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Existe alteração na função dos músculos do assoalho pélvico e abdominais de primigestas no segundo e terceiro trimestre gestacional?

¿Hay alteraciones en la función de los músculos de la pelvis y del abdomen en el segundo y tercer trimestre de embarazo en primíparas?

RESUMO

O objetivo deste estudo é comparar a função dos músculos do assoalho pélvico no segundo e terceiro trimestre gestacional de primigestas. Foi desenvolvido em duas unidades de Saúde da Família do município de Aracaju (SE). As gestantes foram submetidas a três avaliações da função dos músculos do assoalho pélvico por meio da eletromiografia de superfície: até 16 semanas gestacionais, entre a 24ª-28ª e 34ª-36ª semanas gestacionais. Foram registrados valores de repouso, contrações voluntárias máximas e contrações sustentadas. Os dados foram tabulados no Microsoft Excel e analisados estatisticamente no programa Statistica. Adotou-se um nível de significância de 5% (p≤0,05). Participaram do estudo 19 primigestas, com média de idade de 21,74±3,65 anos. Houve aumento da massa corporal no 3º trimestre gestacional em relação ao período pré-gestacional e diminuição da média do sinal dos músculos do assoalho pélvico durante o repouso ao longo das três avaliações. A musculatura abdominal diminuiu a média do sinal no repouso e durante a contração sustentada nas avaliações 2 e 3 comparadas à avaliação 1. Pode-se concluir que outros fatores, além dos relacionados ao aumento da massa corporal materna, podem estar associados à sobrecarga nos MAP durante a gestação logo no primeiro trimestre. Essa sobrecarga pode fazer que as gestantes apresentem um tônus muscular próximo ao limite superior de referência, alterando o padrão de atividade eletromiográfica principalmente no repouso, a fim de manter a função de sustentação dos órgãos pélvicos e de continência.

Descritores:
Gravidez; Diafragma da Pelve; Eletromiografia/métodos

RESUMEN

Este estudio compara la función de los músculos del suelo pélvico en el segundo y tercer trimestre de embarazo en primíparas. Se ha llevado a cabo en dos unidades de salud de la familia en la municipalidad de Aracaju (SE, Brasil). Las embarazadas fueron sometidas a tres evaluaciones de la función del músculo del suelo pélvico, a través de la electromiografía de superficie: hasta 16 semanas de embarazo, entre la 24ª-28ª y la 34ª-36ª semana. Se observaron valores de reposo, contracciones voluntarias máximas y contracciones sostenidas. Se analizaron los datos estadísticamente en el programa Statistica de Excel, empleando un nivel de significancia de 5% (p≤0,05). Participaron 19 primíparas, con promedio de edad de 21,74±3,65 años. Los resultados mostraron un aumento de la masa corpórea en el tercer trimestre de embarazo comparado al período antes del embarazo, disminución de la media del signo de los músculos del suelo pélvico durante el reposo al largo de las tres evaluaciones, y en cuanto al músculo abdominal disminuyó la media del signo en reposo y durante la contracción sostenida en las evaluaciones 2 y 3 al compararla con la 1. Se concluye que otros factores, además de los relacionados con el aumento de la masa corpórea materna, pueden asociarse con la sobrecarga en los MAP durante el embarazo, tan pronto en el primer trimestre. Esta sobrecarga le implica a la embarazada un tono muscular cerca al límite de referencia, lo que le altera el estándar de actividad electromiográfica, en especial en el reposo, para mantener sostenible los órganos pélvicos y de continencia.

