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Código de ética para fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais revela conteúdos relacionados à autonomia do profissional

Código de ética para fisioterapeutas y terapeutas ocupacionales revela contenidos relacionados a la autonomía del profesional

Resumos

Apesar de já existir código mais recente, estudo que revele os conteúdos do antigo pode contribuir para melhor compreensão do papel social do fisioterapeuta. Assim, este estudo procurou verificar as proporções de enfoques deontológicos e bioéticos presentes no código, identificando predomínios de conteúdos para subsidiar interpretações deste documento. Utilizou-se análise textual e interpretativa do código comparando-o com dois conjuntos de textos. O primeiro apresentava referencial teórico deontológico e o segundo referencial bioético. Para o código de ética e para cada conjunto de textos foram identificadas unidades textuais em categorias de enfoques bioético (principialismo) e/ou deontológico (técnica e virtude). Para conteúdos textuais do código de ética e para os dois respectivos conjuntos de textos identificou-se 54,4, 55,7 e 57,7% de unidades com enfoque deontológico nos seus conteúdos. No código de ética, para as unidades de enfoque bioético, considerando unidades de autonomia separadas entre profissional e cliente, observou-se razão de 2,15:1 (profissional:cliente). Esta razão foi menor que a observada nos textos de referencial deontológico (5,07:1 - profissional:cliente) e inversa à razão de 1,32:1 (cliente:profissional) dos textos de referencial bioético. Conclui-se que o predomínio de conteúdos, tanto no código de ética quanto nos textos deontológicos, mostraram concepções corporativistas e legalistas, prevalecendo uma visão de autonomia profissional. Esta característica divergiu dos textos com referencial teórico bioéticos em que se constatou predominância de valor para autonomia focada no cliente.

Ética; Teoria Ética; Aspectos Técnicos; Fisioterapia


A pesar de que ya existe código más reciente, estudio que revele los contenidos del antiguo puede contribuir para mejor comprensión del papel social del fisioterapeuta. Así, este estudio procuró verificar las proporciones de enfoques deontológicos y bioéticos presentes en el código, identificando predominios de contenidos para apoyar interpretaciones de este documento. Se utilizó análisis textual e interpretativo del código comparándolo con dos conjuntos de textos. El primero presentaba referencia teórica deontológica y el segundo referencia bioética. Para el código de ética y para cada conjunto de textos fueron identificadas unidades textuales en categorías de enfoques bioético (principialismo) y/o deontológico (técnica y virtud). Para contenidos textuales del código de ética y para los dos respectivos conjuntos de textos se identificó 54,4, 55,7 e 57,7% de unidades con enfoque deontológico en sus contenidos. En el código de ética, para las unidades de enfoque bioético, considerando unidades de autonomía separadas entre profesional y cliente, se observó razón de 2,15:1 (profesional:cliente). Esta razón fue menor que la observada en los textos de referencia deontológica (5,07:1 - profesional:cliente) e inversa a la razón de 1,32:1 (cliente: profesional) de los textos de referencia bioética. Se concluye que el predominio de contenidos, tanto en el código de ética como en los textos deontológicos, mostraron concepciones corporativistas y legalistas, prevaleciendo una visión de autonomía profesional. Esta característica divergió de los textos con referencia teórica bioética en que se constató predominancia de valor para autonomía enfocada en el cliente.

Ética; Teoria Ética; Bioética; Aspectos Técnicos; Fisioterapia


Despite the existence of a recent code of ethics, a study revealing the content inside the previous one could contribute for the better comprehension of the physical therapist's social function. Therefore, the present study verified proportions of deontological and bioethical approaches that are present in this code identifying the predominance of contents to support the interpretation of the document. Textual and interpretative analyses were used to compare the code with two other sets of documents. The first set showed deontological approaches, while the second one presented bioethical ones. Textual units were identified for all documents and classified by bioethical (principles) and/or deontological (technique and virtue) approaches. For the code of ethics and each set of documents, 54.4, 55.7 and 57.7% of deontological contents were identified. The textual units classified in the code of ethics as professional or client autonomy had ratio of 2.15:1 (professional:client). The ratio previously presented was lower than the one observed in the set of documents with deontological approach (5.07:1 - professional:client) and it was the opposite for the documents regarding the bioethical approach (1.32:1 - client:professional). It was concluded that inside the codes of ethics and the set of deontological information there are corporate and law conceptions, resulting in the majority of contents reveling professional autonomy. This characteristic was different from the set of documents presenting the bioethical approach, in which there was more content related to client autonomy.

