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Educação de funcionárias de unidade básica de saúde acerca da atenção fisioterapêutica na incontinência urinária: relato de experiência

Education of employees of primary health care unit about physical therapy in urinary incontinence: report of experience

Resumos

A incontinência urinária (IU) é um problema de saúde pública, devendo ser abordada em centros de saúde (CS). A educação dos profissionais é necessária para que saibam prestar assistência às usuárias. O objetivo deste estudo foi relatar a experiência do projeto "Cuidar de Quem Cuida", desenvolvido em CS para educar funcionárias acerca da IU. O programa foi realizado na forma de uma dinâmica teórico-prática com duração de 2 horas, sendo que as 28 participantes foram divididas em 2 grupos. Cada grupo participou do programa em dias diferentes de forma que as atividades usuais do CS puderam ser mantidas. Foram discutidos os tipos de IU, fatores de risco, possibilidades terapêuticas e medidas preventivas, destacando-se o cuidado com os hábitos urinários e intestinais e o treinamento dos músculos do assoalho pélvico (MAP). Após sua realização, as participantes relataram que passaram a desenvolver hábitos urinários saudáveis e realizar exercícios para os MAP. Observou-se aumento do número de usuárias referenciadas para a Fisioterapia. Assim, o programa instrumentalizou as funcionárias a desenvolver o autocuidado e identificar necessidade de assistência às usuárias. Esta abordagem poderá ser efetiva em outros serviços como um primeiro passo na implantação de assistência fisioterapêutica a mulheres com IU nos CS.

incontinência urinária; atenção primária à saúde; fisioterapia


Urinary incontinence (UI) is considered a public health problem that should be firstly approached in the primary care units (PCU). Educational programs target to professionals who work in these units are a key component in the management of this condition. The aim of this study was to report the experience of the "Caring for Who Cares", a project developed in a PCU aimed at educating employees about UI. The educational program was carried out as a dynamic, with theoretical and practical character, lasting 2 hours. The 28 participants were divided into 2 groups. Each group participated in the program on different days so that the usual activities of the PCU could be maintained. Issues such as types of UI, risk factors, preventive and therapeutic measures, especially urinary and bowel habits and pelvic floor muscle (PFM) training, were discussed. The participants reported being more attentive to their urinary habits after the educational program; some of them had incorporated exercises for the PFM. There were also an increasing number of users referred to the physiotherapy care service. Therefore, the project successfully educated the employees of the PCU for their own care and allowed the implementation of UI preventative and treatment programs in this unit. This experience may be helpful to other professionals when implementing the physical therapy assistance for women with UI in PCU.

urinary incontinence; primary health care; physical therapy


PESQUISA ORIGINAL

Educação de funcionárias de unidade básica de saúde acerca da atenção fisioterapêutica na incontinência urinária: relato de experiência

Education of employees of primary health care unit about physical therapy in urinary incontinence: report of experience

Elyonara Mello de FigueiredoI; Sabrina Mattos BarachoII; Camila Teixeira VazII; Rosana Ferreira SampaioI

IProfessora Adjunta da UFMG e do Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Departamento de Fisioterapia da UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

IIEstudante do Programa de Pós-graduação em Ciências da Reabilitação da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional do Departamento de Fisioterapia da UFMG – Belo Horizonte (MG), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Elyonara Mello de Figueiredo Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional Departamento de Fisioterapia da UFMG Avenida Antônio Carlos, 6627, Campus Pampulha CEP: 31270-901 – Belo Horizonte (MG), Brasil E-mail: elyonara@ufmg.br

