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O uso da análise da variabilidade da frequência cardíaca no monitoramento de lesões esportivas e sua influência sobre o balanço autonômico: uma revisão sistemática

El uso del análisis de variabilidad de la frecuencia cardíaca en el seguimiento de lesiones deportivas y su influencia en el balance autónomo: una revisión sistemática

RESUMO

O objetivo desta revisão busca compreender o uso da variabilidade da frequência cardíaca (VFC) para identificar sua relação com a ocorrência de lesões esportivas que não envolvem contato, além de indicar padrões da VFC após concussões para orientar o retorno seguro ao esporte. Foi realizada uma revisão sistemática nas bases de dados Pubmed, EMBASE e PEDRo, incluindo artigos até dezembro de 2020, utilizando os seguintes termos: ((((athletes OR players) AND (Heart Hate Variability OR HRV)) AND (sport OR sports OR exercises OR physical activity)) AND (injuries OR injury)). Os princípios de elegibilidade de PICOS foram: P (population): atletas, I (intervention): o uso da VFC, C (control): atletas não lesionados, O (outcomes): índices de VFC e suas relações com lesões esportivas, e S (study): estudos em seres humanos. De 62 artigos identificados na busca, 12 foram incluídos na revisão, sendo 6 mostrando que a diminuição da VFC e o desequilíbrio simpatovagal estão relacionados à fadiga, overtraining e overreaching; e 6 artigos relacionados com a avaliação da VFC pós-concussão, onde identificaram alteração de modulação autonômica nos atletas concussionados que vão além da ausência dos sintomas. Em conclusão, a VFC pode ser uma ferramenta utilizada no âmbito esportivo para identificar maior risco de lesões esportivas sem contato, identificando situações de fadiga, overtraining e overreaching, como também auxiliar no processo de retorno ao esporte pós-concussão cerebral pela avaliação do balanço autonômico.

Descritores:
Esportes, Ferimentos e Lesões; Frequência Cardíaca

RESUMEN

El objetivo de esta revisión fue estimar el uso de la variabilidad de la frecuencia cardíaca (VFC) para identificar su relación con la ocurrencia de lesiones deportivas sin contacto, así como indicar patrones de VFC después de concusiones para auxiliar en el regreso seguro al deporte. Se realizó una revisión sistemática en las bases de datos PubMed, EMBASE y PEDRo de artículos publicados hasta diciembre de 2020 utilizando las siguientes palabras clave: ((((athletes OR players) AND (Heart Hate Variability OR HRV)) AND (sport OR sports OR exercises OR physical activity)) AND (injuries OR injury)). Los principios de elegibilidad de PICOS fueron: P (population): atletas, I (intervention): el uso de VFC, C (control): deportistas sin lesión, O (outcomes): índices de VFC y su relación con las lesiones deportivas, y S (study): estudios en humanos. De 62 artículos encontrados, se incluyeron 12 en la revisión, de los cuales 6 muestran que la disminución de la VFC y el desequilibrio simpatovagal están relacionados con la fatiga, overtraining y overreaching; y 6 artículos, con la evaluación de la VFC posconcusión, que identificaron cambios en la modulación autonómica en deportistas con conmoción que van más allá de la ausencia de síntomas. Se concluye que la VFC puede ser una herramienta útil para identificar un mayor riesgo de lesiones deportivas sin contacto como las situaciones de fatiga, overtraining y overreaching, así como para ayudar en el proceso de regreso al deporte después de una concusión cerebral mediante la evaluación del balance autonómico.

