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Microrregulação do acesso à rede de atenção em fisioterapia: estratégias para a melhoria do fluxo de atendimento em um serviço de atenção secundária

Microregulación del acceso a la red de atención en fisioterapia: estrategias para mejorar el flujo de atendimiento en un servicio de atención secundaria

RESUMO

O objetivo deste estudo foi caracterizar um serviço de fisioterapia municipal, avaliar e identificar o perfil dos pacientes em lista de espera e propor estratégias de microrregulação do acesso ao atendimento fisioterapêutico em nível secundário para melhoria da resolutividade do sistema. Trata-se de um estudo transversal realizado com a equipe de fisioterapia de atenção secundária e 70 pacientes em lista de espera. A equipe foi entrevistada e os pacientes foram avaliados e encaminhados para os diferentes pontos de atenção segundo suas necessidades. As informações obtidas com as entrevistas dos profissionais e triagem dos pacientes foi utilizada para propor melhorias e maior resolutividade ao serviço. Observou-se que a equipe de fisioterapia de atenção secundária tem alta demanda de atendimento. A origem dos encaminhamentos foi primeiramente de ortopedistas/traumatologistas (88%) e diagnóstico clínico de osteoartrose (36%). Após a avaliação, verificou-se que 72% dos pacientes não necessitavam da complexidade de um atendimento fisioterapêutico secundário. Os problemas encontrados foram relacionados à baixa resolutividade na atenção primária, à ausência de coordenação entre as equipes de fisioterapia, à falta de comunicação com os demais profissionais, e aos critérios de triagem e atendimento em nível secundário de atenção. A falta de compreensão sobre a organização da rede de serviços repercutiu em uma longa lista de espera para atendimento fisioterapêutico secundário. A partir da identificação dos principais problemas, as estratégias indicadas foram a triagem pela equipe de atenção primária e por profissionais médicos de atenção especializada e a instauração de uma coordenadoria para melhora do diálogo entre os pontos de atenção em fisioterapia.

Descritores:
Modalidades em Fisioterapia; Sistema Único de Saúde; Atenção Primária à Saúde; Atenção Secundária à Saúde

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue caracterizar un servicio de fisioterapia municipal, evaluar e identificar el perfil de los pacientes en lista de espera y proponer estrategias de microregulación del acceso al atendimiento fisioterapéutico en nivel secundario para mejorar la capacidad de resolución del sistema. Se trata de un estudio transversal realizado con el equipo de fisioterapia de atención secundaria y 70 pacientes en lista de espera. El equipo fue entrevistado y los pacientes fueron evaluados y encaminados para los diferentes puntos de atención de acuerdo con sus necesidades. Las informaciones obtenidas con las entrevistas de los profesionales y triaje de los pacientes fueron utilizadas para proponer mejorías y una mayor capacidad de resolución al servicio. Se observó que el equipo de fisioterapia de atención secundaria tiene alta demanda. El origen de los encaminamientos fue primeramente de ortopedistas/traumatólogos (88%) y diagnóstico clínico de osteoartrosis (36%). Después de la evaluación, se verificó que el 72% de los pacientes no necesitaban de la complejidad de un atendimiento fisioterapéutico secundario. Los problemas encontrados fueron relacionados a la baja capacidad de resolución en la atención primaria, a la ausencia de coordinación entre los equipos de fisioterapia, a la falta de comunicación con los otros profesionales y a los criterios de triaje y atendimiento a nivel secundario de atención. La falta de comprensión acerca de la organización de la red de servicios repercutió en una larga lista de espera para atendimiento fisioterapéutico secundario. A partir de la identificación de los principales problemas, las estrategias indicadas fueron el triaje por el equipo de atención primaria y por profesionales médicos de atención especializada y la instauración de una coordinadoría para la mejora del diálogo entre los puntos de atención en fisioterapia.

