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Preferência manual de crianças ao alcançar objetos de tamanho e rigidez diferentes

Infants' and toddlers' hand preference in reaching objects of different size and rigidity

Resumos

O estudo teve por objetivo analisar a preferência manual de crianças ao alcançar objetos de diferentes tamanhos nas idades de 4, 6, 8 e 36 meses. Para tanto, nove crianças saudáveis foram posicionadas em uma cadeira reclinada para trás a 50º com a horizontal e a elas foram apresentados quatro objetos de rigidez e tamanhos distintos. Foram coletados longitudinalmente 524 alcances aos 4, 6, 8 e 36 meses, sendo analisadas as variáveis mão preferida no alcance e índice de contribuição para os alcances bimanuais. Constatou-se que a mão preferida no alcance no decorrer dos meses foi a direita e que somente aos 6 meses o tamanho dos objetos influenciou a preferência manual: as crianças fizeram preferencialmente alcances com a mão direita para objetos pequenos, e mão esquerda para os grandes. Nos alcances bimanuais, constatou-se que, em geral, a mão que primeiro toca o objeto é a mão mais ativa durante todo o movimento de alcançar. Provavelmente porque a rigidez seja menos visualmente percebida do que o tamanho, só este influencia o alcance aos 6 meses, idade em que o lactente refina o movimento de alcance. O tamanho o influencia aos 6 meses, idade em que o movimento de alcançar se encontra em fase de refinamento: objetos pequenos que exigem maior precisão foram alcançados com a mão direita (mão preferida); e objetos grandes, que não exigem precisão para serem apreendidos, foram alcançados com a mão esquerda.

Atividade motora; Lactente e criança pré-escolar; Lateralidade funcional; Movimento de alcance


The purpose of this study was to analyse infants' and toddlers' manual preference in reaching objects of different sizes and rigidity at the ages of 4, 6, 8, and 36 months. Four objects of different size and stiffness were presented to nine healthy infants leaning on a chair at 50º. A total of 524 reaching movements were analysed longitudinally to verify manual preference and the index of contribution of each hand for bimanual reaching. Results showed preference of the right hand for reaching objects; only at the age of 6 months the object size influenced manual preference: infants used preferably the right hand to reach small objects and the left one for large objects. The hand that first touched the object in bimanual reaching was the most active during reaching trajectory. These findings suggest that the size of the object - and not rigidity, which is less visually perceptible - influenced infants' reaching at the age of 6 months, that is, when reaching movement is being refined; small objects, which require more accuracy to be grasped, were reached with the right hand (preferred one)), whereas large objects which do not require accuracy to be grasped were reached with the left hand.

Functional laterality; Infants and toddlers; Motor activity; Movement, reaching


PESQUISA ORIGINAL ORIGINAL RESEARCH

Preferência manual de crianças ao alcançar objetos de tamanho e rigidez diferentes

Infants' and toddlers' hand preference in reaching objects of different size and rigidity

Suellen A. BottesiniI; Fernanda Pereira dos Santos SilvaII; Eloisa TudellaIII

IFisioterapeuta especialista em Intervenção em Neuropediatria

IIFisioterapeuta Ms

IIIFisioterapeuta; Profa. Dra. do Depto. de Fisioterapia da UFSCar

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Suellen A. Bottesini R. Dr. Lauro Pimentel 714 Cidade Universitária 13083-250 Campinas SP e-mail: suellenbottesini.nenem@yahoo.com.br

RESUMO

O estudo teve por objetivo analisar a preferência manual de crianças ao alcançar objetos de diferentes tamanhos nas idades de 4, 6, 8 e 36 meses. Para tanto, nove crianças saudáveis foram posicionadas em uma cadeira reclinada para trás a 50º com a horizontal e a elas foram apresentados quatro objetos de rigidez e tamanhos distintos. Foram coletados longitudinalmente 524 alcances aos 4, 6, 8 e 36 meses, sendo analisadas as variáveis mão preferida no alcance e índice de contribuição para os alcances bimanuais. Constatou-se que a mão preferida no alcance no decorrer dos meses foi a direita e que somente aos 6 meses o tamanho dos objetos influenciou a preferência manual: as crianças fizeram preferencialmente alcances com a mão direita para objetos pequenos, e mão esquerda para os grandes. Nos alcances bimanuais, constatou-se que, em geral, a mão que primeiro toca o objeto é a mão mais ativa durante todo o movimento de alcançar. Provavelmente porque a rigidez seja menos visualmente percebida do que o tamanho, só este influencia o alcance aos 6 meses, idade em que o lactente refina o movimento de alcance. O tamanho o influencia aos 6 meses, idade em que o movimento de alcançar se encontra em fase de refinamento: objetos pequenos que exigem maior precisão foram alcançados com a mão direita (mão preferida); e objetos grandes, que não exigem precisão para serem apreendidos, foram alcançados com a mão esquerda.

