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Influência do arco longitudinal medial na distribuição plantar e na flexibilidade posterior

La influencia del arco longitudinal medial en la distribución plantar y la flexibilidad posterior

RESUMO

O objetivo deste estudo foi verificar se a formação do arco longitudinal do pé interfere na distribuição da pressão plantar e na flexibilidade dos músculos posteriores da coxa. O método de estudo foi transversal e as impressões plantares foram obtidas usando o plantígrafo e analisadas segundo o método Viladot. A distribuição plantar e a flexibilidade foram avaliadas pela baropodometria e pelo banco de Wells, respectivamente. Foi observado que crianças com pés cavos apresentam maior flexibilidade quando comparadas às que têm o pé normal (p=0,02); e também que pés cavos apresentam maior pressão, ou seja, maior sobrecarga em calcâneo quando comparados àqueles com o arco plantar normal (p=0,02 membro inferior direito e p=0,03 membro inferior esquerdo). A avaliação do arco longitudinal medial mostra que crianças com pés cavos apresentam maior flexibilidade dos músculos posteriores de membro inferior. Os pés cavos também estão associados com maior descarga de peso em região de calcâneo.

Descritores
Criança; Pé; Flexibilidade

RESUMEN

El objetivo de este estudio fue verificar si la formación del arco longitudinal del pie interfiere con la distribución de la presión plantar y la flexibilidad de los músculos posteriores del muslo. El método de estudio fue transversal y las huellas plantar se obtuvieron utilizando el plantigraph y se analizaron según el método de Viladot. La distribución plantar y la flexibilidad se evaluaron mediante baropodometría y el banco de Wells, respectivamente. Se observó que los niños con pies huecos tienen mayor flexibilidad en comparación con aquellos con pies normales (p=0,02); y también que los pies huecos tienen una mayor presión, es decir, una mayor sobrecarga del talón en comparación con aquellos con arco plantar normal (p=0,02 miembro inferior derecho y p=0,03 miembro inferior izquierdo). La evaluación del arco longitudinal medial muestra que los niños con pies huecos tienen una mayor flexibilidad en los músculos posteriores de la extremidad inferior. Los pies huecos también están asociados con una mayor descarga de peso en la región del talón.

Palabras clave
Niño; Pie; Docilidad

ABSTRACT

Objective: To evaluate whether the formation of the longitudinal arch of the foot interferes with the distribution of plantar pressure and the pliability of the posterior thigh muscles. Methodology: a cross-sectional study and the footprints were obtained using the footprinting mat and analyzed according to the Viladot method. Plantar distribution and pliability were assessed by baropodometry and Wells’ bank, respectively. Results: It was observed that children with cavus feet present greater pliability when compared to those with normal feet (p=0.02). Also, the cavus feet exhibit higher pressure, that is, a greater heel overload compared to those with normal plantar arch (p=0.02 lower right limb and p=0.03 lower left limb). Conclusions: The evaluation of the medial longitudinal arch shows that children with cavus feet have greater pliability of the lower limb posterior muscles. The cavus feet are also associated with higher pressure in the calcaneal region.

Keywords
Child; Foot; Pliability

INTRODUÇÃO

O pé é uma estrutura que está em contato com o solo e controla a distribuição da pressão plantar, o apoio, a absorção de impacto, o equilíbrio, o impulso, suporta o peso e ajusta a postura na posição ereta11. Imaizumi K, Iwakami Y, Yamashita K. Analysis of foot pressure distribution data for the evaluation of foot arch type. Conf Proc IEEE Eng Med Biol Soc. 2011;2011:7388-92. doi: 10.1109/IEMBS.2011.6091720
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), (22. Kandil OD, Aboelazm SN, Mabrouk MS. Foot biometrics: gender differences in plantar pressure distribution in standing position. Am J Biomed Eng. 2014;4(1):1-9. doi: 10.5923/j.ajbe.20140401.01
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. Três arcos constituem o pé: arco longitudinal medial (ALM), arco longitudinal lateral (ALL) e arco transverso anterior (ATA), que se apoiam ao chão por meio de três pontos, o primeiro metatarso, o quinto metatarso e a tuberosidade do calcâneo33. Kapandji AI. Fisiologia articular: membro inferior. 5a ed. São. Paulo: Panamericana; 2000..

