Incapacidade, desempenho físico-funcional e ambiente de vizinhança: avaliação de idosos comunitários com base na Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

Discapacidad, desempeño físico-funcional y ambiente del barrio: evaluación de ancianos residentes en comunidad a partir de la Clasificación Internacional del Funcionamiento, de la Discapacidad y de la Salud

RESUMO

A Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF) ainda é uma ferramenta distante e muitas vezes temida na área da saúde do idoso. Diante disso, o objetivo deste estudo foi descrever a incapacidade nas atividades da vida diária (AVDs), as limitações no desempenho físico-funcional e a percepção do ambiente de vizinhança em idosos comunitários do extremo sul de Santa Catarina, classificando-os segundo os domínios e qualificadores propostos pela CIF. Tratou-se de estudo transversal realizado com idosos de ambos os sexos. As variáveis analisadas foram categorizadas de acordo com os domínios da CIF: (1) funções e estruturas do corpo: testes de desempenho físico-funcional; (2) atividade e participação: instrumento de autoavaliação das AVDs; e (3) fatores ambientais: autopercepção do ambiente de vizinhança. Foram avaliados 308 idosos, sendo a maioria mulheres (57,8%) e com idade entre 60 e 69 anos (54,7%). Considerando os qualificadores da CIF, verificou-se maior dificuldade moderada/grave para o teste de sentar e levantar da cadeira de 5 repetições (TSLC5R) (66,2%) no domínio “função e estrutura do corpo”, enquanto para o domínio “atividade e participação” observou-se a prevalência de incapacidade moderada/grave para a tarefa de cortar as unhas dos pés (21,2%). No domínio “fatores ambientais”, verificou-se o predomínio de ausência de locais para a prática de atividade física no ambiente de vizinhança (72,5%).

Descritores:
Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde; Desempenho Físico-Funcional; Envelhecimento

RESUMEN

La Clasificación Internacional del Funcionamiento, de la Discapacidad y de la Salud (CIF) es todavía una herramienta lejana y, muchas veces, temida en el área de la salud del adulto mayor. Ante esto, el objetivo de este estudio fue describir la discapacidad en las actividades de la vida diaria (AVD), las limitaciones en el desempeño físico-funcional y la percepción del barrio en ancianos que viven en comunidad en el extremo sur de Santa Catarina (Brasil) al clasificarlos según los dominios y calificadores propuestos por la CIF. Se trata de un estudio transversal, en el que participaron ancianos de ambos sexos. Las variables fueron categorizadas según los dominios de la CIF: (1) funciones y estructuras corporales: pruebas de desempeño físico-funcional; (2) actividad y participación: instrumento de autoevaluación de AVD; y (3) factores ambientales: autopercepción del entorno del barrio. Del total de 308 ancianos participantes, la mayoría eran mujeres (57,8%), con edades entre 60 y 69 años (54,7%). Considerando los calificadores de la CIF, hubo una mayor dificultad moderada/severa para el test de sentarse y levantarse de una silla durante 5 repeticiones (TSLS5R) (66,2%) en el dominio “función y estructura corporal”, mientras que para el dominio “actividad y participación” predominó la prevalencia de discapacidad moderada/grave para la tarea de cortar las uñas de los pies (21,2%). En el dominio “factores ambientales”, hubo predominio de la ausencia de locales para practicar actividad física en el entorno del barrio (72,5%).

Palabras clave:
Clasificación Internacional del Funcionamiento, de la Discapacidad y de la Salud; Rendimiento Físico Funcional; Envejecimiento

ABSTRACT

The International Classification of Functioning, Disability, and Health (ICF) is still a distant and often feared tool in the area of older adults health. This study aimed to describe the inabilities to perform activities of daily living (ADLs), limitations in the physical-functional performance, and the perception of the surrounding environment in community-dwelling older adults from the extreme South of Santa Catarina, classifying them according to the domains and qualifiers proposed by the ICF. This is a cross-sectional study, with older adults of both sexes. The analyzed variables were classified and categorized according to the ICF: (1) Body Functions and Structures: physical-functional performance tests; (2) Activity and Participation: ADL self-assessment instrument; and (3) Environmental factors: self-perception of the surrounding environment. A total of 308 older adults were evaluated, most of them were women (57.8%) and aged 60-69 years (54.7%). There were higher prevalence of moderate/severe difficulty in the 5-times sit-to-stand test (5TSTS) (66.2%), of moderate/severe disability in the activity of cutting toenails (21.2%), and no reports of places for the practice of physical activity near the residence (72.5%). As for the ICF qualifiers, there was greater “moderate/severe difficulty” for the 5TSTS in the “Body Function and Structure” categories and in the task of cutting toenails in the “Activity and Participation” categories. In the category “Environmental factors,” there was a higher prevalence of lack of places for physical activity in the neighborhood.