RESUMO

A incontinência urinária (IU) é um problema de saúde pública, devendo ser abordada em centros de saúde (CS). A educação dos profissionais é necessária para que saibam prestar assistência às usuárias. O objetivo deste estudo foi relatar a experiência do projeto "Cuidar de Quem Cuida", desenvolvido em CS para educar funcionárias acerca da IU. O programa foi realizado na forma de uma dinâmica teórico-prática com duração de 2 horas, sendo que as 28 participantes foram divididas em 2 grupos. Cada grupo participou do programa em dias diferentes de forma que as atividades usuais do CS puderam ser mantidas. Foram discutidos os tipos de IU, fatores de risco, possibilidades terapêuticas e medidas preventivas, destacando-se o cuidado com os hábitos urinários e intestinais e o treinamento dos músculos do assoalho pélvico (MAP). Após sua realização, as participantes relataram que passaram a desenvolver hábitos urinários saudáveis e realizar exercícios para os MAP. Observou-se aumento do número de usuárias referenciadas para a Fisioterapia. Assim, o programa instrumentalizou as funcionárias a desenvolver o autocuidado e identificar necessidade de assistência às usuárias. Esta abordagem poderá ser efetiva em outros serviços como um primeiro passo na implantação de assistência fisioterapêutica a mulheres com IU nos CS.

Descritores: incontinência urinária; atenção primária à saúde; fisioterapia.

ABSTRACT

Urinary incontinence (UI) is considered a public health problem that should be firstly approached in the primary care units (PCU). Educational programs target to professionals who work in these units are a key component in the management of this condition. The aim of this study was to report the experience of the "Caring for Who Cares", a project developed in a PCU aimed at educating employees about UI. The educational program was carried out as a dynamic, with theoretical and practical character, lasting 2 hours. The 28 participants were divided into 2 groups. Each group participated in the program on different days so that the usual activities of the PCU could be maintained. Issues such as types of UI, risk factors, preventive and therapeutic measures, especially urinary and bowel habits and pelvic floor muscle (PFM) training, were discussed. The participants reported being more attentive to their urinary habits after the educational program; some of them had incorporated exercises for the PFM. There were also an increasing number of users referred to the physiotherapy care service. Therefore, the project successfully educated the employees of the PCU for their own care and allowed the implementation of UI preventative and treatment programs in this unit. This experience may be helpful to other professionals when implementing the physical therapy assistance for women with UI in PCU.

Keywords: urinary incontinence; primary health care; physical therapy.

INTRODUÇÃO

As mulheres representam um pouco mais da metade (50,77%) da população brasileira e são as principais usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS)1,2. Considerando-se que a saúde da mulher é uma prioridade do governo federal brasileiro, o Ministério da Saúde elaborou, no ano de 2004, o documento "Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher – Princípios e Diretrizes", refletindo o compromisso com a implementação de ações de saúde que, dentre outros aspectos, reduzam a morbimortalidade de mulheres por causas preveníveis e evitáveis1. Segundo esse documento, o SUS deve estar orientado e capacitado para a atenção integral à mulher, numa perspectiva que contemple a promoção da saúde, as necessidades de saúde da população feminina, o controle de patologias mais prevalentes nesse grupo e a garantia do direito à saúde1. A abordagem a mulheres com incontinência urinária (IU), definida pela International Continence Society (ICS) como a perda involuntária de urina, faz-se necessária dentro dessa perspectiva, por ser essa uma condição de saúde crônica, altamente prevalente, capaz de comprometer as funções físicas, sociais e mentais das mulheres, além de acarretar altos custos econômicos, caracterizando-se como um problema de saúde pública3,4.

A IU pode acometer a mulher em diversas fases da sua vida. A literatura mundial aponta prevalência entre 30 e 60% nessa população, sendo maior em idosas4. No Brasil, Santos e Santos5 encontraram prevalência de IU de 32,9% entre mulheres residentes na área urbana da cidade de Porto Alegre (RS). Outro estudo, conduzido no município de Dourados (MS), investigou apenas a presença de IU de esforço, encontrando prevalência de 21,4% entre mulheres pertencentes ao Programa de Saúde da Família desse município6. Tamanini et al.7 entrevistaram 2.143 idosos residentes na cidade de São Paulo e demonstraram que 26,2% das mulheres entrevistadas apresentaram o problema. O aumento do contingente de idosos observado no Brasil, nos últimos anos, associado à maior expectativa de vida entre as mulheres em relação aos homens2, indicam a necessidade de adoção de medidas visando à manutenção e à melhora da qualidade de vida da população feminina, desde a idade reprodutiva até a velhice. A prevenção e o tratamento das mulheres com IU constituem uma dessas medidas.