Ethics; Ethical Theory; Bioethics; Technical Aspects; Physical Therapy Specialty


PESQUISA ORIGINAL

Código de ética para fisioterapeutas e terapeutas ocupacionais revela conteúdos relacionados à autonomia do profissional

Código de ética para fisioterapeutas y terapeutas ocupacionales revela contenidos relacionados a la autonomía del profesional

Leandro Corrêa FigueiredoI; Aline Cristina Martins GratãoII; Emerson Fachin MartinsI

IUnB - Brasília (DF), Brasil

IIUniversidade Federal de São Carlos (UFSCar) - São Carlos (SP), Brasil

Endereço para correspondência Endereço para correspondência: Emerson Fachin Martins Universidade de Brasília, Faculdade de Ceilândia, Campus de Ceilândia QNN 14, Área Especial Ceilândia Sul CEP: 72220-140 - Brasília (DF), Brasil E-mail: efmartins@unb.br

RESUMO

Apesar de já existir código mais recente, estudo que revele os conteúdos do antigo pode contribuir para melhor compreensão do papel social do fisioterapeuta. Assim, este estudo procurou verificar as proporções de enfoques deontológicos e bioéticos presentes no código, identificando predomínios de conteúdos para subsidiar interpretações deste documento. Utilizou-se análise textual e interpretativa do código comparando-o com dois conjuntos de textos. O primeiro apresentava referencial teórico deontológico e o segundo referencial bioético. Para o código de ética e para cada conjunto de textos foram identificadas unidades textuais em categorias de enfoques bioético (principialismo) e/ou deontológico (técnica e virtude). Para conteúdos textuais do código de ética e para os dois respectivos conjuntos de textos identificou-se 54,4, 55,7 e 57,7% de unidades com enfoque deontológico nos seus conteúdos. No código de ética, para as unidades de enfoque bioético, considerando unidades de autonomia separadas entre profissional e cliente, observou-se razão de 2,15:1 (profissional:cliente). Esta razão foi menor que a observada nos textos de referencial deontológico (5,07:1 - profissional:cliente) e inversa à razão de 1,32:1 (cliente:profissional) dos textos de referencial bioético. Conclui-se que o predomínio de conteúdos, tanto no código de ética quanto nos textos deontológicos, mostraram concepções corporativistas e legalistas, prevalecendo uma visão de autonomia profissional. Esta característica divergiu dos textos com referencial teórico bioéticos em que se constatou predominância de valor para autonomia focada no cliente.

Descritores: Ética; Teoria Ética; Aspectos Técnicos; Fisioterapia.

RESUMEN

A pesar de que ya existe código más reciente, estudio que revele los contenidos del antiguo puede contribuir para mejor comprensión del papel social del fisioterapeuta. Así, este estudio procuró verificar las proporciones de enfoques deontológicos y bioéticos presentes en el código, identificando predominios de contenidos para apoyar interpretaciones de este documento. Se utilizó análisis textual e interpretativo del código comparándolo con dos conjuntos de textos. El primero presentaba referencia teórica deontológica y el segundo referencia bioética. Para el código de ética y para cada conjunto de textos fueron identificadas unidades textuales en categorías de enfoques bioético (principialismo) y/o deontológico (técnica y virtud). Para contenidos textuales del código de ética y para los dos respectivos conjuntos de textos se identificó 54,4, 55,7 e 57,7% de unidades con enfoque deontológico en sus contenidos. En el código de ética, para las unidades de enfoque bioético, considerando unidades de autonomía separadas entre profesional y cliente, se observó razón de 2,15:1 (profesional:cliente). Esta razón fue menor que la observada en los textos de referencia deontológica (5,07:1 - profesional:cliente) e inversa a la razón de 1,32:1 (cliente: profesional) de los textos de referencia bioética. Se concluye que el predominio de contenidos, tanto en el código de ética como en los textos deontológicos, mostraron concepciones corporativistas y legalistas, prevaleciendo una visión de autonomía profesional. Esta característica divergió de los textos con referencia teórica bioética en que se constató predominancia de valor para autonomía enfocada en el cliente.

Palabras clave: Ética; Teoria Ética; Bioética; Aspectos Técnicos; Fisioterapia.

INTRODUÇÃO

Apesar de já existir desde o início do século 20 enquanto profissional1, o fisioterapeuta somente pode contar com regulamentação quarenta anos depois, em 1969, com a publicação do decreto-lei 9382-4. Depois de regulamentada, somente em 1978 pela Resolução do Conselho Federal de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (COFFITO), um Código de Ética Profissional foi publicado5.