Keywords:
International Classification of Functioning, Disability and Health; Physical Functional Performance; Aging

INTRODUÇÃO

A Organização Mundial da Saúde (OMS) publicou, em 2001, a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde (CIF), com o objetivo de unificar as categorias que descrevem a funcionalidade e a incapacidade de um indivíduo, considerando sua condição de saúde. A partir dos domínios da CIF é possível classificar, por meio de uma linguagem padronizada, os diversos fatores que contribuem para a saúde no aspecto biopsicossocial^{1), (2}.

O domínio “Funções e Estruturas do Corpo” contempla as variáveis relacionadas ao desempenho físico-funcional, que, comumente, se apresentam comprometidas devido ao envelhecimento e estão associadas ao aumento do risco de quedas, institucionalização, morbidades e maior risco de mortalidade³. Já no domínio “Atividade e Participação”, estão compreendidas as variáveis relacionadas às atividades da vida diária (AVDs), que têm sido apontadas como importantes marcadores da saúde funcional entre idosos que não as realizam de maneira independente^{4), (5}. O domínio “Fatores Ambientais” compreende as condições externas, ou seja, as características do ambiente no qual a pessoa está inserida, incluindo a vizinhança próxima à residência. A literatura indica que todos esses aspectos podem ser importantes fatores de risco para baixa qualidade de vida e menor longevidade⁶.

São conhecidos diversos testes físicos e instrumentos para avaliar as habilidades relacionadas à funcionalidade e incapacidade em idosos, assim como para identificar os fatores ambientais que podem estar relacionados a esses desfechos^{7)- (9}. No entanto, a maioria dos estudos que utilizam esses instrumentos não apresenta suas classificações de acordo com os domínios e qualificadores propostos pela CIF, que ainda é pouco discutida e empregada tanto no meio científico quanto na prática clínica. Acredita-se que o desconhecimento dos pesquisadores sobre esses domínios e qualificadores venha limitando a utilização da CIF, que se mostra ainda uma ferramenta distante e muitas vezes temida na área da saúde do idoso. Assim, considera-se que este estudo pode auxiliar os profissionais da saúde a conhecerem e empregarem a CIF em suas pesquisas, assim como no processo de avaliação dos idosos durante sua prática clínica.

Diante disso, o objetivo deste estudo foi descrever a incapacidade da pessoa idosa nas AVDs, as limitações no desempenho físico-funcional e a percepção do ambiente de vizinhança em idosos comunitários do extremo sul de Santa Catarina, classificando esses fatores conforme os domínios e qualificadores propostos pela CIF.

METODOLOGIA

Este estudo, de caráter transversal e base domiciliar, foi realizado com idosos (60 anos ou mais), de ambos os sexos. A amostra apresentada neste artigo faz parte do projeto guarda-chuva denominado “Influência do nível de atividade física em testes de desempenho físico-funcional em idosos comunitários”, cujos objetivos principais foram caracterizar os idosos da comunidade que utilizavam o serviço de Atenção Básica e avaliar suas condições de vida e saúde.

O município Balneário Arroio do Silva, onde se realizou a pesquisa, está localizado na região do extremo sul de Santa Catarina, Brasil. Sua população total residente, de acordo com os dados do último Censo Demográfico, era de 9.586 habitantes, dos quais 14,8% eram idosos¹⁰. De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHM) era de 0,746, o que situa esse município na faixa de desenvolvimento elevado, sendo a longevidade a dimensão que mais contribuiu para sua posição (0,858) ⁽¹¹.

O cálculo para amostras finitas foi realizado com base no total de idosos cadastrados no Sistema Municipal de Gestão Estratégica da Saúde (n=2.833) nas três Unidades Básicas de Saúde (UBSs) do município. A prevalência estimada para desfechos desconhecidos foi de 50%, com erro de cinco pontos percentuais (5pp) e intervalo de confiança de 95% (IC95%). Foram acrescidos 20% para perdas previstas, totalizando 540 idosos elegíveis. A seleção dos idosos foi realizada por um sorteio aleatório, considerando a proporção representativa de idosos cadastrados em cada UBS.