Palabras clave:
Embarazo; Diafragma Pélvico; Electromiografía/métodos

ABSTRACT

The purpose was to compare the function of the pelvic floor muscles in the second and third trimester of pregnancy of primigravidae. The study was carried out in two Family Health Units of the municipality of Aracaju, state of Sergipe, Brazil. Pregnant women have undergone three evaluations of the function of the pelvic floor muscles, through surface electromyography: until 16 weeks of pregnancy, between the 24th-28th and 34th-36th week of pregnancy. We recorded resting values, maximum voluntary contractions and sustained contractions. Data was tabulated in Excel and analyzed statistically in the Statistica program. A 5% significance level (p ≤ 0.05) was adopted. Nineteen primigravidae participated in this study, with an average age of 21.74 ± 3.65 years. There was an increase in body mass in the third trimester of pregnancy compared with the pre-pregnancy period, decrease in the average of the pelvic floor muscle signal during rest, along the three assessments and, in relation to the abdominal muscles, there was a decrease in the average signal at rest and during the sustained contraction in assessments 2 and 3 when compared with assessment 1. We concluded that other factors, besides those related to increased maternal body mass, may be associated with overload on PFMs during pregnancy in the first trimester. This overload can cause pregnant women to have muscle tone near the upper reference limit, thus changing the pattern of electromyographic activity, especially at rest, to maintain its support function of the continence and pelvic organs.

Keywords:
Pregnancy; Pelvic Floor; Electromyography/methods

INTRODUÇÃO

Durante a gestação, os incrementos da massa corporal materna e do útero gravídico aumentam a pressão sobre os músculos do assoalho pélvico (MAP). Além disso, as mudanças hormonais, ocorridas principalmente a partir do segundo trimestre gestacional, podem ocasionar modificações nos tecidos conectivos, influenciando no mecanismo de suporte e continência11. Hebert J. Pregnancy and childbirth: the effects on pelvic floor muscles. Nurs Times. 2009;105(7):38-41..

Como consequência dessas modificações pode ocorrer uma diminuição da sustentação do colo vesical e da uretra proximal, predispondo a disfunções do assoalho pélvico (AP)22. Oliveira E, Takano CC, Sartori JP, Araujo MP, Pimentel SHC, Sartori MGF, et al. Trato urinário, assoalho pélvico e ciclo gravídico-puerperal. Femina. 2007;35(2):89-94.), (33. Brown SJ, Donath S, MacArthur C, McDonald EA, Krastev AH. Urinary incontinence in nulliparous women before and during pregnancy: prevalence, incidence and associated risk factors. Int Urogynecol J. 2010;21:193-202., que podem se tornar mais prevalentes à medida que a gestação evolui e estarem associadas à pressão exercida pela cabeça fetal sobre a bexiga44. Scarpa KP, Herrmann V, Palma PCR, Riccetto CLZ, Morais S. Prevalência de sintomas urinários no terceiro trimestre da gestação. Rev Assoc Med Bras. 2006;52(3):153-6.), (55. Solans-Domènech M, Sánches E, Espuña-Pons M. Urinary and anal incontinence during pregnancy and postpartum. Obstet Gynecol. 2010;115(3):618-28..

O'Boyle et al.66. O'Boyle AL, O'Boyle JD, Ricks RE, Patience TH, Calhoun B, Davis G. The natural history of pelvic organ support during pregnancy. Int Urogynecol J. 2003;14:46-9. observaram um aumento significativo da mobilidade uretral em primigestas, sugerindo que ocorrem alterações fisiológicas no assoalho pélvico (AP) durante a gestação. Entretanto, pouco se sabe sobre as alterações que ocorrem no padrão de atividade eletromiográfica dos MAP durante a gestação, e não há na literatura estudos que comparem o padrão de atividade eletromiográfica entre os diferentes trimestres gestacionais de primigestas. Essa informação é de extrema importância para a prática clínica do fisioterapeuta, possibilitando a adoção de condutas estratégicas para prevenção das alterações durante o pré-natal, como a prática de exercícios para o fortalecimento dos MAP e orientações a respeito dos sinais e sintomas das possíveis disfunções do AP.

Sendo assim, o objetivo deste estudo foi comparar a função dos MAP no segundo e terceiro trimestres gestacionais de primigestas.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo observacional transversal realizado no período de julho/2012 a outubro/2013. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa em Seres Humanos da Universidade Federal de Sergipe atendendo à Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, segundo o parecer 76308-2012 (CAAE: 06190112.9.0000.5546).