A abordagem da IU deve ser iniciada nos centros de saúde, já que a atenção básica é a porta de entrada preferencial do usuário no SUS. Vale destacar que a saúde da mulher é uma das áreas definidas como estratégicas para atuação em todo o território nacional visando à operacionalização da atenção básica, que se caracteriza por um conjunto de ações, no âmbito individual e coletivo, que abrangem a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde8.

A prevenção de IU, segundo a ICS, deve incluir educação sobre os hábitos comportamentais que aumentam a chance de se ter incontinência, sobre o funcionamento normal do trato urogenital e intestinal, mudanças esperadas com o envelhecimento e como encontrar o tratamento apropriado9. Em relação ao tratamento, existe atualmente uma variedade de opções terapêuticas disponíveis, incluindo-se medicamentos, cirurgias e intervenções conservadoras. Essas últimas são recomendadas pela ICS como as principais opções, já que envolvem menor custo financeiro, oferecem baixo risco de efeitos colaterais e não prejudicam tratamentos subsequentes se necessário10. Dentre tais intervenções, o treinamento dos músculos do assoalho pélvico (MAP) é o tratamento conservador de primeira linha, ou seja, é a primeira intervenção a ser recomendada para mulheres com IU de esforço, IU de urgência e IU mista10,11. No entanto, o acesso de mulheres com IU ao tratamento adequando, em diferentes países, é variável12. No Reino Unido, Shaw et al.13 mostraram uma série de barreiras para a prestação do tratamento de primeira linha na atenção básica, incluindo principalmente a variabilidade na formação e no conhecimento dos profissionais que trabalham nesse nível de atenção à saúde. Esse fato resulta em uma probabilidade maior de encaminhamentos das mulheres com essa condição de saúde para a atenção secundária13. No Brasil, o tratamento de fisioterapia para mulheres com IU não é usualmente realizado na atenção básica e faltam dados na literatura científica da área sobre como seria essa abordagem no nível primário de atenção à saúde.

Apesar do impacto negativo na qualidade de vida, muitas mulheres com sinais e sintomas de IU não procuram assistência por constrangimento, estigma social e ideia errônea de que a IU é uma consequência natural do envelhecimento e, portanto, não seria passível de tratamento efetivo9,10,14. Associado a isso, observa-se falta de informação de alguns profissionais de saúde que prestam assistência a mulheres com IU, pois muitos não detectam ou não indicam tratamento para a resolução do problema15. Tais observações salientam o fato de que a prevenção primária e o tratamento de mulheres com IU requerem conscientização não apenas da comunidade, mas também dos profissionais de saúde. O relato de experiência de implantação de um programa voltado para a conscientização e prevenção da IU para mulheres profissionais de saúde poderá nortear a discussão sobre a necessidade de se disseminar esse tipo de assistência educacional, além de contribuir para o desenvolvimento de programas similares em outros serviços.

O objetivo do presente estudo foi relatar a experiência do projeto "Cuidar de Quem Cuida", desenvolvido no Centro de Saúde São Gabriel (CSSG)/Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte (SMSBH), visando informar as funcionárias e os profissionais de saúde acerca da IU, propiciando vivências de medidas preventivas e terapêuticas entre as mulheres participantes. A educação dos profissionais, especialmente das mulheres, foi projetada não apenas para que multiplicassem informações e soubessem prestar assistência às usuárias, mas também para que desenvolvessem ações voltadas para o seu próprio cuidado.

METODOLOGIA

Trata-se de um relato de experiência, pautado no projeto "Cuidar de Quem Cuida", que teve início no CSSG/SMSBH a partir de uma proposta mais ampla cujo objetivo é identificar as usuárias que apresentam IU e implementar tratamento fisioterápico a essas usuárias em Unidade de Atenção Básica.

O CSSG/SMSBH pertence à Regional Nordeste do município de Belo Horizonte. Dos 13.146 habitantes que vivem em sua área de abrangência, 51,7% são mulheres. Quatro equipes de Saúde da Família (ESF) e uma equipe de apoio formada por um clínico geral, uma ginecologista e um pediatra são responsáveis pelo acompanhamento das famílias. O CSSG/SMSB conta ainda com atenção fisioterapêutica, prestada por acadêmicos do 10º período do curso de graduação em Fisioterapia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e pela equipe do Núcleo de Apoio à Saúde da Família (NASF).

