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Efeito agudo do calçado de diferentes alturas sobre o comportamento angular do tornozelo

Acute effect of shoes with different heights on the ankle angular behavior

Resumos

Estudos descrevem que o uso de salto alto exige do corpo uma série de ajustes compensatórios, a fim de manter os seus movimentos e equilíbrio próximos à normalidade. No andar, a interferência do salto alto sobre o pé e sobre a articulação do tornozelo parece desencadear uma postura diferente da posição anatômica. O presente estudo teve como objetivos comparar a cinemática sagital do tornozelo em diferentes calçados e verificar a existência de um limite de altura de salto que possa levar a articulação do tornozelo a adaptações durante o andar. Esta pesquisa, caracterizada como experimental, foi constituída por uma análise cinemática bidimensional do tornozelo no plano sagital. A amostra foi composta por dez universitárias, com média de idade de 19,2 (±1,8) anos, que caminharam sobre uma esteira utilizando um tênis e três sandálias do tipo tamanco, com saltos de 3, 7 e 10 cm. Para cada ciclo de passada, foram identificados picos de movimento do tornozelo referentes à dorsiflexão e à flexão plantar. Os resultados mostraram que na flexão plantar, com o aumento da altura do salto, há uma tendência de acentuação do pico angular do tornozelo. Concluiu-se que saltos acima de 3 cm de altura induzem a articulação do tornozelo a realizar uma flexão plantar sustentada, mudando as características da marcha na fase de apoio e de balanço. Tais evidências sugerem alturas de saltos menores de 3 cm como limites de segurança para manutenção do padrão normal da marcha em mulheres jovens.

sapatos; marcha; tornozelo


Studies have described that using high heels requires a series of compensatory adjustments of the body to keep its movements and balance close to normality. When walking, the interference of high heels on the foot and on the ankle joint seems to initiate a different posture from the anatomical position. The present study aimed at comparing the sagittal kinematics of the ankle in different shoes and at verifying the existence of a height heel limit, which could lead the ankle joint to physiological adaptations during walking. This research, characterized as experimental, consisted of a bidimensional kinematic analysis of the ankle in the sagittal plane. The sample included ten university students, with mean age of 19.2 (±1.8) years-old, who walked on a treadmill using a pair of shoes and three clog-type sandals, with heels of 3, 7 and 10 cm. For each stride cycle, peaks of the ankle movement were identified, which concerned dorsiflexion and plantar flexion. The results showed that in the plantar flexion, with the heel height increase, there is a tendency of increasing the ankle angle peak. It was concluded that heels up to 3 cm high induce the ankle joint to conduct a sustained plantar flexion changing the characteristics of gait in the stance and swing phase. Such evidence suggest that heels with heights less than 3cm are safety limits for maintaining the normal pattern of the gait in young women.

shoes; gait; ankle


PESQUISA ORIGINAL

Efeito agudo do calçado de diferentes alturas sobre o comportamento angular do tornozelo

Acute effect of shoes with different heights on the ankle angular behavior

Mirieli Denardi LimanaI; Pedro Paulo DepráII; Juliana Cerqueira CapeliniIII; Maria Letícia Giublin Teixeira Sanches MoriIV

IMestre em Educação Física pela UEM/Universidade Estadual de Londrina (UEL); Docente do Centro Universitário de Maringá (Cesumar) – Maringá (PR), Brasil

IIDoutor em Educação Física pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) – Campinas (SP); Docente da UEM – Maringá (PR), Brasil

IIIMestre em Educação Física pela UEM/UEL; Docente da Faculdade Ingá – Maringá (PR), Brasil

IVMestre em Educação Física pela UEM/UEL – Maringá (PR), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Mirieli Denardi Limana Avenida Guedner, 1610 CEP: 87050-390 – Maringá (PR), Brasil E-mail: mirieli.limana@gmail.com

