Acessibilidade / Reportar erro

Equações internacionais superestimam a força muscular ventilatória em crianças e adolescentes com fibrose cística

Ecuaciones internacionales sobreestiman la fuerza muscular ventilatoria en niños y adolescentes con fibrosis quística

Resumos

O objetivo deste estudo foi comparar os resultados da normalização dos dados de força muscular ventilatória utilizando-se três equações de referência internacionais e uma nacional em crianças e adolescentes com fibrose cística (FC). Estudo retrospectivo, no qual foram incluídos pacientes com FC, idade entre 8 e 12 anos e acompanhamento ambulatorial regular. Foram coletados dados demográficos e variáveis antropométricas. Todos os pacientes incluídos deveriam ter realizado teste de força muscular ventilatória e espirometria nos últimos 12 meses. A normalização dos resultados foi realizada utilizando-se as variáveis preditoras requeridas em cada equação estudada. Os dados foram comparados utilizando-se uma ANOVA de uma via. Foram incluídos 24 pacientes, 62,5% masculinos, média de idade 10,5±1,53 anos, estatura 138,0±0,08 cm, massa corporal 34,6±9,07 kg, VEF1 93,29±29,02% e CVF 103,78±26,12%. As pressões (cmH2O) inspiratória (PIMAX) e expiratória (PEMAX) máximas encontradas foram 92,1±22,8 e 98,9±24,5, respectivamente. Após a normalização pelas diferentes equações, demonstrou-se que as internacionais tendem a superestimar os achados para a nossa população. A equação nacional apresentou valores médios previstos significativamente (p<0,05) menores para PIMAX e PEMAX em comparação com as equações internacionais, sendo que estas classificariam a PIMAX como acima do normal (>100%) em 91,6, 79,1, e 75,0% dos sujeitos e a PEMAX em 66,6, 87,5 e 50%, enquanto a equação nacional estimaria apenas 50,0 e 37,5% dos indivíduos, respectivamente. A normalização dos resultados de força muscular ventilatória em crianças e adolescentes entre 8 e 12 anos com FC utilizando-se equações internacionais superestimam os valores das pressões respiratórias máximas.

Força Muscular; Músculos Respiratórios; Fibrose Cística


El objetivo de este estudio fue comparar los resultados de la normalización de los datos de fuerza muscular ventilatoria utilizando tres ecuaciones de referencia internacionales y una nacional en niños y adolescentes con fibrosis quística (FC). Estudio retrospectivo, en el cual fueron incluidos pacientes con FC, edad entre 8 y 12 años y control ambulatorio regular. Fueron colectados datos demográficos y variables antropométricas. Todos los pacientes incluidos deberían haber realizado test de fuerza muscular ventilatoria y espirometría en los últimos 12 meses. La normalización de los resultados fue realizada utilizando las variables predictoras requeridas en cada ecuación estudiada. Los datos fueron comparados utilizando una ANOVA de una vía. Fueron incluidos 24 pacientes, 62,5% masculinos, media de edad 10,5±1,53 años, estatura 138,0±0,08 cm, masa corporal 34,6±9,07 kg, VEF1 93,29±29,02% y CVF 103,78±26,12%. Las presiones (cmH2O) inspiratoria (PIMAX) y expiratoria (PEMAX) máximas encontradas fueron 92,1±22,8 y 98,9±24,5, respectivamente. Después de la normalización por las diferentes ecuaciones, se demostró que las internacionales tienden a sobreestimar los hallazgos para nuestra población. La ecuación nacional presentó valores medios previstos significativamente (p<0,05) menores para PIMAX y PEMAX en comparación con las ecuaciones internacionales, siendo que estas clasificarían la PIMAX como encima de lo normal (>100%) en 91,6, 79,1, y 75,0% de los sujetos y la PEMAX en 66,6, 87,5 y 50%, mientras la ecuación nacional estimaría apenas 50,0 y 37,5% de los individuos, respectivamente. La normalización de los resultados de fuerza muscular ventilatoria en niños y adolescentes entre 8 y 12 años con FC utilizando ecuaciones internacionales sobreestiman los valores de las presiones respiratorias máximas.