Os arcos longitudinais são responsáveis por definir o tipo de pé (normal, cavo e plano) (44. O'Brien DL, Tyndyk M. Effect of arch type and body mass index on plantar pressure distribution during stance phase of gait. Acta Bioeng Biomech. 2014;16(2):131-5.. Durante os seis primeiros anos de vida, em seu processo de crescimento ocorre o desenvolvimento dos arcos longitudinais e destaca-se a perda de tecido gorduroso subcutâneo e a redução da flexibilidade das articulações55. Echarri JJ, Forriol F. The development in foot print morphology in 1851 Congolese children from urban and rural areas, and the relationship between this and wearing shoes. J Pediatr Orthop B. 2003;12(2):141-6. doi: 10.1097/01.bpb.0000049569.52224.57
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. A pressão plantar do pé com arco classificado como normal é, geralmente, distribuída uniformemente, sem grandes regiões de picos de pressão, resultando em movimento estável e suave66. Xiong S, Goonetilleke RS, Witana CP, Weerasinghe TW, Au EY. Foot arch characterization: a review, a new metric, and a comparison. J Am Podiatr Med Assoc. 2010;100(1):14-24. doi: 10.7547/1000014
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. No entanto, no pé cavo há pressões acentuadas em suas partes laterais, o que necessita atenção clínica porque provoca lesões no tecido plantar, calosidades e algias77. Rao S, Saltzman CL, Yack HJ. Relationships between segmental foot mobility and plantar loading in individuals with and without diabetes and neuropathy. Gait Posture. 2010;31(2):251-5. doi: 10.1016/j.gaitpost.2009.10.016
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. No pé plano, as pressões são maiores na parte interna, o que provoca perda de amortecimento e desencadeia desperdício de energia88. Hurwitz S, Ernst GP, Hy S. O pé e o tornozelo. In: Cavanagh PK, Hurwitz S, Ernst GP, Hy S. Reabilitação em medicina esportiva. São Paulo: Manole, 2001. p. 329-53.. Portanto, qualquer alteração da função normal do pé pode conduzir a resultados desfavoráveis, como mais risco de desequilíbrio e de lesão plantar.

A prevenção de lesões musculoesqueléticas e a melhora do movimento e do desempenho muscular dependem da flexibilidade corporal99. Mikkelson LO, Nupponen H, Kaprio J, Kautiainen H, Mikkelson M, Kujala UM. Adolescent flexibility, endurance strength, and physical activity as predictors of adult tension neck, low-back pain, and knee injury: a 25 year follow up study. Br J Sports Med. 2006;40(2):107-13. doi: 10.1136/bjsm.2004.017350
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. Ela está intimamente ligada à extensibilidade dos músculos, à amplitude articular e à plasticidade de ligamentos e tendões1010. Almeida TT, Jabur MN. Mitos e verdades sobre flexibilidade: reflexões sobre o treinamento de flexibilidade na saúde dos seres humanos. Motri. 2007;3(1):337-44. Available from: http://www.scielo.mec.pt/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1646-107X2007000100008&lng=pt
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. Quando existem limitações da flexibilidade a postura pode ser modificada, pois ela gera compensações a fim de se adaptar a esses desajustes1111. Veiga PH, Daher CR, Morais MF. Postural alterations and flexibility of the posterior chain in soccer´s injuries. Rev Bras Cienc Esporte. 2011;33(1):235-48. doi: 10.1590/S0101-32892011000100016
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.

O teste sentar e alcançar é um dos mais utilizados para avaliar a flexibilidade de crianças e adolescentes1212. Martins-Costa HC, Araújo SRS, Lima FV, Menzel HJ, Fernandes AP, Chagas MH. Análise do perfil da flexibilidade de crianças e adolescentes mensurada por meio de dois testes. Rev Educ Fís UEM. 2015;26(2):257-65. doi: 10.4025/reveducfis.v26i2.22871
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), (1313. Arruda GA, Oliveira AR. Concordância entre os critérios para flexibilidade de crianças e adolescentes estabelecidos pela Physical Best e Fitnessgram. J Phys Educ. 2012;23(2):183-94. doi: 10.4025/reveducfis.v23i2.13129
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. Já para a avaliação do ALM não há consenso sobre qual instrumento utilizar, porém a plantigrafia é um recurso de baixo custo e satisfatório para as análises clínicas1414. Kanatli U, Yetkin H, Cila E. Footprint and radiographic analysis of the feet. J Pediatr Orthop. 2001;21(2):225-8.), (1515. Filoni E, Filho JM, Fukuchi RK, Gondo RM. Comparação entre índices do arco plantar. Motriz. 2009;15(4):850-60. doi: 10.5016/1887
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, muito utilizado na população infantojuvenil1515. Filoni E, Filho JM, Fukuchi RK, Gondo RM. Comparação entre índices do arco plantar. Motriz. 2009;15(4):850-60. doi: 10.5016/1887
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)- (1717. Neves JCJ, Guedes FRP, Oliveira IC, Fujisawa DS. Intra- and inter-examiner reliability of the Viladot method in children. J Manipulative Physiol Ther. Forthcoming 2019..