RESUMO

Estudos descrevem que o uso de salto alto exige do corpo uma série de ajustes compensatórios, a fim de manter os seus movimentos e equilíbrio próximos à normalidade. No andar, a interferência do salto alto sobre o pé e sobre a articulação do tornozelo parece desencadear uma postura diferente da posição anatômica. O presente estudo teve como objetivos comparar a cinemática sagital do tornozelo em diferentes calçados e verificar a existência de um limite de altura de salto que possa levar a articulação do tornozelo a adaptações durante o andar. Esta pesquisa, caracterizada como experimental, foi constituída por uma análise cinemática bidimensional do tornozelo no plano sagital. A amostra foi composta por dez universitárias, com média de idade de 19,2 (±1,8) anos, que caminharam sobre uma esteira utilizando um tênis e três sandálias do tipo tamanco, com saltos de 3, 7 e 10 cm. Para cada ciclo de passada, foram identificados picos de movimento do tornozelo referentes à dorsiflexão e à flexão plantar. Os resultados mostraram que na flexão plantar, com o aumento da altura do salto, há uma tendência de acentuação do pico angular do tornozelo. Concluiu-se que saltos acima de 3 cm de altura induzem a articulação do tornozelo a realizar uma flexão plantar sustentada, mudando as características da marcha na fase de apoio e de balanço. Tais evidências sugerem alturas de saltos menores de 3 cm como limites de segurança para manutenção do padrão normal da marcha em mulheres jovens.

Descritores: sapatos; marcha; tornozelo.

ABSTRACT

Studies have described that using high heels requires a series of compensatory adjustments of the body to keep its movements and balance close to normality. When walking, the interference of high heels on the foot and on the ankle joint seems to initiate a different posture from the anatomical position. The present study aimed at comparing the sagittal kinematics of the ankle in different shoes and at verifying the existence of a height heel limit, which could lead the ankle joint to physiological adaptations during walking. This research, characterized as experimental, consisted of a bidimensional kinematic analysis of the ankle in the sagittal plane. The sample included ten university students, with mean age of 19.2 (±1.8) years-old, who walked on a treadmill using a pair of shoes and three clog-type sandals, with heels of 3, 7 and 10 cm. For each stride cycle, peaks of the ankle movement were identified, which concerned dorsiflexion and plantar flexion. The results showed that in the plantar flexion, with the heel height increase, there is a tendency of increasing the ankle angle peak. It was concluded that heels up to 3 cm high induce the ankle joint to conduct a sustained plantar flexion changing the characteristics of gait in the stance and swing phase. Such evidence suggest that heels with heights less than 3cm are safety limits for maintaining the normal pattern of the gait in young women.

Keywords: shoes; gait; ankle.

INTRODUÇÃO

A escolha do tipo de calçado é uma preocupação para a maioria das mulheres que buscam conforto e bem-estar aliados à beleza1. A preferência por um calçado deve ser crucial para o pé de cada indivíduo, pois os sapatos servem como um suporte para os pés e devem ser utilizados para aprimorar suas funções2.

O calçado de salto alto é um recurso estético frequentemente utilizado pela população feminina3. Acredita-se que o uso deste recurso vem se expandindo devido a uma oferta cada vez maior de modelos, cores, estilos e alturas, bem como pelo atual consenso de que usá-lo propicia uma sensação de autoestima e bem-estar psíquico4. No entanto, tal hábito pode desencadear vários efeitos negativos para o sistema musculoesquelético5,6.

Os efeitos negativos sobre o sistema musculoesquelético estão relacionados à influência do uso do salto alto em alguns segmentos corporais, como a coluna lombar, os joelhos e os pés7. O uso desse tipo de calçado ocasiona ajustes posturais compensatórios a fim de manter o equilíbrio corporal, visto que, como a área de suporte do salto é reduzida, ocorre uma perturbação do equilíbrio, alterando o comportamento do centro de pressão do indivíduo8. Pesquisas relataram a repercussão do salto alto na alteração da angulação da coluna lombar e da inclinação pélvica, no valgismo do joelho e na angulação tíbiotársica, bem como na conformação do arco plantar9-12. Essas alterações posturais apresentam relação com a manifestação de sintomatologia, geralmente associada à fadiga muscular e/ou ao aumento das forças de reação do solo durante o uso deste tipo de calçado5,6,9. Dessa forma, o uso do salto alto pode gerar sobrecargas em diversas articulações, predispondo a população feminina à lombalgia, às metatarsalgias, às calosidades, à dor plantar, ao hálux valgo e à entorse de tornozelo10-12.