Palabras clave:
Modalidades en Fisioterapia; Sistema Único de Salud; Atención Primaria a la Salud; Atención Secundaria a la Salud

ABSTRACT

We characterized a physiotherapy service of the city. The profile of patients on the waiting list was assessed and identified to propose strategies for micro-regulation on the access to secondary-level physiotherapy to improve the resolution rate of the system. This is a cross-sectional study carried out with the physiotherapy team of the secondary care and 70 patients on the waiting list. The team was interviewed and patients were assessed and forwarded to the different care points according to their needs. The information obtained from the interviews of professionals and triage of patients was used to propose improvements and greater resolution. The secondary care physiotherapy team has a high demand. The origin of the referrals was first from Orthopedists/Traumatologists (88%), and clinical diagnosis of Osteoarthritis (36%). After the evaluation, 72% of patients did not need the complexity of a secondary physiotherapy service. The problems found were related to low resolution on primary health care, lack of coordination for physiotherapy teams, lack of dialogue with other professionals, and screening and care criteria in the secondary level of care. The lack of understanding of the network organization of services reflected in a long waiting list for secondary physiotherapy. From the identification of the main problems, strategies indicated were the screening by the primary care staff and medical professionals of the specialized care; and coordinator for improving dialogue between the care points of physiotherapy.

Keywords:
Physical Therapy Modalities; Unified Health System; Primary Health Care; Secondary Care

INTRODUÇÃO

A regulamentação do SUS conduz à promoção, proteção e recuperação da saúde, considerando as características singulares da organização e funcionamento dos serviços de saúde 11. Brasil. Constituição Federal, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. . A estruturação de um serviço ocorre a partir do diagnóstico da realidade territorial, por meio das Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou da Estratégia de Saúde da Família (ESF), constituindo a porta de entrada do sistema (Atenção primária em saúde - APS), e é componente estruturante para a organização do modelo de assistência à saúde 22. Brasil. Ministério da Saúde. Política nacional de atenção básica. Brasília: Ministério da Saúde, 2012. . Sendo a APS resolutiva, espera-se que cerca de 80% dos problemas da população sejam por ela resolvidos. Casos que necessitem de atendimento mais especializado devem ser encaminhados a pontos de maior densidade tecnológica, que compõem as redes de atenção à saúde (RAS) 33. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-305. . Para suprir as diferentes necessidades dos usuários, é necessária a integração entre os diversos pontos de atenção com procedimentos tecnológicos próprios 33. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-305.),(44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Núcleo de Apoio a Saúde da Família / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. - Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 116 p. (Caderno de Atenção Básica, n. 39). .

Para o fortalecimento da APS como ordenadora da RAS e visando a melhoria da qualidade e resolutividade, foram criados os Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF), vinculados à ESF, onde está prevista a inserção do fisioterapeuta 44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Núcleo de Apoio a Saúde da Família / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. - Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 116 p. (Caderno de Atenção Básica, n. 39). . O trabalho do NASF se dá por meio da tecnologia de gestão designada apoio matricial, que se completa com o processo de trabalho em equipes de referência da ESF, realizando ações como ajuda a equipes na qualificação dos encaminhamentos a outros pontos de atenção (microrregulação), estabelecendo estratégias e critérios para melhoria do fluxo de atendimento e resolutividade em diferentes pontos de atenção da RAS, a partir da APS, além de auxiliar as equipes para o aumento da capacidade de cuidado em APS 44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Núcleo de Apoio a Saúde da Família / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. - Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 116 p. (Caderno de Atenção Básica, n. 39).),(55. Campos GWS, Domitti AN. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saude Publica. 2007;23(2):399-407. .

