Acessibilidade / Reportar erro

Tradução e adaptação cultural para a língua portuguesa falada no Brasil da Canadian survey of mobilization of ICU patients

Traducción y adaptación cultural al portugués brasileño de Canadian survey of mobilization of ICU patients

RESUMO

Este estudo teve como objetivo traduzir e adaptar culturalmente o questionário Canadian survey of mobilization of intensive care unit patients para a língua portuguesa falada no Brasil. Este instrumento avalia profissionais de unidade de terapia intensiva (UTI) em relação aos conhecimentos sobre a mobilização precoce (MP) e sua importância, as percepções sobre barreiras e as práticas de reabilitação com o paciente crítico. O protocolo incluiu as etapas: autorização e cessão de direitos de uso; tradução do instrumento para a língua portuguesa; reconciliação; retrotradução para a língua original; revisão e harmonização da retrotradução; aprovação da autora principal do questionário original; revisão da versão em português; desdobramento cognitivo; e reconciliação e elaboração da versão final. Devido a algumas diferenças conceituais e culturais entre os dois países, algumas dúvidas foram discutidas com a autora principal do instrumento, a qual concordou com as alterações sugeridas. No desdobramento cognitivo, os 10 profissionais selecionados testaram a clareza, compreensão e aceitabilidade do questionário, e demonstraram suas dificuldades quanto ao conteúdo deste. Muitos entrevistados evidenciaram que o instrumento desperta reflexões importantes sobre as práticas diárias e os benefícios com a realização da MP. O questionário intitulado Pesquisa de mobilização de pacientes em unidade de terapia intensiva: conhecimento, perspectivas e práticas atuais encontra-se traduzido e adaptado culturalmente para a língua portuguesa falada no Brasil, podendo ser utilizado para avaliar aspectos da MP por profissionais que participam deste processo em UTIs adulto e pediátricas. Estudos futuros utilizando esta versão serão necessários para verificar se o questionário fornece medidas reprodutíveis e válidas.

Descritores
Unidades de Terapia Intensiva; Equipe de Assistência ao Paciente; Deambulação Precoce; Traduções; Inquéritos e Questionários

RESUMEN

Este estudio tuvo como objetivo traducir y adaptar culturalmente el cuestionario Canadian survey of mobilization of intensive care unit patients al portugués de Brasil. Este instrumento evalúa a los profesionales de la unidad de cuidados intensivos (UCI) en cuanto al conocimiento sobre la movilización temprana (MT) y su importancia, las percepciones sobre las barreras y las prácticas de rehabilitación con pacientes críticos. El protocolo incluyó las siguientes etapas: autorización y cesión de derechos de uso; traducción del instrumento al portugués brasileño; reconciliación; retrotraducción al idioma original; revisión y armonización de la retrotraducción; aprobación de la autora principal al cuestionario original; revisión de la versión al portugués; despliegue cognitivo; y reconciliación y preparación de la versión final. Debido a algunas diferencias conceptuales y culturales entre los dos países, se discutieron algunas dudas con la autora principal del instrumento, quien estuvo de acuerdo con los cambios sugeridos. En el despliegue cognitivo, los 10 profesionales seleccionados probaron la claridad, la comprensión y la aceptabilidad del cuestionario, y demostraron las dificultades de los contenidos. Numerosos entrevistados manifestaron que el instrumento suscita importantes reflexiones sobre las prácticas cotidianas y beneficios de llevar a cabo la MT. El cuestionario titulado Investigación en movilización de pacientes en unidades de cuidados intensivos: conocimientos, perspectivas y prácticas actuales está traducido y adaptado culturalmente al portugués de Brasil, y puede ser utilizado para evaluar aspectos de MT por parte de profesionales que participan en este proceso en UCI de adultos y pediátrica. Se necesitarán estudios futuros que utilicen esta versión para verificar que el cuestionario proporciona la reproducibilidad y la validez de las medidas.