Foram excluídos da amostra os idosos sorteados residentes em instituições de longa permanência que haviam mudado de endereço, e idosos que, ao serem contatados, não conseguiram responder aos questionários, ou seja, que não demonstraram capacidade comunicativa e/ou cognitiva. Foram considerados como perdas os idosos não localizados em seus domicílios após três tentativas realizadas em dias e horários distintos, e recusas, aqueles que não aceitaram participar do estudo. A coleta de dados nos domicílios dos idosos amostrados foi realizada entre setembro de 2018 e junho de 2019.

Para contemplar o objetivo da pesquisa foi utilizado o modelo biopsicossocial da CIF como estrutura conceitual, conforme descrito a seguir.

• Funções e Estruturas do Corpo: incluiu os testes de desempenho físico-funcional: (1) tandem stance (TS) ⁽¹², que avalia o equilíbrio corporal estático. Os idosos foram categorizados considerando o tempo de realização do teste, conforme as qualificações propostas pela CIF, em: nenhuma dificuldade (0-4%), aqueles que realizaram o teste entre 30,00 e 26,71 segundos; dificuldade leve (5-24%), os que o realizaram entre 26,53 e 17,69 segundos; dificuldade moderada/grave (25-95%), os que completaram o teste entre 17,59 a 1,13 segundos; e dificuldade completa (96-100%), aqueles que eram totalmente dependentes ou tinham impedimentos para realizarem o teste. (2) teste de sentar e levantar da cadeira de 5 repetições (TSLC5R), que avalia indiretamente a força muscular dos membros inferiores¹³. Os idosos foram categorizados em: nenhuma dificuldade (0-4%) quando completaram o teste entre 3,75 e 8,45 segundos; dificuldade leve (5-24%) quando apresentaram tempos entre 8,47 e 11,56 segundos; dificuldade moderada/grave (25-95%) quando concluíram o teste entre 11,65 e 49,47 segundos; e dificuldade completa (96-100%) aqueles que eram totalmente dependentes ou apresentavam qualquer impedimento para a realização do teste.

• Atividade e Participação: a incapacidade nas AVDs foi avaliada por meio do questionário Brazilian OARS Multidimensional Functional Assessment Questionnaire (BOMFAQ), traduzido e validado para a população idosa brasileira. O questionário avalia o grau de dificuldade para realizar 14 AVDs¹⁴. Os idosos foram categorizados, conforme as qualificações propostas pela CIF, em: nenhuma dificuldade (0-4%), quando relataram não ter dificuldade para realizar a AVD; dificuldade leve (5-24%), quando relataram pouca dificuldade para realizar a AVD; dificuldade moderada/grave (25-95%), quando relataram muita dificuldade para realizar a AVD; e dificuldade completa (96-100%), quando relataram serem incapazes de realizar a AVD. Os qualificadores “moderado” e “grave” foram agrupados para adequar e padronizar as alternativas de respostas obtidas pelos instrumentos e testes físico-funcionais analisados.

• Fatores Ambientais: o ambiente de vizinhança foi avaliado pelo abbreviated neighborhood environment walkability scale (A-NEWS) ⁽¹⁵, traduzido¹⁶ e validado para a população brasileira¹⁷, que investiga a autopercepção em relação a aspectos da infraestrutura (presença de calçadas, áreas verdes e de lazer, morros, lixo e esgoto a céu aberto); trânsito (segurança e poluição); e segurança geral (iluminação e segurança para caminhar) em locais próximos à residência. As opções de respostas dicotômicas fornecidas pelo instrumento (presença ou ausência) não são passíveis de qualificação de acordo com a CIF, sendo apresentadas como frequências absolutas e relativas.

• Fatores Pessoais: foram considerados, para caracterização da amostra, os aspectos: faixa etária (60-69 anos; 70-79 anos; 80 anos ou mais); sexo (feminino; masculino); estado civil (casado/com companheiro; solteiro/divorciado; viúvo); anos de estudo (0-4 anos; 5-8 anos; 9 anos ou mais); e autorrelato de cor da pele (branca; parda; outras).

A seguir, são apresentadas as análises descritivas, realizadas no software Stata (versão 14.0), com valores brutos e percentuais.

