INTRODUÇÃO
As doenças crônicas não transmissíveis (DCTN) são consideradas um problema de saúde pública e a primeira causa de óbitos no mundo, muitos desses prematuros1)-(3. Das 38 milhões de pessoas que morrem devido às DCNT no mundo, 28 milhões são de países desfavorecidos economicamente1),(20,(4. No Brasil, essas doenças foram responsáveis por cerca de 74% dos óbitos no ano de 2012, além de seus altos índices de morbidade3. E, dentre as DCNT que mais causam morbidades, destaca-se o diabetes mellitus (DM).
O DM não é apenas uma única doença, mas sim um grupo de distúrbios metabólicos, que têm em comum a hiperglicemia. Esse marcador é resultado de defeitos na secreção e/ou na ação da insulina5. Segundo classificação sugerida pela Associação Americana de Diabetes6),(7) e pela World Health Organization2, existem quatro tipos de DM: tipo 1 (DM1), tipo 2 (DM2), gestacional e outros tipos de DM específicos, sendo o DM2 o mais prevalente, presente em 90 a 95% dos casos5.
O DM2 é caracterizado por defeito tanto na ação quanto na secreção da insulina quando a hiperglicemia se manifesta. Na maioria dos casos, ambos os defeitos estão presentes, mas pode haver predomínio de um ou outro. Geralmente, o DM2 se manifesta após os 40 anos, mas pode ocorrer em qualquer idade, dependendo dos hábitos de vida. Nesse tipo de DM, os pacientes não são dependentes de insulina exógena para sobreviver, porém, em alguns casos, é necessário seu uso para o controle glicêmico adequado5.
Como principal complicação crônica do DM2, a neuropatia diabética periférica (NDP) ocorre a nível microvascular e acomete cerca de 50% dos diabéticos ao longo dos anos, tendo como principal área afetada as extremidades inferiores8. É caracterizada por alterar a estrutura e a função nervosa de forma irreversível, devido à desmielinização, atrofia do axônio e diminuição do potencial regenerador, causando dor simétrica, perda sensório-motora e parestesia8. Na maioria dos casos, afeta a qualidade de vida8 e aumenta os riscos de úlceras nos pés, amputações, morbidades cardiovasculares e mortalidade em geral9.
Estudos longitudinais e transversais sugeriram que o DM2 está associado à diminuição da qualidade, potência e força muscular, com maior gravidade nos membros inferiores do que nos membros superiores10), (11), (12. Esta redução se agrava na presença de NDP e doença arterial coronariana (DAC) por seus efeitos na deficiência de fluxo sanguíneo13. Como consequência desses fatores, existe uma atrofia muscular principalmente no segmento distal dos membros inferiores14),(15. Logo, a qualidade, a potência e a força muscular não são as únicas alterações causadas pelo DM2 com relação à função neuromuscular, pois a fadiga muscular prematura também pode influenciar esses fatores16),(17. Por isso, tais alterações podem ser as principais causas de limitações e elevado nível de incapacidades funcionais e físicas relatadas por essa população18), (19), (20. Desta maneira, o objetivo deste estudo foi comparar o pico de torque e a flexibilidade dos membros inferiores de indivíduos com e sem DM2.
METODOLOGIA
Estudo do tipo expostos e não expostos ao DM2. Fizeram parte da amostra 64 pacientes ambulatoriais com e sem diagnóstico de diabetes mellitus tipo 2. O estudo foi realizado no Laboratório de Biomecânica da Faculdade de Educação Física e Fisioterapia (FEFF) da Universidade de Passo Fundo (UPF), nos ambulatórios de neurologia, endocrinologia e clínica médica do Hospital São Vicente de Paulo (HSVP) e na clínica privada Serviço de Neurologia e Neurocirurgia (SNN), todos situados na cidade de Passo Fundo (RS).