Palabras clave:
Desportes; Lesiones; Heridas y Traumatismos; Frecuencia Cardíaca

ABSTRACT

The objective of this review was to understand the use of heart rate variability (HRV) to identify its relationship with the occurrence of no contact sports injuries, in addition to indicating patterns of HRV after concussions and to the guidance in the process of returning to sport. A systematic review was carried out on the Pubmed, EMBASE, and PEDRo databases from its origin until December 2020, using the following terms: (((((athletes OR players) AND (Heart Hate Variability OR HRV)) AND (sport OR sports OR exercises OR physical activity)) AND (injuries OR injury)). The PICOS eligibility principles were: P (population): athletes, I (intervention): the use of HRV, C (control): uninjured athletes, O (outcomes): HRV indices and their relationship with sports injuries, and S (study): studies in humans. Of the 62 papers identified in the search, 12 were included in the review, 6 showing that decreased HRV and sympathetic-vagal imbalance are related to fatigue, overtraining, and overreaching; and 6 articles related to the assessment of HRV after a concussion, which identified changes in autonomic modulation in concussion athletes. In conclusion, the HRV may be a tool used in sports to identify a greater risk of no contact sports injuries, identifying situations of fatigue, overtraining, and overreaching, as well as assisting in the process of returning to sport after a cerebral concussion by assessing the autonomic balance.

Keywords:
Sport; Wounds and Injuries; Heart Rate

INTRODUÇÃO

O esporte de alto rendimento exige níveis de engajamento do atleta que se aproximam do máximo na maior parte da temporada, tornando o profissional sobrecarregado, podendo chegar frequentemente ao desequilíbrio psicológico e fisiológico, potencializando o risco de desenvolver lesões que o prejudiquem na sua carreira11. Terra VDS, Falcoski F, Padovani RC, Colantonio E. A meditação no esporte de alto rendimento: revisão sistematizada da literatura. Pensar Prat. 2018;21(2):459-77. doi: 10.5216/rpp.v21i2.48561.
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. Desse modo, encontrar uma abordagem preventiva, em busca de reduzir as chances das lesões esportivas, assim como monitorar o retorno do atleta a sua atividade, pode tornar essa prática mais eficiente e segura22. Lauersen JB, Bertelsen DM, Andersen LB. The effectiveness of exercise interventions to prevent sports injuries: a systematic review and meta-analysis of randomised controlled trials. Br J Sports Med. 2014;48(11):871-7. doi:10.1136/bjsports-2013-092538.
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)- (44. Gisselman AS, Baxter GD, Wright A, Hegedus E, Tumilty E. Musculoskeletal overuse injuries and heart rate variability: is there a link? Med Hypotheses. 2016; 87:1-7. doi: 10.1016/j.mehy.2015.12.003
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O adequado funcionamento do sistema cardiovascular é essencial para um desempenho esportivo de alto-rendimento. Como o coração recebe inervações do Sistema Nervoso Autônomo (SNA), seu controle é de acordo com as necessidades do nosso organismo, variando sua frequência de batimentos e volume ejetado para suprir a demanda metabólica para manter a homeostase55. Vanderlei LC, Pastre CM, Hoshi RA, Carvalho TD, Godoy MF. Basic notions of heart rate variability and its clinical applicability. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(2):205-17. doi:10.1590/s0102-76382009000200018.
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. A Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) vem se tornando um importante biomarcador de carga interna no esporte44. Gisselman AS, Baxter GD, Wright A, Hegedus E, Tumilty E. Musculoskeletal overuse injuries and heart rate variability: is there a link? Med Hypotheses. 2016; 87:1-7. doi: 10.1016/j.mehy.2015.12.003
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, por inferir a modulação autonômica do organismo humano de forma não invasiva, com baixo custo e de fácil aquisição44. Gisselman AS, Baxter GD, Wright A, Hegedus E, Tumilty E. Musculoskeletal overuse injuries and heart rate variability: is there a link? Med Hypotheses. 2016; 87:1-7. doi: 10.1016/j.mehy.2015.12.003