Palabras clave
Unidades de Cuidados Intensivos; Grupo de Atención al Paciente; Ambulación Precoz; Traducciones; Encuestas y Cuestionarios

ABSTRACT

This study aimed to translate and culturally adapt the “Canadian survey of mobilization of intensive care unit patients” questionnaire to Brazilian Portuguese. This instrument evaluates intensive care unit (ICU) professionals’ knowledge about early mobilization and its importance, their perceptions about barriers and rehabilitation practices with critically ill patients. The protocol includes the following steps: authorization and assignment of rights of use; translation of the instrument into Portuguese; reconciliation; back-translation to the original language; revision and harmonization of back-translation; approval from the main author of the original questionnaire; revision of the Portuguese version; cognitive debriefing; reconciliation; and preparation of the final version. Due to some conceptual and cultural differences between the two countries, some questions were discussed with the author of the original instrument, who agreed with the suggested alterations. During cognitive debriefing, the 10 selected professionals tested the questionnaire’s clarity, understanding, and acceptability, indicating any difficulties they had regarding its content. Many interviewees reported that the instrument raises important reflections on daily practices and the benefits of early mobilization. The questionnaire entitled “Pesquisa de mobilização de pacientes em unidade de terapia intensiva: conhecimento, perspectivas e práticas atuais” was translated and culturally adapted to Brazilian Portuguese and can be used to evaluate aspects of early mobilization by professionals who participate in this process in adult and pediatric ICUs. Future studies using this version will be necessary to verify that the questionnaire provides reproducible and valid measurements.

Keywords
Intensive Care Units; Patient Care Team; Early Ambulation; Translations; Surveys and Questionnaires

INTRODUÇÃO

Prejuízos funcionais adquiridos durante a internação em unidade de terapia intensiva (UTI) estão muito associados à imobilização prolongada e restrição ao leito, principalmente em pacientes que necessitam de ventilação mecânica.11. Diaz Ballve LP, Dargains N, Urrutia Inchaustegui JG, Bratos A, Milagros Percaz M, Bueno Ardariz C, et al. Weakness acquired in the intensive care unit. Incidence, risk factors and their association with inspiratory weakness: observational cohort study. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):466-75. doi: 10.5935/0103-507X.20170063.
https://doi.org/10.5935/0103-507X.201700...
), (22. Jolley SE, Bunnell AE, Hough CL. ICU-Acquired weakness. Chest. 2016;150(5):1129-40. doi: 10.1016/j.chest.2016.03.045.
https://doi.org/10.1016/j.chest.2016.03....
Nesse cenário, a fraqueza muscular adquirida na UTI é comumente descrita como importante complicação do doente crítico, atingindo entre 25 a 100% dos pacientes, pode persistir por até 5 anos e apresenta forte relação com o aumento da morbidade e mortalidade pós-alta hospitalar. (33. Ferreira NA, Lopes AJ, Ferreira AS, Ntoumenopoulos G, Dias J, Guimaraes FS. Determination of functional prognosis in hospitalized patients following an intensive care admission. World J Crit Care Med. 2016;5(4):219-27. doi: 10.5492/wjccm.v5.i4.219.
https://doi.org/10.5492/wjccm.v5.i4.219...
), (44. Kress JP, Hall JB. ICU-acquired weakness and recovery from critical illness. N Engl J Med. 2014;370(17):1626-35. doi: 10.1056/NEJMra1209390.
https://doi.org/10.1056/NEJMra1209390...

A mobilização precoce (MP) tem sido demonstrada como uma prática segura e viável, e que resulta em importantes desfechos funcionais, como melhora da força muscular e recuperação funcional no ambiente hospitalar e pós-alta. (55. Zang K, Chen B, Wang M, Chen D, Hui L, Guo S, et al. The effect of early mobilization in critically ill patients: a meta-analysis. Nurs Crit Care. 2020;25(6):360-67. doi: 10.1111/nicc.12455.
https://doi.org/10.1111/nicc.12455...
)- (77. Dubb R, Nydahl P, Hermes C, Schwabbauer N, Toonstra A, Parker AM, et al. Barriers and strategies for early mobilization of patients in intensive care units. Ann Am Thorac Soc. 2016;13(5):724-30. doi: 10.1513/AnnalsATS.201509-586CME.
https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201509...
Entretanto, apesar do crescente aumento de evidências reportando os benefícios a longo prazo com a realização da MP, muitos pacientes internados em UTI permanecem imobilizados por longos períodos. (88. Hodgson CL, Capell E, Tipping CJ. Early mobilization of patients in intensive care: organization, communication and safety factors that influence translation into clinical practice. Crit Care. 2018;22(1):77. doi: 10.1186/s13054-018-1998-9.
https://doi.org/10.1186/s13054-018-1998-...
)- (1010. Bakhru RN, McWilliams DJ, Wiebe DJ, Spuhler VJ, Schweickert WD. Intensive care unit structure variation and implications for early mobilization practices: an international survey. Ann Am Thorac Soc. 2016;13(9):1527-37. doi: 10.1513/AnnalsATS.201601-078OC.
https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201601...