População do estudo
A população do estudo foi composta por indivíduos com diagnóstico de DM2 atendidos nos ambulatórios do HSVP e por indivíduos não expostos ao DM2 recrutados também nos ambulatórios da mesma instituição.
Critérios de inclusão
Foram incluídos indivíduos atendidos nos ambulatórios de neurologia, endocrinologia e clínica médica do HSVP, com diagnóstico médico de DM2, através de eletroneuromiografia, e não expostos ao DM2, recrutados a partir de anúncios no hospital participante.
Critérios de exclusão
Indivíduos com idade superior a 70 anos ou que, por algum motivo, não conseguiram realizar um ou ambos os testes (testes de força muscular periférica de membros inferiores e/ou teste de flexibilidade).
Procedimento amostral e coleta de dados
A amostragem foi não probabilística. Os indivíduos que preencheram os critérios de inclusão consentiram por assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e as avaliações do estudo foram realizadas na FEFF/UPF, em dia e hora previamente agendados. Em seguida, foi iniciada a coleta de dados, com preenchimento da ficha clínica e sociodemográfica. Posteriormente, foram aplicados o teste de flexibilidade e os testes de força muscular dos membros inferiores (flexão e extensão de joelho; plantiflexão e dorsiflexão de tornozelo) no Laboratório de Biomecânica da FEFF. Tais dados foram coletados pela pesquisadora e colaboradores do estudo, inseridos em formulários de papel e sequencialmente numerados de acordo com a ordem de avaliação.
Análise estatística
Os dados coletados foram digitados em planilha do Excel e a análise estatística foi realizada utilizando-se o IBM SPSS Statistics (versão 22) para Windows. As variáveis numéricas foram descritas como média±desvio padrão ou mediana (percentil25 − percentil75) conforme apresentaram distribuição normal ou não normal. As variáveis numéricas foram expressas como frequências absoluta e relativa. As associações entre exposição ao diabetes ou neuropatia diabética periférica e: (1) idade, altura, massa corporal, índice de massa corporal (IMC) e flexibilidade foram avaliadas utilizando-se análise de variância com um critério de classificação; (2) sexo e dominância, utilizando-se o teste qui-quadrado de Pearson com correção de continuidade. As comparações da distribuição das medidas de pico de torque entre os grupos formados por indivíduos expostos e não expostos ao diabetes ou expostos ou não à neuropatia diabética periférica foram realizadas utilizando-se análises de covariância, nas quais cada medida de pico de toque foi definida como desfecho, exposição ao diabetes como variável independente e idade e índice de massa corporal como covariáveis. Foram descritos picos de torque médios estimados ajustados para idade com as respectivas estimativas de erro padrão. Considerou-se como estatisticamente significativos valores de probabilidade <0,05.
Protocolos utilizados
Ficha de avaliação clínica.
Dinamômetro isocinético computadorizado Biodex Multi Joint System 3 Pro: primeiramente, foram verificados massa corporal, estatura, pressão arterial (PA) e frequência cardíaca (FC) de cada indivíduo participante do estudo, antes da avaliação isocinética. Posteriormente, eles foram submetidos a aquecimento na bicicleta eletromagnética Movement BM 2700 sem carga por um período de cinco minutos e, após, cada indivíduo foi encaminhado ao dinamômetro isocinético para avaliações.
Em seguida, foram avaliadas as articulações dos joelhos (bilateral), nos movimentos de flexão e extensão, nas velocidades angulares de 120, 180 e 240º/s. Os indivíduos foram confortavelmente posicionados na cadeira do equipamento apoiando as costas a 85º e ajustando até que a fossa poplítea estivesse apoiada na parte anterior do assento. Era necessário que se estabilizasse o tronco e, para isso, foram utilizados cintos de segurança, sendo que dois cruzaram o tórax anterior e um foi posicionado horizontalmente na região pélvica. Para melhor fixar a coxa, foi utilizada uma cinta com velcro acima do joelho e também dois centímetros acima do maléolo medial, dando estabilidade à perna que executou o movimento. O eixo de rotação do dinamômetro foi alinhado com o eixo da articulação do joelho. Antes de iniciar o teste, o avaliado executou três movimentos livres de extensão e flexão para que cada indivíduo se familiarizasse com o equipamento. Por fim, foi realizada uma série de cinco repetições nos movimentos de flexão e extensão de joelho, através de uma contração concêntrica do grupo muscular agonista seguida de outra do grupo antagonista, com intervalo de 60 segundos entre cada velocidade angular.
