades realizadas pelas crianças durante o final de semana encontram-se na Tabela 3.

No que se refere à concordância entre os examinadores e o reteste, a concordância média entre o examinador-padrão e o primeiro examinador foi de 95,2% e de 90,8% com o segundo examinador. A concordância entre os resultados do examinador-padrão em duas diferentes visitas foi de 97,9%, revelando a acurácia do padrão. O coeficiente Kappa foi calculado para cada variável examinada e a média dos valores na análise entre o examinador 1 e o reteste foi 0,77; entre o examinador 2 e o reteste foi 0,71; e entre o padrão em 2 exames distintos foi 0,94. A concordância entre os examinadores para as diversas variáveis, avaliada pelo coeficiente Kappa, variou de 0,32 a 1,00. Esses valores médios, registrados para os três examinadores, demonstram elevado grau de reprodutibilidade dos exames realizados.

DISCUSSÃO

Estes resultados indicam que grande porcentagem de crianças apresentavam distúrbios no desenvolvimento psicomotor, tendo-se verificado algumas relações entre tais distúrbios e o estilo de vida, definido pelas atividades desempenhadas dentro e fora da escola.

Neste estudo não se constataram diferenças entre os sexos quanto à presença de distúrbio psicomotor, o que corresponde aos achados de Pereira e Tudella19 que, ao traçarem o perfil psicomotor de escolares, verificaram eqüidade nas respostas de meninas e meninos em categorias psicomotoras como praxia e organização espaço-temporal. A pouca variabilidade quanto ao desempenho motor ligado ao sexo também foi verificada em um estudo realizado por Mastroiani et al.18 com 24 crianças, onde se avaliou a relação entre o desenvolvimento psicomotor e a idade cronológica, utilizando a mesma bateria de testes de avaliação psicomotora de Picq e Vayer usada neste estudo. Os autores demonstraram que, apesar das diferenças entre meninos e meninas, o desempenho psicomotor em ambos os sexos é semelhante, sendo possível constatar que o envolvimento das meninas em atividades esportivas tem aumentado, resultando em uma maior participação dos meninos e meninas nas mesmas brincadeiras e redução na amplitude das diferenças entre os sexos. No entanto, segundo Schwengber20; estudos no campo das relações de gênero apontam diferenças no desenvolvimento motor de meninos e meninas, enfatizando o papel determinante da socialização.

Neste trabalho, a maioria das crianças que exerciam atividades mais estáticas, sem muita demanda física, apresentavam algum distúrbio no desenvolvimento psicomotor, o que é confirmado no estudo de Cesário21; sugerindo que a atividade física poderia estar implicada nas fases de desenvolvimento.

As atividades escolares e não-escolares mais desenvolvidas pelas crianças deste estudo apontam para o esporte como uma das práticas mais freqüentes, em vários contextos; segundo Oliveira22; combinações de saltar, correr, lançar e pegar, em diferentes movimentos esportivos, durante a fase escolar, auxiliam o desenvolvimento infantil.

Neste estudo, foi encontrada associação entre as atividades físicas e o perfil psicomotor das crianças analisadas. Há um reconhecimento da necessidade de estudos sobre esses determinantes em crianças, uma vez que pesquisas epidemiológicas apontam uma relação alarmante entre sedentarismo e morbidade23.

Quanto ao cotidiano das crianças, foram encontradas diferenças entre aquelas matriculadas em escolas públicas e privadas. Tais discrepâncias podem estar relacionadas às diferenças socioeconômicas dos sujeitos. Gaya e Guedes24; em um estudo sobre o nível socioeconômico e os hábitos de vida de escolares de 7 a 14 anos, encontraram, quanto à organização do cotidiano e às práticas desportivas, diferenças estatisticamente significativas a favor do nível socioeconômico mais privilegiado.

Os resultados deste estudo sugerem a importância da escola como elemento de peso no desenvolvimento infantil. Observações semelhantes foram referidas por Diniz et al.25; ao realizar um estudo em Portugal com 30 crianças com e sem dificuldades de aprendizagem, matriculadas na rede pública. Buscaram identificar diferenças motoras entre os escolares utilizando o teste de proficiência motora de Bruininks e Ozeretsky e observaram que as crianças com deficit de aprendizagem apresentaram alta prevalência de problemas de integração vestibular, tônico-postural e proprioceptiva, o que, segundo os autores, deixa clara a necessidade de uma observação precoce, por parte da escola, da proficiência motora e da psicomotricidade das crianças.

Algumas limitações deste estudo devem ser mencionadas. A amostra selecionada é pequena. Além disso, a presente pesquisa é um estudo transversal; estudos prospectivos poderão acompanhar a evolução dos parâmetros psicomotores de escolares por certo período; também é possível investigar relações entre família, escola e o processo de desenvolvimento das crianças.

CONCLUSÃO

Os resultados desta pesquisa demonstram que as crianças com distúrbio no desenvolvimento motor realizam atividades mais estáticas quando comparadas às crianças de perfil típico, preferindo ocupações como assistir televisão, navegar na internet, jogar jogos eletrônicos, ou mesmo não realizar atividade física alguma, tanto no contexto escolar como domiciliar, sugerindo associação entre estilo de vida e desenvolvimento psicomotor.

Apresentação: ago. 2009

Aceito para publicação: abr. 2010

O estudo recebeu apoio do CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

Estudo desenvolvido no Laboratório de Ergonomia da Faculdade de Fisioterapia da UFPB - Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, PB, Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Suellen M. Andrade
    R. Rejane Freire Correia 88
    Edif. Gardon II, apt. 501 Jd Cidade Universitária
    58052-197 João Pessoa PB
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2010

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2010
    • Recebido
      Ago 2009
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