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Investigação dos métodos avaliativos utilizados por fisioterapeutas na especificidade da neurologia funcional

Investigación de los métodos de evaluación utilizados por fisioterapeutas en la especificidad de la neurología funcional

Resumos

A avaliação fisioterapêutica neurofuncional representa uma das ações mais importantes do profissional. Contudo, divergências nos métodos utilizados para elaboração diagnóstica fazem com que haja discrepâncias na prescrição e no prognóstico fisioterapêutico. Assim, o objetivo deste trabalho foi analisar e discutir métodos e técnicas de avaliação utilizados por fisioterapeutas vinculados à atenção à saúde da população, na especificidade da neurologia funcional. Para a concretização desta pesquisa, foi realizado um estudo quali-quantitativo de delineamento transversal. A amostra foi composta por fisioterapeutas registrados no Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da comarca de Mato Grosso do Sul (CREFITO-13), especialistas na área da reabilitação neurofuncional, e atuantes em hospitais, universidades e clínicas da cidade de Campo Grande (MS). Os dados foram analisados por meio da estatística descritiva e inferencial (teste do χ²), sob um nível de significância de 5% (p<0,05). Sobre os resultados, todos os fisioterapeutas analisados concluíram a graduação havia mais de cinco anos. As respostas referentes ao exame físico foram semelhantes entre fisioterapeutas docentes e clínicos (p=0,81), não ocorrendo o mesmo com a anamnese (p=0,02). Itens como funções cognitivas e determinantes sociais de saúde foram respondidas por menos de 15% dos entrevistados, e aproximadamente 70% dos entrevistados disseram realizar, mas não registrar, a avaliação do paciente. Em conclusão, ainda não há uma padronização da avaliação fisioterapêutica neurofuncional, tornando difícil unificar a análise prescritiva e prognóstica dos casos clínicos. As respostas apontam para uma dependência da visão profissional nos aspectos da doença, com pouca valorização das questões sociais de saúde.

fisioterapia; avaliação em saúde; estudos de avaliação


La evaluación fisioterapéutica neuro-funcional representa una de las acciones más importantes del profesional. Sin embargo, los desacuerdos en los métodos utilizados para la elaboración diagnóstica hacen que haya discrepancias en la prescripción y pronóstico fisioterapéutico. Así, el objetivo de este trabajo fue analizar y discutir los métodos y técnicas de evaluación utilizados por fisioterapeutas vinculados a la atención de salud de la población, en la especificidad de la neurología funcional. Para la concretización de esta investigación fue realizado un estudio cuali-cuantitativo de delineamiento transversal. La muestra fue compuesta por fisioterapeutas, especialistas en el área de rehabilitación neuro-funcional, registrados en el Consejo Regional de Fisioterapia y Terapia Ocupacional del estado Mato Grosso do Sul (CREFITO-13). La investigación involucra profesionales presentes en hospitales, universidades y clínicas de la ciudad de Campo Grande/MS. Los datos fueron analizados por medio de estadística descriptiva e inferencial (test χ²), sobre un nivel de significancia de 5% (p<0,05). Sobre los resultados, todos los fisioterapeutas analizados eran formados hace más de 5 años. Las respuestas referentes al examen físico fueron semejantes entre fisioterapeutas docentes y clínicos (p=0,81), no ocurriendo lo mismo en la anamnesis (p=0,02). Ítems como funciones cognitivas y determinantes sociales de salud fueron respondidas por menos del 15% de los entrevistados, y aproximadamente 70% realiza, pero no registra la evaluación del paciente. En conclusión, todavía no hay una normalización de la evaluación fisioterapéutica neuro-funcional, tornando difícil unificar un análisis prescriptivo y pronóstico de los casos clínicos. Las respuestas apuntan para una dependencia de la visión profesional en los aspectos de la enfermedad, con poca valoración de las preguntas sociales de la salud.