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), (66. Lima-Borges DS, Martinez PF, Vanderlei LCM, Barbosa FSS, Oliveira-Junior SA. Autonomic modulations of heart rate variability are associated with sports injury incidence in sprint swimmers. Phys Sportsmed. 2018;46(3):374-384. doi:10.1080/00913847.2018.1450606.
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. A VFC descreve as oscilações dos intervalos R-R do eletrocardiograma, que estão relacionados com as influências autonômicas sobre o nó sino-atrial, e seus índices podem ser obtidos por meio de métodos lineares, como: pelo tempo, na variável rMSSD (raiz quadrada da média do quadrado das diferenças entre intervalos R-R normais adjacentes); ou pela frequência, nos componentes de alta frequência (High Frequency - HF), indicador da atuação do nervo vago sobre o coração, ou de baixa frequência (Low Frequency - LF), decorrente de ação conjunta do ramo simpático e parassimpático sobre a FC. A razão LH/HF expressa o balanço autonômico55. Vanderlei LC, Pastre CM, Hoshi RA, Carvalho TD, Godoy MF. Basic notions of heart rate variability and its clinical applicability. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(2):205-17. doi:10.1590/s0102-76382009000200018.
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), (66. Lima-Borges DS, Martinez PF, Vanderlei LCM, Barbosa FSS, Oliveira-Junior SA. Autonomic modulations of heart rate variability are associated with sports injury incidence in sprint swimmers. Phys Sportsmed. 2018;46(3):374-384. doi:10.1080/00913847.2018.1450606.
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do SNA, é possível utilizar esta ferramenta em uma tentativa de monitorar as lesões, tão Compreendendo, portanto, que analisar as mudanças da VFC é, também, analisar o comportamento corriqueiras e inconvenientes no esporte44. Gisselman AS, Baxter GD, Wright A, Hegedus E, Tumilty E. Musculoskeletal overuse injuries and heart rate variability: is there a link? Med Hypotheses. 2016; 87:1-7. doi: 10.1016/j.mehy.2015.12.003
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. Uma baixa VFC indica que o SNA não está se adaptando suficientemente as necessidades do organismo, o qual pode sofrer um estresse energético e falhar55. Vanderlei LC, Pastre CM, Hoshi RA, Carvalho TD, Godoy MF. Basic notions of heart rate variability and its clinical applicability. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(2):205-17. doi:10.1590/s0102-76382009000200018.
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. Assim como atletas com um predomínio de ativação simpática no repouso tendem a estar mais expostos às lesões ou ainda não estarem prontos para retornar à atividade após uma lesão66. Lima-Borges DS, Martinez PF, Vanderlei LCM, Barbosa FSS, Oliveira-Junior SA. Autonomic modulations of heart rate variability are associated with sports injury incidence in sprint swimmers. Phys Sportsmed. 2018;46(3):374-384. doi:10.1080/00913847.2018.1450606.
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É teorizado que microtraumas acumulados nos tecidos somáticos de atletas podem modular a resposta da VFC. Diante disso, é entendido que a resposta inflamatória anormal do tecido aumenta a modulação do sistema nervoso simpático e, consequentemente, altera os intervalos entre batimentos cardíacos consecutivos, levando a um aumento do metabolismo mesmo em situação de repouso44. Gisselman AS, Baxter GD, Wright A, Hegedus E, Tumilty E. Musculoskeletal overuse injuries and heart rate variability: is there a link? Med Hypotheses. 2016; 87:1-7. doi: 10.1016/j.mehy.2015.12.003
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), (55. Vanderlei LC, Pastre CM, Hoshi RA, Carvalho TD, Godoy MF. Basic notions of heart rate variability and its clinical applicability. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2009;24(2):205-17. doi:10.1590/s0102-76382009000200018.
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. Assim, presume-se que o acompanhamento da VFC pode fornecer informações úteis sobre a modulação do SNA no organismo humano e, em um atleta, alterações nesse sistemas podem refletir impactos na sua rotina de treino e performance.