Desde sua publicação até os dias atuais ainda existem cursos que não incluem disciplinas para discussões sobre julgamento moral e ética na formação dos fisioterapeutas, não levando em consideração os relatos que afirmam ser a construção do sujeito ético fundamentada na sua educação e formação profissional6.

Se discussões sobre ética estão deixando de cumprir o papel de construção de um profissional durante a formação do fisioterapeuta, o prejuízo acaba sendo percebido na própria sociedade, onde os profissionais lidam com angústias e sofrimentos alheios1,7.

Para o fisioterapeuta, assim como para outros profissionais, a regulamentação e evolução no processo de formação profissional, bem como a sua forma de atuação sempre estiveram voltadas para aspectos técnicos, como a relação profissional-cliente, relegando as questões atitudinais da profissão a um segundo plano8.

Os conhecimentos sobre bioética, ainda que presentes, não podem ser considerados uma realidade efetiva na prática cotidiana dos profissionais da saúde e em particular na formação do fisioterapeuta, visto que a atuação dos profissionais da saúde está condicionada à ética hipocrática, limitando-se ao estudo e ao cumprimento dos direitos e deveres previsto nos códigos de ética profissional normalmente concebido segundo os preceitos da deontologia9,10.

Nos cursos de Fisioterapia, quando encontramos disciplinas com temas que abordam bioética, elas estão expressas por nomes envolvendo a palavra ética, cujas descrições de ementa não deixam claro se serão oferecido conteúdos que subsidiarão a tomada de decisões referentes à saúde, vida, morte, dignidade, solidariedade, confidencialidade, privacidade, vulnerabilidade, responsabilidade e qualidade de vida11-13.

Alves et al.14, em estudo sobre o preparo dos conteúdos bioéticos nas graduações em Fisioterapia, relataram que melhores resultados são obtidos nas relações com outros profissionais da saúde para os estudantes de fisioterapia que possuíam tais conteúdos em sua formação. Entretanto, a grande maioria destas disciplinas somente descreve o Código de Ética Profissional5, não promovendo discussões ou introduzindo considerações de enfoque bioético, visto que a bioética surgiu muitos anos depois da concepção deste código6,8,11,15.

Códigos de ética profissional tradicionalmente consideram o campo do dever, elaborando um conjunto de normas que orientam indivíduos que compartilham associação a determinado corpo socioprofissional e, por integrar o campo do Direito, não exigem convicção pessoal às suas normas, pois elas são obrigatórias, impostas e comportam coerção estatal16.

Frente às deficiências observadas nas discussões sobre ética e bioética durante a formação do fisioterapeuta e tendo como exemplo estudo semelhante já descrito para o Código de Ética Odontológico8, é possível que o antigo código de ética não apresente conteúdos que incluam abordagens bioéticas. Assim, o presente estudo teve por objetivo verificar em que proporções os conteúdos deontológicos e bioéticos estavam presentes no antigo Código de Ética Profissional de Fisioterapia e Terapia Ocupacional (CEPFTO)5 traçando perfil epistemológico que poderia subsidiar interpretações da visão de conduta profissional e adequações da forma e linguagem do código.

METODOLOGIA

Bases teóricas e procedimentais de análise

Foi delineado estudo em fonte documental para análise interpretativa do CEPFTO conforme metodologia descrita por Pyrrho et al.8. Foi realizada comparação do código de ética com dois conjuntos de textos: um conjunto com referencial teórico deontológico e o outro bioético.

Seis textos foram selecionados: três com referencial teórico deontológico17-19 e outros três bioético14,15,20, formando base contextual para comparar seus conteúdos com o CEPFTO5. Os textos para comparação foram levantados das bases: Google Scholar e LILACS de 08 a 10 de novembro de 2011.

A análise de conteúdo orientou-se por Bardin21, porém para fonte textual. Em suas concepções de análise sobre conteúdo, ele afirma que ao usar métodos quantitativos, como técnica de análise qualitativa, a definição de um estudo qualitativo não é contrariada filosófica e estruturalmente.

Organização das categorias de unidades textuais e processamento

Cada documento foi fragmentado em unidades textuais que poderiam corresponder a parágrafos, frases ou palavras que expressam um conteúdo com significado textual.