Dentre as principais barreiras relatadas na literatura para a não realização da MP estão descritos aspectos estruturais e culturais, como número limitado de profissionais, carga de trabalho insuficiente, falta de equipamentos e treinamento, priorização, liderança, além de falta de conhecimento a respeito dos riscos e benefícios da MP por parte da equipe. (77. Dubb R, Nydahl P, Hermes C, Schwabbauer N, Toonstra A, Parker AM, et al. Barriers and strategies for early mobilization of patients in intensive care units. Ann Am Thorac Soc. 2016;13(5):724-30. doi: 10.1513/AnnalsATS.201509-586CME.
https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201509...
), (1111. Fontela PC, Forgiarini LA Jr, Friedman G. Clinical attitudes and perceived barriers to early mobilization of critically ill patients in adult intensive care units. Rev Bras Ter Intensiva. 2018;30(2):187-94. doi: 10.5935/0103-507X.20180037.
https://doi.org/10.5935/0103-507X.201800...

Nos últimos anos, alguns estudos foram conduzidos a fim de compreender as práticas de MP e investigar o conhecimento pelos profissionais de saúde sobre a realização desta em pacientes críticos. (1111. Fontela PC, Forgiarini LA Jr, Friedman G. Clinical attitudes and perceived barriers to early mobilization of critically ill patients in adult intensive care units. Rev Bras Ter Intensiva. 2018;30(2):187-94. doi: 10.5935/0103-507X.20180037.
https://doi.org/10.5935/0103-507X.201800...
)- (1717. Jolley SE, Regan-Baggs J, Dickson RP, Hough CL. Medical intensive care unit clinician attitudes and perceived barriers towards early mobilization of critically ill patients: a cross-sectional survey study. BMC Anesthesiol. 2014;14:84. doi: 10.1186/1471-2253-14-84.
https://doi.org/10.1186/1471-2253-14-84...
Contudo, constatou-se que apenas um dos questionários desenvolvidos e utilizados em tais avaliações foi validado em sua versão original, (1414. Koo KK, Choong K, Cook DJ, Herridge M, Newman A, Lo V, et al. Canadian critical care trials group: early mobilization of critically ill adults: a survey of knowledge, perceptions and practices of Canadian physicians and physiotherapists. CMAJ Open. 2016;4(3):448-54. doi: 10.9778/cmajo.20160021.
https://doi.org/10.9778/cmajo.20160021...
não havendo um instrumento traduzido e adaptado para o português.

Koo et al. desenvolveram o questionário Canadian survey of mobilization of intensive care unit patients: current knowledge, perspectives and practices, um instrumento que se propõe a avaliar três domínios: conhecimento, percepções e práticas de MP pela equipe envolvida nesse processo. O questionário foi validado no Canadá, apresentando boa confiabilidade intra-avaliador e excelente validade aparente para utilização em UTI adulto e pediátrica1414. Koo KK, Choong K, Cook DJ, Herridge M, Newman A, Lo V, et al. Canadian critical care trials group: early mobilization of critically ill adults: a survey of knowledge, perceptions and practices of Canadian physicians and physiotherapists. CMAJ Open. 2016;4(3):448-54. doi: 10.9778/cmajo.20160021.
https://doi.org/10.9778/cmajo.20160021...
. Entretanto, como o instrumento foi desenvolvido originalmente na língua inglesa, sua utilização no Brasil requer previamente uma tradução e adaptação do questionário às circunstâncias sociais e culturais do país.

Nesse contexto, evidencia-se a necessidade de investigar a importância e o conhecimento da MP pela equipe e identificar barreiras e facilitadores para a prática nas UTIs do Brasil por meio de um instrumento específico para tais avaliações. Assim, o presente estudo teve como objetivo a tradução e a adaptação cultural para o português falado no Brasil do instrumento de avaliação Canadian survey of mobilization of intensive care unit patients: current knowledge, perspectives and practices.

METODOLOGIA

Este trabalho caracteriza-se por um estudo metodológico de tradução e adaptação cultural para o português falado no Brasil, de um instrumento específico para avaliação dos profissionais da UTI em relação aos conhecimentos sobre a MP e sua importância, percepções a respeito das barreiras para sua realização nos níveis institucional, profissional de saúde e paciente, e as práticas de reabilitação no ambiente da UTI. (1414. Koo KK, Choong K, Cook DJ, Herridge M, Newman A, Lo V, et al. Canadian critical care trials group: early mobilization of critically ill adults: a survey of knowledge, perceptions and practices of Canadian physicians and physiotherapists. CMAJ Open. 2016;4(3):448-54. doi: 10.9778/cmajo.20160021.
https://doi.org/10.9778/cmajo.20160021...
O questionário original foi desenvolvido pela Canadian Critical Care Trials Group, e é composto por um glossário de termos em sua parte inicial, seguido por 29 questões objetivas.

