Acessibilidade / Reportar erro

Pandemia de COVID-19 e as atividades de ensino remotas: riscos ergonômicos e sintomas musculoesqueléticos dos docentes do Instituto Federal Catarinense

La pandemia del COVID-19 y las actividades de enseñanza remota: riesgos ergonómicos y síntomas musculoesqueléticos de los docentes del Instituto Federal Catarinense

RESUMO

O objetivo da pesquisa foi avaliar os sintomas osteomusculares e os riscos ergonômicos dos ambientes de trabalho dos docentes do Instituto Federal Catarinense (IFC). Participaram 140 docentes, que responderam a um questionário online sobre informações sociodemográficas, realização de tarefas, ambiente de trabalho e dor musculoesquelética. Os dados foram analisados por meio de uma regressão logística binária separadamente para cada desfecho, utilizando como variáveis dependentes: dores no pescoço, no ombro direito e na coluna lombar. A prevalência de dor entre os professores foi de 94,7%, e as regiões mais frequentes foram o pescoço, a coluna lombar e o ombro direito. Os principais riscos ergonômicos observados foram: sobrecarga mental (estresse), mesa de trabalho e monitor inadequados. Foi observada associação entre dor no pescoço e docentes que apresentaram maior sobrecarga mental (estresse), não fazem atividade física e usam o computador por mais de 20 horas por semana; dor no ombro direito e docentes que não fazem atividade física, usam o computador por mais de 20 horas por semana, cuja mesa de trabalho não estava ao nível do cotovelo e sem espaço para apoiar os antebraços. Ainda, a dor na coluna lombar foi associada ao grupo de mulheres com carga horária de aula semanal maior que 15 horas e com doença crônica. Os resultados encontrados possibilitam a adaptação dos ambientes de trabalho dos docentes para a prevenção de dor, a melhoria da qualidade de vida e do ensino.

Descritores:
COVID-19; Docente; Ergonomia; Dor Musculoesquelética; Saúde do Trabalhador

RESUMEN

El objetivo de la investigación fue evaluar los síntomas musculoesqueléticos y los riesgos ergonómicos del trabajo de Instituto Federal Catarinense (IFC) docentes. Participaron 140 profesores que respondieron un cuestionario online sobre información sociodemográfica, desempeño de tareas, ambiente laboral y dolor musculoesquelético. Los datos se analizaron mediante regresión logística binaria por separado para cada resultado, utilizando el dolor en el cuello, el hombro derecho y la columna lumbar como variables dependientes. La prevalencia de dolor entre los docentes fue del 94,7% y las regiones más frecuentes fueron el cuello, la columna lumbar y el hombro derecho. Los principales riesgos ergonómicos fueron: sobrecarga mental (estrés), mesa de trabajo y monitor inadecuados. Se observó asociación entre el dolor de cuello y los docentes que tenían mayor sobrecarga mental (estrés), que no realizan actividad física y que usan la computadora por más de 20 horas a la semana, dolor en el hombro derecho y el grupo de docentes que sí lo hacen. no realizar actividad física, que utilizan la computadora durante más de 20 horas a la semana, que la mesa de trabajo no está a la altura de los codos y no hay espacio para apoyar los antebrazos. Aún así, el dolor en la columna lumbar se asoció con el grupo de mujeres con horas de clase semanales mayores de 15 horas y con enfermedad crónica. Los resultados encontrados permiten adecuar los puestos de trabajo a los docentes con el fin de prevenir el dolor, mejorar la calidad de vida y la docencia.

Palabras clave:
COVID-19; Docente; Ergonomía; Dolor Musculoesquelético; Salud Laboral

ABSTRACT

This study aimed to evaluate the musculoskeletal symptoms and the ergonomic risks in the workplaces of the professors of the Instituto Federal Catarinense (IFC). 140 professors participated by answering an online questionnaire on sociodemographic information, task performance, work environment, and musculoskeletal pain. Data were analyzed using binary logistic regression for each outcome separately, using neck, right shoulder, and low back pain as dependent variables. The prevalence of pain among professors was 94.7% and the most frequent regions were the neck, lumbar spine, and right shoulder. The main ergonomic risks were mental overload (stress) and inadequate worktable and monitor. An association between neck pain and professors who had greater mental overload (stress), who do not engage in physical activity, and who use the computer for more than 20 hours a week was observed; also, between pain in the right shoulder and the professors who do not engage in physical activity, who use the computer for more than 20 hours a week, who had an inadequate workspace. Low back pain was associated with women, weekly course workload greater than 15 hours, and chronic disease. The results found indicate the need to adapt the workplace of the professors with in order to prevent pain and improve the quality of life and the quality of teaching.