Descritores: Atividade motora; Lactente e criança pré-escolar; Lateralidade funcional; Movimento de alcance

ABSTRACT

The purpose of this study was to analyse infants' and toddlers' manual preference in reaching objects of different sizes and rigidity at the ages of 4, 6, 8, and 36 months. Four objects of different size and stiffness were presented to nine healthy infants leaning on a chair at 50º. A total of 524 reaching movements were analysed longitudinally to verify manual preference and the index of contribution of each hand for bimanual reaching. Results showed preference of the right hand for reaching objects; only at the age of 6 months the object size influenced manual preference: infants used preferably the right hand to reach small objects and the left one for large objects. The hand that first touched the object in bimanual reaching was the most active during reaching trajectory. These findings suggest that the size of the object - and not rigidity, which is less visually perceptible - influenced infants' reaching at the age of 6 months, that is, when reaching movement is being refined; small objects, which require more accuracy to be grasped, were reached with the right hand (preferred one)), whereas large objects which do not require accuracy to be grasped were reached with the left hand.

Key words: Functional laterality; Infants and toddlers; Motor activity; Movement, reaching

INTRODUÇÃO

Preferência manual pode ser definida pela escolha de uma das mãos ou pelo uso preferido desta em situações nas quais apenas uma pode ser utilizada para determinada tarefa1. Essa preferência pode estar relacionada a fatores genéticos que produzem assimetrias estruturais no sistema nervoso central, estabelecendo-se precocemente durante o desenvolvimento2,3; o que favorecerá o processo de aprendizagem e a consolidação de praxias, permitindo que a criança organize suas atividades motoras4. Também pode estar relacionada com a tarefa realizada pelo lactente que está desenvolvendo a apreensão de objetos e pelo ambiente no qual está inserido5. Estudos apontam, como fatores que influenciam essa preferência, a posição do feto no útero, a orientação preferencial da cabeça em recém-nascidos para a direita ou para a esquerda6 e o tamanho dos objetos a serem alcançados7. Embora se saiba que esses fatores podem influenciar o desenvolvimento da preferência manual, não se sabe precisamente quando ela se estabelece.

A preferência manual pode ser observada pelo uso freqüente da mão direita em movimentos habituais após o sexto mês de vida8. No entanto, verificou-se que apenas aos 3 anos de idade essa preferência surge claramente, pois é quando o controle da postura e dos movimentos dos membros superiores estão estabelecidos6. Nesse intervalo entre o sexto mês e os três anos de vida, podem existir flutuações na preferência manual que, segundo Corbetta e Thelen6; estão relacionadas às mudanças nas trocas posturais, como o arrastar e engatinhar. Rocha7 também observou essa flutuação, porém em lactentes mais jovens, constatando que aos 4 meses os lactentes usaram mais a mão esquerda, enquanto que aos 5 e 6 meses passaram a usar a mão direita no alcance dos objetos, sugerindo que, quando o alcance requer maior precisão, a variabilidade na preferência manual diminui e o uso de uma das mãos pode ser melhor observado. No entanto, Morange-Majoux et al.9 não verificaram essa flutuação; observaram que lactentes com idades entre 4 meses e meio a 6 meses e meio realizaram os movimentos com o braço direito em menor tempo, melhor orientados em direção ao objeto e apresentaram maior número de mudanças corretivas na trajetória em comparação ao desempenho com o braço esquerdo. Hinojosa et al.5 também não observaram tal flutuação em lactentes mais velhos (de 7 e 11 meses), verificando que crianças com preferência direita no alcance mostraram aumento no uso da mão direita para ações unimanuais de manipulação, e que crianças com preferência manual esquerda para o alcance mostraram aumento no uso da mão esquerda. No entanto, crianças que não apresentavam preferência para o alcance mostraram um pequeno aumento no uso da mão direita nas atividades de manipulação. Mesmo no estudo de Petrie e Peters10; que avaliaram lactentes muito jovens (duas e três semanas de vida), os resultados mostraram desempenho favorável da mão direita tanto para o tempo de preensão do objeto quanto para a força aplicada na preensão, portanto sem demonstrar flutuação, e ainda deixando dúvidas sobre a idade em que a preferência manual se estabelece.