Fuerza Muscular; Músculos Respiratorios; Fibrosis Quísticas


The aim of the present study was to compare the results of standardization of ventilatory muscle strength data using three international reference values and one Brazilian reference in children and adolescents with cystic fibrosis (CF). This was a retrospective study, which included patients with CF aged 8 to 12 years and in regular follow-up at an outpatient facility. Demographic and anthropometric data were collected. All patients included in the sample should have had ventilatory muscle strength and lung function measured in the past 12 months. The standardization of the results was made using predicted values from each equation. Data were compared using one-way ANOVA. We included 24 patients, 62.5% males, with mean age of 10.5±1.53 years, height 138.0±0.08 cm, weight 34.6±7.9 kg, FEV1 93.29±29.02% and FVC 103.78±26.12%. The maximum inspiratory (MIP) and expiratory (MEP) pressures (cmH2O) observed were 92.1±22.8 and 98.9±24.5, respectively. After standardization by the different equations, we found that the international reference tend to overestimate the findings. The Brazilian equation showed values significantly lower (p<0.05) for MIP and MEP compared to international reference equations, and these would consider MIP values above normal (>100%) in 91.6, 79.1, and 75.0% of the subjects and MEP in 66.6, 87.5 and 50% of them, while using the national equation only 50.0 and 37.5% of subjects were above 100%, respectively. The results of standardization of ventilatory muscle strength in children and adolescents with CF aged 8 to 12 years using international equations overestimate the values of maximal respiratory pressures.

Muscle Strenghth; Respiratory Muscles; Cystic Fibrosis


PESQUISA ORIGINAL

Equações internacionais superestimam a força muscular ventilatória em crianças e adolescentes com fibrose cística

Ecuaciones internacionales sobreestiman la fuerza muscular ventilatoria en niños y adolescentes con fibrosis quística

João Paulo Heinzmann-FilhoI; Mauro Henrique Moraes VargasI; Taila Cristina PivaI; Fernanda Maria VendrusculoI; Leonardo Araújo PintoI; Paulo José Cauduro MarosticaII; Márcio Vinícius Fagundes DonadioI

IPUCRS – Porto Alegre (RS), Brasil

IIUniversidade Federal do Rio Grande do Sul (UFGRS) – Porto Alegre (RS), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Márcio Vinícius Fagundes Donadio Instituto de Pesquisas Biomédicas (IPB) - Centro Infantil Avenida Ipiranga, 6690, 2º andar CEP 90610-000 - Porto Alegre (RS), Brasil E-mail: mdonadio@pucrs.br

RESUMO

O objetivo deste estudo foi comparar os resultados da normalização dos dados de força muscular ventilatória utilizando-se três equações de referência internacionais e uma nacional em crianças e adolescentes com fibrose cística (FC). Estudo retrospectivo, no qual foram incluídos pacientes com FC, idade entre 8 e 12 anos e acompanhamento ambulatorial regular. Foram coletados dados demográficos e variáveis antropométricas. Todos os pacientes incluídos deveriam ter realizado teste de força muscular ventilatória e espirometria nos últimos 12 meses. A normalização dos resultados foi realizada utilizando-se as variáveis preditoras requeridas em cada equação estudada. Os dados foram comparados utilizando-se uma ANOVA de uma via. Foram incluídos 24 pacientes, 62,5% masculinos, média de idade 10,5±1,53 anos, estatura 138,0±0,08 cm, massa corporal 34,6±9,07 kg, VEF1 93,29±29,02% e CVF 103,78±26,12%. As pressões (cmH2O) inspiratória (PIMAX) e expiratória (PEMAX) máximas encontradas foram 92,1±22,8 e 98,9±24,5, respectivamente. Após a normalização pelas diferentes equações, demonstrou-se que as internacionais tendem a superestimar os achados para a nossa população. A equação nacional apresentou valores médios previstos significativamente (p<0,05) menores para PIMAX e PEMAX em comparação com as equações internacionais, sendo que estas classificariam a PIMAX como acima do normal (>100%) em 91,6, 79,1, e 75,0% dos sujeitos e a PEMAX em 66,6, 87,5 e 50%, enquanto a equação nacional estimaria apenas 50,0 e 37,5% dos indivíduos, respectivamente. A normalização dos resultados de força muscular ventilatória em crianças e adolescentes entre 8 e 12 anos com FC utilizando-se equações internacionais superestimam os valores das pressões respiratórias máximas.

Descritores: Força Muscular; Músculos Respiratórios; Fibrose Cística.