A proposta de identificação da demanda e do tratamento fisioterápico das usuárias que apresentam IU surgiu a partir da identificação, pelos profissionais das ESF, de queixa frequente pelas usuárias de perda involuntária de urina. Foi então estruturado um protocolo de assistência às usuárias a partir de reuniões e discussões entre professores e acadêmicos do curso de Fisioterapia, profissionais de saúde e gerência do CSSG/SMSB. Esse protocolo está apresentado na Figura 1.


O primeiro passo desse protocolo foi identificar as usuárias que apresentassem sintomas de IU. Essa identificação seria realizada por meio da aplicação do International Consultation on Incontinence Questionnaire-Short Form (ICIQ-SF). Este questionário foi escolhido por ser simples e objetivo e por avaliar rapidamente a frequência, a quantidade e as situações de perda urinária, bem como o impacto da IU na qualidade de vida das mulheres. A versão para o português do ICIQ-SF foi traduzida e validada com sucesso para aplicação em brasileiros de ambos os sexos com queixa de IU, apresentando satisfatória confiabilidade e validade de constructo16. As enfermeiras e auxiliares de enfermagem, após treinamento, aplicariam o ICIQ-SF durante o acolhimento das usuárias, garantindo o encaminhamento adequado para os acadêmicos de Fisioterapia, responsáveis pelo tratamento. No entanto, durante o treinamento, foi observado que essas profissionais apresentavam dúvidas e questões relativas à sua própria função urinária, o que apontou a demanda por assistência das próprias profissionais de saúde, gerando, portanto a necessidade de uma abordagem direcionada ao seu autocuidado, antes que elas pudessem cuidar das usuárias.

Dessa forma, foi estruturado o projeto "Cuidar de Quem Cuida", que além do autocuidado, objetivou informar os profissionais de saúde do CSSG/SMSBH acerca da IU feminina, de acordo com o recomendado pela ICS9, possibilitando seu envolvimento com maior efetividade no projeto terapêutico para mulheres com IU. Foram então organizadas duas dinâmicas em grupo com as funcionárias do CSSG/SMSB, de caráter informativo e clínico, em linguagem fácil e compreensível. Optou-se por abordar inicialmente apenas as mulheres, por serem a população em que a IU é mais prevalente, além de se evitar possíveis constrangimentos com a presença masculina no grupo. Todas as 66 mulheres que trabalham no CSSG/SMSBH foram convidadas a participar das dinâmicas, sendo que 28 puderam comparecer. Definiu-se pela realização de duas dinâmicas, em dias diferentes, para que as atividades do CSSG/SMSBH não fossem interrompidas. O recrutamento das funcionárias foi feito por convite durante reunião geral do CSSG/SMSBH, além de comunicação individual. Participaram do recrutamento, do planejamento das atividades e da organização dessas dinâmicas, a gerência do CSSG, a enfermeira de referência para os cuidados com a Saúde da Mulher, a ginecologista, a nutricionista e a equipe de Fisioterapia. Esta incluiu os acadêmicos do 10º período do curso de graduação em Fisioterapia da UFMG, a professora responsável pela orientação dos acadêmicos no estágio, a professora da disciplina de Fisioterapia Aplicada à Ginecologia e Obstetrícia, que foi responsável pela elaboração do protocolo específico, e duas fisioterapeutas pós-graduadas em Saúde da Mulher que, após treinamento, foram responsáveis pela aplicação do programa de educação e tratamento das participantes.

O programa foi elaborado em três etapas: 1) programa educativo teórico onde, através de aula expositiva e uso de modelos anatômicos, foram apresentados e discutidos os seguintes temas: conceito, sinais e sintomas e tipos de IU, fatores de risco modificáveis, consequências, possibilidades terapêuticas e medidas preventivas, destacando-se o cuidado com os hábitos intestinais e urinários e o treinamento dos MAP; 2) programa educativo prático, onde foi realizada uma atividade prática de percepção corporal com ênfase na região pélvica, através da autopalpação dos limites ósseos pélvicos e do assoalho pélvico; posteriormente foram reforçadas as informações sobre a presença e funções dos MAP e solicitada sua contração através de comandos verbais simples tais como: "aperte o ânus e a vagina como se você fosse segurar o xixi"; 3) discussão sobre dúvidas e educação para a ativa contração dos MAP.