Para avaliar o pico de torque dos plantiflexores e dorsiflexores de tornozelo, o indivíduo foi colocado em decúbito dorsal no banco, com o quadril e os joelhos flexionados a 80º e 30º, respectivamente, com os joelhos apoiados na região poplítea. O joelho, o tornozelo a ser testado e a região lombar foram estabilizados com almofada resistente e o pé contralateral permaneceu sobre um apoio. As mãos do indivíduo foram colocadas no apoio de braço. A flexão dorsal/flexão plantar foi testada em velocidades angulares de 30 e 60º/s. Cada movimento foi repetido cinco vezes nas duas velocidades através de uma contração concêntrica do grupo muscular agonista seguida de outra do grupo antagonista, com intervalos de repouso de 60 segundos entre cada velocidade angular.
Os parâmetros da dinamometria isocinética avaliados para os diferentes movimentos de joelho e tornozelo foram o pico de torque (PT), déficit muscular entre membros direito e esquerdo e relação agonista/antagonista, respectivamente.
(3) Banco de Wells - WCS Cardiomed: também conhecido como teste de sentar e alcançar. Nesse teste, o indivíduo foi posicionado sentado sobre um colchonete, com os braços em total contato com a face anterior do banco e os membros inferiores em extensão de joelhos e com o quadril fletido. Posterior ao manejo correto do posicionamento, os indivíduos foram orientados a mover o escalímetro do banco ao máximo que conseguirem, realizando, assim, uma flexão de tronco. O valor obtido para cada tentativa foi expresso em centímetros e imediatamente anotado pelo avaliador. Os participantes realizaram três tentativas e a de maior valor foi considerada para a análise dos dados.
Considerações éticas
A todos os indivíduos que participaram deste estudo foi garantido o caráter voluntário e sem prejuízo à assistência em caso de recusa. Possivelmente, o único desconforto adicional determinado pela participação tenha sido o desconforto muscular das avaliações (biomecânicas e de flexibilidade). Com relação aos benefícios, eles não foram diretos, mas possibilitaram aos participantes uma avaliação fidedigna da questão muscular e da flexibilidade dos membros inferiores. Os resultados e os laudos das avaliações foram entregues aos participantes, que receberam explicações e ainda esclareceram suas dúvidas com a pesquisadora responsável. Logo, tendo os resultados em mãos, os participantes podem procurar tratamento (já que esse não será desenvolvido pela pesquisadora), com o intuito de minimizar os efeitos da diminuição de força dos membros inferiores, conforme orientações passadas.
RESULTADOS
A população em estudo foi composta por 64 indivíduos, 34 (53,1%) expostos ao DM e 30 não expostos. Dentre eles, 50 (78,1%) eram do sexo feminino, a idade média era 60,7±7,1 anos e o membro inferior dominante era o direito em 57 (89,1%) dos indivíduos. Conforme descrito na Tabela 1, os indivíduos expostos ao DM eram mais velhos, 62,8±6,73 vs. 58,2±6,94 anos, p=0,009, e com IMC mais elevado, 29,82±5,20 vs. 27,99±3,89kg/m², p=0,027 que aqueles não expostos ao DM2, respectivamente. Não se observou diferença estatisticamente significativa entre os grupos quanto à dominância, o peso, a altura e a flexibilidade.