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue comparar los resultados de la normalización de los datos de fuerza muscular ventilatoria utilizando tres ecuaciones de referencia internacionales y una nacional en niños y adolescentes con fibrosis quística (FC). Estudio retrospectivo, en el cual fueron incluidos pacientes con FC, edad entre 8 y 12 años y control ambulatorio regular. Fueron colectados datos demográficos y variables antropométricas. Todos los pacientes incluidos deberían haber realizado test de fuerza muscular ventilatoria y espirometría en los últimos 12 meses. La normalización de los resultados fue realizada utilizando las variables predictoras requeridas en cada ecuación estudiada. Los datos fueron comparados utilizando una ANOVA de una vía. Fueron incluidos 24 pacientes, 62,5% masculinos, media de edad 10,5±1,53 años, estatura 138,0±0,08 cm, masa corporal 34,6±9,07 kg, VEF1 93,29±29,02% y CVF 103,78±26,12%. Las presiones (cmH2O) inspiratoria (PIMAX) y expiratoria (PEMAX) máximas encontradas fueron 92,1±22,8 y 98,9±24,5, respectivamente. Después de la normalización por las diferentes ecuaciones, se demostró que las internacionales tienden a sobreestimar los hallazgos para nuestra población. La ecuación nacional presentó valores medios previstos significativamente (p<0,05) menores para PIMAX y PEMAX en comparación con las ecuaciones internacionales, siendo que estas clasificarían la PIMAX como encima de lo normal (>100%) en 91,6, 79,1, y 75,0% de los sujetos y la PEMAX en 66,6, 87,5 y 50%, mientras la ecuación nacional estimaría apenas 50,0 y 37,5% de los individuos, respectivamente. La normalización de los resultados de fuerza muscular ventilatoria en niños y adolescentes entre 8 y 12 años con FC utilizando ecuaciones internacionales sobreestiman los valores de las presiones respiratorias máximas.

Palabras clave: Fuerza Muscular; Músculos Respiratorios; Fibrosis Quísticas.

INTRODUÇÃO

A fibrose cística (FC) é uma doença genética e progressiva associada com a deterioração da função respiratória1. O curso clínico da doença é influenciado pela inflamação crônica das vias aéreas e por infecções bacterianas recorrentes que predispõem ao aprisionamento aéreo e modificam a complacência do sistema respiratório, colocando os músculos inspiratórios em desvantagem2.

Diversos estudos na população pediátrica vêm demonstrando resultados contraditórios na avaliação da força muscular ventilatória, variando entre a sua redução3,4 até níveis mais elevados de força1,5. Alguns demonstram que a hiperinsuflação, combinada com a má nutrição, pode ser um fator predisponente para o desenvolvimento de fraqueza muscular ventilatória4,6,7. Em contrapartida, a tosse crônica e o aumento do esforço ventilatório parecem favorecer o aumento da força muscular5,8. Na última década, estudos nacionais1,9,10 que também avaliaram a força muscular ventilatória em pacientes com FC demonstraram igualmente resultados contraditórios.

Atualmente, existem três equações internacionais de referência para a normalização dos resultados de força muscular ventilatória na faixa etária pediátrica abaixo dos 12 anos de idade11-13; todavia, a utilização de equações internacionais pode não refletir a condição dos músculos ventilatórios de nossa população, subestimando e/ou superestimando os achados. Recentemente, nosso grupo publicou valores de referência para a força muscular ventilatória em crianças brasileiras pré-escolares e escolares saudáveis14. No entanto, este estudo demonstrou que as equações internacionais, quando comparadas aos valores de referência locais, superestimam a força muscular ventilatória em crianças e adolescentes saudáveis, sugerindo que a normalização desses achados em indivíduos com alterações do sistema respiratório poderia não refletir a real condição desses grupos musculares.

Portanto, considerando-se a grande variação em relação às evidencias sobre a força muscular ventilatória em pacientes com FC e a utilização usual de valores de referência internacionais para normalização dos achados, criou-se a hipótese de que a aplicação de uma equação referencial nacional e atual possa demonstrar de forma mais acurada o real comportamento desses músculos. Assim, o objetivo deste estudo foi comparar os resultados da normalização dos dados de força muscular ventilatória utilizando três equações de referência internacionais e uma nacional em crianças e adolescentes com FC.