RESULTADOS

Entre os 540 idosos elegíveis, foram excluídos 24 por óbitos, 68 por perdas, 64 por mudança de endereço, 16 por exclusões, 29 por recusas e 31 por cadastros incompletos, totalizando 308 idosos entrevistados. Houve predomínio de idosos com idade entre 60 e 69 anos (54,7%), do sexo feminino (57,8%), casados(as) com companheiro(a) (59,1%), com até quatro anos de estudo (48,4%), autorrelatados como brancos (73,4%).

Os resultados do domínio “Funções e Estruturas do Corpo” (Tabela 1) demonstraram prevalências mais elevadas de dificuldade moderada/grave no TSLC5R (66,2%). Por outro lado, no TS observou-se dificuldade completa somente em 11,7% dos idosos, sendo que a maioria não teve dificuldade para a realização do teste (61,7%).

Tabela 1
Descrição da categoria “Função e Estrutura do Corpo” da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

Teste de desempenho físico-funcional	Categoria da CIF	Nenhuma dificuldade	Dificuldade leve	Dificuldade moderada/grave	Dificuldade completa
		N (%)	N (%)	N (%)	N (%)
TS (s)	b2351	190 (61,7)	0 (0)	82 (26,6)	36 (11,7)
TSLC5R (s)	b7303	15 (4,9)	61 (19,8)	204 (66,2)	28 (9,1)

• *TS: tandem stance; TSLC5R: teste de sentar e levantar da cadeira de 5 repetições; s: segundos.

Em relação ao domínio “Atividade e Participação” (Tabela 2), houve prevalência de dificuldade completa nas atividades de cortar as unhas dos pés (12,0%) e fazer a limpeza de casa (9,5%). Para a dificuldade moderada/grave, observou-se maior prevalência nas atividades de cortar as unhas dos pés (21,2%) e subir um lance de escada (19,9%), enquanto para as atividades de comer e cuidar da aparência a maioria dos idosos relatou não ter nenhuma dificuldade, com 93,5% e 85,4% respectivamente.

Tabela 2
Descrição do domínio “Atividade e Participação” da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

Instrumento de avaliação BOMFAQ	Categoria da CIF	Nenhuma dificuldade	Dificuldade leve	Dificuldade moderada/grave	Dificuldade completa
		N (%)	N (%)	N (%)	N (%)
Deitar/levantar da cama	d410	209 (67,9)	76 (24,7)	22 (7,1)	1 (0,3)
Comer	d550	288 (93,5)	15 (4,9)	5 (1,6)	0
Cuidar da aparência	d520	263 (85,4)	34 (11,0)	11 (3,6)	0
Andar no plano	d450	260 (84,4)	32 (10,4)	15 (4,9)	1 (0,3)
Tomar banho	d510	261 (84,7)	27 (8,8)	18 (5,8)	2 (0,7)
Vestir-se	d540	221 (72,0)	63 (20,5)	21 (6,8)	2 (0,7)
Ir ao banheiro, quando sente vontade, a tempo	b620	263 (85,4)	31 (10,1)	13 (4,2)	1 (0,3)
Subir um lance de escadas	d4551	151 (49,2)	84 (27,4)	61 (19,9)	11 (3,6)
Tomar seus remédios na hora	d570	232 (75,3)	48 (15,6)	22 (7,1)	6 (2,0)
Andar perto de casa	d460	261 (84,7)	30 (9,7)	9 (2,9)	8 (2,6)
Fazer compras	d620	244 (79,2)	28 (9,1)	21 (6,8)	15 (4,9)
Preparar refeições	d630	263 (85,4)	25 (8,1)	11 (3,6)	9 (2,9)
Cortar as unhas dos pés	d5204	135 (44,0)	70 (22,8)	65 (21,2)	37 (12,0)
Sair de ônibus ou táxi	d470	189 (61,6)	65 (21,2)	47 (15,3)	6 (1,9)
Fazer a limpeza da casa	d640	173 (56,9)	66 (21,7)	36 (11,8)	29 (9,5)

• BOMFAQ: Brazilian OARS Multidimensional Functional Assessment Questionnaire.