Keywords:
COVID-19; Faculty; Ergonomics; Musculoskeletal Pain; Occupational Health

INTRODUÇÃO

Em março de 2020, a Organização Mundial da Saúde reconheceu a pandemia da COVID-19. Em todo o mundo, até o dia 13 de setembro de 2021, foram confirmados 219 milhões de casos da doença e 4,55 milhões de mortes, enquanto no Brasil foram detectados 21 milhões de casos e 587 mil mortes11. World Health Organization. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [cited 2021 Set 13]. Available from: https://covid19.who.int/.
https://covid19.who.int/...
. Tendo em vista que não existem opções eficazes de tratamento farmacológico22. Palmeira VA, Costa LB, Perez LG, Ribeiro VT, Lanza K, Silva ACS. Do we have enough evidence to use chloroquine/hydroxychloroquine as a public health panacea for COVID-19? Clinics (Sao Paulo). 2020;75:e1928. doi: 10.6061/clinics/2020/e1928.
https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e19...
, o distanciamento físico foi apontado como a mais importante intervenção para a redução da propagação do vírus33. Duprat IP, Melo GC. Análise de casos e óbitos pela COVID-19 em profissionais de enfermagem no Brasil. Rev Bras Saude Ocup. 2020;45:e30. doi: 10.1590/2317-6369000018220.
https://doi.org/10.1590/2317-63690000182...
.

Diante desse contexto, verifica-se que a pandemia de COVID-19 impactou a vida, o meio ambiente, a economia, a tecnologia, as instituições e as relações em uma velocidade sem precedentes. Além disso, as medidas de distanciamento social impostas aos cidadãos estimularam a extensão do teletrabalho na sociedade44. Antunes ED, Fischer FM. A justiça não pode parar?! Os impactos da COVID-19 na trajetória da política de teletrabalho do Judiciário Federal. Rev Bras Saude Ocup. 2020;45:e38. doi: 10.1590/2317-6369000025920.
https://doi.org/10.1590/2317-63690000259...
. Como resultado, as escolas foram fechadas e entraram em um mundo virtual, onde as reuniões presenciais mudaram para webconferências e as salas de aula físicas para tarefas online e aulas virtuais55. Davis KG, Kotowski SE, Daniel D, Gerding T, Naylor J, Syck M. The home office: ergonomic lessons from the "new normal". Ergon Des. 2020;28(4):4-10. doi: 10.1177/1064804620937907.
https://doi.org/10.1177/1064804620937907...
. Os trabalhadores foram transferidos para suas casas, enfrentando a necessidade de montar uma área de trabalho com o que dispunham em suas residências55. Davis KG, Kotowski SE, Daniel D, Gerding T, Naylor J, Syck M. The home office: ergonomic lessons from the "new normal". Ergon Des. 2020;28(4):4-10. doi: 10.1177/1064804620937907.
https://doi.org/10.1177/1064804620937907...
. Além disso, os ambientes de trabalho em casa podem não se ajustar ergonomicamente ao trabalhador, o que pode resultar em desconforto no corpo e problemas mais sérios no futuro55. Davis KG, Kotowski SE, Daniel D, Gerding T, Naylor J, Syck M. The home office: ergonomic lessons from the "new normal". Ergon Des. 2020;28(4):4-10. doi: 10.1177/1064804620937907.
https://doi.org/10.1177/1064804620937907...
, afetando a qualidade de vida dos docentes e o ensino.

Nesse sentido, verifica-se que os fatores de risco associados ao uso do computador incluem: altura da mesa, da cadeira e do monitor; o uso de teclado e mouse; posturas de trabalho; fatores organizacionais, como longas horas de trabalho e o tempo de uso do computador por dia; e fatores psicossociais, como o estresse66. Cook C, Burgess-Limerick R, Papalia S. The effect of upper extremity support on upper extremity posture and muscle activity during keyboard use. Appl Ergon. 2004;35(3):285-92. doi: 10.1016/j.apergo.2003.12.005.
https://doi.org/10.1016/j.apergo.2003.12...
), (77. Klussmann A, Gebhardt H, Liebers F, Rieger MA. Musculoskeletal symptoms of the upper extremities and the neck: a cross-sectional study on prevalence and symptom-predicting factors at visual display terminal (VDT) workstations. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9:9. doi: 10.1186/1471-2474-9-96.
https://doi.org/10.1186/1471-2474-9-96...
.