A análise da distribuição plantar é relevante para a prevenção de desordens posturais e estudos demonstram a eficácia da baropodometria nessa avaliação1818. Rosário JL. A review of the utilization of baropodometry in postural assessment. J Bodyw Mov Ther. 2014;18(2):215-19. doi: 10.1016/j.jbmt.2013.05.016
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. Ela é usada para avaliar crianças típicas e atípicas1919. Righi NC, Martins FK, Souza JA, Trevisan CM. Distribuição da pressão plantar e morfologia do pé de crianças com paralisia cerebral e crianças com desenvolvimento típico. Fisioter Pesqui. 2017;24(3):321-6. doi: 10.1590/1809-2950/17454624032017
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),(2020. Menezes LT, Barbosa PHFA, Costa AS, Mundim AC, Ramos GC, Paz CCSC, Martins EF. Baropodometric technology used to analyze types of weight-bearing during hemiparetic upright position. Fisioter Mov. 2012;25(3):583-94. doi: 10.1590/S0103-51502012000300014
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.

Dessa forma qualquer desequilíbrio ou assimetria provocados por disfunções articulares, ligamentares ou musculares na região podal repercutirão de forma ascendente, pois os pés influenciam as demais estruturas do corpo2121. Przysiezny WL, Formonte M, Przysiezny E. Estudo do comportamento da distribuição plantar através da baropodometria em indivíduos sem queixas físicas. Rev Ter Manual. 2003;2:28-32.. Por compreender a importância da estrutura podal e suas influências posturais - especialmente na população infantil, devido aos estímulos adequados ou inadequados que podem interferir no desenvolvimento do arco plantar e, consequentemente, na biomecânica postural -, este estudo tem como objetivo verificar se a formação do arco longitudinal do pé interfere na distribuição da pressão plantar e na flexibilidade dos músculos posteriores da coxa.

METODOLOGIA

O estudo transversal foi realizado com amostra de conveniência de 40 crianças com desenvolvimento típico, na faixa etária entre oito e 12 anos, de ambos os sexos, da cidade de Londrina (PA). Além disso, como critério de inclusão os pais e/ou responsáveis tinham que autorizar a participação dos menores no estudo, e a criança deveria assinar o termo de assentimento. Foram excluídas crianças com problemas ortopédicos ou neurológicos e que tivessem sido submetidas a cirurgias recentemente. As avaliações foram realizadas no Instituto de Educação Infantil e Juvenil (IEIJ).

A coleta de dados constituiu de: (1) avaliação das medidas antropométricas; (2) mensuração da flexibilidade; e (3) análise da impressão plantar e distribuição da pressão plantar. As medidas antropométricas avaliadas foram massa corporal (balança digital da marca Omron Health Care, Inc. - modelo HN 289) (kg), estatura (cm) e comprimento dos pés (cm).

Flexibilidade

Utilizou-se o banco de Wells para mensurar a flexibilidade do quadril, do dorso e dos músculos posteriores da coxa. No teste, os participantes foram instruídos a se manterem descalços com os membros inferiores estendidos e unidos, com uma mão sobre a outra, e foram incentivados a fazer o movimento de alcance, sem flexionar os joelhos e sem movimentos de balanço (insistências intermitentes). Foram feitas três tentativas e o maior valor atingido foi considerado para análise22; o alcance máximo foi mensurado em centímetros.