No ponto de atenção especializado estão as intervenções e procedimentos de média complexidade realizados em hospitais ou ambulatórios, compreendendo serviços médicos especializados e atendimentos terapêuticos de urgência e emergência 33. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-305.),(66. Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária a saúde: o imperativo da consolidação da Estratégia de Saúde da família. Brasília: Organização Pan-americana de Saúde (OPAS); 2012; 512p. . A atenção de média complexidade configura-se como o atual "gargalo" do sistema de atenção à saúde 33. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-305. , com problemas relacionados à qualidade do serviço, subfinanciamento e pouca integração com os demais níveis de complexidade do sistema, o que dificulta a integralidade na atenção ao usuário do SUS 77. Spedo SM, Silva Pinto NR, Tanaka OY. O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS: o caso da cidade de São Paulo, Brasil. Physis Rev Saúde Coletiva. 2010; 20(3):953-72. . Apesar de pouco referencial teórico, os problemas dos serviços fisioterapêuticos ambulatoriais na atenção secundária não se diferenciam dos demais. A dificuldade de acesso ao nível secundário, com pacientes com necessidades específicas para esse serviço, é desassistida por demanda reprimida e longo tempo de espera por assistência 88. Bispo JJP. Fisioterapia e Saúde Coletiva: desafios e novas responsabilidades profissionais. Ciên Saúde Coletiva. 2010;15(Supl. 1):1627-36.),(99. Sousa ARB, Ribeiro KSQS. A Rede assistencial em fisioterapia no Município de João Pessoa: uma análise a partir das demandas da atenção básica. Rev Bras Cienc Saúde. 2011;15(3):357-68. . Assim, as mudanças no perfil epidemiológico da população brasileira com a tripla carga de doenças 33. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-305. , caracterizada pela coexistência das doenças infecciosas e parasitárias, causas externas e doenças e agravos crônicos não transmissíveis, geram impacto no gerenciamento dos sistemas de saúde. Para tanto, a integração dos serviços de saúde 1010. Rodrigues LBB, Silva PCS, Peruhype RC, Palha PF, Popolin MP, Crispim JA. A Atenção Primária à saúde na coordenação das redes de atenção: uma revisão integrativa. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(2):343-52. e a capacitação profissional para o incremento da resolutividade se tornou imprescindível, o que fez com que o fisioterapeuta ganhasse espaço na equipe, novas responsabilidades, e inserção nos diferentes pontos de atenção 88. Bispo JJP. Fisioterapia e Saúde Coletiva: desafios e novas responsabilidades profissionais. Ciên Saúde Coletiva. 2010;15(Supl. 1):1627-36. .

Nesse sentido, a fisioterapia, como campo de conhecimento e prática, deve ser capaz de lidar com promoção de saúde e prevenção de doenças 1111. Rezende M; Moreira MR; Filho AA; Tavares, MFL. A equipe multiprofissional da saúde da família: uma reflexão sobre o papel do fisioterapeuta. Ciênc Saúde Coletiva. 2009;14(supl.1):1403-10. , além da assistência, trabalhando em uma RAS de forma a auxiliar na coordenação dos cuidados de saúde 1212. Brasil. Ministério da Educação. Resolução CNE/CES 4/2002. Estabelece as diretrizes curriculares nacionais do curso de graduação em fisioterapia. Diário Oficial da União, Poder Executivo, Brasília, DF, 2002. . Todavia, se faz necessário o esforço conjunto, pois a organização dos serviços de saúde em redes de atenção coordenadas permite que a integralidade das ações seja implementada, garantindo a equidade e o acesso aos demais serviços do sistema 1010. Rodrigues LBB, Silva PCS, Peruhype RC, Palha PF, Popolin MP, Crispim JA. A Atenção Primária à saúde na coordenação das redes de atenção: uma revisão integrativa. Ciênc Saúde Coletiva. 2014;19(2):343-52. .

Diante desse desafio, surgiu a necessidade deste estudo para compreender o motivo de haver um grande número de pacientes em lista de espera em um Centro de atenção secundária de Fisioterapia (CF), problema este que gerava muitas reclamações dos usuários e questionamentos por parte de gestores sobre a resolutividade do serviço. A hipótese era de que o papel da fisioterapia em cada nível de atenção ainda não estivesse claro à equipe, denotando dificuldades de comunicação.

Dessa forma, o objetivo foi caracterizar o serviço de fisioterapia do município, identificar o perfil epidemiológico dos pacientes que se encontravam em lista de espera na atenção secundária, realizar os encaminhamentos necessários e, a partir disso, diagnosticar e propor soluções a toda a equipe fisioterapêutica (NASF e CF) para a reorganização do fluxo de encaminhamento aos serviços fisioterapêuticos disponíveis no município.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo transversal, realizado com a equipe do único CF da Prefeitura Municipal de Bragança Paulista (SP) e com pacientes que se encontravam há até um ano na lista de espera do serviço.