Dessa maneira, esta revisão objetiva compreender o uso da VFC como uma ferramenta para predizer risco aumentado da ocorrência de lesões esportivas que não envolvem contato, e para descrever parâmetros de recuperação para um retorno ao esporte mais seguro.

METODOLOGIA

Desenho e estratégia de busca

Foi desenvolvida uma revisão sistemática baseada nas indicações do Prisma Statement e AMSTAR277. Liberati A, Altman DG, Tetzlaff J, Mulrow C, Gotzsche PC, Ioannidis JP, et al. The PRISMA statement for reporting systematic reviews and meta-analyses of studies that evaluate health care interventions: explanation and elaboration. J Clin Epidemiol. 2009;62(10):e1-34. doi: 10.1016/j.jclinepi.2009.06.006.
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), (88. Shea BJ, Reeves BC, Wells G, Thuku M, Hamel C, Moran J, et al. AMSTAR 2: a critical appraisal tool for systematic reviews that include randomised or non-randomised studies of healthcare interventions, or both. BMJ. 2017;358:j400. doi: 10.1136/bmj.j4008.
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. Foi realizada um busca de artigos na língua inglesa nas bases de dados PubMed, EMBASE e PEDRo, até dezembro de 2020. Os termos MeSH (Medical Subject Headings) e seus sinônimos utilizados foram: ((((athletes OR players) AND (Heart Hate Variability OR HRV)) AND (sport OR sports OR exercises OR physical activity)) AND (injuries OR injury)).

Critérios de elegibilidade e seleção

De acordo com os princípios de elegibilidade de Picos, consideramos P (population): os atletas, I (intervention): o uso da VFC, C (control): atletas não lesionados, O (outcomes): índices de VFC e suas relações com lesões esportivas, e S (study): estudos em seres humanos.

Os artigos selecionados na primeira busca foram avaliados pela leitura dos seus títulos e resumos por três pesquisadores independentes (HGM, GCS, JGFS). Qualquer desacordo, um quarto autor foi acionado (GDF). Após, foram realizadas leituras do artigo completo para seleção e extração dos dados de acordo com critérios estabelecidos.

Seleção dos estudos e extração dos dados

O critério de inclusão foram artigos sobre o uso da VFC como ferramenta para a predição de lesões ou para o monitoramento dos atletas após o acontecimento da mesma para retorno ao esporte. É importante ressaltar que, para variáveis de predição de risco de lesões, foram incluídas apenas as lesões músculo-esqueléticas e articulares sem contato, além de condições de fadiga e overtraining, visto que lesões por contato são inerentes à prática esportiva, menos dependentes da anatomia e da fisiologia do atleta, não podendo ser detectadas por ferramentas tecnológicas ou prevenidas pelos profissionais da saúde. Todavia, para acompanhamento pós-lesão, foram adicionadas também as lesões com contato, visto que neste caso o objetivo é acompanhar a recuperação fisiológica do atleta após o dano. Como critérios de exclusão, foram considerados artigos nos quais a VFC não foi utilizada como marcador fisiológico relacionado às lesões, estudos de hipóteses ou protocolos sem resultados. Para extração de dados, foram selecionados: Autor, ano, país, tipo de estudo, participantes, intervenção, medidas analisadas e principais resultados.

RESULTADOS

Fluxograma dos estudos

Nossa busca identificou 62 artigos (52 no Pubmed, 8 no Embase e 2 no PEDro). Após análise de títulos e resumos 15 artigos foram selecionados para avaliação completa. Destes, 12 artigos foram incluídos na revisão sistemática (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma dos estudos: a busca nas bases de dados encontrou 62 estudos e, após seleção, 12 foram incluídos na revisão sistemática

Descrição dos estudos

As Tabelas 1 e 2 demonstram os dados extraídos dos estudos selecionados. Sendo a Tabela 1 indicação do uso da VFC para predizer o risco aumentado de lesão e sua relação com fadiga, overreaching e overtraining, enquanto a Tabela 2, indica o uso da VFC para monitorar parâmetros após a lesão, em que todos os artigos incluídos, por coincidência, trataram de concussão cerebral.

Tabela 1
Uso da Variabilidade da Frequência Cardíaca (VFC) para predizer o aumento do risco de lesão
Tabela 2:
Uso da Variabilidade da Frequência Cardíaca para monitorar parâmetros após a lesão de concussão cerebral

DISCUSSÃO

Nesta revisão, abordamos o uso da VFC para auxiliar no processo de predição de lesões sem contato, e para o retorno ao esporte após uma concussão.