fisioterapia; evaluación en salud; evaluación de procesos y resultados


Neurofunctional clinical evaluation represents one of the most important activities of physical therapists. However, differences in diagnostic methods cause discrepancies between physical therapy prescription and prognosis. Thus, the aim of this study was to analyze and discuss the evaluation methods and techniques used by physical therapists bound to popular healthcare assistance, in the specificity of the neurofunctional area. To accomplish this research, a cross-sectional design study was conducted. The sample consisted of physical therapists specialized in neurofunctional rehabilitation registered in the Regional Council for Physical Therapy and Occupational Therapy of Mato Grosso do Sul (Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, CREFITO - 13), who work in hospitals, universities and clinics of the city of Campo Grande, Brazil. Data were analyzed using descriptive and inferential (χ²) statistics, under a 5% level of significance (p<0.05). Regarding the results, all physical therapists had concluded graduation five years before. Responses regarding the physical examination were similar between professors and clinical physical therapists (p=0.81), which did not happen on the anamnesis (p=0.02). Items such as cognitive functions and social determinants of health were answered by less than 15% of subjects, and about 70% of respondents said they do, but do not register, the patients' evaluation. In conclusion, there is not a standardization of the physiotherapeutic neurofunctional evaluation, making it difficult to unify the prescriptive and prognostic analysis of clinical cases. The responses indicate a dependence of professional vision in the disease aspect, with little appreciation of health social issues.

physical therapy specialty; health evaluation; evaluation studies


PESQUISAS ORIGINAIS

Investigação dos métodos avaliativos utilizados por fisioterapeutas na especificidade da neurologia funcional

Investigación de los métodos de evaluación utilizados por fisioterapeutas en la especificidad de la neurología funcional

Juliana dos Santos LlanoI; Hevelyn Cristhiana Ferreira Silva de MirandaI; Lilian Assunção FelippeII; Larissa Pires de AndradeIII; Tânia Cristina Dias da SilvaIV; Gustavo ChristofolettiI, II

ICentro de Ciências Biológicas e da Saúde da UFMS - Campo Grande (MS), Brasil

IIPrograma de Pós-graduação em Saúde e Desenvolvimento do Centro-Oeste da UFMS - Campo Grande (MS), Brasil

IIIPrograma de Pós-graduação em Ciências da Motricidade da Universidade Estadual Paulista "Júlio de Mesquita Filho" (UNESP) - Rio Claro (SP), Brasil

IVEscola Superior de Educação Física e Fisioterapia da Universidade Estadual de Goiás (UEG) - Goiânia (GO), Brasil

Endereço para correspondênciaEndereço para correspondência: Gustavo Christofoletti Universidade Federal de Mato Grosso do Sul Avenida Universitária, s/n, Setor Universitário, Caixa postal 549 CEP: 79060-900 - Campo Grande (MS), Brasil E-mail: g.christofoletti@ufms.br

RESUMO

A avaliação fisioterapêutica neurofuncional representa uma das ações mais importantes do profissional. Contudo, divergências nos métodos utilizados para elaboração diagnóstica fazem com que haja discrepâncias na prescrição e no prognóstico fisioterapêutico. Assim, o objetivo deste trabalho foi analisar e discutir métodos e técnicas de avaliação utilizados por fisioterapeutas vinculados à atenção à saúde da população, na especificidade da neurologia funcional. Para a concretização desta pesquisa, foi realizado um estudo quali-quantitativo de delineamento transversal. A amostra foi composta por fisioterapeutas registrados no Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional da comarca de Mato Grosso do Sul (CREFITO-13), especialistas na área da reabilitação neurofuncional, e atuantes em hospitais, universidades e clínicas da cidade de Campo Grande (MS). Os dados foram analisados por meio da estatística descritiva e inferencial (teste do χ2), sob um nível de significância de 5% (p<0,05). Sobre os resultados, todos os fisioterapeutas analisados concluíram a graduação havia mais de cinco anos. As respostas referentes ao exame físico foram semelhantes entre fisioterapeutas docentes e clínicos (p=0,81), não ocorrendo o mesmo com a anamnese (p=0,02). Itens como funções cognitivas e determinantes sociais de saúde foram respondidas por menos de 15% dos entrevistados, e aproximadamente 70% dos entrevistados disseram realizar, mas não registrar, a avaliação do paciente. Em conclusão, ainda não há uma padronização da avaliação fisioterapêutica neurofuncional, tornando difícil unificar a análise prescritiva e prognóstica dos casos clínicos. As respostas apontam para uma dependência da visão profissional nos aspectos da doença, com pouca valorização das questões sociais de saúde.