Após a aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade São Francisco (Proc. nº 0228.0.142.000/09), o estudo foi dividido em três etapas e teve duração de 6 meses. Na primeira etapa foram realizadas reuniões com membros da Secretaria de Saúde, para conhecer os serviços de saúde do município, e com a equipe de fisioterapeutas que atuavam na APS, para conhecer as dinâmicas dos encaminhamentos. A coleta de informações sobre o funcionamento dos serviços de fisioterapia do município foi realizada por meio de reuniões individuais e com a equipe de fisioterapeutas, e também com a coordenadora (não fisioterapeuta) da equipe da Secretaria de Saúde do município. Em seguida foram feitas reuniões com a equipe do CF (atenção secundária) para conhecer os procedimentos de triagem e o atendimento aos usuários fora ou em lista de espera. Na segunda etapa, os fisioterapeutas docentes e acadêmicos do curso de Fisioterapia (Equipe Externa) realizaram triagem, avaliação e encaminhamento dos pacientes em lista de espera. Por fim, a equipe elaborou um relatório e organizou reunião de encerramento do projeto com a equipe de fisioterapia do CF e a coordenadora da Secretaria de Saúde para discutir e propor soluções aos serviços.

A triagem na lista de espera foi realizada com a ajuda da secretaria do CF, que possuía um cadastro dos pacientes em lista de espera e que agendou as avaliações. Esse primeiro contato com as informações dos pacientes possibilitou a identificação do perfil da população (gênero, idade, profissão e a realização prévia de tratamento fisioterapêutico), da origem dos encaminhamentos e do diagnóstico clínico.

Os usuários que confirmaram presença no atendimento foram orientados quanto aos objetivos e procedimento da pesquisa, e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. A organização do atendimento foi por ordem da lista de espera, e os pacientes que compareceram foram então avaliados e caracterizados segundo suas patologias e necessidades de atendimento.

Para a avaliação dos pacientes foram utilizadas fichas de Anamnese e exame físico. A Anamnese buscou identificar a queixa principal, queixas álgicas, limitações físicas e funcionais e história atual e pregressa. O exame físico constou de avaliação da amplitude de movimento (Goniômetro Carci), teste de força muscular por meio do teste de força manual (graduação de 0 a 5 pontos), análise do comprimento e assimetria de membros (fita métrica), exames físicos e funcionais e testes especiais de acordo com o diagnóstico clínico e funcional, história e necessidades de cada paciente 1313. Amado-João, S.M. Métodos de avaliação clinico e funcional em fisioterapia. Ed. Guanabara Koogan. 2006, 362p. .

Após a avaliação foi realizado o diagnóstico fisioterapêutico de cada paciente, e foram adotadas diversas condutas, tais como: orientações sobre exercício domiciliar, orientações posturais, orientações sobre a melhor forma de realizar as atividades de vida diária e/ou atividades de trabalho, uso de crioterapia, prescrição de palmilhas, e/ou encaminhamento para a atenção primária para atendimento em grupo, ou a permanência em lista de espera dos pacientes com quadros agudos ou com complicações funcionais para o atendimento no CF. Todos os procedimentos de encaminhamento para as equipes de fisioterapia (UBS/ESF e CF) foram realizados por meio de pareceres com diagnóstico fisioterapêutico e condutas adotas pela equipe externa para cada paciente. Os pacientes também receberam a ficha de encaminhamento e foram orientados a respeito dos locais de atendimento.

O diagnóstico dos problemas na resolutividade foi composto pelas reuniões da equipe de fisioterapia e coordenador com docentes e discentes do projeto, pelo relato dos pacientes, e pelo diagnóstico clínico e fisioterapêutico. A proposição das soluções foi baseada nas diretrizes do SUS 11. Brasil. Constituição Federal, 1988. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. e das RAS 33. Mendes EV. As redes de atenção à saúde. Cien Saude Colet 2010; 15(5):2297-305. e nas prioridades e projetos da equipe de fisioterapia em consonância com as propostas das equipes de atenção do município.

Os dados registrados foram transcritos e armazenados no programa SPSS versão 22.0 para análise das frequências.

RESULTADOS

O município de Bragança Paulista tinha 26 unidades de atenção primária, incluindo UBS/EACS/ESF/PAD, com cobertura de 36% do município. Os serviços de fisioterapia estavam alocados no Centro de Fisioterapia Municipal (CF), na APS com o NASF I e no PAD (Programa de Assistência Domiciliar).