A Tabela 3 apresenta as prevalências da categoria “Fatores Ambientais”. Em relação aos estabelecimentos, 72,5% dos idosos relataram ausência de academias de ginástica/musculação e/ou clubes, 63,2% relataram ausência de parques, praças, pistas de caminhada e quadras de esporte, e 61,6% não têm acesso a academias/equipamentos para atividade física ao ar livre próximo às suas residências. No que diz respeito às condições das ruas próximas ao local de residência, 52,4% não tinham acesso a calçadas nas ruas, 59,9% relataram cuidado precário das calçadas, e 55,9% relataram ausência de áreas verdes. Em relação ao trânsito, destaca-se que 74,7% dos idosos relataram não existir faixas de pedestres, sinais ou passarelas próximos à sua residência. Sobre a segurança, 69,5% dos idosos afirmaram não ser seguro caminhar sozinho na vizinhança durante a noite, e 60,9% relataram não haver um alto nível de criminalidade no seu bairro.

Tabela 3
Descrição da amostra conforme a categoria “Fatores Ambientais” da Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde

Domínios A-NEWS		Sim	Não
		N (%)	N (%)
Categoria e520 - Serviços, sistemas e políticas relacionados ao planeamento de espaços abertos
	Supermercado, loja de conveniência/mercadinho/armazém, feira livre	259 (84,1)	49 (15,9)
	Estabelecimentos comerciais	139 (45,1)	169 (54,9)
	Estabelecimentos alimentícios	210 (68,2)	98 (31,8)
	Postos de saúde e centros comunitários	185 (60,3)	122 (39,7)
	Ponto de ônibus	262 (85,1)	46 (14,9)
	Parques, praças, pistas de caminhada, ciclovia e/ou quadras de esportes	113 (36,8)	194 (63,2)
	Academias/equipamentos para atividade física ao ar livre (Academia da Terceira Idade)	118 (38,4)	189 (61,6)
	Utilização da academia ao ar livre (Academia da Terceira Idade)	20 (16,9)	98 (83,1)
	Academias de ginástica/musculação e/ou clubes	82 (27,5)	216 (72,5)
Categoria e530 - Serviços, sistemas e políticas relacionados aos serviços de utilidade pública
	Calçadas na maioria das ruas	146 (47,6)	161 (52,4)
	Cuidado das calçadas	122 (40,1)	182 (59,9)
	Área verde	135 (44,1)	171 (55,9)
	Ruas planas	256 (83,4)	51 (16,6)
	Acúmulo de lixo e/ou locais com esgoto a céu aberto	69 (22,5)	238 (77,5)
Categoria e540 - Serviços, sistemas e políticas relacionados aos transportes
	Trânsito como barreira à prática de caminhada ou ao uso de bicicleta	48 (15,6)	260 (84,4)
	Faixas de pedestres, sinais ou passarelas para pedestres	78 (25,3)	230 (74,7)
	Motoristas respeitam a faixa de pedestre	41 (60,3)	31 (39,7)
Categoria e570 - Serviços, sistemas e políticas relacionados à segurança social
	Iluminação da rua	262 (85,6)	44 (14,4)
	Segurança durante o dia para caminhar	262 (85,3)	45 (14,7)
	Segurança durante a noite para caminhar	93 (30,5)	212 (69,5)
	Alto nível de criminalidade	120 (39,1)	187 (60,9)

• *A-NEWS: abbreviated neighborhood environment walkability scale.

DISCUSSÃO

Os principais resultados deste estudo mostraram que na categoria “Atividades e Participação” houve maior prevalência de dificuldade moderada/grave ou completa nas tarefas de cortar as unhas dos pés e fazer a limpeza da casa. Na categoria “Função e Estrutura do Corpo”, a maioria dos idosos teve dificuldade moderada/grave no teste que avaliou indiretamente a força muscular. Na categoria “Fatores Ambientais”, a maior parte dos idosos relatou ter pouco acesso a academias, parques e praças, assim como condições precárias das ruas e calçadas e insegurança nos locais próximos à sua residência.

Na categoria “Funções e Estruturas do Corpo”, destacou-se a maior prevalência de dificuldade moderada/grave no TSLC5R. Por outro lado, o teste de equilíbrio corporal estático, avaliado pelo TS, demonstrou que a maior parte dos idosos não teve dificuldade na sua realização. Esses achados demonstram que a força muscular se mostrou mais prejudicada em comparação ao equilíbrio estático na amostra avaliada. Hagen et al. ⁽¹⁸ verificaram que uma diminuição na força dos músculos das extremidades inferiores contribui para o comprometimento do equilíbrio, porém essa relação ainda precisa ser melhor analisada. Em outros estudos que aplicaram os mesmos testes em idosos, Granacher, Muehlbauer e Gruber¹⁹ recomendaram fortemente o uso de testes que avaliam a potência e a força muscular de membros inferiores, como o TSLC5R, pois estão associados ao desempenho em atividades cotidianas. Ambos os testes utilizados neste estudo para verificar as funções e estrutura do corpo são semelhantes às AVDs realizadas por idosos, como o TSLC5R, que representa a tarefa de sentar e levantar de uma cadeira¹⁹; já o teste TS simula o ato de subir e descer um degrau de escada ou caminhar, pois requer indiretamente o apoio unipodal para sua realização²⁰. Considera-se o comprometimento das funções corporais é como uma deficiência, podendo refletir em alterações nas outras categorias da CIF, como restrição na participação social²¹.