Impressão plantar

O plantígrafo da marca Podaly® foi utilizado para avaliação do arco plantar. O protocolo estabelecia que a criança ficasse de pé a partir da posição sentada, flexionasse o joelho ipsilateralmente (cerca de 30°) com o auxílio do examinador e em seguida retornasse à posição inicial. O examinador controlou a posição do pé sobre a plataforma para impedir o seu deslizamento, fato que invalida o exame. Somente foram aceitas as plantigrafias em que o pé estava centralizado sobre a folha de papel; a demarcação da impressão plantar estava livre de imperfeições de tinta; e que não houvesse prejuízo na morfologia do pé, como imperfeições nas demarcações da região dos dedos e calcâneo. Tal procedimento foi repetido no membro contralateral2323. Hernandez AJ, Kimura LK, Laraya MHF, Fávaro E. Cálculo do índice do arco plantar de Staheli e a prevalência de pés planos: estudo em 100 crianças entre 5 e 9 anos de idade. Acta Ortop Bras. 2007;15(2):68-71. doi: 10.1590/S1413-78522007000200001
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.

Na sequência foi feita a medida longitudinal do pé, que compreende a união dos seus pontos mais extremos, posteriormente ao calcâneo (A) e artelho mais distal do pé (B), determinando o segmento de reta AB. Em seguida foi definido o istmo podal, segmento de reta (C), pela determinação do ponto médio do segmento AB (AB/2), e mensurada a largura desse segmento até o ponto externo do pé, correspondente à medida do mediopé. Como medidas para determinar a largura do antepé foram traçadas linhas tangenciando os seus bordos mediais e laterais, que foram unidas por um segmento de reta determinando a largura do antepé (D) (Figura 1).

Figura 1
Traços utilizados para classificação plantar

Os pés foram classificados conforme o método Viladot: planos, cujas impressões plantares apresentaram a região correspondente ao mediopé (C) com largura igual ou maior que a metade do antepé (C≥1/2D); cavos, aqueles com diminuição da área da impressão plantar na sua parte média, inferior ao terço do antepé ou com desaparecimento por completo (C≤/3D ou C=0); e normais, aqueles em que a medida do mediopé estava compreendida entre metade e um terço da largura do antepé (1/2D≤C≤1/3D) (2424. Volpon JB. Footprint analysis during the growth period. J pediatr Orthop. 1994;14(1):83-5. doi: 10.1097/01241398-199401000-00017
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. O método Viladot foi utilizado para classificar o ALM, pois o método é confiável para ser aplicado em crianças, apresentando excelente confiabilidade para a condição intra-avaliador e excelente e alta para a condição interexaminador1717. Neves JCJ, Guedes FRP, Oliveira IC, Fujisawa DS. Intra- and inter-examiner reliability of the Viladot method in children. J Manipulative Physiol Ther. Forthcoming 2019..

Distribuição da pressão plantar

A distribuição da pressão plantar foi obtida por meio da baropodometria computadorizada (modelo FootworkPro, AM3 França). Os dados foram filtrados a uma taxa de amostragem de 100Hz e analisados pelo programa Footwork2.1. As variáveis analisadas foram o percentual de carga em antepé e retropé de cada hemicorpo. As crianças foram instruídas a se manterem imóveis sobre a plataforma durante 30 segundos, em apoio bipodal, descalços, calcanhares na largura do quadril, com boca entreaberta, braços ao longo do corpo e olhos abertos, olhando para a marcação a dois metros de distância, disposta na altura dos olhos. O teste foi realizado somente uma vez.

ANÁLISE ESTATÍSTICA

A distribuição dos dados foi verificada por meio do teste Shapiro-Wilk. Os dados paramétricos foram representados em média e desvio padrão. Já os dados da plantigrafia, que não apresentaram distribuição normal, foram representados em mediana e intervalo interquartílico. A análise comparativa do tipo de pé e pressão plantar intergrupos foi realizada pelo teste Kruskal-Wallis, seguido do pós-teste, uma comparação em pares para localizar as diferenças intragrupos. A significância foi estabelecida em p<0,05. As análises foram realizadas no programa SPSS versão 20.

RESULTADOS

A amostra foi constituída de 40 crianças, 6 (15%) meninos e 34 (85%) meninas, com média de idade de 9,65 anos (±1,42), correspondendo a 80 pés analisados. As características descritivas dos participantes estão na Tabela 1.