Diante do exposto, observa-se que existe uma preferência manual à direita, porém não foi verificado se houve alteração no desempenho da preferência manual em relação à demanda da tarefa, ou seja, se diferentes objetos podem influenciar essa preferência. Assim, no presente estudo foram escolhidas as idades de 4, 6, 8 e 36 meses, dadas as evidências de que aos 4 meses os lactentes passaram pela fase de aquisição, aos 6 meses ainda estão na fase de refinamento do alcance, e aos 8 meses mostram componentes de movimento que se assemelham aos movimentos de adultos, sendo portanto capazes de revelar a preferência manual, o que se confirmará aos 36 meses, quando detêm o controle completo dos movimentos dos membros superiores. Por conseguinte, o presente estudo teve por objetivo analisar longitudinalmente a preferência manual de crianças ao alcançar objetos de diferentes tamanhos e rigidez nas idades de 4, 6, 8 e 36 meses.

METODOLOGIA

O estudo foi realizado de acordo com as normas regulamentadoras e aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de São Carlos; os pais ou responsáveis pelas crianças assinaram previamente o termo de consentimento livre e esclarecido.

Participaram do estudo nove crianças saudáveis, três meninos e seis meninas, nascidos a termo com idade gestacional média de 39 semanas (±1,11), com índice de Apgar de 8,44 (±0,72) no primeiro minuto e de 10 (±0,0) no quinto minuto. As crianças nasceram com peso médio adequado (3410±0,52 g) e foram avaliadas longitudinalmente nas idades médias de 4 meses e 2 dias (±0,85), 6 meses e 1 dia (±2,55), 8 meses e 2 dias (±3 dias) e aos 3 anos e 18 dias de idade (±14 dias). com tolerância de 5 dias anteriores ou posteriores à data do aniversário.

Materiais e procedimentos

Foram afixados marcadores esféricos (0,5 cm de diâmetro) com fita dupla-face hipoalérgica na região dorsal do carpo dos lactentes, para posterior análise cinemática. Os participantes foram posicionados em uma cadeira infantil com inclinação posterior de 50º. Após sua adaptação à postura, foram apresentados quatro objetos esféricos, atrativos e coloridos (laranja, verde e amarelo), aqui denominados rígido grande (RG), rígido pequeno (RP), maleável grande (MG) e maleável pequeno (MP). Os objetos maleáveis foram confeccionados com lã antialérgica no formato de pompom e os objetos rígidos foram confeccionados com bolas de isopor pintadas nas mesmas cores dos pompons de lã. Os objetos pequenos mediam 5 cm de diâmetro e os grandes, 12,5 cm de diâmetro.

Cada objeto foi apresentado a uma distância correspondente ao comprimento do membro superior do lactente, na linha média do corpo e na altura dos ombros, por um período de 1 minuto11,12; a cada alcance efetivo, o objeto era gentilmente retirado e reapresentado.

O estudo foi filmado por três câmeras filmadoras digitais (1 Sony miniDV DCR-TRV30, 2 JVC DY DV300) uma posicionada póstero-superiormente à cadeira onde estava reclinada a criança e as outras duas antero-diagonalmente, uma localizada à direita e a outra à esquerda12. Para a análise da mão direita usaram-se as imagens das câmeras superior e à direita da criança; para análise da mão esquerda foram utilizadas as imagens das câmeras superior e à esquerda13.

Três programas foram utilizados para análise dos alcances:

• Adobe Premier 6.3, para transformar as imagens das fitas de vídeo em arquivos com formato AVI, permitindo assim a visualização no sistema Dvideow;

• o sistema Dvideow 5.0, por meio do qual foram realizadas duas análises: identificação visual do membro superior que primeiro tocou o objeto, proporcionando dados para cálculo da mão preferida; e reconstrução tridimensional da trajetória de ambos os membros superiores, fornecendo dados para o cálculo do índice de contribuição, no caso dos alcances bimanuais;

• e o programa Matlab (6.1), para filtrar os dados e calcular a variável índice de contribuição.

As imagens foram analisadas por dois examinadores experientes no manejo de todos os programas utilizados; a fim de garantir a confiabilidade das análises, alguns alcances foram avaliados por ambos e foi verificada a coerência entre os resultados, o que foi amplamente alcançado.