Todas as participantes que relataram sintomas de IU foram avaliadas e tratadas individualmente por uma das fisioterapeutas pós-graduadas em Saúde da Mulher e/ou pelos acadêmicos de Fisioterapia. Os casos em que os recursos terapêuticos disponíveis na atenção básica não foram suficientes para o tratamento da IU, por exemplo, necessidade de eletroestimulação por ausência de capacidade ativa de contração dos MAP, foram referenciados para serviço especializado.

RESULTADOS

Vinte e oito funcionárias do CSSG/SMSBH participaram do projeto "Cuidar de Quem Cuida". Cada uma das duas dinâmicas teve duração de duas horas, sendo discutidos todos os temas planejados relativos à IU, em linguagem fácil e compreensível, resgatando-se experiências da vida diária das participantes. Foram utilizados como recursos didáticos: modelo anatômico (pelve de tecido); gravuras dos órgãos pélvicos e MAP, que foram expostas utilizando-se data-show e vídeo demonstrando a contração ativa dos MAP; e balões de festa representando a bexiga. Estes foram distribuídos para que as participantes, ao soprarem, pudessem perceber o movimento caudal dos MAP e a sobrecarga muscular que ocorre nos casos de constipação intestinal e atividades ocupacionais com aumento excessivo de pressão abdominal.

Durante as dinâmicas, muitas mulheres relataram hábitos urinários inadequados relacionados a atividades ocupacionais, como as agentes comunitárias de saúde que restringem o acesso ao banheiro por ficarem muito tempo fora da unidade, e as enfermeiras e técnicas de enfermagem, que não interrompem o fluxo de atendimentos da unidade para esvaziarem a bexiga em função do número de usuários em espera. Todas as participantes receberam informações e uma cartilha com orientações acerca dos hábitos urinários e intestinais adequados e sobre o treinamento dos MAP, de acordo com o protocolo de Bo et al.17.

Na ótica das funcionárias e profissionais de saúde que participaram da dinâmica do projeto "Cuidar de Quem Cuida", suas percepções sobre a saúde e as suas práticas de cuidados foram ampliadas. Elas relataram estarem mais atentas aos hábitos urinários e intestinais, sendo que algumas incorporaram os exercícios para os MAP à sua rotina diária. Das 28 participantes, duas queixaram-se de perdas involuntárias de urina durante as dinâmicas e foram encaminhadas para realizarem tratamento individualizado com uma fisioterapeuta especialista em Saúde da Mulher.

Como resultado do projeto "Cuidar de Quem Cuida", observou-se ainda aumento do número de usuárias com sintomas de IU referenciadas para o serviço de Fisioterapia.

DISCUSSÃO

A promoção de atividades de valorização e de cuidados aos trabalhadores da saúde, contemplando ações voltadas para a promoção da saúde e qualidade de vida no trabalho, constitui uma das diretrizes da Política Nacional de Humanização do Ministério da Saúde, HumanizaSUS18. O profissional de saúde é exposto a desgaste físico e emocional diariamente. Diz um antigo provérbio, ninguém pode dar ao outro o que não tem; é fato, por conseguinte, que os profissionais de saúde serão mais eficazes na tarefa de cuidar ao se disporem a promover o bem estar do outro sem se esquecerem do seu próprio19.