Além disso, a marcha com salto alto pode ser comprometida pelo aumento da flexão plantar que resulta em sobrecarga na região do antepé, em função do deslocamento das cargas do calcanhar para essa região13. Considerando que o tornozelo humano é um mecanismo multiarticular, que determina a interação crítica entre o membro inferior e o chão durante a locomoção, qualquer dano, lesão ou desordem neuromuscular deste elemento afeta drasticamente a interação normal entre músculos, ossos e ligamentos, podendo causar instabilidade ou inaptidão de locomoção e alterando as funções das articulações das extremidades inferiores14. Por essas razões, muitas teorias vêm sendo criadas acerca dos benefícios e malefícios causados à saúde devido ao uso contínuo de calçado com salto alto15.

Diante da elevada frequência do uso de calçado com salto alto, associado com a preocupação com qualidade de vida e bem-estar, questionou-se: existe um limite de altura de salto que pode levar a articulação do tornozelo a não sustentar um ângulo de flexão plantar durante o andar? Apesar da existência de estudos que investigaram o comportamento do tornozelo durante a marcha com salto alto2,7,10,12, julga-se necessário analisar esse comportamento em velocidades mais baixas, próximas à da marcha habitual.

Portanto, este trabalho teve como objetivos: descrever o comportamento angular do tornozelo em função do uso de calçados de diferentes alturas de saltos e verificar a existência de um limite de altura de salto que possa levar a articulação do tornozelo a um menor ângulo de flexão plantar durante o ciclo da marcha em velocidade habitual.

METODOLOGIA

Para o presente estudo, caracterizado como uma pesquisa experimental16, a amostra foi composta por dez universitárias, com idade média de 19,2 (±1,8) anos, com estatura média de 1,60 (±1,4) m, e massa corpórea média de 53,8 (±3,2) kg. A amostragem deste estudo foi não probabilística por conveniência. As voluntárias foram informadas a respeito do estudo e consentiram sua participação por meio da assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Todas tiveram sua postura estática avaliada pelo teste de New York17, que é um método de avaliação postural, no qual o pesquisador compara a postura do voluntário com padrões predeterminados, concedendo-lhe pontuações, cuja somatória indica a ausência ou a presença de indícios de alterações posturais. A ausência de disfunção postural foi um critério de inclusão das voluntárias neste estudo, assim como possuírem habilidade de locomoção em esteira ergométrica e não possuir o hábito de utilizar frequentemente calçados com salto alto.

O protocolo experimental para cada tipo de calçado foi composto por três fases: adaptação à esteira com marcha por um período de dois minutos; coleta da marcha durante um minuto e descanso de um minuto. A esteira ergométrica foi regulada horizontalmente com velocidade de 0,83 m/s, que foi determinada a partir de um estudo-piloto, no qual as voluntárias descreveram como sendo uma velocidade próxima da habitual para realização das atividades de vida diária (AVDs). As fases a e b do protocolo foram seguidas ininterruptamente sem aviso prévio às voluntárias.

Os tipos de calçados utilizados foram: um tênis e três sandálias do tipo tamanco, com saltos de 3, 7 e 10 cm. A utilização dos calçados foi ordenada de forma crescente, iniciando-se com o tênis, pois a fase de adaptação à esteira foi realizada com o mesmo. As alturas dos saltos foram definidas pela diferença de altura dos solados posterior e anterior dos calçados, correspondentes às regiões do retropé e antepé, respectivamente.

As coletas foram realizadas no hemicorpo direito (plano sagital). Para representar o membro inferior, foram posicionados marcadores retrorrefletores em pontos anatômicos de interesse (cabeça da fíbula, maléolo lateral, segundo metatarso e calcanhar), definindo dessa maneira o modelo biomecânico anatômico. O ciclo de passada foi definido por meio de contatos sucessivos do calcanhar direito sobre o solo.

A sessão experimental foi registrada por uma câmera digital marca Sony, modelo DCR-DVD 610, com frequência de captura de 30 Hz. A câmera foi posicionada perpendicularmente a um sistema de referência bidimensional, localizado no sentido longitudinal da esteira. Este sistema de referência foi definido por: "x" (horizontal) com sentido positivo na progressão da marcha e "y" (vertical) com sentido positivo de baixo para cima. A qualidade da reconstrução bidimensional apresentou uma precisão de 2,3 mm.