A população do estudo foi intencionalmente composta por 10 profissionais atuantes na UTI adulto de um hospital universitário. Foram incluídos no estudo médicos, enfermeiros, técnicos de enfermagem e fisioterapeutas com tempo de experiência superior a um ano em terapia intensiva.

A tradução e adaptação cultural do questionário foram seguidas de acordo com as diretrizes e princípios estabelecidos por Wild et al. (1818. Wild D, Grove A, Martin M, Eremenco S, McElroy S, Verjee-Lorenz A, et al. Principles of good practice for the translation and cultural adaptation process for patient-reported outcomes (PRO) measures: report of the ISPOR task force for translation and cultural adaptation. Value Health. 2005;8(2):94-104. doi: 10.1111/j.1524-4733.2005.04054.x.
https://doi.org/10.1111/j.1524-4733.2005...
e Guillemin et al., (1919. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32. doi: 10.1016/0895-4356(93)90142-n.
https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)901...
seguindo as etapas: autorização e cessão de direitos de uso pela autora principal do questionário original; tradução da língua inglesa para língua portuguesa do questionário; reconciliação; retrotradução; revisão e harmonização da retrotradução; aprovação da autora principal do instrumento original; revisão da versão em português do questionário por especialistas; desdobramento cognitivo; e reconciliação e elaboração da versão final (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma do processo de tradução e adaptação cultural do questionário

Após a autorização e cessão de direitos de uso pela autora principal do instrumento, duas tradutoras brasileiras com fluência na língua inglesa realizaram de forma independente a tradução do questionário. A partir das duas traduções, um comitê revisor - composto por duas pessoas responsáveis pela condução do estudo e pelas duas tradutoras do questionário original - foi responsável por confeccionar a primeira versão na língua portuguesa. Após, essa primeira versão em português foi traduzida para o inglês por um tradutor nativo de um país de língua inglesa e com fluência na língua portuguesa, o qual não obteve acesso à versão original do questionário em língua inglesa.

Em seguida, o comitê revisor comparou a retrotradução com a versão inglesa original, para identificar os possíveis erros de tradução devido à dificuldade de compreensão do instrumento, sendo realizada uma harmonização e confeccionada a segunda versão em português. Posteriormente, a versão retraduzida para o inglês foi enviada à autora principal do questionário original para avaliação, e após sua aprovação, foi elaborada a terceira versão na língua portuguesa, conforme as sugestões e correções levantadas pela autora do questionário. A terceira versão em português foi revisada por um comitê de especialistas, composto por uma fisioterapeuta bilíngue especialista em terapia intensiva e duas tradutoras brasileiras com fluência na língua inglesa, sendo posteriormente elaborada a quarta versão do questionário na língua portuguesa.

O desdobramento cognitivo consistiu em testar a compreensão, a clareza e a aceitabilidade do questionário traduzido na população alvo, identificar possíveis questões problemáticas e oferecer soluções para facilitar o seu entendimento. O questionário foi aplicado de forma individual pelo pesquisador principal a cada participante, e estes foram orientados a não se atentar à acurácia das respostas, mas apresentar a compreensão das perguntas e afirmações do instrumento, bem como pontuar as dificuldades. Na sequência, os participantes realizaram um comentário aberto geral sobre o questionário, identificando sua aceitação ao mesmo.

Na última etapa do processo, a reconciliação, os comitês revisores e de especialistas reuniram-se para revisar e discutir os achados do desdobramento cognitivo, sendo realizadas as modificações pertinentes e elaborada a versão final do questionário na língua portuguesa.

RESULTADOS

Foram entrevistados 10 profissionais, entre eles quatro fisioterapeutas, dois médicos, dois enfermeiros e dois técnicos de enfermagem, sendo estes 70% do sexo feminino, com média de idade de 35,5 anos, e nove com tempo de experiência em UTI maior do que cinco anos. Todos os profissionais atuavam em uma UTI adulto com perfil clínico-cirúrgico.

Na etapa de tradução e retrotradução do questionário original, surgiram algumas dúvidas e sugestões para modificações, que posteriormente foram discutidas com a autora principal do instrumento. A autora concordou com as alterações sugeridas e, a partir da análise do comitê de especialistas, foram realizadas modificações na versão 3 em português, objetivando uma maior equivalência da versão traduzida com a original, uma melhor compreensão e adaptação do questionário para a cultura brasileira.