O cálculo amostral foi realizado no programa G*Power 3.1.3. Utilizou-se como parâmetro os valores encontrados no estudo de Batista et al.77. Batista RL, Franco MM, Naldoni LM, Duarte G, Oliveira AS, Ferreira CH. Biofeedback and the electromyographic activity of pelvic floor muscles in pregnant women. Rev Bras Fisioter. 2011;15(5):386-92.) e Botelho et al.88. Botelho S, Riccetto C, Herrmann V, Pereira LC, Amorim C, Palma P. Impact of delivery mode on electromyographic activity of pelvic floor: comparative prospective study. Neurourol Urodyn. 2010;29(7):1258-61. para a atividade eletromiográfica dos MAP em gestantes. Para um poder do teste de 0,90 e erro alfa de 5%, sugeriu-se uma amostra de 12 gestantes. Dessa forma, considerando uma possível perda amostral de 40%, foram selecionadas 20 mulheres primigestas que estivessem no 2º trimestre gestacional.

O estudo foi desenvolvido em duas unidades de saúde da família do município de Aracaju (SE). Para isso, estabeleceu-se contato com a Secretaria Municipal de Saúde e foram selecionadas as unidades de saúde da família que realizavam atendimentos a gestantes. Durante a consulta de pré-natal, a gestante era convidada a participar do estudo pela pesquisadora responsável. Tendo ciência do estudo e concordando voluntariamente em participar, agendava-se a primeira avaliação.

Foram incluídas no estudo primigestas com idade entre 18 e 40 anos, índice de massa corporal (IMC) pré-gestacional considerado normal, com base na definição da Organização Mundial de Saúde (OMS)99. WHO. Physical status:the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Technical Report Series: 854. Geneva: World Health Organization; 1995., idade gestacional de até 16 semanas, gestação de risco habitual e feto único e que estivesse em acompanhamento pré-natal. Os critérios de exclusão do estudo foram: risco de aborto, sangramento uterino, inflamação e/ou infecção urinária, déficit cognitivo que impedisse o entendimento do estudo, uso de drogas ilícitas, tabagismo e etilismo.

As gestantes foram submetidas a avaliações da função dos MAP por meio da EMG em três períodos: até 16 semanas gestacionais, entre as 24ª-28ª e 34ª-36ª semanas gestacionais, de acordo com a data da última menstruação1010. Alexander GR, Tompkins ME, Cornely DA. Gestational age reporting and preterm delivery. Public Health Rep. 1990;105(3):267-75. e/ou do 1º ultrassom realizado durante a gestação1111. Rossavick LK, Fishburne JI. Conceptional age, menstrual age, and ultrasound age: A second trimester comparison of pregnancies of known conceptional date with pregnancies dated from the last menstrual period. Obstet Gynecol. 1989;73(2):243-9.. O IMC foi avaliado, nos três momentos, com base na Tabela de Atalah1212. Atalah SE, Castillo LC, Castro SR, Aldea PA. Propuesta de un nuevo estándar de evaluación nutricional en embarazadas. Rev Med Chile. 1997;125(12):1429-36..

Para a avaliação da função dos MAP utilizou-se o sistema de eletromiografia de superfície MyoTrac Infinit(tm) com as seguintes especificações: conversão do sinal original para o valor root mean square (RMS), filtro passa banda de 20 a 500 Hz, taxa do modo comum de rejeição (CMRR) > 130dB e impedância do eletrodo ativo de 1012 GΩ. Os dados foram normalizados pelo valor do pico máximo dentre as três contrações voluntárias máximas realizadas1313. Soderberg GL, Knutson LM. A guide for use and interpretation of kinesiologic electromyographic data. Phys Ther. 2000;80(5):485-98.), (1414. Marchetti PH, Duarte M. Laboratório de Biofísica. Instrumentação em Eletromiografia. Escola de Educação Física e Esporte. Universidade de São Paulo. São Paulo, 2006, 28p.. Esse aparelho registra a somatória dos potenciais elétricos gerados pela despolarização das fibras musculares em repouso e durante a contração voluntária, sendo que a sua amplitude é registrada em microvolts (µV). É o método mais preciso para mensurar a integridade para a eletromiografia neuromuscular, podendo ser considerada uma medida indireta da força muscular e do nível de pressão dos MAP ao realizarem sua contração1515. Olsen AL, Rao SS. Clinical neurophysiology and electrodiagnostic testing of the pelvic floor. Gastroenterol Clin North Am. 2001;30(1):33-54.), (1616. Shafik A, Doss S, Assad S. Etiology of the resting myoelectric activity of the levator ani muscle: physioanatomic study with a new theory. Wold J Surg. 2003;27(3):309-14..