Em relação ao aumento de risco de lesões sem contato, atletas de provas de maiores intensidades, com treinamentos e competições de altas cargas e repetitividade, estão expostos a uma grande ativação simpática durante a maior parte do macrociclo, mesmo durante o repouso, e são alvos mais frequentes de overtraining, o que aumenta a chance de lesões, comparados à atletas de provas menos intensas66. Lima-Borges DS, Martinez PF, Vanderlei LCM, Barbosa FSS, Oliveira-Junior SA. Autonomic modulations of heart rate variability are associated with sports injury incidence in sprint swimmers. Phys Sportsmed. 2018;46(3):374-384. doi:10.1080/00913847.2018.1450606.
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. De forma semelhante acontece com profissionais de futebol expostos à partidas de alta intensidade, onde há diminuição de modulação autonômica de atletas mais fadigados por até 72 horas após a partida99. Muñoz-López A, Nakamura F, Orellana JN. Soccer matches but not training sessions disturb cardiac-autonomic regulation during national soccer team training camps. Res Q Exerc Sport. 2021;92(1):43-51. doi: 10.1080/02701367.2019.1708843.
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No mesmo sentido, há um aumentado risco de lesão quando os atletas apresentaram baixo rMSSD (baixa VFC) e alta carga de treino (ACWR - acute/chronic workload ratio), destacando também que as lesões são mais frequentes naqueles atletas com alta LF/HF e que, ainda assim, treinam intensivamente (alto ACWR), influenciando no processo de capacidade/demanda1010. Williams S, Booton T, Watson M, Rowland D, Altini M. Heart rate variability is a moderating factor in the workload-injury relationship of competitive CrossFit(tm) athletes. J Sports Sci Med [Internet]. 2017 [cited 2021 Sep 27];16(4):443-9. Available from: https://bit.ly/39KyrF8
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A fadiga causada pelos treinos e competições está relacionada diretamente com um maior tônus simpático, além do que, uma recuperação mais satisfatória está relacionada com uma predominância do tônus parassimpático durante o repouso. Em corredores, o principal desbalanço do SNA, com predomínio simpático no repouso, ocorre no dia seguinte a uma competição, devido ao impacto físico e ao estresse psicológico1111. Leti T, Bricout VA. Interest of analyses of heart rate variability in the prevention of fatigue states in senior runners. Auton Neurosci. 2013;173(1-2):14-21. doi:10.1016/j.autneu.2012.10.007.
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Uma maior modulação cardíaca simpática é observada devido ao aumento da frequência e intensidade dos estímulos, o que pode levar os esportistas a apresentarem um estado de overreaching1212. Baumert M, Brechtel L, Lock J, Hermsdorf M, Wolff R, Baier V, et al. Heart rate variability, blood pressure variability, and baroreflex sensitivity in overtrained athletes. Clin J Sport Med. 2006;16(5):412-7. doi:10.1097/01.jsm.0000244610.34594.07.
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, alteração fisiológica por treinamento excessivo relacionado com um desequilíbrio autonômico e, consequentemente, uma alteração da VFC1313. Kajaia T, Maskhulia L, Chelidze K, Akhalkatsi V, Kakhabrishvili Z. The effects of non-functional overreaching and overtraining on autonomic nervous system function in highly trained athletes. Georgian Med News. 2017;(264):97-103..

É importante ressaltar ainda, que as condições consideradas até então não são aquelas geradas por contato físico, pois nessas não há marcadores fisiológicos que permitem a predição da lesão, uma vez que ela é fruto de impacto externo e não de alterações fisiológicas.

Observamos, nos estudos apresentados, que uma modulação simpática excessiva está associado, muitas vezes, a treinos excessivos ou intensos (overtraining, overreaching), estados de fadiga e curto período de recuperação, situações que normalmente aumentam os riscos às lesões. Portanto, é nítido que a VFC pode ser uma ferramenta valiosa para prover informações úteis para minimizar as lesões no esporte, pelo acompanhamento do equilíbrio autonômico dos atletas, para que assim haja intervenção profissional para ajustar a carga de treino e tempo de recuperação do esportista às suas capacidades fisiológicas.