Os 5 fisioterapeutas do CF (profissionais concursados) atendiam, em média, 8 pacientes por dia por profissional, totalizando 40 atendimentos por dia, sendo atendidos 2 pacientes a cada 30 minutos. Os fisioterapeutas contratados para a ESF compõem a equipe do NASF I (atualmente 5 equipes NASF, com 5 profissionais fisioterapeutas), cujas atividades eram organizadas com objetivos especialmente de promoção e prevenção de incapacidades, por meio de atendimentos em grupo, e, ocasionalmente, individuais. Os atendimentos em grupo eram destinados a pacientes com quadros crônicos (osteoartroses e lombalgias) e a orientações a gestantes e cuidadores, sendo os grupos formados de acordo com a demanda de cada unidade. O atendimento individual ocorria em horários reservados para a avaliação de novos casos. As visitas domiciliares eram dedicadas a pacientes acamados e à orientação a cuidadores sobre os exercícios domiciliares.

Os atendimentos em nível secundário aconteciam no CF para todos os pacientes encaminhados para reabilitação, originários de todos os serviços do município (referência de serviços de APS, atenção especializada e hospitalar). A maioria dos atendimentos eram individuais, com prioridade a pacientes com quadros agudos, sendo reservados alguns horários para grupos específicos (postura, osteoartrose, AVE). Os pacientes com doenças crônicas, em caso de indisponibilidade de vagas de atendimento, eram direcionados para lista de espera sem o acolhimento pelo serviço. Foram identificados 240 pacientes em lista de espera no CF, 70 dos quais foram avaliados (29,1%). Os demais foram contatados, mas no momento da triagem não compareceram ao atendimento, sem apresentar justificativa ou justificando com melhora no quadro. Os pacientes avaliados tinham média de idade de 54,96±17,04 anos, com idade máxima de 85 anos e mínima de 11 anos, sendo a maioria (66%) do gênero feminino, e um grande percentual com idade igual ou superior a 60 anos (43%). Com relação à profissão, 44% trabalhavam no lar, 19% eram aposentados e 19% tinham profissões diversas (encanador, recepcionista, cabeleireiro, mecânico, pedreiro, enfermeiro, operador de máquina, serralheiro). Os diagnósticos clínicos dos pacientes em lista de espera ( Figura 1 ) foram em sua maioria de Osteoartroses (36%), Lombalgias/Lombociatalgias (21%) e Tendinites (15%).

Figura 1
Diagnósticos clínicos dos pacientes (N=70) em lista de espera no Centro de Fisioterapia Municipal

Um grande número de encaminhamentos foi realizado pelos centros de especialidades médicas do município, em especial pela Ortopedia (88%), sem o cuidado com a hierarquização do cuidado fisioterapêutico ( Figura 2 ).

Figura 2
Origem dos encaminhamentos de pacientes (N=70) para o Centro de Fisioterapia Municipal

A equipe de fisioterapia externa identificou que 50 pacientes (72%) não necessitavam da complexidade de um atendimento fisioterapêutico secundário naquele momento ( Figura 3 ). Dos pacientes avaliados, 28% se mantiveram na lista de espera para atendimento no CF individual ou em grupo. Todos os pacientes receberam orientações, dos quais 56% receberam orientações (domiciliares ou ocupacionais) e foram encaminhados para acompanhamento pela fisioterapia na atenção primária, e 16% (n=11) receberam orientações e foram encaminhados para atendimento terapêutico em grupo na atenção primária do município ( Figura 3 ).

Figura 3
Encaminhamentos realizados após a triagem dos pacientes (N=70) em lista de espera no Centro Fisioterapia Municipal

A triagem para os atendimentos e as reuniões com a equipe de fisioterapia permitiram um diagnóstico do problema, bem como a formulação das ações propostas à equipe ( Quadro 1 ).

Quadro 1
Identificação de problemas do serviço e propostas de soluções para a equipe do Centro de Fisioterapia

Os problemas identificados referiam-se ao acolhimento ao paciente, diagnóstico e fluxo de encaminhamentos tanto pelo fisioterapeuta da APS quanto por outros profissionais ( Quadro 1 ).