As gestantes foram posicionadas em decúbito dorsal com flexão de quadril e joelho, e pés apoiados na maca. Em seguida, o examinador introduziu um sensor vaginal (modelo AS 9572 da marca Thought Technology Ltd.(r), com superfície de captação de aço inoxidável com 27 mm de diâmetro e 69 mm de comprimento), lubrificado com uma colher de gel hidrossolúvel no introito vaginal. Dois eletrodos de referência foram colocados na crista ilíaca ântero-superior direita e no maléolo lateral direito. Foram colocados também eletrodos autoadesivos de contato na região do reto abdominal para medidas simultâneas da atividade da MAP e musculatura abdominal.

Inicialmente, a voluntária foi orientada a permanecer em repouso durante 15 segundos para o registro da atividade basal. Após isso, foram registradas três contrações voluntárias máximas (CVM), mantidas por dois segundos, com intervalo de um minuto entre cada uma e três contrações sustentadas, mantidas por seis segundos, com intervalo de um minuto entre cada uma1717. Ervilha UF, Duarte M, Amadio AC. Estudos sobre procedimentos de normalização do sinal eletromiográfico durante o movimento humano. Rev Bras Fisiot. 1998;3(1):15-20..

A cada contração solicitada observou-se o abdômen e os MAP da voluntária, a fim de identificar a realização de manobra de Valsalva e/ou contração simultânea dos músculos adutores do quadril e glúteos no lugar da contração isolada dos MAP. Quando ocorria a contração de músculos acessórios, a contração dos MAP não era computada.

Os dados foram tabulados no Microsoft Excel e analisados estatisticamente no programa Statistica e por meio de técnicas descritivas (tabelas). Os dados foram analisados por meio de testes não paramétricos, após a verificação de que algumas variáveis não seguiam uma distribuição normal, por meio do teste de Shapiro-Wilk. A comparação entre as três avaliações foi realizada pelo teste de Friedman, e nos casos significantes, utilizou-se o teste de Wilcoxon, com ajuste de Bonferroni para discriminar a diferença. Adotou-se um nível de significância de 5% (p≤0,05). Os dados estão expressos em mediana ± desvio interquartil.

RESULTADOS

Participaram deste estudo 19 primigestas com idade mediana de 20 anos (18 a 30 anos). A Tabela 1 apresenta as características antropométricas e a média da idade gestacional em cada avaliação. Houve aumento significativo da massa corporal e do IMC no 3º trimestre gestacional em relação ao período pré-gestacional. Nas três avaliações, 31,6% das gestantes (n=6) apresentaram valores de IMC acima do limite considerado adequado para a idade gestacional.

Tabela 1
Características antropométricas das primigestas

Na Tabela 2 observa-se diminuição significativa da média do sinal dos MAP durante o repouso ao longo das três avaliações. Encontrou-se diminuição significativa da média do sinal no repouso e durante a contração da musculatura abdominal sustentada nas avaliações 2 e 3 quando comparadas à avaliação 1.

Tabela 2
Avaliação funcional dos MAP e da musculatura abdominal de primigestas

DISCUSSÃO

A análise dos dados eletromiográficos indica, ao final da gestação, uma redução significativa do sinal dos MAP durante o repouso. Além disso, ocorreu uma diminuição significativa da atividade elétrica da musculatura abdominal no repouso e durante a contração sustentada no último trimestre gestacional.