As unidades textuais poderiam ser classificadas em uma ou mais de uma das seis categorias resultantes dos quatro princípios bioéticos (autonomia, beneficência, não maleficência e justiça) e da inclusão de duas categorias (virtude e técnica) relacionadas a princípios deontológicos. As unidades textuais informando aspectos morais não relacionados aos princípios bioéticos e aquelas informando condutas profissionais desejadas socialmente foram enquadradas na categoria virtude. As unidades textuais informando aspectos técnicos, legalistas e conceituais específicos da profissão foram classificadas na categoria técnica. A categoria autonomia foi subdividida em outras duas categorias: autonomia profissional e autonomia do cliente, a depender de quem era beneficiário da conduta moral.

Desta forma, para cada categoria definida, incluindo a subdivisão da categoria autonomia, existia uma coluna organizada de forma matricial em um total de sete colunas na planilha do aplicativo Excel, sendo que cada linha desta matriz indicava uma página do documento analisado.

Para se calcular por soma o total de unidades textuais de maneira organizada, após marcação feita no texto impresso, a quantidade de unidades textuais era inserida na célula de cruzamento correspondente à página (linha) em que foi identificada para a categoria (coluna) em que foi classificada.

Além da distribuição de frequência das unidades textuais, também foi calculada a razão de proporcionalidade pelo quociente da categoria mais prevalente sobre a categoria menos prevalente, informando a quantidade de categorias existente para uma em relação à outra. Diferenças entre proporções foram detectadas pelo teste χ2 considerando diferenças significativas aquelas em que foi obtido valor de p<0,05.

RESULTADOS

No CEPFTO (Figura 1) observou-se predominância das categorias que expressam conteúdos deontológico, seguidas pelas categorias do principialismo bioético: justiça; autonomia; não maleficência e beneficência. Dentre as unidades textuais que informam autonomia, predominou a autonomia profissional em uma razão de proporcionalidade de 2,15:1 (profissional:cliente, Figura 1).


Nos textos deontológicos (Figura 2) observou-se predominância da categoria técnica (deontológica) e da categoria autonomia profissional (bioética), prevalecendo também as categorias de conteúdos deontológicos, seguidas pelas demais categorias do principialismo bioético: justiça; beneficência e não maleficência. Dentre as unidades textuais que informam autonomia, predominou aqui ainda a autonomia profissional em uma razão de proporcionalidade de 5,07:1 (profissional:cliente, Figura 2).


Nos textos bioéticos (Figura 3), verificou-se predominância das categorias técnica e virtude (deontológicas); seguidas pelas categorias do principialismo bioético de autonomia e depois por justiça; beneficência e não maleficência. Dentre as unidades textuais que informam autonomia, de maneira inversa nas demais análises, predominou autonomia do cliente em uma razão de proporcionalidade de 1,32:1 (cliente:profissional, Figura 3).


Nenhuma diferença significativa foi encontrada entre a proporção de categorias deontológicas e bioéticas no CEPFTO quando comparada aos demais conjuntos de textos (deontológicos na Figura 4A ou bioéticos na Figura 4B). Também não se observou diferença significativa entre proporções na comparação entre os conjuntos de textos (Figura 4C).




Predominância de unidades textuais informando autonomia profissional foi observada tanto no CEPFTO quanto no conjunto de textos com referencial deontológico. Somente no conjunto de textos com referencial bioético é que a relação foi inversa, predominando unidades textuais relacionadas à autonomia do cliente. Em todas as comparações, a proporção entre unidades textuais relacionadas à autonomia dos diferentes beneficiários foi significativamente diferente, como observado na Figura 5.


DISCUSSÃO

Poucos estudos sobre ética e bioética na formação do fisioterapeuta foram observados até o momento no Brasil14,15, apontando universidades que ainda não contemplam tais temas na formação do fisioterapeuta.

Os resultados mostram que apenas o principialismo bioético não seria suficiente para definir as unidades textuais. A inclusão das categorias técnica e virtude (deontológicas) foram fundamentais, predominando no conteúdo da maioria dos textos, reforçando o enfoque deontológico que permeiam os códigos de ética profissionais6,22.

Essa ênfase deontológica pode ser explicada pela preocupação com a desvalorização do profissional, seja mediante condições desfavoráveis à sua prática e até mesmo pelo desrespeito entre os profissionais que geram uma carência de humanização na área da saúde23.

Hermann24 destaca que as emoções, próprias das questões mais humanistas, durante muito tempo foram negligenciadas nas discussões sobre ética, especialmente por influência da razão prática.