DISCUSSÃO

A caracterização dos serviços municipais mostrou baixa cobertura da APS no município; contudo, havia um número expressivo de fisioterapeutas (n=5) nas equipes dos NASFs I. A Portaria Ministerial que redefine os parâmetros do NASF I vincula no mínimo 5 e no máximo 9 ESF e/ou equipes de Atenção Primária 1414. Brasil. Ministério da Saúde. Portaria nº 3124, de 28 de dezembro 2012. Redefine os parâmetros de vinculação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (NASF) Modalidades 1 e 2 às Equipes Saúde da Família e/ou equipes de atenção básica para populações específicas, cria a modalidade NASF 3, e dá outras providências. Brasília: Ministério da Saúde; 2012. . Ao que pudemos observar, o fisioterapeuta tem grande prioridade na composição do NASF pela gestão municipal, o que é aceitável segundo as diretrizes de implantação pelo Ministério da Saúde 44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Núcleo de Apoio a Saúde da Família / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. - Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 116 p. (Caderno de Atenção Básica, n. 39).).

O perfil de pacientes avaliados foi de adultos e idosos, em sua maioria mulheres. O predomínio do atendimento às mulheres pelos serviços de fisioterapia tem sido comum 1515. Santos FAS, Lima Neto JS, Ramos JCL; Soares FO. Perfil epidemiológico dos atendidos pela fisioterapia no Programa Saúde e Reabilitação na Família em Camaragibe. Fisioter Pesqu. 2007; 14(3):50-4. , o que pode apresentar como fatores determinantes as políticas de saúde atuais mais direcionadas às mulheres e a maior exposição a fatores de risco de doenças devido aos diversos papéis sociais que exercem, além da maior longevidade observada no sexo feminino e do uso mais frequente do serviço de saúde em comparação aos homens 1616. Brasil. Ministério Da Saúde. Política Nacional de Atenção Integral á Saúde do Homem. 2009. Disponível em: Disponível em: http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIAS/Port2008/PT-09-CONS.pdf . Data de acesso: 15/04/2015.
http://dtr2001.saude.gov.br/sas/PORTARIA...
),(1717. Pinheiro RS, Viacava F, Travassos C, Brito AS. Gênero, morbidade, acesso e utilização de serviços de saúde no Brasil. Ciênc Saúde Coletiva 2002; 7(4):687-707. . A maior prevalência de osteoartrose corrobora evidências de que os distúrbios musculoesqueléticos são uma condição crônica mais comum, que pode apresentar períodos de agudização e que causa frequente incapacidade e aumento de custos com a saúde 66. Mendes EV. O cuidado das condições crônicas na atenção primária a saúde: o imperativo da consolidação da Estratégia de Saúde da família. Brasília: Organização Pan-americana de Saúde (OPAS); 2012; 512p.),(1818. Brasil. Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. - Brasília: Ministério da Saúde. Diretrizes para o cuidado das pessoas com doenças crônicas nas redes de atenção à saúde e nas linhas de cuidado prioritárias. 2013. 28 p.)-(2020. Mata MS, Costa FA, Souza TO, Mata ANS, Pontes JF. Dor e funcionalidade na atenção básica a saúde. Ciênc Saúde Coletiva, 2011;16(1):221-30. . O fluxo de atendimento no CF em nível secundário é influenciado pelos encaminhamentos de profissionais de outras áreas, principalmente ortopedistas, e por pacientes idosos e com doenças crônico-degenerativas como a osteoartrose. A falta de comunicação ou integração entre a fisioterapia da atenção básica (NASF) e os profissionais do CF, mesmo entre pacientes com cobertura de ESF, também foi responsável pelo grande número de encaminhamentos. Os motivos desses encaminhamentos devem estar relacionados à grande demanda, à baixa compreensão do papel do fisioterapeuta nesse nível de atenção, o que causa baixa resolutividade, e à falta de diálogo entre as equipes, o que incluía o médico especialista. De acordo com os sistemas de encaminhamento propostos pelo SUS, sempre que necessário os serviços de referência participam em conjunto com as equipes de apoio matricial e depois encaminham a outro ponto de atenção. A modificação desse sistema evitaria os percursos de encaminhamentos intermináveis. Além disso, os sistemas de referência e contrarreferência preveem uma atuação coordenada e o cuidado compartilhado entre o profissional generalista e o especialista, de maneira a integrar o cuidado entre os diversos níveis do sistema de saúde, organizando com isso a demanda e tornando o acesso mais rápido 2121. Erdmann AL, Andrade SR, Mello ALSF, Drago LC. A atenção secundária em saúde: melhores práticas na rede de serviços. Rev. Latino-Am. Enfermagem.2013;21:131-9. .