Diferente de outros músculos estriados esqueléticos, os MAP se caracterizam por manter sua atividade eletromiográfica constante, exceto durante a micção, defecação e manobra de Valsalva1818. Grape HH, Dedering A, Jonasson AF. Retest reliability of surface electromyography on the pelvic floor muscles. Neurourol Urodyn. 2009;28(5):395-9.. Dessa forma, mesmo durante o repouso, os MAP mantêm uma atividade elétrica constante e com baixa frequência. As unidades motoras que disparam potenciais de baixa frequência constituem a atividade tônica dos MAP. Quando ocorre uma ativação muscular mais forte ou um aumento na pressão intra-abdominal, novas unidades motoras com grandes amplitudes do sinal elétrico são recrutadas, caracterizando a atividade fásica1919. Vodusek DB, Janko M, Lokar J. EMG, single fibre EMG and sacral reflexes in assessment of sacral nervous system lesions. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1982;45(11):1064-6.. Isso sugere que o sinal elétrico dos MAP, encontrado no repouso para nosso estudo, é decorrente de atividade elétrica das unidades motoras tônicas.

Entretanto, altos valores de atividade elétrica durante o repouso estão associados a um tônus muscular aumentado por tensão excessiva, podendo ocasionar fadiga ou dor muscular1919. Vodusek DB, Janko M, Lokar J. EMG, single fibre EMG and sacral reflexes in assessment of sacral nervous system lesions. J Neurol Neurosurg Psychiatry. 1982;45(11):1064-6.. No nosso estudo, os valores médios do tônus basal, principalmente nas avaliações 1 e 2, encontram-se acima de 5 µV, considerado o limite superior adequado para a atividade elétrica do músculo durante o repouso1818. Grape HH, Dedering A, Jonasson AF. Retest reliability of surface electromyography on the pelvic floor muscles. Neurourol Urodyn. 2009;28(5):395-9.. Segundo Wehbe et al.2020. Wehbe SA, Whitmore K, Kellogg-Spadt S. Urogenital complaints and female sexual dysfunction (part 1). J SEX MED. 2010;7(5):1704-13., o músculo com tônus elevado, apesar de estar aparentemente no máximo de sua capacidade contrátil, pode não ter força suficiente para resistir a uma carga mínima, como a gravidade. Assim, esse dado indica a presença de um provável tônus muscular elevado, que pode ocorrer devido à sobrecarga e estar associado à redução da atividade elétrica durante a contração, sintomas do trato urinário inferior ou ainda sintomas urogenitais, como dor pélvica e dispareunia.

Durante a gestação, os MAP sofrem sobrecarga progressiva pelo aumento da massa corporal materna e do útero gravídico11. Hebert J. Pregnancy and childbirth: the effects on pelvic floor muscles. Nurs Times. 2009;105(7):38-41.), (22. Oliveira E, Takano CC, Sartori JP, Araujo MP, Pimentel SHC, Sartori MGF, et al. Trato urinário, assoalho pélvico e ciclo gravídico-puerperal. Femina. 2007;35(2):89-94.. Dessa forma, apesar da musculatura se constituir basicamente por fibras de contração tônica2121. Lien KC, Mooney B, DeLancey JOL, Ashton-Miller JA. Levator ani muscle stretch induced by simulated vaginal birth. Obstet Gynecol. 2004;103(1):31-40., resistentes à fadiga, parece que as fibras musculares precisam ter o tônus aumentado para manter a função de suporte e continência e compensar essa sobrecarga progressiva nos MAP.