Descritores: fisioterapia; avaliação em saúde; estudos de avaliação.

ABSTRACT

Neurofunctional clinical evaluation represents one of the most important activities of physical therapists. However, differences in diagnostic methods cause discrepancies between physical therapy prescription and prognosis. Thus, the aim of this study was to analyze and discuss the evaluation methods and techniques used by physical therapists bound to popular healthcare assistance, in the specificity of the neurofunctional area. To accomplish this research, a cross-sectional design study was conducted. The sample consisted of physical therapists specialized in neurofunctional rehabilitation registered in the Regional Council for Physical Therapy and Occupational Therapy of Mato Grosso do Sul (Conselho Regional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional, CREFITO - 13), who work in hospitals, universities and clinics of the city of Campo Grande, Brazil. Data were analyzed using descriptive and inferential (χ2) statistics, under a 5% level of significance (p<0.05). Regarding the results, all physical therapists had concluded graduation five years before. Responses regarding the physical examination were similar between professors and clinical physical therapists (p=0.81), which did not happen on the anamnesis (p=0.02). Items such as cognitive functions and social determinants of health were answered by less than 15% of subjects, and about 70% of respondents said they do, but do not register, the patients' evaluation. In conclusion, there is not a standardization of the physiotherapeutic neurofunctional evaluation, making it difficult to unify the prescriptive and prognostic analysis of clinical cases. The responses indicate a dependence of professional vision in the disease aspect, with little appreciation of health social issues.

Keywords: physical therapy specialty; health evaluation; evaluation studies.

RESUMEN

La evaluación fisioterapéutica neuro-funcional representa una de las acciones más importantes del profesional. Sin embargo, los desacuerdos en los métodos utilizados para la elaboración diagnóstica hacen que haya discrepancias en la prescripción y pronóstico fisioterapéutico. Así, el objetivo de este trabajo fue analizar y discutir los métodos y técnicas de evaluación utilizados por fisioterapeutas vinculados a la atención de salud de la población, en la especificidad de la neurología funcional. Para la concretización de esta investigación fue realizado un estudio cuali-cuantitativo de delineamiento transversal. La muestra fue compuesta por fisioterapeutas, especialistas en el área de rehabilitación neuro-funcional, registrados en el Consejo Regional de Fisioterapia y Terapia Ocupacional del estado Mato Grosso do Sul (CREFITO-13). La investigación involucra profesionales presentes en hospitales, universidades y clínicas de la ciudad de Campo Grande/MS. Los datos fueron analizados por medio de estadística descriptiva e inferencial (test χ2), sobre un nivel de significancia de 5% (p<0,05). Sobre los resultados, todos los fisioterapeutas analizados eran formados hace más de 5 años. Las respuestas referentes al examen físico fueron semejantes entre fisioterapeutas docentes y clínicos (p=0,81), no ocurriendo lo mismo en la anamnesis (p=0,02). Ítems como funciones cognitivas y determinantes sociales de salud fueron respondidas por menos del 15% de los entrevistados, y aproximadamente 70% realiza, pero no registra la evaluación del paciente. En conclusión, todavía no hay una normalización de la evaluación fisioterapéutica neuro-funcional, tornando difícil unificar un análisis prescriptivo y pronóstico de los casos clínicos. Las respuestas apuntan para una dependencia de la visión profesional en los aspectos de la enfermedad, con poca valoración de las preguntas sociales de la salud.

Palabras clave: fisioterapia; evaluación en salud; evaluación de procesos y resultados.