Tabela 1 Descrição da amostra
Grupos | |||
---|---|---|---|
Não DM2 | DM2 | p | |
(n=30) | (n=34) | ||
Sexo (F) | 24 (80,0%) | 26 (76,5%) | 0,970 |
Dominância (D) | 28 (93,3%) | 29 (85,3%) | 0,531 |
Idade (anos) | 58,2±6,94 | 62,8±6,73 | 0,009 |
Peso (kg) | 70,4±10,9 | 76,6±14,5 | 0,058 |
Flexibilidade | 21,06±8,69 | 23,13±10,65 | 0,401 |
Altura | 1,60±0,07 | 1,60±0,094 | 0,845 |
IMC | 27,99±3,89 | 29,82±5,20 | 0,027 |
Valores expressam frequência absoluta e relativa ou média±desvio padrão.
Ao comparar indivíduos com e sem diagnóstico de DM2, observou-se, conforme descrito na Tabela 2, menores valores do torque de flexão à esquerda, em velocidade angular de 120º, dos DM2 e relação aos não DM2, 25,94±2,26 vs. 33,79±2,4nm, p=0,027, respectivamente.
Conforme descrito na Tabela 3, observou-se também redução do torque de dorsiflexão à direita, em velocidade angular de 60º, dos DM2 em relação aos não DM2, 10,95±0,89 vs. 13,95±0,96nm, p=0,033, respectivamente. Não se observou diferença estatisticamente significativa entre os grupos em relação às demais medidas biomecânicas.
Tabela 2 Comparação do pico de torque dos músculos extensores e flexores de joelho entre os grupos: não expostos ao DM2 e expostos ao DM2; DM2 sem NDP e DM2 com NDP
Grupo | Grupo | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Não DM2 | DM2 | p | Não NDP | NDP | p | |||
(n=30) | (n=34) | (n=11) | (n=23) | |||||
Velocidade angular 120º | ||||||||
Extensão direita | 76,06±5,3 | 73,2±4,9 | 0,703 | 73,91±7,69 | 73,22±5,26 | 0,942 | ||
Extensão esquerda | 80,15±4,7 | 70,07±4,4 | 0,141 | 77,52±7,00 | 65,07±4,78 | 0,158 | ||
Déficit de extensão | 18,67±6,3 | 23,5±6,2 | 0,612 | 15,10±6,65 | 22,82±4,55 | 0,353 | ||
Flexão direita | 30,5±2,5 | 27,37±2,4 | 0,264 | 26,20±3,66 | 26,56±2,50 | 0,936 | ||
Flexão esquerda | 33,79±2,4 | 25,94±2,26 | 0,027 | 28,41±3,45 | 23,66±2,36 | 0,271 | ||
Déficit de flexão | 31,04±8,32 | 39,95±7,77 | 0,458 | 11,63±13,85 | 46,57±9,47 | 0,049 | ||
Velocidade angular 180º | ||||||||
Extensão direita | 64,23±4,76 | 60,89±4,44 | 0,625 | 62,40±7,62 | 60,89±5,21 | 0,874 | ||
Extensão esquerda | 66,83±3,96 | 60,65±3,7 | 0,279 | 67,91±6,12 | 56,28±4,18 | 0,133 | ||
Déficit de extensão | 18,08±4,8 | 18,96±4,5 | 0,899 | 20,79±5,02 | 14,96±3,43 | 0,352 | ||
Flexão direita | 30,36±2,3 | 24,54±2,16 | 0,083 | 23,01±3,43 | 25,03±2,34 | 0,635 | ||
Flexão esquerda | 31,05±2,25 | 25,58±2,10 | 0,094 | 28,79±3,41 | 23,41±2,33 | 0,208 | ||
Déficit de flexão | 23,50±4,07 | 25,30±3,80 | 0,757 | 29,14±5,89 | 25,26±4,02 | 0,596 | ||
Velocidade angular 240º | ||||||||
Extensão direita | 58,61±4,26 | 55,01±3,98 | 0,557 | 59,88±7,12 | 53,22±4,87 | 0,453 | ||
Extensão esquerda | 60,65±3,64 | 52,86±3,40 | 0,140 | 58,46±5,53 | 49,81±3,78 | 0,214 | ||
Déficit de extensão | 16,33±3,93 | 14,83±3,68 | 0,790 | 12,26±4,35 | 15,87±2,97 | 0,504 | ||
Flexão direita | 28,82±2,16 | 25,10±2,02 | 0,234 | 27,21±3,59 | 24,10±2,45 | 0,487 | ||
Flexão esquerda | 30,02±2,04 | 24,93±1,91 | 0,087 | 28,39±3,21 | 23,40±2,19 | 0,215 | ||
Déficit de flexão | 15,35±3,33 | 21,12±3,11 | 0,231 | 22,56±5,37 | 18,74±3,67 | 0,567 |
DM2: diabetes mellitus tipo 2; NDP: neuropatia diabética periférica; p: valor de probabilidade. Valores expressam média±erro padrão, ajustados para idade e IMC.