As variáveis dependentes analisadas foram a mão preferida (direita ou esquerda) e o índice de contribuição de cada mão. A mão preferida indica aquela que primeiro tocou o objeto. Foi considerada usando a pontuação obtida na fórmula abaixo, sendo computados todos os alcances realizados:

O índice de contribuição indica o quanto uma mão contribui mais que a outra naquele movimento, ou seja, o quanto uma mão é mais ativa do que a outra, ou se o comportamento de ambas as mãos foi semelhante. Esse índice é calculado pela diferença entre a velocidade do membro superior direito e do esquerdo, dividida pela velocidade total (somatória das velocidades das mãos direita e esquerda), sendo encontrados valores que variam de -1 a + 1; -1 indica que a mão esquerda foi mais ativa durante o alcance, enquanto +1 indica que a mão direita foi mais ativa durante o movimento; valores próximos a zero indicam que não houve tendência a lateralização naquele alcance, pois ambos os lados apresentaram velocidades similares. Essa variável foi calculada apenas para os alcances bimanuais, para analisar o braço com melhor desempenho no alcance - teoricamente o da mão preferida, principalmente nos casos em que as mãos alcançavam com uma diferença muito pequena, de 0,01 segundo, por exemplo.

Análise estatística

O teste de Kolmogorov-Smirnov foi usado para verificar a distribuição dos dados, sendo rejeitada a hipótese de normalidade de todas as variáveis. Para a análise da significância foram utilizados testes não-paramétricos: o teste do qui-quadrado, para testar a condição idade (quatro níveis: 4, 6, 8 e 36 meses) e objeto (quatro níveis: RG, RP, MG, MP); e o teste McNemar para comparar a condição índice de contribuição e toque nos alcances bimanuais, dado que são duas amostras, pareadas e nominais dicotômicas. Para todas as análises foi considerado um nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Um total de 524 alcances uni e bimanuais foram coletados nas idades de 4, 6, 8 e 36 meses dos lactentes, sendo que 314 alcances foram unimanuais e 210 bimanuais. A Tabela 1 Apresentação número de alcances realizados pelas crianças em cada idade para os quatro objetos apresentados.

Dos 524 alcances analisados, constatou-se que a mão preferida para alcançar foi a direita aos 4 meses [χ2(1)=2,7931; p=0,0947], aos 6 [χ2(1)=15,0347; p=0,001], aos 8 [χ2 (1)=13,7205; p=0,0002) e aos 36 meses [χ2(1)=4,2250; p=0,0398], como pode ser observado no Gráfico 1.


Em relação ás propriedades físicas dos objetos apresentados (Gráfico 2), constatou-se que foi feito um número maior de alcances com a mão direita para os objetos maleáveis e com a mão esquerda para os rígidos, mas essa diferença não foi significativa [χ2(1)=1,8656; p=0,1720]. Em relação ao tamanho, tanto a mão direita quanto a esquerda fizeram mais alcances para objetos grandes, não havendo diferença significativa [χ2(1)=0,1086; p=0,7417].


Em relação à idade (Gráfico 3), os achados do presente estudo mostram que apenas aos 6 meses houve diferença significativa em relação ao tamanho dos objetos (χ2 (1)= 4,4406; p=0,0351), quando os objetos pequenos são preferivelmente alcançados com a mão direita, enquanto os grandes o são com a mão esquerda.


Em relação aos alcances bimanuais, foram analisados 210 alcances; no entanto, foram excluídos 35, pois não houve toque da outra mão no objeto, ao final do movimento. Constatou-se que não houve diferença significativa em relação à mão que tocou primeiro no objeto e a mão mais ativa durante o alcance, determinada pelo índice de contribuição aos 4, 6, 8 e 36 meses (p>0,05). Isso indica que a mão que primeiro tocou o objeto foi a mais ativa durante toda a trajetória do movimento - no caso, a esquerda (Gráfico 4).


DISCUSSÃO

Os achados do presente estudo revelaram que houve preferência manual à direita ao longo dos meses e que o tamanho dos objetos influenciou a preferência manual somente aos 6 meses de idade. Verificou-se também que nos alcances bimanuais a mão que primeiro toca o objeto, em geral, é a mão mais ativa, com melhor desempenho no alcance em direção ao objeto.

Em relação à preferência manual, a direita em todas as idades avaliadas era um dado esperado, uma vez que, segundo a literatura, a relação entre destros e canhotos é de 9:1, ou seja, 90% da população é destra3,6. Além disso, com o aumento da idade a preferência pela mão direita torna-se mais estável14. No entanto, a literatura relata que existe uma variabilidade, ou seja, uma flutuação na preferência manual dos lactentes ao longo dos meses6,7. Os resultados do presente estudo não corroboram esses estudos, pois não houve flutuação na preferência manual dos lactentes no decorrer dos 4, 6, 8 e 36 meses. Acredita-se que a diferença de tamanho e rigidez dos objetos possa ter imposto uma demanda de precisão na tarefa, levando a criança a usar, na maioria dos alcances, a mão preferida (mão direita), não se apresentando assim flutuações. Também pôde-se inferir que a preferência manual está estabelecida antes até do oitavo mês de vida, conforme previsto.