INTRODUÇÃO

Não há dúvidas de que a Fisioterapia esteja conquistando cada vez mais espaço na realidade mundial. A prática da fisioterapia baseada em evidências, detalhada minuciosamente nos guidelines da WCPT (sigla internacional referente à Confederação Mundial de Fisioterapia) representa um ganho da profissão, tendo a visão clássica embasada na filosofia da "tentativa e erro" cedido lugar a uma estratégia cientificista regida pela necessidade de comprovação prévia1-3. O processo de tomada de decisão do profissional sobre o melhor tratamento deve envolver as tecnologias de informação, mecanismos estes que possibilitam o acesso a dados científicos com precedentes intervencionistas comprobatórios ou não4.

A evolução que a profissão vem passando em diversos países se dá pelo aumento das políticas públicas e pela comprovação dos métodos e técnicas utilizados. O perfil do fisioterapeuta está se alterando, por meio do qual a habilidade clínica do mesmo deve envolver a capacidade de gerir, avaliar, observar, prescrever, tratar e se comunicar5. Contudo, muitos relatos apontam para uma dificuldade do fisioterapeuta em elaborar uma hipótese diagnóstica correta, corroborando uma maior preocupação profissional no tratamento em relação aos métodos avaliativos6,7.

A avaliação fisioterapêutica representa uma das ações mais importantes do profissional. Classicamente subdivida em anamnese e exame físico, é através dela que o profissional se torna apto a prescrever e delinear objetivos intervencionistas. Em uma situação complexa e delicada que envolve os métodos e técnicas de avaliação no paciente, a doença apresentada, embora relevante para definição da conduta a ser desenvolvida pelo profissional, consiste em apenas um dos dados registrados durante a anamnese e não deve ser utilizada de forma exclusiva para nortear a assistência8.

A necessidade de se registrar as avaliações fisioterapêuticas provém da possibilidade de permitir sua reprodutibilidade e de direcionar a intervenção a ser traçada9-11. Mesmo diante da grande importância que apresenta na rotina do profissional, ainda não há consenso entre as instituições formadoras sobre os procedimentos avaliativos a serem aplicados. Assim, o objetivo deste trabalho foi analisar os métodos e técnicas de avaliação utilizados por fisioterapeutas vinculados à atenção à saúde da população, na especificidade da neurologia funcional.

METODOLOGIA

Um estudo transversal foi realizado com fisioterapeutas atuantes na área neurofuncional, a partir de registro disponibilizado pelo Conselho Regional de Fisioterapia da comarca de Mato Grosso do Sul (CREFITO-13). A busca envolveu profissionais atuantes na assistência (atenção básica e especializada) e no ensino (universidade) da fisioterapia neurofuncional da cidade de Campo Grande (MS).

Foram incluídos profissionais com titulação strictu e/ou latu sensu na área neurofuncional (segundo currículo Lattes/CNPq) cadastrados no CREFITO-13 e residentes na cidade de Campo Grande (MS). Foram excluídos os fisioterapeutas que não exerciam nenhuma atividade relacionada à área.

A partir da identificação dos participantes, os pesquisadores entraram em contato com os mesmos para explicar os objetivos e metas do projeto. Foi realizada uma entrevista que consistia na aplicação de um questionário elaborado pelos próprios pesquisadores, no qual constavam questões relacionadas à rotina e à experiência do profissional. Além disso, perguntou-se que etapas da avaliação realizada atualmente pelo pesquisado ele julgava importante ser melhoradas. Todas as informações coletadas foram inseridas em planilha, mantendo o anonimato dos pesquisados e de suas respectivas instituições.

Sobre a análise dos dados, foram utilizados a estatística descritiva (média e erro padrão) e inferencial (teste do χ2), sendo este aplicado com objetivo de comparar as respostas dos fisioterapeutas dos ambientes assistenciais e universitários. Foi admitido um nível de significância de 5% e o respaldo ético foi obtido junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.