Tabela 1
Dados descritivos da amostra

A média da flexibilidade obtida pelo teste sentar e alcançar foi de 21,33cm (±8,82). De acordo com a plantigrafia, 17 (42,5%) dos pés direitos foram classificados como normal, 16 (40%) como cavos e 7 (17,5%) como planos. Em relação aos pés esquerdos, 23 (57,5%) foram classificados como normal, 12 (30%) como cavos e 5 (12,5%) como planos.

A flexibilidade dos músculos posteriores de coxa difere conforme o arco plantar (normal, cavo e plano), tanto do membro inferior direito quanto do esquerdo (p=0,01). Crianças com pés cavos apresentam maior flexibilidade quando comparadas às crianças que têm o pé normal (p=0,02) (Tabela 2).

Tabela 2
Flexibilidade de acordo com tipo de pé

A pressão plantar se modifica de acordo com o tipo de pé. A diferença estatisticamente significante foi observada quanto à distribuição de massa anterior e posterior na plantigrafia do membro inferior direito (p=0,00 para ambos), bem como na plantigrafia do membro contralateral (p=0,03 para ambos). Crianças com pés cavos apresentam maior pressão na região posterior do pé quando comparadas àquelas que têm o arco plantar normal (p=0,02 membro inferior direito e p=0,03 membro inferior esquerdo) e, consequentemente, menor pressão na região anterior (p=0,02 membro inferior direito e p=0,03 membro inferior esquerdo) (Tabelas 3 e 4).

Tabela 3
Pressão plantar direita de acordo com tipo de pé
Tabela 4
Pressão plantar esquerda de acordo com tipo de pé

DISCUSSÃO

Os resultados mostram que a morfologia dos pés altera significativamente a flexibilidade posterior e a distribuição da pressão plantar em retropé e antepé. Crianças com pés cavos apresentaram maior flexibilidade de quadril, dorso e músculos posteriores da coxa. Na literatura está claro que os músculos isquiotibiais podem interferir na postura quando encurtados ou excessivamente alongados, modificando o posicionamento da pelve e, nos segmentos ascendentes e descendentes, da lombar e do joelho, respectivamente2525. Berg K. Indicações de alongamento: eliminando a dor e prevenindo as lesões. Porto Alegre: Artmed, 2012.), (2626. Campignion P. Cadeias posteromedianas: cadeias musculares e articulares: método G.D.S. São Paulo: Summus, 2015.. Silva et al. (2727. Silva LRV, Lopez LC, Costa MCG, Gomes ZCM, Matsushigue KA. Avaliação da flexibilidade e análise postural em atletas de ginástica rítmica desportiva: flexibilidade e postura na ginástica rítmica. Rev Mackenzie Educ Fís Esporte. 2008;7(1):59-68. Available from: http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/remef/article/view/1218
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observaram que a hiperextensão de joelhos pode ser decorrente do excesso de flexibilidade dos isquiotibiais, e que ela costuma ocorrer concomitantemente a hiperlordose lombar e anteroversão do quadril.

Em relação aos pés cavos, há fatores que influenciam a formação do arco plantar, dentre eles destacam-se idade, sexo, raça, calçados e peso2828. Razeghi M, Batt ME. Foot type classification: a critical review of current methods. Gait Posture. 2002;15(3):282-91. doi: 10.1016/s0966-6362(01)00151-5
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. Os pés cavos podem trazer consequências como altos picos de pressão sobre os pés, o que demanda atenção clínica por provocar lesões no tecido plantar, calosidades e algias77. Rao S, Saltzman CL, Yack HJ. Relationships between segmental foot mobility and plantar loading in individuals with and without diabetes and neuropathy. Gait Posture. 2010;31(2):251-5. doi: 10.1016/j.gaitpost.2009.10.016
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.

Portanto é importante fazer o acompanhamento postural da criança no plano sagital, a fim de detectar as possíveis transformações na postura de acordo com os tipos de pé.