Tabela 3 Comparação do pico de torque dos músculos plantiflexores e dorsiflexores de tornozelo entre os grupos não expostos ao DM2 e expostos ao DM2; diabéticos sem NDP e diabéticos com NDP
Grupo | Grupo | ||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Não DM2 | DM2 | p | Não NDP | NDP | p | ||||
(n=30) | (n=34) | (n=11) | (n=23) | ||||||
Velocidade angular 30º | |||||||||
Plantiflexão direita | 52,61±3,54 | 46,92±3,31 | 0,266 | 51,42±5,80 | 43,37±3,69 | 0,268 | |||
Plantiflexão esquerda | 57,81±3,58 | 48,20±3,34 | 0,065 | 52,39±5,26 | 44,36±3,59 | 0,224 | |||
Déficit de plantiflexão | 20,10±4,29 | 25,09±4,00 | 0,418 | 18,33±6,90 | 27,94±4,71 | 0,266 | |||
Dorsiflexão direita | 18,79±1,95 | 14,39±1,82 | 0,120 | 15,23±1,50 | 14,19±1,02 | 0,581 | |||
Dorsiflexão esquerda | 17,02±1,31 | 14,70±1,22 | 0,220 | 15,08±1,88 | 14,63±1,28 | 0,848 | |||
Déficit de dorsiflexão | 33,66±9,13 | 26,62±8,53 | 0,592 | 14,12±10,68 | 32,95±7,30 | 0,162 | |||
Velocidade angular 60º | |||||||||
Plantiflexão direita | 45,91±2,93 | 40,18±2,74 | 0,177 | 43,57±4,98 | 37,63±3,41 | 0,340 | |||
Plantiflexão esquerda | 47,74±3,11 | 39,1±2,91 | 0,057 | 45,40±4,68 | 35,08±3,20 | 0,083 | |||
Déficit plantiflexão | 18,58±3,16 | 20,67±2,95 | 0,645 | 11,22±5,68 | 24,98±3,88 | 0,058 | |||
Dorsiflexão direita | 13,95±0,96 | 10,95±0,89 | 0,033 | 12,64±1,16 | 10,83±0,79 | 0,217 | |||
Dorsiflexão esquerda | 14,02±1,17 | 10,92±1,09 | 0,070 | 11,48±1,78 | 10,94±1,21 | 0,806 | |||
Déficit dorsiflexão | 34,71±8,42 | 20,58±7,86 | 0,244 | 25,30±4,40 | 20,77±3,00 | 0,409 |
DM2: diabetes mellitus tipo 2; NDP: neuropatia diabética periférica; p: valor de probabilidade.
Valores expressam média±erro padrão, ajustados para idade e IMC.