RESULTADOS

A análise realizada por esta pesquisa envolveu fisioterapeutas vinculados a 6 hospitais, 6 universidades e 39 clínicas de Campo Grande (MS). Conforme constatado na Figura 1, de uma amostra inicial de 51 instituições, apenas 21 participaram, representando uma perda de 58,8%. Os fatores relacionados à baixa participação dos fisioterapeutas neste estudo se devem a: a) nos hospitais, ausência de profissionais com titulação mínima exigida neste estudo; b) nas universidades, dificuldade de recrutamento; e c) nas clínicas, indisponibilidade de horário, desistência de participação e ausência de profissionais com titulação mínima. No que se refere à atenção básica, nenhum fisioterapeuta foi incluído, por não se enquadrar nos critérios adotados nesta pesquisa. Assim, de um total de 51 instituições pesquisadas, apenas 21 foram inseridas nesta pesquisa, representando uma amostra de 23 fisioterapeutas.


Figura 1. Fluxograma do processo de seleção amostral

Sobre os participantes, todos os fisioterapeutas eram formados havia mais de 5 anos, tendo os docentes exercido tal função há 11,3±2,1 anos e os fisioterapeutas clínicos há 7,3±1,9 anos. A média de pacientes assistidos semanalmente pelos fisioterapeutas era de 24,6±4,6, tendo a maioria classificado como 45 minutos o tempo da sessão realizada por paciente. Todos os fisioterapeutas docentes descreveram que possuíam uma ficha de avaliação padrão na instituição e apenas dois fisioterapeutas clínicos declararam ter um modelo pré-elaborado a ser aplicado. A maioria dos profissionais analisados (69,5%) disse realizar avaliação fisioterapêutica nos pacientes, mas não ter tempo de registrá-la.

Sobre a prevalência das respostas dos participantes na anamnese e no exame físico, grande parte dos profissionais delimitou o exame físico como parte integrante da avaliação fisioterapêutica; não foi obtida diferença significativa entre as respostas dos fisioterapeutas docentes e clínicos (p=0,81). Diferentemente, as opiniões foram divergentes nos tópicos da anamnese, apresentando diferença significativa entre as respostas dos dois grupos (p=0,02). Tais dados encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1.
Prevalência das respostas obtidas na anamnese e exame físico

Tônus, força muscular, sensibilidade, reflexo, equilíbrio, coordenação e marcha foram os tópicos mais respondidos pelos participantes no exame físico. Diferentemente, funções cognitivas e atividades da vida diária foram respondidas por menos de 15% dos entrevistados. Sobre a anamnese, a maioria dos entrevistados lembrou-se dos dados gerais, queixa principal, história da moléstia e antecedências pessoais/familiares. Apenas dois fisioterapeutas demonstraram preocupação quanto aos determinantes sociais de saúde dos pacientes.

Quando questionados sobre possível necessidade de melhoramento em algum tópico avaliativo, 21,7% dos entrevistados disseram estar satisfeitos com a avaliação atual. O restante da amostra sugeriu aperfeiçoamento em itens do exame físico - sendo muito solicitadas as modificações nas análises da funcionalidade e das atividades da vida diária dos pacientes. Nenhum fisioterapeuta disse utilizar materiais permanentes (como eletromiógrafo, plataforma de equilíbrio, células de cargas e outros) para auxiliar na elaboração da hipótese diagnóstica.

DISCUSSÃO

A assistência neurofuncional, para ser considerada ideal, deve seguir a seguinte sistematização: 1) avaliação fisioterapêutica; 2) construção do diagnóstico e do prognóstico fisioterapêutico; 3) elaboração e aplicação do programa terapêutico; 4) planejamento da alta; e 5) orientação para a manutenção das condições adquiridas. Assim, é de grande relevância a realização de uma avaliação completa e detalhada, diante da qual uma avaliação equivocada tenderá a gerar duas consequências: ou o paciente será submetido a um tratamento inadequado ou os benefícios provenientes da fisioterapia não serão comprovados11,12.