Para cada voluntária e tipo de calçado, inicialmente calculou-se o ângulo relativo do tornozelo em função do ciclo de 16 passadas. O ângulo do tornozelo foi calculado por meio de dois vetores utilizando conceitos de Geometria, baseado no modelo biomecânico anatômico. O primeiro vetor foi construído a partir das coordenadas dos pontos-cabeça da fíbula e do maléolo, e o segundo a partir das coordenadas do calcanhar do segundo metatarso. Para cada ciclo de passada, foram identificados os picos de flexão do tornozelo. Posteriormente, as análises dos resultados foram realizadas a partir dos valores médios apresentados pelas voluntárias em cada tipo de calçado, com o auxílio do software Dvideow.

Foram feitas as análises descritivas das variáveis do estudo. Por meio do teste de Shapiro-Wilk verificou-se que os dados não apresentaram distribuição normal. Para verificar a presença de diferença no comportamento do tornozelo, nos quatro picos de flexão durante a marcha com os diferentes tipos de calçados, utilizou-se o teste não paramétrico de Friedman (p<0,05). Para a comparação entre duas condições, aplicou-se o teste Wilcoxon (p<0,05).

RESULTADOS

Os dados abordados neste artigo referem-se ao comportamento angular do tornozelo no plano sagital durante o ciclo da marcha. Para cada voluntária e tipo de calçado, calculou-se o ângulo relativo do tornozelo em função do ciclo de 16 passadas. Considerando a convenção do sistema de referência adotado, no plano sagital, os ângulos positivos representaram deslocamento do tornozelo em dorsiflexão e os negativos, a flexão plantar do tornozelo.

O Gráfico 1 apresenta a oscilação do ângulo relativo do tornozelo durante um ciclo de passada, com os diferentes calçados pesquisados. No gráfico, em cada curva de movimento, podem ser identificados quatro picos angulares, que definem quatro arcos de movimento. Durante o ciclo da passada, esses arcos referem-se a dois movimentos de flexão plantar e a dois de dorsiflexão. Os três primeiros picos referem-se à fase de apoio e o quarto a de balanço do pé durante a passada. Na análise, para cada conjunto de picos e tipo de calçado, calculou-se o ângulo e o percentual médios. A Tabela 1 apresenta a estatística descritiva dos picos do ângulo relativo do tornozelo.


O primeiro pico refere-se ao primeiro arco de movimento do tornozelo após o contato inicial do pé, quando o corpo responde à carga imposta sobre sua estrutura18. Encontrou-se diferença significativa entre os quatro tipos de calçados (Tabela 1). Pôde-se observar que a mediana dos picos máximos apresentou uma acentuação negativa em função da altura do salto, ou seja, a flexão plantar aumentou significativamente com o aumento da altura do salto do calçado.

Os percentuais do ciclo da passada, nos quais ocorrem os primeiros picos de flexão plantar no ciclo da passada, não apresentaram diferença significativa em relação às diferentes alturas de salto (Friedman com p>0,05), ocorrendo por volta de 5% do ciclo.

O segundo arco de movimento corresponde ao primeiro pico de dorsiflexão do tornozelo, que ocorre quando o pé encontra-se estacionário e a tíbia move-se à frente18. Para os picos da primeira dorsiflexão, foram encontradas diferenças significativas entre todos os tipos de calçados (Tabela 1). Foi possível observar que os picos apresentaram uma acentuação negativa em função da altura do calçado, ou seja, tornaram-se negativos com o aumento da altura do calçado. Notou-se que a dorsiflexão, representada pelos valores positivos, ocorreu somente até o salto de 3 cm. A partir de 7 cm, os picos passaram a ser negativos, demonstrando que o pé é forçado a continuar em flexão plantar.

Em relação aos percentuais do ciclo da passada, nos quais ocorrem os primeiros picos de dorsiflexão, observou-se que o tênis diferencia-se dos demais tipos de calçado (Friedman com p<0,01; Wilcoxon com p<0,01). Com o tênis, esse pico ocorreu aos 50,7% do ciclo e, com as sandálias, por volta de 46% do ciclo da passada.