Ao comparar indivíduos diabéticos com e sem diagnóstico de NDP, observou-se, conforme descrito na Tabela 2, maior déficit de flexão entre os indivíduos neuropatas quando comparados aos não neuropatas, 46,57±9,47 vs. 11,63±13,85nm, p=0,049, respectivamente. Não se observou diferença estatisticamente significativa entre os grupos em relação às demais medidas biomecânicas (Tabelas 2 e 3).
DISCUSSÃO
Neste estudo não se observou uma redução consistente das medidas biomecânicas tanto de indivíduos com DM2 comparados como não DM2 quanto de indivíduos com DM2 com neuropatia diabética periférica comparados com aqueles sem neuropatia. No entanto, apesar de sem significância do ponto de vista estatístico, os valores médios apresentados, tanto pelos DM2 em comparação aos não DM2, quanto pelos neuropatas comparados aos não neuropatas, sugerem que possa existir redução do torque nessas populações, mas o estudo não tem poder estatístico para demonstrá-la.
O efeito do DM2 sobre a força muscular, em especial nos membros inferiores, vem sendo confirmado em muitos estudos, além da correlação entre a intensidade da NDP, da hemoglobina glicada e outros fatores, com a diminuição da força17),(20), (21), (22), (23), (24), (25), (26. Alguns estudos afirmam que a força muscular é afetada pelo gênero, idade e índice de massa corporal (IMC)27. Entretanto, se a força muscular é normalizada pela área de secção transversa ou pela massa muscular, a influência do gênero poderia ser reduzida26),(28.
Um estudo realizado em 2014 testou a hipótese de que pacientes diabéticos possuíam músculos mais fracos que indivíduos saudáveis. Foram avaliados e comparados 12 pacientes com mais de 10 anos de diagnóstico, 18 pacientes com menos de 10 anos de diagnóstico e 20 indivíduos saudáveis, de ambos os sexos, não obtendo diferença significativa entre os grupos. Esse resultado pode ter sido influenciado pela idade, pelo sexo e pelo número pequeno da amostra. Os valores de pico de torque máximo de flexor e pico de torque máximo extensor de joelhos não foram afetados tanto no teste isométrico quanto no teste isocinético. Ainda, demonstrou-se claramente que os homens eram significativamente mais fortes que as mulheres. Neste estudo, obteve-se diferença estatisticamente significativa apenas na variável “velocidade angular de 120o no movimento de flexão de joelho esquerdo” (p=0,027) e, no restante das 17 variáveis, não foi encontrada diferença estatisticamente significativa (p>0,05).
Em 2012, o estudo de Ijzerman et al. teve por objetivo distinguir os efeitos do DM2 e da NDP na força muscular, qualidade de vida e mobilidade. Fizeram parte da amostra 98 pacientes com NDP, 39 pacientes sem NDP e 19 indivíduos saudáveis, de ambos os gêneros17. Esses realizaram testes isométricos e isocinéticos, para avaliar a força muscular dos membros inferiores (plantiflexores e dorsiflexores de tornozelos; flexores e extensores de joelhos), SF36 para avaliar a qualidade de vida, teste de caminhada de seis minutos (TC6), timed up and go test (TUGT) e um questionário de atividade física adaptado para idosos, com o intuito de avaliar a mobilidade dos participantes da pesquisa. E, como resultado, tanto o grupo com NDP quanto o sem NDP obtiveram resultados inferiores na força voluntária máxima e em todos os parâmetros mensurados de joelho e tornozelo, quando comparados ao grupo-controle, porém com diferença estatisticamente significativa apenas no movimento de flexão de joelhos, corroborando este estudo. Além disso, não existiram diferenças entre os DM2 com e sem NDP17.