Conforme observado neste estudo, a maioria dos profissionais valoriza os itens clássicos da anamnese, como dados gerais, história da moléstia atual e antecedentes pessoais/familiares. Itens importantes, que analisam a realidade sociocultural do paciente (como moradia, saneamento básico, meio de transporte e outros), foram discutidos por apenas 8,7% dos entrevistados. Apesar dos determinantes de saúde ainda serem negligenciados por muitos, Buss e Pelligrini-Filho13 argumentam que está comprovada a influência de tais fatores, muitas vezes de origem social, econômica, cultural, psicológica e comportamental, nos problemas de saúde da população.

A noção superficial de saúde como a simples ausência de doença é reflexo do modelo sanitário prévio e do processo histórico de cuidado em saúde. Ainda constatado nos serviços de saúde atuais, a relação de trabalho em saúde é baseada no modelo taylorista, onde há dificuldade de interação entre membros de uma mesma equipe14. No modelo biomédico, a explicação do processo saúde-doença tende a se restringir aos aspectos fisiopatológicos, em detrimento de suas expressões funcionais, sociais e culturais. Como constatado, muitos dos fisioterapeutas apresentavam a visão clássica, restringindo sua avaliação à peculiaridade da condição clínica15.

Os achados da anamnese corroboram as constantes críticas dos próprios profissionais perante a escassez de métodos utilizados para se analisar a funcionalidade e as atividades da vida diária dos pacientes. Tal fato se deve à restrição da análise clássica centrada na doença, na qual a funcionalidade humana e as atividades da vida diária são pouco valorizadas16.

De forma similar, as técnicas aplicadas no exame físico remetem a ideia original da fisioterapia como uma área da saúde que estuda, previne e trata distúrbios cinético-funcionais decorrentes de alterações em órgãos e sistemas do corpo humano. Conquanto acreditemos que essa definição ainda seja atual para definir a Fisioterapia, há de se considerar recentes achados promovidos pela neurociência que desmitificam muitos movimentos automáticos e reflexos de origem cerebral, e ampliam a ação do fisioterapeuta nos distúrbios cognitivo-comportamentais17,18.

Outro dado interessante observado em nosso estudo é o fato de que nenhum profissional utiliza materiais permanentes, como eletromiógrafo, plataforma de equilíbrio e células de cargas, para auxiliar na elaboração do diagnóstico funcional. Nesse assunto, recentes estudos classificam a tecnologia em saúde como sendo "dura", "leve-dura" e "leve". Conquanto as tecnologias duras (exemplificadas pelos equipamentos permanentes acima) apresentam resultados ricos e amplamente fidedignos, acreditamos que a sua não utilização na clínica se dá pelo elevado preço de tais equipamentos, que restringe a sua permanência em centros altamente especializados19.

Vale lembrar que a ideia inicial desta pesquisa era analisar os métodos de avaliação utilizados por fisioterapeutas vinculados aos diversos níveis de atenção à saúde de Campo Grande (MS). Contudo, não encontramos fisioterapeutas atuantes na área básica de saúde da cidade que contemplassem os critérios de inclusão. Similarmente, na área hospitalar, nenhum profissional analisado apresentava a titulação mínima exigida na área neurofuncional. A explicação do número nulo de inclusões de participantes da atenção básica é que os profissionais apresentavam pós-graduação na área de saúde pública/coletiva, assim como no ambiente hospitalar, onde ainda se prioriza a contratação de fisioterapeutas intensivistas especialistas na área cardiorrespiratória20.

Como limitação deste trabalho, é provável que algum profissional não tenha sido incluído neste estudo devido à ausência de currículo lattes ou pela falta de atualização do mesmo no sítio eletrônico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Mesmo admitindo a possibilidade de tal viés, devemos levar em consideração o estudo publicado por Lane21 no qual a referida pesquisadora argumenta que a Plataforma Lattes é um instrumento de grande contribuição científica nacional, e tem importante reconhecimento internacional. Diante disso, todo profissional de saúde atuante nos diversos níveis de assistência ao paciente deveria estar inserido nessa base de dados curricular. Além do mais, a restrição da amostra a profissionais especialistas na área neurofuncional foi fundamental para que os resultados obtidos em nosso estudo não sofressem influência da baixa experiência de alguns fisioterapeutas na referida área.