Os resultados obtidos neste estudo apontam para um aumento significativo da massa corporal materna e IMC ao longo da gestação. Apesar de todas as gestantes apresentarem um IMC pré-gestacional considerado normal99. WHO. Physical status:the use and interpretation of anthropometry. Report of a WHO Expert Committee. Technical Report Series: 854. Geneva: World Health Organization; 1995., pode-se notar que durante a gestação, 15,8% apresentaram sobrepeso e 15,8% estavam obesas. Esse dado torna-se importante, visto que a obesidade aumenta a pressão sobre o AP2424. Stothers L, Friedman B. Risk factors for the development of stress urinary incontinence in women. Curr Urol Rep. 2011;12(5):363-9., ocasionando tensão crônica e enfraquecimento de músculos e nervos e podendo desencadear disfunções2222. Kudish BI, Iglesia CB, Sokol RJ, Cochrane B, Richter HE, Larson J et al. Effect of weight change on natural history of pelvic organ prolapse. Obstet Gynecol. 2009;113(1):81-8.), (2323. Greer WJ, Richter HE, Bartolucci AA, Burgio KL. Obesity and pelvic floor disorders: a systematic review. Obstet Gynecol. 2008;112(2 Pt 1):341-9., como a incontinência urinária.

Entretanto, mesmo mantendo valores acima de 5 µV - considerado o limite superior do tônus durante o repouso - no terceiro trimestre as mulheres apresentaram um tônus basal menor do que nos dois primeiros trimestres. Esse dado pode sugerir que o aumento progressivo da massa corporal materna e do útero gravídico não são os únicos responsáveis pelo aumento do tônus muscular durante a gestação, de forma que outros fatores podem estar associados ao tônus elevado, principalmente nos primeiros trimestres gestacionais.

Wijma et al.2525. Wijma J, Potters AE, de Wolf BT, Tinga DJ, Aarnoudse JG. Anatomical and functional changes in the lower tract during pregnancy. BJOG. 2003; 110(7):658-63. investigaram as modificações na função da MAP ao longo da gestação e encontraram um aumento significativo na mobilidade da junção uretrovesical em repouso e durante a tosse, logo no início da gestação, reforçando que outros fatores, além do aumento da pressão provocada pelo útero, podem desencadear as disfunções no AP. Os autores sugerem que a ação hormonal no tecido conjuntivo do AP parece contribuir para as disfunções dos MAP ao longo da gestação.

O hormônio relaxina, secretado em maior quantidade no segundo trimestre gestacional, provoca o remodelamento dos tecidos conectivos, reduzindo suas forças de tensão, além das forças de outras estruturas, como o corpo e colo uterinos, as articulações pélvicas e os tecidos perineais, aumentando ainda mais a pressão sobre o AP2626. Resende AP, Petricelli CD, Bernardes BT, Alexandre SM, Nakamura MU, Zanetti MR. Electromyographic evaluation of pelvic floor muscles in pregnant and nonpregnant women. Int Urogynecol J. 2012;23(8):1041-5.. Isso pode justificar os maiores valores de atividade elétrica dos MAP no repouso encontrados nas duas primeiras avaliações, realizadas no início do segundo e início do terceiro trimestres gestacionais. Tincello et al.2727. Tincello DG, Teare J, Fraser WD. Second trimester concentration of relaxin and pregnancy related incontinence. Eur J Obstet Gynecol Reprod Biol. 2003;106(2):237-8., porém, não identificaram associação entre a concentração do hormônio relaxina no segundo trimestre gestacional e a presença de disfunções do AP.

Outro resultado importante a ser destacado é a redução significativa nos valores da média do sinal da musculatura abdominal, no repouso e durante a contração sustentada. O aumento da circunferência abdominal na gestação ocasiona uma alteração no ângulo de inserção do músculo reto abdominal - e de todo o grupo muscular abdominal - provocando uma redução na habilidade de estabilizar a pelve e de sustentar o AP2828. Wester C, Brubaker L. Normal pelvic floor physiology. Obstet Gynecol Clin North Am. 1998;25(4):707-22.), (2929. Gilleard WL, Brown JMM. Structure and function of the abdominal muscles in primigravid subjects during pregnancy and the immediate posbirth period. Phys Ther. 1996;76(7):750-62..