METODOLOGIA

Este é um estudo observacional, retrospectivo, realizado através de consulta em base de dados secundária. Foram incluídos pacientes com diagnóstico de FC através do teste de suor e/ou avaliação genética, com idade entre 8 e 12 anos e em acompanhamento ambulatorial regular no Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Todos os pacientes incluídos deveriam ter realizado o teste de força muscular ventilatória e também possuir um exame espirométrico nos últimos 12 meses. Foram excluídos da busca os pacientes cujos dados dos exames citados não estavam disponíveis na base de dados. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa (08/04102).

Foram coletadas variáveis referentes à identificação (nome, data de nascimento, gênero), massa corporal, estatura, espirometria e força muscular ventilatória. Os parâmetros espirométricos avaliados (espirômetro KOKO Louisville, CO, EUA) incluíram capacidade vital forçada (CVF), volume expiratório forçado no primeiro segundo (VEF1) e o fluxo expiratório forçado 25 e 75% da CVF (FEF25-75%). Todos os procedimentos foram realizados seguindo diretrizes estabelecidas15 e os valores foram expressos em absoluto e percentual do previsto. O teste de manovacuometria foi realizado utilizando-se um manovacuometro digital (MVD500, Globalmed, Porto Alegre, RS, Brasil). Para a realização das medidas de pressão inspiratória máxima (PIMAX) e pressão expiratória máxima (PEMAX)15, os indivíduos foram orientados a manter firmemente o bocal entre os lábios para evitar escape aéreo, em posição sentada e com a utilização de clipe nasal. A PIMAX foi mensurada a partir do volume residual e a PEMAX a partir da capacidade pulmonar total. Durante esta última manobra, os participantes foram orientados a posicionar as mãos nas bochechas para evitar acúmulo de ar na cavidade oral. Todas as medidas foram realizadas com esforços máximos e sustentadas por no mínimo 1 segundo. Os participantes deveriam realizar no mínimo três e no máximo nove manobras, sendo três aceitáveis (sem escape aéreo) e duas reprodutíveis (variação <10% entre duas medidas). O último valor não poderia ser maior que os anteriores13,15, sendo o resultado final a maior medida obtida.

A normalização dos resultados de força muscular ventilatória foi realizada utilizando-se diferentes equações de referência (uma nacional e três internacionais), de acordo com as variáveis preditoras requeridas em cada uma delas. As equações de referência foram denominadas de acordo com a primeira letra do primeiro autor de cada estudo, sendo a equação nacional (2012)14 denominada de H, enquanto as demais equações internacionais (1984, 2002 e 2003) foram denominadas de W, T e D, respectivamente11-13 (Quadro 1).


Após a normalização dos dados, foram determinados três pontos de corte: força muscular acima da normalidade (valores >100% do previsto), valores entre 80 e 100% do previsto e valores abaixo de 80% do previsto. Para definição do tamanho amostral necessário, foi utilizada a PIMAX como variável de escolha. Considerando-se um erro α de 5%, um poder de 80% e visando à detecção de variações de dois desvios padrões, estimou-se um tamanho amostral de aproximadamente vinte indivíduos.

As variáveis do estudo foram avaliadas através do teste de Shapiro-Wilk e apresentadas em média e desvio-padrão. Os dados espirométricos e de força muscular ventilatória foram expressos em valor absoluto e percentual do previsto. As comparações entre as diferentes equações foram realizadas utilizando-se uma ANOVA de uma via (pós-teste de Bonferroni). As análises foram realizadas com o programa SPSS versão 18,0 (SPSS Inc., EUA) com nível de significância de 5%.

RESULTADOS

Foram incluídos 24 pacientes, sendo 9 meninas. Os valores espirométricos, as pressões respiratórias máximas, assim como a caracterização da amostra, são apresentados na Tabela 1.

Após a normalização dos resultados da força muscular ventilatória pelas diferentes equações, demonstrou-se que as equações internacionais tendem a superestimar os achados para a nossa população. Considerando-se que não houve diferenças significativas em relação à variável gênero, os dados são apresentados em conjunto. A equação nacional (H) apresentou valores médios previstos obtidos para PIMAX significativamente (p=0,0003) menores em comparação com as equações W e T (Figura 1A). Da mesma forma, a PEMAX prevista pela equação H demonstrou ser significativamente menor (p<0,0001) em comparação com a equação T (Figura 1B).