As condutas adotadas após o diagnóstico fisioterapêutico foram definidas ao término do trabalho, mas desde o início foi criado um protocolo de ações, o que ajudou nas escolhas terapêuticas após a triagem mesmo quando os pacientes necessitavam somente de orientações. Neste estudo, o modelo de encaminhamento utilizado para a referência ao ponto de atenção fisioterapêutica especializada não identificava com clareza o diagnóstico clínico, bem como a necessidade de atendimento adequada ao caso. A melhoria na resolutividade e no fluxo de atendimento pode ser obtida com a identificação correta do perfil do paciente na "porta de entrada" do atendimento 2222. Trindade KMC, Schmitt ACB, Casarotto RA. Queixas musculoesqueléticas em uma Unidade Básica de Saúde: implicações para o planejamento das ações em saúde e fisioterapia. Fisioter Pesqu. 2013;20(3):228-34 , diminuindo assim a demanda de pacientes para a atenção secundária, o que se pode chamar de microrregulação 44. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Núcleo de Apoio a Saúde da Família / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. - Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 116 p. (Caderno de Atenção Básica, n. 39). .

No processo de encaminhamento desses pacientes à APS para atividades de prevenção e manutenção do estado funcional dos pacientes avaliados, observou-se uma falta de comunicação e gerenciamento entre os fisioterapeutas dos diferentes serviços oferecidos pelo município. Identificado esse problema, foi proposta à Secretaria de Saúde a eleição de um coordenador geral de fisioterapia para todos os serviços do município, a fim de organizar o fluxo de atendimentos e unificar o discurso.

Outra sugestão dada à equipe do CF foi a inserção de um profissional fisioterapeuta em regime semanal no centro de especialidades para sensibilização dos profissionais médicos especialistas, bem como a criação de um protocolo para triagem já no centro de especialidades. Há pouca comunicação entre as equipes de fisioterapia do município e falta informação aos médicos e demais profissionais sobre a necessidade de hierarquização da atenção fisioterapêutica. A falta de organização da rede de serviços repercutiu em uma longa lista de espera para atendimento fisioterapêutico secundário. Os problemas foram relacionados à baixa resolutividade na APS 55. Campos GWS, Domitti AN. Apoio matricial e equipe de referência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em saúde. Cad Saude Publica. 2007;23(2):399-407. , à ausência de uma coordenação para as equipes de fisioterapia e sua interlocução com os demais profissionais, e aos critérios utilizados para triagem e atendimento em nível secundário de atenção 2121. Erdmann AL, Andrade SR, Mello ALSF, Drago LC. A atenção secundária em saúde: melhores práticas na rede de serviços. Rev. Latino-Am. Enfermagem.2013;21:131-9. .

Como limitações do estudo, devemos mencionar a resistência dos pacientes em receber orientações como intervenção de fisioterapia. Apesar de não ter afetado diretamente as análises e proposições, esse é um aspecto que pode afetar o adequado encaminhamento. Assim, a mudança do paradigma é fundamental, pois compromete o paciente com o autocuidado e divide a responsabilidade da saúde com o terapeuta, criando assim uma nova cultura para ambos, profissionais e usuários. Contudo, entendemos que para que isso ocorra a crença do profissional sobre o efeito de sua conduta terapêutica na APS, reflexo de uma formação profissional adequada, é primordial para a mudança desse quadro.

CONCLUSÃO

A alta demanda de atendimento da fisioterapia na média complexidade pode ser explicada pela baixa resolutividade da equipe de fisioterapia na APS. Os encaminhamentos médicos diretamente ao CF, o acolhimento inadequado, a não realização de triagem e prioridade de atendimento, são o que tem gerado reclamações dos usuários, problemas com a equipe e pacientes em lista espera.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    Fev 2014
  • Aceito
    Set 2015
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