Em sua parte inicial, o questionário apresenta uma introdução com um glossário para facilitar o entendimento de alguns termos pelos profissionais. Nessa parte, o conceito mobilization define esta terapia como apenas mobilidade ativa e assistida do paciente, não incluindo a mobilização passiva. Porém, como no Brasil a mobilidade passiva também é considerada um tipo de mobilização, a frase foi alterada para incluir essa terapia.

Outras modificações foram necessárias em algumas questões do questionário, como a alteração de um dos exemplos de equipamento utilizado para mobilização na primeira parte da questão 2: ceiling lifts para electric lifts for the transfer of patients, visto que o último é o equipamento mais comumente encontrado nas UTIs do Brasil.

Além disso, algumas questões do instrumento original abordam a participação do profissional respiratory therapist nos cuidados de pacientes críticos, porém, essa profissão não é reconhecida no Brasil, sendo a terapia respiratória uma das funções do fisioterapeuta. Desta forma, o termo foi retirado das questões 3, 12, 16. E, pelas mesmas circunstâncias o item rehabilitation specialist também foi removido da questão 26.

A profissão nurse technician foi inserida nas questões 3, 12, 16, 19 e 27, visto que os profissionais técnicos de enfermagem participam do processo de mobilização em nosso cotidiano, mas não foram incluídos na versão original do questionário devido às diferentes competências destes profissionais no Canadá. Tendo em vista essas atribuições, além da inclusão da profissão em algumas questões, também possibilitamos que eles fizessem parte dos participantes a serem entrevistados, para que soubéssemos suas percepções sobre a importância e os conhecimentos diante da realização da MP.

Na etapa de desdobramento cognitivo, alguns itens do questionário geraram dificuldades de compreensão, como o enunciado da questão 3, o qual foi evidenciado como confuso por metade dos participantes. A tabela 1 apresenta os itens pertinentes de mudanças que foram identificados na reconciliação (Versão 4) e itens alterados após essa etapa (Versão 5).

Tabela 1
Alterações realizadas após o processo de desdobramento cognitivo

DISCUSSÃO

Neste estudo foi realizada a tradução e adaptação cultural para a língua portuguesa falada no Brasil do instrumento Canadian survey of mobilization of intensive care unit patients, utilizando-se metodologias baseadas em diretrizes bem estabelecidas na literatura. (1818. Wild D, Grove A, Martin M, Eremenco S, McElroy S, Verjee-Lorenz A, et al. Principles of good practice for the translation and cultural adaptation process for patient-reported outcomes (PRO) measures: report of the ISPOR task force for translation and cultural adaptation. Value Health. 2005;8(2):94-104. doi: 10.1111/j.1524-4733.2005.04054.x.
https://doi.org/10.1111/j.1524-4733.2005...
)- (1919. Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32. doi: 10.1016/0895-4356(93)90142-n.
https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)901...
O processo de tradução e adaptação cultural é complexo e bem detalhado, devendo-se seguir todas as recomendações para se obter a equivalência conceitual entre as versões - original e a nova versão traduzida. (2020. Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91. doi: 10.1097/00007632-200012150-00014.
https://doi.org/10.1097/00007632-2000121...

O questionário original apresenta boa confiabilidade intra-avaliador e excelente validade aparente para utilização em UTIs adulto e pediátricas1414. Koo KK, Choong K, Cook DJ, Herridge M, Newman A, Lo V, et al. Canadian critical care trials group: early mobilization of critically ill adults: a survey of knowledge, perceptions and practices of Canadian physicians and physiotherapists. CMAJ Open. 2016;4(3):448-54. doi: 10.9778/cmajo.20160021.
https://doi.org/10.9778/cmajo.20160021...
, constituindo-se de um instrumento preciso e com questões bem formuladas que abrangem diversos aspectos da MP, como barreiras e facilitadores, conhecimento teórico e prático dos profissionais, além de investigar sobre a importância desta prática pela equipe que participa deste processo. Então, considerando-se que este é o primeiro instrumento traduzido e adaptado para tais avaliações no Brasil, a sua utilização permitirá que essas questões possam ser avaliadas em diferentes regiões do país.