Assim como a VFC pode ser um instrumento valioso para auxiliar na predição de lesões, ela também pode ser um método importante para o acompanhamento de atletas após lesões, como as concussões. Isso porque atletas com concussão apresentam uma baixa adaptabilidade do SNA, e enquanto não retomarem estas respostas a níveis fisiológicos, estarão em risco se retornarem às suas atividades1414. Bishop SA, Dech RT, Guzik P, Neary JP. Heart Rate Variability and implication for sport concussion. Clin Physiol Funct Imaging. 2018; 38(5):733-42. doi: 10.1111/cpf.12487.
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. O estudo de Johnson e colaboradores realizou a técnica de Face Cooling (aplicação de gelo à 0ºC no rosto dos atletas) e não constatou respostas esperadas e adaptativas do SNA nas variáveis da VFC nos atletas que haviam tido uma concussão, demonstrando déficit do controle interno1515. Johnson BD, O'Leary MC, McBryde M, Sackett JR, Schlader ZJ, Leddy JJ. Face cooling exposes cardiac parasympathetic and sympathetic dysfunction in recently concussed college athletes. Physiol Rep. 2018;6(9):e13694. doi:10.14814/phy2.13694.
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No estudo de Hutchison et al., esportistas que sofreram concussões apresentaram uma desregulação parassimpática (diminuição da HF) que se estendeu do período pós-lesão até uma semana após o retorno aos treinos, quando os atletas não tinham mais sintomas1616. Hutchison MG, Mainwaring L, Senthinathan A, Churchill N, Thomas S, Richards D. Psychological and physiological markers of stress in concussed athletes across recovery milestones. J Head Trauma Rehabil. 2017;32(3):E38-E48. doi:10.1097/HTR.0000000000000252.
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. Atletas com concussão já assintomáticos, no estágio pós-agudo da lesão (em média de 95 dias após), ainda apresentaram uma modulação parassimpática reduzida, indicado pela redução do valor absoluto de HF em resposta a um teste de força1717. Abaji JP, Curnier D, Moore RD, Ellemberg D. Persisting effects of concussion on Heart Rate Variability during physical exertion. J Neurotrauma. 2016;33(9):811-7. doi:10.1089/neu.2015.3989.
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Acrescenta-se ainda, que quanto maior o número de concussões já sofridas pelos atletas, maior é a LF/HF no repouso, mesmo após o retorno ao esporte, clarificando a maior recorrência e possibilidade de serem acometidos por esse tipo de lesão novamente1818. Senthinathan A, Mainwaring LM, Hutchison M. Heart Rate Variability of athletes across concussion recovery milestones: a preliminary study. Clin J Sport Med. 2017;27(3):288-95. doi:10.1097/JSM.0000000000000337.
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No âmbito da análise da recuperação após a concussão, a VFC pode ser dividida em 3 fases. A primeira delas consiste no aumento da modulação simpática até por volta do 30º dia depois da lesão com grande manifestação de sintomas (físicos, cognitivos, emocionais e de fadiga). Na segunda fase, há um aumento da modulação parassimpática até por volta do 75º dia pós-concussão para o sexo masculino e 90º dia para o sexo feminino, em que há diminuição de sintomas. A terceira fase vai até, em média, o 120º dia para o sexo masculino que é quando normalmente não se apresentam mais nenhum sintoma e há um equilíbrio autonômico, sendo que nas mulheres este aspecto pode demorar ainda mais1919. Paniccia M, Taha T, Keightley M, Thomas S, Verweel L, Murphy J, et al. Autonomic function following concussion in youth athletes: an exploration of heart rate variability using 24-hour recording methodology. J Vis Exp. 2018;(139):58203. doi:10.3791/58203.
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. A alteração de parâmetros de atletas femininas se mostrou mais sensível após a concussão, hipotetizando uma desregulação parassimpática (menor HF e maior risco à lesão). Homens, por outro lado, tendem a ser mais sensíveis a desregulação simpática, o que explica atletas masculinos apresentarem maiores distúrbios de humor pós-concussão1616. Hutchison MG, Mainwaring L, Senthinathan A, Churchill N, Thomas S, Richards D. Psychological and physiological markers of stress in concussed athletes across recovery milestones. J Head Trauma Rehabil. 2017;32(3):E38-E48. doi:10.1097/HTR.0000000000000252.
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Na prática, o retorno ao esporte acontece muito antes do equilíbrio autonômico, o que pode deixar o atleta em risco de ter uma nova lesão ou concussão. Os estudos relataram retorno aos treinos dependente de sintomas apresentados, com medianas de 14 e 18 dias pós-concussão, porém, com uma amplitude muito alta1616. Hutchison MG, Mainwaring L, Senthinathan A, Churchill N, Thomas S, Richards D. Psychological and physiological markers of stress in concussed athletes across recovery milestones. J Head Trauma Rehabil. 2017;32(3):E38-E48. doi:10.1097/HTR.0000000000000252.
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), (1818. Senthinathan A, Mainwaring LM, Hutchison M. Heart Rate Variability of athletes across concussion recovery milestones: a preliminary study. Clin J Sport Med. 2017;27(3):288-95. doi:10.1097/JSM.0000000000000337.
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. Apesar de muitas vezes os atletas minimizarem os sintomas, concussões podem ocasionar danos metabólicos que persistam por um período mais longo1616. Hutchison MG, Mainwaring L, Senthinathan A, Churchill N, Thomas S, Richards D. Psychological and physiological markers of stress in concussed athletes across recovery milestones. J Head Trauma Rehabil. 2017;32(3):E38-E48. doi:10.1097/HTR.0000000000000252.
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, o que pode ser acompanhado com a utilização da avaliação da VFC, sugerindo prontidão e evitando retorno precoce. Isto foi demonstrado quando atletas com concussão apresentaram perturbações na VFC na posição sentado e de pé, tanto nas fases sintomática e assintomática, indicando que esportistas liberados para treinar, mesmo estando assintomáticos, ainda podem apresentar desregulação metabólica e não estão completamente recuperados, necessitando de um acompanhamento mais individualizado1818. Senthinathan A, Mainwaring LM, Hutchison M. Heart Rate Variability of athletes across concussion recovery milestones: a preliminary study. Clin J Sport Med. 2017;27(3):288-95. doi:10.1097/JSM.0000000000000337.
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Por fim, o estudo de Gall, Parkhouse e Goodman2020. Gall B, Parkhouse W, Goodman D. Heart rate variability of recently concussed athletes at rest and exercise. Med Sci Sports Exerc. 2004;36(8):1269-74. doi:10.1249/01.mss.0000135787.73757.4d.
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, avaliou a VFC no período agudo pós-concussão, e observou que apesar de no repouso não ter tido diferenças entre um grupo de atletas que teve concussão comparados a um grupo controle, durante a prática de exercício (bicicleta), os atletas pós-concussão demonstraram redução da média dos intervalos R-R, e alteração nas potências de LF e HF, o que indica que uma má modulação simpatovagal em resposta ao exercício.