A perda amostral consistiu em outra limitação de nosso estudo. Conforme delimitado na pesquisa, as principais dificuldades de recrutamento se deram à falta de tempo, desinteresse e indisponibilidade dos sujeitos em participar. Esse dado nos remete a uma análise complexa: enquanto a fisioterapia baseada em evidências representa o elemento central da fisioterapia contemporânea e a sua utilização é de grande importância para a comprovação de um determinado tratamento, alguns profissionais parecem menosprezar a necessidade de padronização diagnóstica, mesmo sabendo que uma prescrição inadequada gera resultados graves e ineficazes para os pacientes19.

Sobre a rotina atual do fisioterapeuta na clínica, o elevado número de atendimentos a pacientes "obriga" muitos profissionais a diminuir ou até mesmo dispensar o uso de avaliações. Assim, a terapia é, muitas vezes, desenvolvida segundo o relato do próprio paciente sobre os tratamentos anteriores ou ainda com base na observação no momento do atendimento. Em nosso estudo, observamos que aproximadamente 70% dos participantes não registram a avaliação fisioterapêutica realizada. Muito embora a World Confederation for Physical Therapy (WCPT) enfatize a obrigatoriedade do profissional em documentar, datar e autenticar as avaliações realizadas22, alguns profissionais argumentam sobre o fato de que muitas vezes o paciente chega com um número fixo de sessões e acaba não sendo interessante utilizar uma das poucas sessões do paciente para a sua avaliação e registro. Esse argumento é refutado por estudos desenvolvidos por Coffin-Zadai7 e Jette et al.23, que constaram graves erros diagnósticos promovidos por fisioterapeutas, o que vem a comprometer o prognóstico, a prescrição e o acompanhamento terapêutico.

Além disso, é importante lembrarmos que a não realização do procedimento avaliativo pelo fisioterapeuta representa um retrocesso à profissão, pareando momentos anteriores a 1963, quando a Fisioterapia no país era vista como uma área auxiliar à médica, sem a incumbência de desenvolver avaliação diagnóstica24.

Diante da falta de padronização avaliativa, torna-se notório que o desenvolvimento de uma ficha padronizada será de grande importância à classe profissional, possibilitando comparar resultados obtidos em diversas partes do país. Apesar do grande desafio em desenvolver tal instrumento, é importante dizer que este deverá apresentar opções que possibilitem a inserção de tópicos que o fisioterapeuta julgue achar necessário, para que o procedimento avaliativo não se torne uma tarefa mecânica, automática e involuntária.

CONCLUSÃO

Por meio dos resultados obtidos neste estudo, é possível concluir que não há uma padronização dos métodos e técnicas fisioterapêuticas aplicados no paciente acometido com disfunção neurofuncional, tornando difícil unificar a análise prescritiva e prognóstica dos mesmos.

Muitos profissionais não registram suas respectivas avaliações, inviabilizando a análise dos benefícios gerados pelo procedimento terapêutico. A baixa prevalência de respostas envolvendo os determinantes sociais de saúde, na anamnese, reflete uma dependência profissional à visão clássica da fisioterapia neurológica, centrada na doença, que negligencia aspectos sociais do indivíduo.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao CNPq, pelo apoio e suporte financeiro, e ao grupo de pesquisa "Avaliação e Intervenção em Fisioterapia Neurofuncional (UFMS/CNPq)".

Apresentação: jun. 2012

Aceito para publicação: jan. 2013

Fonte de financiamento: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq)

Conflito de interesse: nada a declarar

Parecer de aprovação no Comitê de Ética nº 1.989/2011

Estudo desenvolvido na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) - Campo Grande (MS), Brasil

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  • Endereço para correspondência:
    Gustavo Christofoletti
    Universidade Federal de Mato Grosso do Sul
    Avenida Universitária, s/n, Setor Universitário, Caixa postal 549
    CEP: 79060-900 - Campo Grande (MS), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      21 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      Jun 2012
    • Aceito
      Jan 2013
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