Em relação às propriedades dos objetos, apenas o tamanho influenciou aos 6 meses de idade, provavelmente devido ao fato de essa idade corresponder a um período de refinamento do movimento de alcance, quando os lactentes estão explorando para verificar as melhores estratégias no alcançar. Konzack e Dichgans15 relataram que aos 6 meses os lactentes são capazes de alcançar e apreender objetos, porém o processo de refinamento continua devido às alterações biomecânicas e desenvolvimento da visão binocular, fornecendo melhor informação sobre o tamanho e localização espacial do objeto. Assim, pode-se inferir que os lactentes perceberam visualmente o tamanho do objeto e isso gerou uma necessidade de ajustes, pois objetos pequenos exigem alcances com maior precisão, maior controle e coordenação dos braços, para o quê é relevante o uso da mão preferida16. Além disso, segundo Newman et al.17 nessa idade os lactentes apresentam preferência por objetos pequenos, por apresentarem melhora no controle dos movimentos finos, melhora da cognição e maturação das vias neurais na preensão, o que pode estimular ainda mais o uso da mão preferida - diferentemente dos 4 meses de idade, por ser uma fase de aquisição do alcance manual e dos 8 meses, quando os lactentes já apresentam características de movimentos semelhantes às de adultos17; bem como dos 36 meses, quando as crianças apresentam controle total dos membros superiores6.

Aos 6 meses a rigidez dos objetos não interferiu na preferência manual dos lactentes, provavelmente por duas razões: a primeira deve-se à possibilidade de os lactentes não terem percebido visualmente a diferença entre objetos maleáveis e rígidos, pois nessa idade a acuidade e atenção visual ainda estão em desenvolvimento, conforme mostrado por Rochat e Goubet18 e Fallang et al.19. A segunda seria o fato de que a rigidez dos objetos não constituiu um fator complicador a exigir maior precisão, e conseqüentemente o uso da mão com melhor desempenho (a preferida).

Aos 36 meses não se observou influência das propriedades de tamanho e rigidez na preferência manual neste estudo; no entanto, se objetos apresentados fossem ainda menores, talvez pudessem ter influenciado a preferência manual, pois objetos pequenos exigem maior precisão na trajetória do alcance12.

Os resultados do presente estudo relacionados à mão preferida ser a mais ativa durante o movimento não corroboram o estudo de Teixeira20; segundo o qual existe uma simetria na lateralidade relacionada ao tempo do movimento, indicando que a capacidade de controle motor para a velocidade de movimento é similar entre os lados preferidos e não-preferidos. Acredita-se que se os objetos fossem ainda maiores talvez a velocidade do movimento fosse a mesma, pois exigiria uma coordenação bimanual sincrônica para serem apreendidos adequadamente, assim existiria uma simetria entre os lados, sem evidenciar preferência manual.

Apesar de o estudo ter sido feito com um número limitado de crianças, vale ressaltar sua relevância clínica. A lateralidade tem um papel importante no processo de aprendizagem e organização motora das crianças, sendo aqui evidenciado o estabelecimento precoce da preferência manual, influenciada pelo tamanho dos objetos. Assim, sugere-se que a preferência manual seja trabalhada e explorada durante a intervenção, para que a criança futuramente possa direcionar de forma melhor suas tarefas motoras.

CONCLUSÃO

Os resultados mostram que as crianças apresentam preferência manual - pela direita - em idades precoces, mesmo nos alcances bimanuais. Sugere-se que o tamanho do objeto influencia o alcance aos 6 meses, quando as crianças ainda estão refinando esse movimento. Acredita-se que a propriedade de tamanho dos objetos seja mais visualmente percebida do que a rigidez e, por isso, influenciou a preferência manual. Além disso, os objetos pequenos, que exigem maior precisão para serem apreendidos, foram alcançados em sua maioria com a mão direita, a mão preferida, e os grandes, que não exigem precisão para serem apreendidos, foram alcançados com a mão esquerda, não-preferida.

Apresentação: out. 2009

Aceito para publicação: abr. 2010

Estudo desenvolvido no Laboratório de Pesquisa em Análise do Movimento do Nenem/UFSCar - Núcleo de Estudos em Neuropediatria e Motricidade da Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, SP, Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Suellen A. Bottesini
    R. Dr. Lauro Pimentel 714 Cidade Universitária
    13083-250 Campinas SP
    e-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      05 Abr 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2010

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2010
    • Recebido
      Out 2009
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