De acordo com estudos prévios utilizando-se a versão original do questionário no Canadá, Anekwe et al. (1212. Anekwe DE, Koo KK, de Marchie M, Goldberg P, Jayaraman D, Spahija J. Interprofessional survey of perceived barriers and facilitators to early mobilization of critically ill patients in Montreal, Canada. J Intensive Care Med. 2019;34(3):218-226. doi: 10.1177/0885066617696846.
https://doi.org/10.1177/0885066617696846...
evidenciaram que metade dos entrevistados não consideravam a MP como prioridade, apresentavam limitado conhecimento acerca dos benefícios desta prática e alto nível de discordância sobre o nível máximo permitido de atividade nos pacientes críticos. E em outro estudo, (1414. Koo KK, Choong K, Cook DJ, Herridge M, Newman A, Lo V, et al. Canadian critical care trials group: early mobilization of critically ill adults: a survey of knowledge, perceptions and practices of Canadian physicians and physiotherapists. CMAJ Open. 2016;4(3):448-54. doi: 10.9778/cmajo.20160021.
https://doi.org/10.9778/cmajo.20160021...
68,8% dos profissionais consideram a MP crucial ou muito importante no cuidado aos pacientes críticos, entretanto, 59,8% dos participantes revelaram sentir-se inadequadamente treinados para mobilizar pacientes em ventilação mecânica.

Além disso, foram reportadas importantes barreiras para a realização da MP nos níveis institucional, profissional de saúde e pacientes, entre elas: falta de protocolos e diretrizes de MP, equipamentos insuficientes, limitado número de profissionais, preocupações referentes à segurança para realizar a mobilização, bem como instabilidade clínica e sedação excessiva. (1212. Anekwe DE, Koo KK, de Marchie M, Goldberg P, Jayaraman D, Spahija J. Interprofessional survey of perceived barriers and facilitators to early mobilization of critically ill patients in Montreal, Canada. J Intensive Care Med. 2019;34(3):218-226. doi: 10.1177/0885066617696846.
https://doi.org/10.1177/0885066617696846...
), (1414. Koo KK, Choong K, Cook DJ, Herridge M, Newman A, Lo V, et al. Canadian critical care trials group: early mobilization of critically ill adults: a survey of knowledge, perceptions and practices of Canadian physicians and physiotherapists. CMAJ Open. 2016;4(3):448-54. doi: 10.9778/cmajo.20160021.
https://doi.org/10.9778/cmajo.20160021...
Além disso, os autores concluíram que as barreiras percebidas são amplamente influenciadas pelos treinamentos e conhecimentos dos profissionais. (1212. Anekwe DE, Koo KK, de Marchie M, Goldberg P, Jayaraman D, Spahija J. Interprofessional survey of perceived barriers and facilitators to early mobilization of critically ill patients in Montreal, Canada. J Intensive Care Med. 2019;34(3):218-226. doi: 10.1177/0885066617696846.
https://doi.org/10.1177/0885066617696846...

Em outros estudos internacionais, a falta de conhecimento a respeito dos riscos e benefícios da mobilização também é frequentemente reportada como barreira à MP, (77. Dubb R, Nydahl P, Hermes C, Schwabbauer N, Toonstra A, Parker AM, et al. Barriers and strategies for early mobilization of patients in intensive care units. Ann Am Thorac Soc. 2016;13(5):724-30. doi: 10.1513/AnnalsATS.201509-586CME.
https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201509...
), (1717. Jolley SE, Regan-Baggs J, Dickson RP, Hough CL. Medical intensive care unit clinician attitudes and perceived barriers towards early mobilization of critically ill patients: a cross-sectional survey study. BMC Anesthesiol. 2014;14:84. doi: 10.1186/1471-2253-14-84.
https://doi.org/10.1186/1471-2253-14-84...
demonstrando a necessidade de mudança de cultura, busca de evidências, conhecimento e interação multiprofissional. Ademais, todos os integrantes da equipe multiprofissional da UTI são essenciais para que a MP seja realizada, e os profissionais, quando comprometidos nesses esforços em conjunto, podem proporcionar uma assistência de melhor qualidade aos pacientes. (1212. Anekwe DE, Koo KK, de Marchie M, Goldberg P, Jayaraman D, Spahija J. Interprofessional survey of perceived barriers and facilitators to early mobilization of critically ill patients in Montreal, Canada. J Intensive Care Med. 2019;34(3):218-226. doi: 10.1177/0885066617696846.
https://doi.org/10.1177/0885066617696846...
), (2121. Donovan AL, Aldrich JM, Gross AK, Barchas DM, Thornton KC, Schell-Chaple HM, et al. Interprofessional care and teamwork in the ICU. Crit Care Med. 2018;46(6):980-990. doi: 10.1097/CCM.0000000000003067.
https://doi.org/10.1097/CCM.000000000000...