Apesar disso, conteúdos deontológicos apresentaram-se proporcionalmente menores que os observados no Código de Ética Odontológico8, sugerindo que o processo de identificar questões e tomar decisões requer habilidades e conhecimentos éticos e apesar de obrigatório para todos, podem variar entre profissionais.

Embora evidenciado a diferenças entre os códigos de ética, pouco se sabe sobre o nível de desenvolvimento moral e tomada de decisões éticas do fisioterapeuta que pudesse embasar uma discussão a este respeito25,26.

Nos documentos analisados, o CEPFTO foi o único onde a categoria virtude predominou sobre a categoria técnica, ainda que as duas fossem as categorias mais citadas. Tal fato sugere que valorização da honra, prestígio e tradições da profissão, com caráter predominantemente prescritivo, estão fortemente presentes no CEPFTO10.

A categoria autonomia foi a que agregou mais conteúdos dentre as outras categorias bioéticas, estando na maioria dos documentos a autonomia profissional mais prevalente que a autonomia do cliente, caracterizando o terapeuta como o lado mais forte da relação terapeuta-paciente.

Esta relação de prioridade na autonomia profissional mostra dimensão autoritária ou paternalista desta relação e pode possibilitar a expansão da autonomia à medida que se avança o processo terapêutico. Tal relação pode ser justificada no processo histórico de origem da Fisioterapia, que gerou uma relação de dependência, de sujeição daquele que, em um determinado momento de vida, está mais fragilizado e dependente do outro27.

É possível observar que o CEPFTO é voltado para o terapeuta, baseado em prescrições estabelecidas e focadas na autonomia deste profissional. Foge completamente da imagem que possui os textos bioéticos, voltados para autonomia do cliente, valorizando a justiça expressa pela igualdade social.

Unidades textuais categorizando beneficência foram as menos citadas no CEPFTO, embora sejam as que melhor elucidam o papel do profissional de saúde. Observa-se que ao confrontarmos os princípios de beneficência e autonomia eles se opõem diametralmente sob o ponto de vista ideológico.

Para beneficência, estabelece-se um consenso sobre o que é bom para a pessoa, estrutura-se um padrão quanto à forma em que ela deve pensar e agir, criando-se a noção de doença em contraposição à de normalidade (conceito estatístico), aceitando-se a ideia de que é lícito, à sociedade, intervir sobre o dito anormal, mesmo que contrariamente à sua vontade e desconsiderando sua autonomia, o que gera o que alguns pesquisadores no assunto chamam de paternalismo28.

Já a não maleficência, encontrada de forma escassa em todos os textos, implica em não causar dano, sendo necessário haver compromisso ético dos profissionais de saúde para não causar sofrimento desnecessário ao paciente29. Dentre as três analises textuais, a do CEPFTO foi a que mais apresentou conteúdo de não maleficência, ainda que em baixa frequência. O motivo que poderia explicar isso talvez seja o mesmo descrito por Pyrrho et al.8: a não maleficência é um princípio que contém certa obviedade entre si, já que não se espera de um profissional da saúde que ele atue com o propósito contrário.

CONCLUSÃO

As frequências de conteúdos deontológicos ou bioéticos no código de ética analisado foram muito semelhantes às frequências nos textos deontológicos e bioéticos. Para as unidades textuais classificadas como autonomia, tanto no código de ética quanto nos textos deontológicos, concepções corporativistas e legalistas prevaleceram, com uma visão de autonomia focada no profissional. Esta característica divergiu significativamente dos textos bioéticos em que se constatou predominância de valor para autonomia focada no cliente.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos ao Prof. Dr. Volnei Garrafa (Cátedra da UNESCO de Bioética), Professor Titular da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade de Brasília, pelo exemplo, motivação e inspiração para o desenvolvimento deste trabalho.

Apresentação: jul. 2013

Aceito para publicação: nov. 2013

Fonte de financiamento: nenhuma

Conflito de interesses: nada a declarar.

Estudo desenvolvido no Campus de Ceilândia da Universidade de Brasília (UnB) - Ceilândia (DF), Brasil.

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  • Endereço para correspondência:

    Emerson Fachin Martins
    Universidade de Brasília, Faculdade de Ceilândia, Campus de Ceilândia
    QNN 14, Área Especial Ceilândia Sul
    CEP: 72220-140 - Brasília (DF), Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jan 2014
    • Data do Fascículo
      Dez 2013

    Histórico

    • Recebido
      Jul 2013
    • Aceito
      Nov 2013
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