Importante destacar que tais testes apresentam pontos de corte na literatura, que classificam sua respectiva alteração^{12), (13}, dificultando estabelecer uma comparação fidedigna com as nossas prevalências, que se baseiam nos qualificadores da CIF. O estudo de Gschwind et al. ⁽²² utilizou o TSLC5R para avaliar a eficácia de treinamento de potência e força de membros inferiores, considerando os pontos de corte: desempenho de força insuficiente (≥16,7s), suficiente (13,7s a 16,6s), bom (11,2s a 13,6s) e muito bom (≤11,1s), semelhante à qualificação utilizada neste estudo, no qual o tempo de aproximadamente 11 segundos discriminou a presença de dificuldade moderada/grave para as demais qualificações. Vale ressaltar ainda que, de acordo com o Consenso Europeu de Sarcopenia²³, tempos iguais ou superiores a 15 segundos no TSLC5R revelam a sarcopenia provável em idosos, que se enquadraram na categoria dificuldade moderada/grave neste estudo, favorecendo o uso da categorização desse teste por meio dos qualificadores da CIF.

Na categoria “Atividade e Participação”, observaram-se mais relatos de dificuldade completa para realizar as atividades de cortar as unhas dos pés e fazer a limpeza de casa. De forma semelhante, o estudo de Soares et al. ⁽²⁴, feito com 1.750 idosos de Minas Gerais assistidos pela equipe da Estratégia de Saúde da Família, observou maior prevalência de muita dificuldade em cortar as unhas dos pés e fazer a limpeza de casa. Poucos estudos têm investigado as prevalências de dificuldades para essas atividades de maneira isolada, sendo normalmente apresentadas juntamente com outras atividades instrumentais na categoria de atividades instrumentais da vida diária (AIVDs). Mesmo assim, a presença de incapacidade nas AIVDs normalmente é avaliada pelo relato de pouca/muita dificuldade para realizar ao menos uma tarefa e, de maneira geral, tem sido mais elevada em relação às atividades básicas da vida diária (ABVDs), como demonstrado no estudo de Schmidt et al. ⁽²⁵, contendo dados representativos de 23.815 idosos do Brasil. Nesse estudo, foi encontrada uma prevalência de incapacidade nas AIVDs de 29,1%, enquanto nas ABVDs foi de 15,8%. Sabe-se que as atividades instrumentais envolvem habilidades mais complexas para sua realização, tais como as capacidades físicas e cognitivas preservadas, que geralmente degeneram mais precocemente no processo de envelhecimento²⁶. Cabe ressaltar que fatores como incapacidade ou grave dificuldade em realizar as AVDs estão associados a um maior risco de fragilidade, depressão, pior qualidade de vida, comprometimento cognitivo e mortalidade^{27)- (30}. Portanto, justifica-se a importância da padronização de sua categorização por meio da CIF, o que permitiria estabelecer comparações mais fidedignas das prevalências entre estudos que avaliam a população idosa.

Na categoria “Fatores Ambientais”, os resultados indicaram que o ambiente de vizinhança dos idosos tinha poucos locais para a prática de atividade física e apresentava calçadas não bem cuidadas. Essas barreiras podem restringir as possibilidades de acesso e motivação, contribuindo para a inatividade, além de predizer a ocorrência de limitações funcionais e incapacidades^{27), (31)- (33}. Dessa forma, os ambientes de vizinhança devem ser considerados na elaboração de estratégias preventivas e reabilitadoras para a população idosa^{28), (29}. A segurança da vizinhança também é importante para o bem-estar do idoso, pois o sentimento de insegurança reflete em menos possibilidades de sair de casa, o que eleva o risco de imobilidade e isolamento social³⁰.