Utilizando-se como ponto de corte 100% do previsto, as equações internacionais classificariam a PIMAX como acima do normal (>100%) em 91,6, 79,1, e 75,0% (W, T e D, respectivamente) dos sujeitos avaliados e a PEMAX em 66,6, 87,5 e 50%, enquanto a equação nacional estimaria apenas 50,0 e 37,5% dos indivíduos, respectivamente. Por outro lado, quando avaliados os dados abaixo de 80% do previsto, apenas 4,1, 8,3 e 12,5% (PIMAX) e 12,5, 4,1 e 29,1% (PEMAX) das crianças foram classificadas nessa faixa, enquanto a equação nacional foi capaz de discriminar um percentual mais elevado, 16,6 e 29,1%, respectivamente. Por fim, 4,1, 12,5, 12,5% (PIMAX) e 20,8, 8,3 e 20,8% (PEMAX) foram classificados com valores entre 80 e 100% do previsto pelas equações internacionais, enquanto a equação nacional estimaria 33,3% para ambas as pressões respiratórias máximas. Esses achados são apresentados na Figura 2.


DISCUSSÃO

Os resultados obtidos demonstraram que a normalização da força muscular ventilatória por meio de equações internacionais tende a superestimar os achados das pressões respiratórias máximas em crianças e adolescentes com FC. Tal fato pode ser atribuído às diferenças socioambientais e étnicas de populações distintas, dificultando a extrapolação e a aplicação de equações internacionais, tendo em vista que a utilização de valores de referência de outros locais pode não representar as reais condições dos músculos ventilatórios de nossa população. Um estudo prévio16 avaliou crianças brasileiras saudáveis e demonstrou diferenças significativas entre os valores médios obtidos por elas em comparação com os valores médios de PIMAX e PEMAX obtidos por uma equação internacional17, mas não por outras11,13. Entretanto, ressalta-se o reduzido tamanho amostral para um estudo com indivíduos saudáveis e a comparação dos valores médios, sem a normalização para cada equação.

A ATS recomenda a geração de valores de referência para os parâmetros espirométricos de cada região18. É possível que os valores de força muscular ventilatória também possam ser influenciados por essas diferenças populacionais, contribuindo para a necessidade de equações distintas para cada população. Além disso, estudos de função pulmonar também evidenciaram diferenças significativas na predição de variáveis espirométricas utilizando diferentes equações referenciais19,20 e atribuíram essas diferenças a vários fatores, incluindo critérios de seleção das amostras, distintos equipamentos e técnicas, além da variabilidade biológica das populações16,19,20.

A superestimação da força muscular ventilatória utilizando-se equações internacionais pode estar relacionada também às diferentes variáveis preditoras utilizadas para a estimativa das pressões respiratórias máximas em cada estudo, já que a maneira como estas variáveis podem influenciar a predição parece variar. Wilson et al.11 demonstraram que a massa corporal, para a PIMAX, e a idade, para a PEMAX, foram as únicas variáveis com valores preditivos em ambos os gêneros. Por outro lado, Tomalak et al.12 evidenciaram que a idade foi a única variável que apresentou influência. Já Domènech-Clar et al.13 utilizaram idade, estatura e massa corporal para PIMAX de ambos os gêneros e para a PEMAX dos meninos, sendo que para a PEMAX das meninas foi utilizada apenas a idade. Em contrapartida, o estudo com crianças brasileiras utilizou estatura e massa corporal para a predição da PIMAX e massa corporal e idade para a PEMAX14. Além disso, os estudos internacionais apresentaram uma força de predição (R2) menor (9 a 51%) quando comparados com a equação nacional (46 a 58%).

Outro fator importante que poderia justificar as diferenças nas estimativas dos valores é o fato de a etnia ou cor da pele não terem sido avaliadas em alguns estudos por causa da homogeneidade das populações, incluindo somente indivíduos caucasianos11 e/ou de apenas uma origem13. A origem étnica é citada por estudos prévios como um possível fator de contribuição para influenciar os achados de força muscular ventilatória21,22. No entanto, apesar de o estudo com crianças brasileiras ter incluído várias etnias, esse fator não apresentou influência significativa no comportamento das pressões respiratórias máximas14. Por outro lado, independente da origem étnica, as diferentes condições socioeconômicas e culturais dos diversos locais também podem interferir na estimativa dos resultados, fazendo com que a utilização de equações de outros locais possa não representar as características globais de nossas crianças e adolescentes, principalmente em razão da grande miscigenação e heterogeneidade da população brasileira. Embora a inclusão de pacientes desnutridos possa ter influenciado os resultados apresentados, observou-se, de maneira geral, que a maioria dos sujeitos incluídos apresentou valores nutricionais dentro da normalidade. Além disso, o estudo da equação H14 demonstrou que, mesmo em crianças e adolescentes saudáveis e com estado nutricional preservado, as equações internacionais ainda tendem a superestimar as pressões respiratórias máximas, demonstrando que o fator nutricional possivelmente não tenha apresentado papel preponderante sobre nossos resultados. Assim, a utilização de uma equação nacional e atual pode melhor representar e quantificar a condição dos músculos ventilatórios de crianças e adolescentes com diferentes diagnósticos clínicos, evitando subestimar ou superestimar os resultados encontrados.