De acordo com os comentários finais dos participantes, percebeu-se que a pesquisa levou alguns profissionais a refletirem sobre a importância da realização da MP na prática clínica diária, bem como na colaboração e incentivo em executá-la. Já em relação ao conteúdo extenso do questionário, alguns profissionais não o perceberam como algo negativo, visto que desta forma o instrumento abrange vários aspectos da MP.

Considerando a importância da MP na redução dos prejuízos causados pela internação e em relação à melhora na recuperação funcional do paciente a longo prazo, a utilização deste instrumento para avaliar aspectos da MP por profissionais fisioterapeutas, enfermeiros, médicos e técnicos de enfermagem possibilitará conhecer a realidade em relação à MP nas UTIs do país. A realização de estudos futuros utilizando esta versão em português do questionário serão necessárias para verificar se o questionário fornece medidas reprodutíveis e válidas para ser utilizado na prática clínica e na pesquisa.

CONCLUSÃO

O questionário intitulado Pesquisa de mobilização de pacientes em unidade de terapia intensiva: conhecimento, perspectivas e práticas atuais encontra-se traduzido e adaptado culturalmente para a língua portuguesa falada no Brasil. Adicionalmente, devido às alterações realizadas no processo de tradução e adaptação cultural, considera-se que a realização de estudos futuros utilizando esta versão do questionário serão relevantes para confirmar que o instrumento fornece medidas reprodutíveis e válidas.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Diaz Ballve LP, Dargains N, Urrutia Inchaustegui JG, Bratos A, Milagros Percaz M, Bueno Ardariz C, et al. Weakness acquired in the intensive care unit. Incidence, risk factors and their association with inspiratory weakness: observational cohort study. Rev Bras Ter Intensiva. 2017;29(4):466-75. doi: 10.5935/0103-507X.20170063.
    » https://doi.org/10.5935/0103-507X.20170063
  • 2
    Jolley SE, Bunnell AE, Hough CL. ICU-Acquired weakness. Chest. 2016;150(5):1129-40. doi: 10.1016/j.chest.2016.03.045.
    » https://doi.org/10.1016/j.chest.2016.03.045
  • 3
    Ferreira NA, Lopes AJ, Ferreira AS, Ntoumenopoulos G, Dias J, Guimaraes FS. Determination of functional prognosis in hospitalized patients following an intensive care admission. World J Crit Care Med. 2016;5(4):219-27. doi: 10.5492/wjccm.v5.i4.219.
    » https://doi.org/10.5492/wjccm.v5.i4.219
  • 4
    Kress JP, Hall JB. ICU-acquired weakness and recovery from critical illness. N Engl J Med. 2014;370(17):1626-35. doi: 10.1056/NEJMra1209390.
    » https://doi.org/10.1056/NEJMra1209390
  • 5
    Zang K, Chen B, Wang M, Chen D, Hui L, Guo S, et al. The effect of early mobilization in critically ill patients: a meta-analysis. Nurs Crit Care. 2020;25(6):360-67. doi: 10.1111/nicc.12455.
    » https://doi.org/10.1111/nicc.12455
  • 6
    Tipping CJ, Harrold M, Holland A, Romero L, Nisbet T, Hodgson CL. The effects of active mobilisation and rehabilitation in ICU on mortality and function: a systematic review. Intensive Care Med. 2017;43(2):171-83. doi: 10.1007/s00134-016-4612-0.
    » https://doi.org/10.1007/s00134-016-4612-0
  • 7
    Dubb R, Nydahl P, Hermes C, Schwabbauer N, Toonstra A, Parker AM, et al. Barriers and strategies for early mobilization of patients in intensive care units. Ann Am Thorac Soc. 2016;13(5):724-30. doi: 10.1513/AnnalsATS.201509-586CME.
    » https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201509-586CME
  • 8
    Hodgson CL, Capell E, Tipping CJ. Early mobilization of patients in intensive care: organization, communication and safety factors that influence translation into clinical practice. Crit Care. 2018;22(1):77. doi: 10.1186/s13054-018-1998-9.
    » https://doi.org/10.1186/s13054-018-1998-9
  • 9
    Berney SC, Rose JW, Bernhardt J, Denehy L. Prospective observation of physical activity in critically ill patients who were intubated for more than 48 hours. J Crit Care. 2015;30(4):658-63. doi: 10.1016/j.jcrc.2015.03.006.
    » https://doi.org/10.1016/j.jcrc.2015.03.006
  • 10