No estudo de Chaudhury et al. ⁽³⁴, evidenciou-se que o contexto ambiental tem relevância potencial no apoio à prática de atividade física em idosos e pode resultar em deficiências nas funções e estruturas do corpo. Esse achado também corrobora o observado por Liu²¹ e Wong, Yu e Woo³⁵, destacando que o ambiente físico e o ambiente social da vizinhança afetam a saúde dos idosos. Além disso, observa-se que os idosos relataram em sua maioria que não é seguro caminhar durante a noite. De acordo com Cramm e Nieboer³⁶, a segurança da vizinhança é importante para o bem-estar do idoso na comunidade, e as pessoas idosas que não se sentem seguras têm menos chance de sair de casa e apresentam relação negativa com as outras categorias da CIF, como maior risco de imobilidade, isolamento social, depressão e redução do nível de atividade física³⁷.

Além disso, apesar da CIF ainda não contar com qualificadores para o domínio “Fatores Ambientais”, vale destacar a importância de estudá-los em relação à saúde da pessoa idosa, especialmente quando se tratam de características que envolvem o ambiente de vizinhança, que cada vez mais se destacam como potenciais fatores de risco para diversos desfechos negativos, como mortalidade geral, mortalidade por condição crônica ou prevalência de doenças, resultados de saúde mental (depressão, declínio cognitivo) e comportamentos de saúde (por exemplo, dieta e atividade física) ⁽³⁸. Portanto, isoladamente as características intrínsecas de um indivíduo não são suficientes para explicar todas as causas de problemas de saúde, sendo necessário distinguir as características do ambiente da vizinhança associadas ao modelo biopsicossocial da CIF, pois isso permite sustentar fortemente a criação e/ou aperfeiçoamento de políticas de saúde³⁹.

Considera-se um dos principais pontos positivos deste estudo o estímulo ao conhecimento e aplicabilidade da CIF por meio da apresentação de suas classificações e sua valorização como instrumento de respaldo internacional. Além disso, destaca-se o fato de que cada instrumento utilizado investigou atividades e habilidades fundamentais para a manutenção da saúde da população idosa. Porém, esta pesquisa apresenta algumas limitações. Apesar de ter sido realizado o cálculo representativo dos idosos, os resultados não podem ser extrapolados para toda a população idosa brasileira, devido às particularidades de cada região. Além disso, avaliações subjetivas não são sempre confiáveis, pois dependem da percepção e de fatores individuais não controláveis em pesquisas populacionais³². Ainda, ressalta-se que a exclusão de idosos que não conseguiam responder aos questionários BOMFAQ e A-NEWS provavelmente refletiu nos valores das prevalências observadas desses domínios nos idosos amostrados.

Por fim, acredita-se que estudos que visem descrever os fatores relacionados às categorias da CIF poderão incentivar seu uso como recurso de pesquisa e de abordagem clínica, apresentando instrumentos de avaliação passíveis de utilização e permitindo, assim, melhor comunicação e padronização da linguagem entre os diferentes profissionais que atuam com a população idosa.

CONCLUSÃO

As maiores prevalências de dificuldade moderada/grave foram observadas no TSLC5R para a categoria “Funções e Estruturas do Corpo” e nas atividades instrumentais da vida diária para a categoria “Atividade e Participação” da CIF. Na categoria “Fatores Ambientais”, observaram-se mais relatos de poucos locais para a prática de atividade física, condições precárias das ruas e calçadas, insegurança e criminalidade nos locais próximos à residência.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem a Secretaria Municipal de Saúde e os profissionais que atuam nas Unidades Básicas de Saúde do município Balneário Arroio do Silva, Santa Catarina - Brasil, por auxiliarem na realização do projeto e da coleta de dados, assim como na viabilização do contato com os idosos amostrados.

REFERÊNCIAS

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  Tieland M, Trouwborst I, Clark BC. Skeletal muscle performance and ageing. J Cachexia Sarcopenia Muscle. 2018;9(1):3-19. doi: 10.1002/jcsm.12238.
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• Trabalho apresentado no I Seminário do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Reabilitação, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), de 20 a 22 de novembro de 2019 - Araranguá (SC), Brasil.

• Fonte de financiamento:

  nada a declarar
• 4
  Aprovado pelo Comitê de Ética: nº CAAE 87776318.3.0000.0121.

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  09 Maio 2022
• Data do Fascículo
  Jan-Mar 2022

Histórico

• Recebido
  12 Jan 2021
• Aceito
  10 Fev 2022