Apesar da utilização frequente desse método na avaliação e acompanhamento de pacientes com FC, ainda parece não haver um consenso em relação aos resultados esperados para a força muscular ventilatória1,4,5. No presente estudo, a utilização de equações internacionais classificaria, em média, a PIMAX e a PEMAX como acima do normal em 30% a mais das crianças em comparação com a normalização por meio da equação nacional. Além disso, as equações internacionais apontariam as pressões respiratórias máximas como reduzidas em 50% menos dos pacientes, uma vez que identificariam, em média, 8% para a PIMAX e 15% para a PEMAX, enquanto a equação nacional classificaria 16,6 e 29,1%, respectivamente. Esses achados demonstram que a utilização de equações internacionais pode identificar uma fração menor de crianças com redução dos níveis de força muscular, dificultando o diagnóstico de possíveis alterações e retardando o consequente desenvolvimento de medidas terapêuticas mais precoces, fazendo com que a instituição de possíveis programas de treinamento muscular, por exemplo, sejam implementados em períodos mais tardios, nos quais o quadro clínico e a própria fraqueza muscular encontrem-se em estágios mais avançados. Cabe ressaltar, ainda, que a amostra de indivíduos com FC no presente estudo se caracteriza como relativamente saudável em termos de função pulmonar e estado nutricional, provavelmente em razão da baixa média de idade e do acompanhamento periódico desses pacientes.

CONCLUSÃO

A normalização da força muscular ventilatória em crianças e adolescentes com FC utilizando-se diferentes equações internacionais tende a superestimar os valores das pressões respiratórias máximas. Sugere-se cuidado aos profissionais da área da saúde ao normalizar e interpretar esses resultados com diferentes valores de referência, sendo necessária uma avaliação individual em relação à cada equação a ser utilizada. A utilização de equações nacionais e atuais pode melhor refletir as reais condições dos músculos ventilatórios em nossa população, possibilitando identificar de maneira mais acurada os quadros de redução da força muscular ventilatória.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a FAPERGS, a CAPES e ao CNPq pela concessão de bolsas.

Apresentação: maio 2013

Aceito para Publicação: out. 2013

Fonte de financiamento: FAPERGS, CAPES e CNPq

Conflito de interesses: nada a declarar.

Estudo desenvolvido no Ambulatório de Fibrose Cística do Hospital São Lucas, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS) - Porto Alegre (RS), Brasil.