As mulheres, como as agentes comunitárias de saúde, as enfermeiras e as técnicas em enfermagem, que prolongam muito o intervalo entre as micções podem sofrer diminuição da sensação vesical, aumentando o risco de desenvolver IU4, fato que é desconhecido pela maioria delas. Paralelamente, para diminuírem a necessidade de uso do banheiro, muitas restringem a ingestão hídrica, o que pode trazer outros problemas, como constipação intestinal e infecção urinária. Higa e Lopes20, em estudo avaliando ocorrência de IU e sua interferência nas atividades ocupacionais diárias entre mulheres profissionais de enfermagem, identificaram queixa de IU, no mínimo mensalmente, em 27,5% das trabalhadoras. As atividades que requeriam maior esforço, como caminhar rapidamente e carregar pesos, aumentaram a perda urinária e foram responsáveis por estresse, vergonha e perda de concentração no trabalho. As autoras sugerem que auxiliar as profissionais de saúde a entenderem melhor sobre o problema assim como a procurarem estratégias de enfrentamento que não sejam prejudiciais à sua saúde é um fator importante para melhorar a atividade profissional20.

Uma limitação do presente estudo se refere à ausência de dados objetivos mensurando a percepção das funcionárias acerca do entendimento sobre a IU após o programa educativo, tampouco sobre a porcentagem de aumento no número de usuárias referenciadas para o serviço de Fisioterapia. No entanto, observou-se que o programa instrumentalizou as funcionárias a desenvolver o autocuidado, bem como a identificar necessidade de assistência às usuárias. Esse fato permite uma reflexão sobre o papel da educação profissional nos serviços de saúde, particularmente na atenção básica, como um componente chave no cuidado dos indivíduos com IU. A informação, provida por profissionais capacitados em linguagem fácil e compreensível, possibilitou maior capacidade para identificação do problema e consequente concretização da implementação do projeto terapêutico para mulheres com IU no CSSG/SMSBH. Vale destacar que esse projeto surgiu a partir de demandas das usuárias, identificadas pelas enfermeiras e técnicas de enfermagem, que demonstraram sensibilidade para escutar e identificar tais demandas, mesmo sem conhecimento específico sobre a IU. Essa atitude acolhedora do profissional que cuida demonstra uma prática laboral resolutiva, voltada à integralidade do cuidado, com capacidade e agilidade de produzir resposta do serviço a essas demandas. A partir da identificação de tal demanda, os profissionais capacitados em conjunto com a gerência do CSSG/SMSBH se organizaram para planejar, estruturar e concretizar o projeto "Cuidar de Quem Cuida", oferecendo subsídios para o desenvolvimento subsequente do projeto de assistência fisioterapêutica a mulheres com IU.

O envolvimento de todos os profissionais do CSSG com esses projetos demonstrou o comprometimento com o trabalho em equipe e o grau de corresponsabilidade com a saúde dos usuários. "Não se cuida efetivamente de indivíduos sem cuidar de populações, e não há verdadeira saúde pública que não passe por um atento cuidado de cada um de seus sujeitos"19.

CONCLUSÃO

Esta experiência demonstra a demanda de funcionárias e profissionais da saúde que atuam na atenção básica por informações sobre como prevenir e tratar a IU. Além disso, demonstra ser importante e possível informá-las sobre prevenção e tratamento de mulheres com IU. Tais ações favorecem o acesso dessas mulheres a programas terapêuticos na unidade básica ou em serviços especializados, minimizando em última instância o impacto negativo da IU na vida dessas mulheres. Somado a isso, o projeto promoveu a ampliação das percepções das funcionárias e profissionais de saúde sobre a sua saúde e sobre as práticas de cuidado adotadas pela equipe de saúde da família. Dessa forma, o projeto "Cuidar de Quem Cuida" representou uma ação de educação em saúde produtora de um saber coletivo que traduz no indivíduo sua autonomia e emancipação para o cuidar de si e do seu entorno.

Apresentação: jul. 2011

Aceito para publicação: maio 2012

Fonte de financiamento: nenhuma

Conflito de interesse: nada a declarar

Estudo desenvolvido no Centro de Saúde São Gabriel/Secretaria Municipal de Saúde de Belo Horizonte, Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) – Belo Horizonte (MG), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Elyonara Mello de Figueiredo
    Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional
    Departamento de Fisioterapia da UFMG
    Avenida Antônio Carlos, 6627, Campus Pampulha
    CEP: 31270-901 – Belo Horizonte (MG), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      Jul 2011
    • Aceito
      Maio 2012
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