O terceiro arco de movimento do tornozelo representa o segundo pico de flexão plantar. Essa fase refere-se ao instante após o início do duplo apoio terminal, momento que antecede o desprendimento dos dedos18. Foram constatadas diferenças significativas entre todos os tipos de sapatos (Tabela 1). Pôde-se observar que a mediana dos picos máximos apresentou uma acentuação negativa em função da altura do salto, ou seja, a flexão plantar aumentou significativamente com o aumento da altura do salto do calçado.

Não foram encontradas diferenças significativas entre os percentuais do ciclo da passada nos quais ocorrem a segunda flexão plantar, nos diferentes tipos de calçados (Friedman com p>0,05). Os picos da segunda flexão plantar ocorreram por volta dos 65% do ciclo da passada.

O próximo movimento do tornozelo corresponde à segunda dorsiflexão do tornozelo. Tal fase antecede o final da fase de balanço, movendo o tornozelo em atitude de dorsiflexão para o início do próximo ciclo de marcha19. Foram constatadas diferenças significativas entre todos os tipos de sapatos (Tabela 1). Percebeu-se que, com o tênis, o tornozelo realiza uma dorsiflexão, enquanto que com os outros calçados, o tornozelo permanece em flexão plantar (ângulos negativos).

Em relação aos percentuais de ocorrência do segundo pico de dorsiflexão no ciclo da passada, observou-se que o tênis diferencia-se dos demais tipos de calçados (Friedman com p<0,01; Wilcoxon com p<0,05). Com o tênis, este pico ocorreu em média aos 84,7% e, para as sandálias, próximo a 81,5% do ciclo.

DISCUSSÃO

De acordo com os resultados, verificou-se que a altura do calçado desencadeia um aumento da flexão plantar sustentada no momento da primeira dorsiflexão, exigindo uma flexão plantar a partir do salto com altura de 3 cm. Segundo estudos9-12, a flexão plantar sustentada, imposta pelo uso do salto alto, ocasiona uma série de alterações no tornozelo e no pé. Estudos descrevem que há uma relação entre o pico de pressão na região do antepé e a altura do salto do sapato, pois a flexão plantar prolongada altera a distribuição das cargas, deslocando-as do calcanhar para o antepé20,21, confirmando a relação existente entre a altura do salto e a sobrecarga dos arcos do pé. Dessa forma, o uso contínuo de salto alto pode resultar em sobrecarga compressiva dos metatarsos16. Além disso, a flexão plantar sustentada pode levar ao encurtamento do músculo tríceps surral, podendo ocasionar desequilíbrio muscular, alteração de função, instabilidade articular e dor6,10,22-25.

A flexão plantar imposta pelo salto alto altera, também, o posicionamento do centro de gravidade. Pesquisadores verificaram que o uso do sapato de salto alto provoca um deslocamento anterior do centro de gravidade e uma diminuição da área de contato entre pés e solo, resultando em perda parcial da estabilidade10,12,20,26. Para compensar, o indivíduo aumenta sua base de sustentação, visto que, quanto mais ampla esta for, maior a probabilidade de manter o centro de gravidade dentro desta, permitindo, assim, melhor equilíbrio. A estabilidade está relacionada com a projeção do centro de massa sobre a base de sustentação8. Na fase de apoio simples da marcha, com a diminuição da área de suporte imposta pelo tipo de calçado, haverá uma área reduzida para projeção do centro de massa, aumentando com isso a probabilidade de desequilíbrio27.

Em relação ao comportamento angular do tornozelo, as medianas de flexão plantar encontradas no presente estudo com saltos de 3 (13,5º) e 7 cm (23,2º) são proporcionais aos resultados obtidos por pesquisadores27, que encontraram 14,6º e 19,9º de flexão plantar com o uso de saltos de 2 e 5,5 cm, respectivamente.

Neste sentido, pesquisadores observaram que a frequência de uso e o tipo de salto não modificam a postura estática de mulheres avaliadas pela fotogrametria, exceto na articulação do tornozelo4,5. Ao avaliar o posicionamento do tornozelo no plano sagital, o efeito do tipo de calçado esteve significativamente presente (p<0,01) em todos os tipos de calçados, demonstrando que, quanto maior a altura do salto, maior a alteração no ângulo tíbiotársico no sentido de flexão plantar. Portanto, o tornozelo mesmo em repouso já se encontra com grau aumentado de flexão plantar. Deve-se considerar que, para o segundo pico de flexão plantar, que ocorre no momento da retirada do pé e dos dedos do solo, há uma área menor do pé a ser retirada do solo, visto que somente o antepé encontra-se apoiado no chão. Logo, pode-se considerar que menor deverá ser o movimento realizado pelo tornozelo para retirar o pé do chão e, sendo assim, menor o tempo de realização deste28.