  • 1. Zanchet RC, Chagas AM, Melo JS, Watanabe PY, Simões-Barbosa A, Feijo G. Influence of the technique of re-educating thoracic and abdominal muscles on respiratory muscle strength in patients with cystic fibrosis. J Bras Pneumol. 2006;32(2):123-9.
  • 2. Dakin CJ, Numa AH, Wang H, Morton JR, Vertzyas CC, Henry RL. Inflammation, infection, and pulmonary function in infants and young children with cystic fibrosis. Am J Respir Crit Care Med. 2002;165(7):904-10.
  • 3. Keochkerian D, Chlif M, Delanaud S, Gauthier R, Maingourd Y, Ahmaidi S. Timing and driving components of the breathing strategy in children with cystic fibrosis during exercise. Pediatr Pulmonol. 2005;40(5):449-56.
  • 4. Fauroux B, Boulé M, Lofaso F, Zérah F, Clément A, Harf A, et al. Chest physiotherapy in cystic fibrosis: improved tolerance with nasal pressure support ventilation. Pediatrics. 1999;103(3):E32.
  • 5. de Jong W, van Aalderen WM, Kraan J, Koëter GH, van der Schans CP. Inspiratory muscle training in patients with cystic fibrosis. Respir Med. 2001;95(1):31-6.
  • 6. Szeinberg A, England S, Mindorff C, Fraser IM, Levison H. Maximal inspiratory and expiratory pressures are reduced in hyperinflated, malnourished, young adult male patients with cystic fibrosis. Am Rev Respir Dis. 1985;132(4):766-9.
  • 7. Lands L, Desmond KJ, Demizio D, Pavilanis A, Coates AL. The effects of nutritional status and hyperinflation on respiratory muscle strength in children and young adults. Am Rev Respir Dis. 1990;141(6):1506-9.
  • 8. Barry SC, Gallagher CG. Corticosteroids and skeletal muscle function in cystic fibrosis. J Appl Physiol. 2003;95(4):1379-84.
  • 9. Ziegler B, Lukrafka JL, de Oliveira Abraão CL, Rovedder PM, Dalcin PeT. Relationship between nutritional status and maximum inspiratory and expiratory pressures in cystic fibrosis. Respir Care. 2008;53(4):442-9.
  • 10. Cunha MT, Rozov T, de Oliveira RC, Jardim JR. Six-minute walk test in children and adolescents with cystic fibrosis. Pediatr Pulmonol. 2006;41(7):618-22.
  • 11. Wilson SH, Cooke NT, Edwards RH, Spiro SG. Predicted normal values for maximal respiratory pressures in caucasian adults and children. Thorax. 1984;39(7):535-8.
  • 12. Tomalak W, Pogorzelski A, Prusak J. Normal values for maximal static inspiratory and expiratory pressures in healthy children. Pediatr Pulmonol. 2002;34(1):42-6.
  • 13. Domènech-Clar R, López-Andreu JA, Compte-Torrero L, De Diego-Damiá A, Macián-Gisbert V, Perpiñá-Tordera M, et al. Maximal static respiratory pressures in children and adolescents. Pediatr Pulmonol. 2003;35(2):126-32.
  • 14. Heinzmann-Filho JP, Vidal PC, Jones MH, Donadio MV. Normal values for respiratory muscle strength in healthy preschoolers and school children. Respir Med. 2012.
  • 15. Diretrizes para testes de função pulmonar. Jornal de Pneumologia. 2002;28(3):155-65.
  • 16. Nascimento RAD, Campos TF, Melo JBDC, Borja RDO, Freitas DAD, Mendonça KMPPD. Obtained and predicted values for maximal respiratory pressures of brazilian children. Journal of Human and Growth and Development. 2012;22(2):166-72.
  • 17. Szeinberg A, Marcotte JE, Roizin H, Mindorff C, England S, Tabachnik E, et al. Normal values of maximal inspiratory and expiratory pressures with a portable apparatus in children, adolescents, and young adults. Pediatr Pulmonol. 1987;3(4):255-8.
  • 18. Lung function testing: selection of reference values and interpretative strategies. American Thoracic Society. Am Rev Respir Dis. 1991;144(5):1202-18.
  • 19. Pereira CA, Sato T, Rodrigues SC. New reference values for forced spirometry in white adults in Brazil. J Bras Pneumol. 2007;33(4):397-406.
  • 20. Duarte AA, Pereira CA, Rodrigues SC. Validation of new brazilian predicted values for forced spirometry in caucasians and comparison with predicted values obtained using other reference equations. J Bras Pneumol. 2007;33(5):527-35.
  • 21. Matecki S, Prioux J, Jaber S, Hayot M, Prefaut C, Ramonatxo M. Respiratory pressures in boys from 11-17 years old: a semilongitudinal study. Pediatr Pulmonol. 2003;35(5):368-74.
  • 22. Stefanutti D, Fitting JW. Sniff nasal inspiratory pressure. Reference values in Caucasian children. Am J Respir Crit Care Med. 1999;159(1):107-11.
  • Endereço para correspondência:

    Márcio Vinícius Fagundes Donadio
    Instituto de Pesquisas Biomédicas (IPB) - Centro Infantil
    Avenida Ipiranga, 6690, 2º andar
    CEP 90610-000 - Porto Alegre (RS), Brasil
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      Maio 2013
    • Aceito
      Out 2013
    Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 225 2° andar. , 05403-010 São Paulo SP / Brasil, Tel: 55 11 2661-7703, Fax 55 11 3743-7462 - São Paulo - SP - Brazil
    E-mail: revfisio@usp.br