    Bakhru RN, McWilliams DJ, Wiebe DJ, Spuhler VJ, Schweickert WD. Intensive care unit structure variation and implications for early mobilization practices: an international survey. Ann Am Thorac Soc. 2016;13(9):1527-37. doi: 10.1513/AnnalsATS.201601-078OC.
    » https://doi.org/10.1513/AnnalsATS.201601-078OC
  • 11
    Fontela PC, Forgiarini LA Jr, Friedman G. Clinical attitudes and perceived barriers to early mobilization of critically ill patients in adult intensive care units. Rev Bras Ter Intensiva. 2018;30(2):187-94. doi: 10.5935/0103-507X.20180037.
    » https://doi.org/10.5935/0103-507X.20180037
  • 12
    Anekwe DE, Koo KK, de Marchie M, Goldberg P, Jayaraman D, Spahija J. Interprofessional survey of perceived barriers and facilitators to early mobilization of critically ill patients in Montreal, Canada. J Intensive Care Med. 2019;34(3):218-226. doi: 10.1177/0885066617696846.
    » https://doi.org/10.1177/0885066617696846
  • 13
    Johnson K, Petti J, Olson A, Custer T. Identifying barriers to early mobilisation among mechanically ventilated patients in a trauma intensive care unit. Intensive Crit Care Nurs. 2017;42:51-54.doi: 10.1016/j.iccn.2017.06.005.
    » https://doi.org/10.1016/j.iccn.2017.06.005
  • 14
    Koo KK, Choong K, Cook DJ, Herridge M, Newman A, Lo V, et al. Canadian critical care trials group: early mobilization of critically ill adults: a survey of knowledge, perceptions and practices of Canadian physicians and physiotherapists. CMAJ Open. 2016;4(3):448-54. doi: 10.9778/cmajo.20160021.
    » https://doi.org/10.9778/cmajo.20160021
  • 15
    Hoyer EH, Brotman DJ, Chan KS, Needham DM. Barriers to early mobility of hospitalized general medicine patients: survey development and results. Am J Phys Med Rehabil. 2015;94(4):304-12. doi: 10.1097/PHM.0000000000000185.
    » https://doi.org/10.1097/PHM.0000000000000185
  • 16
    Harris CL, Shahid S. Physical therapy-driven quality improvement to promote early mobility in the intensive care unit. Proc (Bayl Univ Med Cent). 2014;27(3):203-7. doi: 10.1080/08998280.2014.11929108.
    » https://doi.org/10.1080/08998280.2014.11929108
  • 17
    Jolley SE, Regan-Baggs J, Dickson RP, Hough CL. Medical intensive care unit clinician attitudes and perceived barriers towards early mobilization of critically ill patients: a cross-sectional survey study. BMC Anesthesiol. 2014;14:84. doi: 10.1186/1471-2253-14-84.
    » https://doi.org/10.1186/1471-2253-14-84
  • 18
    Wild D, Grove A, Martin M, Eremenco S, McElroy S, Verjee-Lorenz A, et al. Principles of good practice for the translation and cultural adaptation process for patient-reported outcomes (PRO) measures: report of the ISPOR task force for translation and cultural adaptation. Value Health. 2005;8(2):94-104. doi: 10.1111/j.1524-4733.2005.04054.x.
    » https://doi.org/10.1111/j.1524-4733.2005.04054.x
  • 19
    Guillemin F, Bombardier C, Beaton D. Cross-cultural adaptation of health-related quality of life measures: literature review and proposed guidelines. J Clin Epidemiol. 1993;46(12):1417-32. doi: 10.1016/0895-4356(93)90142-n.
    » https://doi.org/10.1016/0895-4356(93)90142-n
  • 20
    Beaton DE, Bombardier C, Guillemin F, Ferraz MB. Guidelines for the process of cross-cultural adaptation of self-report measures. Spine (Phila Pa 1976). 2000;25(24):3186-91. doi: 10.1097/00007632-200012150-00014.
    » https://doi.org/10.1097/00007632-200012150-00014
  • 21
    Donovan AL, Aldrich JM, Gross AK, Barchas DM, Thornton KC, Schell-Chaple HM, et al. Interprofessional care and teamwork in the ICU. Crit Care Med. 2018;46(6):980-990. doi: 10.1097/CCM.0000000000003067.
    » https://doi.org/10.1097/CCM.0000000000003067
  • 1
    Fonte de financiamento: nada a declarar
  • 3
    Aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos - Parecer nº 2.985.996.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Set 2021
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2021

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2020
  • Aceito
    07 Jul 2021
Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 225 2° andar. , 05403-010 São Paulo SP / Brasil, Tel: 55 11 2661-7703, Fax 55 11 3743-7462 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revfisio@usp.br