Sapsford et al.3030. Sapsford RR, Hodges PW, Richardson CA, Cooper DH, Markwell SJ, Jull GA. Co-activation of the abdominal and pelvic floor muscles during voluntary exercises. Neurourol Urodyn. 2001;20(1):31-42. notaram que, quando a parede abdominal encontra-se relaxada ou com frouxidão, há uma diminuição na atividade eletromiográfica dos MAP, destacando que existe uma sinergia entre os MAP e os músculos abdominais. Dessa forma, considerando a coativação muscular dos MAP com a musculatura abdominal, esperava-se encontrar uma diminuição da atividade eletromiográfica dos MAP durante a contração sustentada, principalmente no terceiro trimestre. Entretanto, nossos resultados não mostraram diferença significativa da atividade elétrica dos MAP durante a CVM e a contração sustentada.

Assim, apesar da ação sinérgica entre os MAP e a musculatura abdominal estarem bem definidas na literatura, outros fatores podem influenciar no padrão de atividade eletromiográfica dos MAP durante a contração. Hodges et al.3131. Hodges PW, Sapsford R, Pengel LHM. Postural and respiratory function of the pelvic floor muscles. Neurourol Urodyn. 2007;26(3):362-71. mostraram um aumento da resposta dos MAP durante a contração do músculo deltoide como parte do ajuste postural antecipatório. No presente estudo, observou-se cada contração de músculos acessórios solicitada, como os músculos adutores do quadril e glúteos, no lugar da contração isolada dos MAP. Nos casos em que a contração simultânea desses músculos ocorria, a contração dos MAP não era computada.

Algumas limitações metodológicas devem ser consideradas para os resultados deste estudo. Por se tratar de um estudo observacional transversal com avaliações apenas durante a gestação, a exata compreensão de fatores que podem ocasionar alterações no padrão de atividade elétrica dos MAP pode estar, em parte, comprometida. Estudos que avaliem os MAP de mulheres antes de engravidarem e também no período pós-parto podem contribuir para elucidação desses fatores.

CONCLUSÃO

O tônus basal do MAP e da musculatura abdominal se apresentou menor no terceiro trimestre, sugerindo que outros fatores além dos analisados nesse estudo, relacionados ao aumento da massa corporal materna, podem estar associados à sobrecarga nos MAP durante a gestação no primeiro trimestre. Essa sobrecarga pode fazer que as gestantes apresentem um tônus muscular alto, em relação ao limite superior apresentado na literatura, alterando o padrão de atividade eletromiográfica, principalmente no repouso, a fim de manter sua função de sustentação dos órgãos pélvicos e de continência. Para prevenir essa alteração, torna-se essencial que o fisioterapeuta avalie a função do MAP, principalmente durante o repouso e a contração sustentada, além de orientar sobre a importância da realização de exercícios que fortaleçam sua função neuromuscular, prevenindo a fadiga e suprindo o déficit muscular de maneira mais efetiva.

Cabe destacar que embora exista uma preocupação com políticas de ações voltadas à saúde da mulher, como a Rede Cegonha, esses programas não contemplam orientações específicas durante o pré-natal e puerpério quanto aos cuidados com o AP3232. Brasil. Portaria nº 1459, de 24 de junho de 2011. Institui no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS) a Rede Cegonha. [acesso em 7 jul 2014]. Disponível em: http://www.ibfan.org.br/legislacao/pdf/doc-693.pdf.
http://www.ibfan.org.br/legislacao/pdf/d...
. Para isso, é necessário que as equipes de profissionais de saúde envolvidos com a atenção pré-natal, incluindo o fisioterapeuta, possam se capacitar quanto a esses cuidados, a fim de viabilizar ações efetivas para a prevenção de queixas urinárias e possíveis disfunções do AP durante a gestação e no período pós-parto.

AGRADECIMENTOS

Agradecemos à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo pelo apoio financeiro concedido para a realização desta pesquisa (FAPESP nº 2011/20904-2).

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  • Estudo desenvolvido na Secretaria Municipal de Aracaju - Aracaju (SE), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Fundação de Apoio à Pesquisa do Estado de São Paulo nº 2011/20904-2
  • Parecer de aprovação do Comitê de Ética Institucional Protocolo nº 76308-2012.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Apr-Jun 2016

Histórico

  • Recebido
    Out 2014
  • Aceito
    Maio 2016
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