Além disso, os resultados demonstram que o pico de dorsiflexão do tornozelo com o uso do tênis acontece significativamente mais tarde no ciclo da passada, quando comparado aos de dorsiflexão com as sandálias. Com o uso do salto alto, a tíbia encontra-se projetada à frente, necessitando de menos tempo para realização do arco de movimento de dorsiflexão, o que consequentemente ocasiona um tempo menor da fase de duplo apoio28. Na marcha, a fase de duplo apoio permite ao corpo maior estabilidade, visto que a base de sustentação está aumentada em relação à fase de apoio simples. Quando o indivíduo está na fase de apoio duplo, o centro de massa tem uma maior área para ser projetado. No caso analisado, como o tempo da fase de duplo apoio é diminuído, pode-se inferir uma maior probabilidade de desequilíbrio.

Desse modo, percebeu-se que, a partir do salto com altura a partir de 3 cm, os picos de primeira dorsiflexão passaram a ser negativos, demonstrando que o pé encontrava-se forçado a continuar em flexão plantar. Esses resultados demonstraram a inversão da curva de dorsiflexão para flexão plantar durante a marcha utilizando saltos com alturas iguais ou superiores a 3 cm23. Em outras palavras, a dorsiflexão presente na marcha normal foi substituída por flexão plantar.

De uma forma geral, constatou-se que a marcha com o uso de calçado com salto acima de 3 cm assemelha-se àquela com utilização do tênis, pois apesar de apresentar algumas diferenças, a marcha com salto de 3 cm encontra-se mais próxima dos padrões normais de referência18, isto é, apresentando movimento de dorsiflexão. Neste caso, com os resultados do presente estudo, pode-se afirmar que saltos a partir de 3 cm de altura alteram o padrão normal de marcha. Esse achado foi inferior ao apresentado em um estudo29 que descreveu 5 cm como a altura limite do salto de calçados. Tais evidências encontradas no presente estudo sugerem limites menores de segurança para manutenção do padrão biomecânico da marcha de mulheres. Comparando a metodologia e os resultados do presente estudo com os do estudo que descreveu 5 cm como altura limite, percebe-se uma variação na velocidade analisada, de maneira que quanto maior a velocidade analisada, maior a altura do salto considerado como limite de segurança. No presente estudo, analisou-se uma velocidade considerada próxima da habitual para realização das AVDs. Dessa forma, sugere-se que pesquisas futuras investiguem a altura limite do salto em função da variação de velocidade da marcha.

CONCLUSÕES

A partir dos resultados do presente estudo, pode-se concluir que, na flexão plantar, com o aumento da altura do salto, há uma tendência de acentuação do pico angular do tornozelo. Concluiu-se que saltos acima de 3 cm de altura induzem a articulação do tornozelo a realizar uma flexão plantar sustentada, mudando as características da marcha na fase de apoio e de balanço. Tais evidências sugerem alturas de saltos menores de 3 cm como limites de segurança para manutenção do padrão normal da marcha em mulheres jovens.

Apresentação: set. 2011

Aceito para publicação: jun. 2012

Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES)

Conflito de interesse: nada a declarar

Parecer de aprovação no Comitê Permanente de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Estadual de Maringá (CAAE – 0.048.0.093.000-09) nº 162/2009

Estudo desenvolvido no Laboratório de Biomecânica e Comportamento Motor (Labicom) do Departamento de Educação Física (DEF) da Universidade Estadual de Maringá (UEM) – Maringá (PR), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:
    Mirieli Denardi Limana
    Avenida Guedner, 1610
    CEP: 87050-390 – Maringá (PR), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      04 Out 2012
    • Data do Fascículo
      Set 2012

    Histórico

    • Recebido
      Set 2011
    • Aceito
      Jun 2012
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