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Paulo Freire: 100 anos da educação como prática para a liberdade

O ano de 2021 ficará marcado no Brasil e em grande parte do mundo pela multiplicidade de crises vivenciadas: a crise sanitária provocada pelo COVID-19; a crise socioambiental provocada pelos desmatamentos, pela poluição e pelas mudanças climáticas; a crise política com ameaças permanentes à democracia e a crise econômica com o aumento da desigualdade, desemprego e pobreza.

Foi um ano muito duro para a população brasileira que, no entanto, não deixou de lutar por um mundo mais justo e democrático por meio de ações coletivas, manifestações públicas, fóruns de debates, incidência política e atos de solidariedade. Entre as várias atividades realizadas podemos citar aquelas em torno do centenário de nascimento do educador Paulo Freire.

Em razão dos ataques sofridos por grupos conservadores, celebrar o centenário do educador Paulo Freire passou a ser um ato político contra o retrocesso de direitos da população mais pobre, e contra todas as formas de exclusão e marginalização de setores da sociedade. As atividades não só fizeram silenciar os ataques à sua pessoa e ao seu legado, como produziram um aumento visível do interesse sobre a sua vida e obra. Este crescimento não se restringiu apenas ao campo da educação, o que pode ser notado pelas matérias de jornais e revistas de grande circulação, pelas exposições em circuitos culturais amplos, pelas obras artísticas e eventos no Brasil e em outros países.

É neste contexto de ampliação do interesse pela vida e obra do educador que ofereço um roteiro possível de leitura dos seus livros.

Paulo Freire nasceu em 1921, na cidade do Recife, e deixou o país exilado em fins de 1964, como decorrência do golpe civil-militar daquele ano. Quando foi perseguido, preso e acusado de traidor, Freire preparava um programa nacional de alfabetização pelo governo Jango Goulart. Durante estes primeiros anos da sua vida construiu as bases do seu pensamento: definiu-se como cristão, experimentou a pobreza, teve uma boa escolaridade, participou das primeiras experiências no campo da educação, militou no movimento de cultura popular e na pastoral católica, e fez seus primeiros experimentos com alfabetização de jovens e adultos, unindo educação e política. O livro que melhor retrata este período é Educação como prática para a liberdade11. Freire P. Educação como prática da liberdade. 4th ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1974..

No exílio, depois de passar rapidamente pela Bolívia, instalou-se em Santiago do Chile. Nos quatro anos de permanência na cidade, acolheu sua família, trabalhou com camponeses e apoiou o Ministério de Educação do governo Frei em programas de alfabetização. Ali escreveu o seu livro mais famoso, Pedagogia do oprimido22. Freire P. Pedagogia do oprimido. 18th ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1987., que seria publicado em 1970, nos Estados Unidos, Argentina e Uruguai. O livro recupera ideias anteriores, incorpora uma literatura marxista e oferece um material riquíssimo para o trabalho político-pedagógico com setores populares.

De Santiago partiu para lecionar na Universidade de Harvard, nos Estados Unidos, por um ano. Em 1970, mudou-se para Genebra, na Suíça, para trabalhar no Conselho Mundial de Igrejas. Nos dez anos que ali permaneceu, fez 150 viagens internacionais, tornando-se amplamente conhecido, assim como seu pensamento, apoiado pelas muitas traduções do livro Pedagogia do oprimido22. Freire P. Pedagogia do oprimido. 18th ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1987.. Nos últimos cinco anos dedicou-se prioritariamente ao trabalho com governos de países africanos recém-saídos do domínio português. Sua obra mais importante sobre este período é Cartas à Guiné-Bissau33. Freire P. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1977..

No retorno ao Brasil, em 1980, lecionou na PUC-SP e na Unicamp; em 1989, assumiu a secretaria de educação do governo Luiza Erundina, em São Paulo e veio a falecer em 1997. Duas obras se destacam neste período: Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido44. Freire P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 2nd ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1992. e Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa55. Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 6th ed. São Paulo: Paz e Terra; 1996.. A primeira refaz o caminho construído que o levou a escrever seu livro mais conhecido e comenta sobre o seu impacto; a segunda, como o próprio nome indica, é um livro voltado ao professorado sobre seu pensamento pedagógico, mas também extremamente útil para o trabalho de intervenção social em outros campos do conhecimento.

Finamente, recomendo que a leitura dos livros acima indicados seja precedida por uma biografia que situe historicamente suas obras nas diversas fases de sua vida e no contexto histórico em que ocorreram. Para tal, sugiro o livro: O educador - um perfil de Paulo Freire66. Haddad S. O educador: um perfil de Paulo Freire. São Paulo: Todavia; 2019..

REFERÊNCIAS

  • 1
    Freire P. Educação como prática da liberdade. 4th ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1974.
  • 2
    Freire P. Pedagogia do oprimido. 18th ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1987.
  • 3
    Freire P. Cartas à Guiné-Bissau: registros de uma experiência em processo. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1977.
  • 4
    Freire P. Pedagogia da esperança: um reencontro com a Pedagogia do Oprimido. 2nd ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 1992.
  • 5
    Freire P. Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática educativa. 6th ed. São Paulo: Paz e Terra; 1996.
  • 6
    Haddad S. O educador: um perfil de Paulo Freire. São Paulo: Todavia; 2019.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021
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