Outro estudo de Ijzerman et al.30 testou a hipótese que a redução de força muscular em pacientes DM2 sem NDP diagnosticada clinicamente por consequência da lesão nervosa precoce e que com NDP diagnosticada clinicamente possuíam maior de fraqueza muscular quando comparados com pacientes DM2 sem NDP diagnosticada de maneira clínica devido ao aumento da degradação do sistema nervoso motor. Porém, os valores obtidos no estudo foram de encontro a essa hipótese, e os autores sugeriram que a redução da força muscular voluntária se desenvolve de maneira independente à perda motora ou à perda da função nervosa sensorial em pacientes DM2 com e sem NDP.
Ainda sobre o estudo anterior, os autores sugeriram três conclusões válidas: a primeira foi que o grupo de DM2 com NDP apresentou potencial de ação muscular composto, sugerindo uma menor quantidade de massa muscular entre os dois grupos; a segunda foi que a velocidade de condução esteve reduzida no grupo de DM2 com NDP, indicando deterioração da função nervosa; e a terceira foi que a força muscular foi relativamente menor no grupo de DM2 sem NDP do que no grupo-controle30.
No ano de 2014, Allen et al.31 avaliaram os efeitos da NDP sobre a contração muscular e como esses estão relacionados à morfologia e à desnervação do músculo. Foram avaliados 12 pacientes (sete homens e cinco mulheres com idade entre 32 e 78 anos) com DM2 (não insulinodependentes) e NDP confirmada através de características clínicas e estudo eletrofisiológico, e 12 indivíduos saudáveis (com a mesma distribuição de gênero do outro grupo, porém com idade entre 29 e 77 anos) fizeram parte do grupo-controle. Para avaliar a força no movimento de dorsiflexão, foi realizado um teste isométrico apenas na perna dominante, o que difere deste, em que ambas as pernas foram utilizadas, tanto para avaliação de dorsiflexores e plantiflexores de tornozelo, quanto para flexores e extensores de joelho, e o teste foi isocinético (concêntrico de agonista/concêntrico de antagonista). Porém, no estudo de Allen et al., no grupo de pacientes com DM2 com NDP, foi encontrada redução de força muscular e de outros marcadores do tibial anterior estatisticamente significativa.
Com relação à forma de avaliação, são poucos os estudos encontrados que utilizaram o método avaliação isocinético. Alguns utilizam o método de avaliação isométrico ou, como caso de dois estudos citados acima, utilizaram ambas as formas. Além disso, os valores apresentados tanto nas avaliações biomecânicas quanto nas avaliações de flexibilidade por grande parte do grupo de não expostos ao DM2 também foram de encontro às hipóteses deste estudo, podendo indicar um sinal importante, pois, mesmo sem o DM2, os valores ficaram abaixo do que era esperado para alguns pacientes. Logo, indivíduos que não desenvolvem DM2 também necessitam de acompanhamentos e investigações mais detalhadas sobre a questão muscular dos membros inferiores.
CONCLUSÕES
A partir dos resultados, podemos concluir que não foram encontrados menores valores consistentes das medidas biomecânicas avaliadas e na flexibilidade de indivíduos expostos ao DM2 quando comparados com indivíduos não expostos ao DM2. Além disso, também não foram encontrados menores valores das medidas citadas, quando comparados os indivíduos DM2 com NDP e indivíduos DM2 sem NDP.
Os valores médios apresentados por esta amostra sugerem que possa existir diminuição do pico de torque, mesmo sem significância estatística. Porém, nosso estudo não tem poder do ponto de vista estatístico para demonstrá-la.
Um resultado importante foi percebido ao longo desta pesquisa. Alguns dos indivíduos que fizeram parte do grupo de não expostos ao DM2 tiveram resultados abaixo do esperado tanto nos testes biomecânicos quanto no teste de flexibilidade. Em contrapartida, os indivíduos diabéticos com e sem NDP apresentaram bons resultados em ambos os testes realizados. Logo, destacamos a importância do incentivo à atividade física e conhecimento sobre o DM2, pois grande parte destes indivíduos realizavam algum tipo de atividade e estavam cientes quanto aos efeitos dessa doença a curto e, principalmente, longo prazo.