O tipo de arco do pé pode influenciar a distribuição da pressão plantar e pode ter um impacto sobre a biomecânica da postura2929. Periyasamy R, Anand S. The effect of foot arch on plantar pressure distribution during standing. J Med Eng Technol. 2013;37(5):342-7. doi: 10.3109/03091902.2013.810788
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. Neste estudo, crianças classificadas com pés normais possuem melhor distribuição plantar quando comparadas àquelas com pés cavos. A literatura aponta como ideal a descarga de peso entre 55% a 60% em retropé e 45% a 40% em antepé3030. Tribastone F. Tratado de exercícios corretivos: aplicados a reeducação motora postural. São Paulo: Manole, 2001.; dessa forma o arco plantar normal do membro inferior direito é o que apresentou a melhor distribuição da pressão plantar. A pressão plantar de um pé com um arco classificado como normal é geralmente distribuída uniformemente, sem grandes regiões de picos de pressão, resultando num movimento estável e suave6. Em outros estudos não há relação entre o tipo de pé e a oscilação ântero posterior em apoio bipodal, justificando que alterações no arco plantar são insuficientes para modificar a distribuição de peso na base de suporte na posição vertical3131. Ferreira AS, Gave NS, Abrahão F, Silva JG. Influência da morfologia de pés e joelhos no equilíbrio durante apoio bipodal. Fisioter Mov. 2010;23(2):193-200. doi: 10.1590/S0103-51502010000200003
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), (3232. Cote KP, Brunet ME, Gansneder BM, Shultz SJ. Effects of pronated and supinated foot postures on static and dynamic postural stability. J Athl Train. 2005;40(1):41-6..

Durante a avaliação baropodométrica são registradas as pressões dos pés direito e esquerdo, o que permite determinar a percentagem de peso suportado por cada um dos pés2020. Menezes LT, Barbosa PHFA, Costa AS, Mundim AC, Ramos GC, Paz CCSC, Martins EF. Baropodometric technology used to analyze types of weight-bearing during hemiparetic upright position. Fisioter Mov. 2012;25(3):583-94. doi: 10.1590/S0103-51502012000300014
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. Em todos os grupos a distribuição de peso foi simétrica na maioria das crianças.

Nos resultados obtidos, as crianças mais flexíveis são as que possuem pés cavos e que distribuem o peso em região de calcâneo superior ao recomendado. Pressupõe-se que ao adotar a postura em retropulsão, leva-se a uma hiperextensão de joelho e a uma compensação do quadril em anteroversão. Esses resultados vão de encontro ao de Wafai et al. (3333. Wafai L, Zayegh A, Woulfe J, Aziz SM, Begg R. Identification of foot pathologies based on plantar pressure asymmetry. Sensors (Basel). 2015;15(8):20392-408. doi: 10.3390/s150820392
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, que relataram que a alteração da função normal do pé pode conduzir a uma cadeia de resultados desfavoráveis, que variam desde infligir maior pressão para um novo local do pé a colocar as pessoas em maior risco de desequilíbrio, aumentando ainda mais a chance de sofrer uma lesão plantar3333. Wafai L, Zayegh A, Woulfe J, Aziz SM, Begg R. Identification of foot pathologies based on plantar pressure asymmetry. Sensors (Basel). 2015;15(8):20392-408. doi: 10.3390/s150820392
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.

Os achados deste estudo reforçam que o pé tem papel fundamental na evolução postural da criança e pode ser responsável por gerar desequilíbrios posturais na infância. Os resultados têm implicações clínicas, demonstrando que a avaliação precoce é importante para a detecção do ALM, visto que a flexibilidade dos isquiotibiais e pressões plantares podem estar relacionados. A detecção precoce do tipo de pé permite promover orientações e tratamentos adequados à população infantil.

Embora os resultados encontrados tenham valor respaldado cientificamente, é necessário levar em consideração algumas limitações: amostra por conveniência e as dores que podem estar presentes quando existe alteração do arco plantar, mas essa variável não foi investigada em nosso estudo. Além disso, não foi verificada a postura da criança no plano sagital a fim de atestar a presença de modificações ascendentes decorrentes dos pés. Recomenda-se outras investigações, por exemplo, com crianças pré-escolares que avaliem a evolução do ALM, pressão plantar e flexibilidade, para que medidas preventivas durante o período de formação dos pés sejam implementadas.

CONCLUSÃO

Constatou-se neste estudo que a maioria dos arcos plantares avaliados são classificados como normais. As crianças com pés cavos apresentam maior flexibilidade dos músculos posteriores de membro inferior quando comparadas àquelas que apresentam arco plantar normal. Os pés cavos também estão associados a maior descarga de peso em região de calcâneo quando comparados com o arco plantar normal.

REFERÊNCIAS

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  • Fonte de financiamento: Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Código de Financiamento 001
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2020

Histórico

  • Recebido
    29 Jun 2018
  • Aceito
    27 Set 2019
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