Aspectos fortes e limitações da revisão

A principal limitação deste trabalho foi a seleção de artigos apenas da língua inglesa, porém, justifica-se por este tema ser específico e relativamente novo, assim, a intenção foi incluir artigos publicados em revistas com maior impacto e visibilidade para compor a revisão. Outro ponto de limitação foi que, mesmo com esta seleção sistematizada, os artigos incluídos na revisão não relatam a utilização de métodos de cegamento da amostra e dos pesquisadores, os quais tinham acesso ao histórico de treino, competição e lesão dos atletas. Porém, este trabalho tem como aspecto positivo que os artigos incluídos descrevem dados de avaliações da VFC prévios às lesões, para auxiliar no perfil de risco e identificar se o atleta está mais ou menos exposto às lesões sem contato; bem como análise da VFC no período de recuperação pós-concussão, para possibilitar a tomada de decisão dos profissionais da saúde em relação ao retorno ao esporte com maior segurança.

CONCLUSÃO

A VFC pode ser uma ferramenta utilizada no âmbito esportivo para identificar maior risco de lesões esportivas sem contato, identificando que a baixa variabilidade ou desbalanço autonômico estão relacionados com situações de fadiga, overtraining e overreaching, como também auxiliar no processo de retorno ao esporte pós-concussão cerebral pela avaliação de prontidão do atleta. Assim, encorajamos o uso da VFC como ferramenta para ser utilizada pela equipe de saúde no meio esportivo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2021

Histórico

  • Recebido
    30 Jul 2021
  • Aceito
    21 Ago 2021
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