As desordens musculoesqueléticas relacionadas ao trabalho representam um dos maiores problemas de saúde pública88. Sultan-Taïeb H, Parent-Lamarche A, Gaillard A, Stock S, Nicolakakis N, Hong QN, et al. Economic evaluations of ergonomic interventions preventing work-related musculoskeletal disorders: a systematic review of organizational-level interventions. BMC Public Health. 2017;17:935. doi: 10.1186/s12889-017-4935-y.
https://doi.org/10.1186/s12889-017-4935-...
, inclusive para professores, uma vez que são as principais causas de afastamento do trabalho99. Cardoso JP, Ribeiro IQB, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJFB. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol. 2009;12(4):604-14. doi: 10.1590/S1415-790X2009000400010.
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200900...
), (1010. Suda EY, Coelho AT, Bertaci AC, Santos BB. Relação entre nível geral de saúde, dor musculoesquelética e síndrome de burnout em professores universitários. Fisioter Pesqui. 2011;18(3):270-4. doi: 10.1590/S1809-29502011000300012.
https://doi.org/10.1590/S1809-2950201100...
. Nesse sentido, é necessário aprofundar o conhecimento sobre a dor musculoesquelética nesses profissionais, explorando os mecanismos ergonômicos, ocupacionais e psicossociais do trabalho1111. Ceballos AGC, Santos GB. Factors associated with musculoskeletal pain among teachers: sociodemographics aspects, general health and well-being at work. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(3):702-15. doi: 10.1590/1980-5497201500030015.
https://doi.org/10.1590/1980-54972015000...
, buscando estratégias que melhorem as condições de trabalho, prevenindo os agravos à saúde e repercutindo em melhorias na qualidade da educação1212. Machado LC, Limongi JE. Prevalência e fatores relacionados a transtornos mentais comuns entre professores da rede municipal de ensino, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Med Trab. 2019;17(3):325-34. doi: 10.5327/Z1679443520190424.
https://doi.org/10.5327/Z167944352019042...
. Para isso, verifica-se que a análise dos riscos ergonômicos auxilia no planejamento de estratégias que contribuem para a melhoria do ambiente de trabalho e para a redução dos distúrbios osteomusculares nos trabalhadores1313. Comper MLC, Padula RS. Avaliação do risco ergonômico em trabalhadores da indústria têxtil por dois instrumentos: quick exposure check e job factors questionnaire. Fisioter Pesqui. 2013;20(3):215-21. doi: 10.1590/S1809-29502013000300004.
https://doi.org/10.1590/S1809-2950201300...
.

Desde março de 2020, devido à pandemia da COVID-19 e ao fechamento das escolas, os docentes do Instituto Federal Catarinense (IFC) estão em teletrabalho, realizando atividades de ensino remotas, fora das dependências da instituição, normalmente em suas casas, por meio do uso de computador. Essas atividades englobam as atividades administrativas e de ensino, como, elaboração e realização de aulas online, desenvolvimento e correção de exercícios e avaliações via plataforma digital online e desenvolvimento de projetos de pesquisa e extensão. Diante do exposto, o objetivo deste estudo foi avaliar os sintomas osteomusculares e os riscos ergonômicos nos ambientes de teletrabalho dos docentes do IFC. A hipótese da pesquisa é que há alta prevalência de dor e presença de riscos ergonômicos nos ambientes de teletrabalho dos docentes do IFC.

METODOLOGIA

Trata-se de um estudo com abordagem analítica, exploratória e quantitativa, realizado em agosto de 2020. A população foi composta pelos docentes do IFC, totalizando 896 indivíduos após a aplicação dos critérios de exclusão: estar afastado do trabalho e ter regime de trabalho de 20 horas. Os critérios de inclusão foram: ser docente e assinar o termo de consentimento livre e esclarecido. A amostra por conveniência foi composta de 140 docentes do IFC que responderam ao questionário.

A partir de uma revisão da literatura, na qual foram encontradas pesquisas semelhantes, elaborou-se um questionário online por meio do Google Forms, contendo perguntas sociodemográficas, sobre as tarefas, os ambientes de teletrabalho e os sintomas osteomusculares referentes ao período das atividades de ensino remotas. Ainda foram incluídas figuras ilustrativas, obtidas na internet, associadas às questões sobre o ambiente de teletrabalho para facilitar o entendimento do questionário pelos voluntários.

Após o desenvolvimento do questionário, foi realizado um pré-teste online via Google Forms com a participação de 10 docentes do IFC campus São Bento do Sul, que foram orientados a responder o instrumento e informar os aspectos que geraram dificuldades de compreensão. Após o retorno dos respondentes, a equipe de pesquisa fez os ajustes e a versão final do instrumento foi validada pelos respondentes do pré-teste. Em seguida, a Coordenação-Geral de Comunicação do IFC enviou por e-mail o link do questionário para todos os docentes do IFC.

A regressão logística binária foi utilizada separadamente para cada desfecho, adotando como variáveis dependentes as dores no pescoço, no ombro direito e na coluna lombar. O poder da amostra foi calculado posteriormente por meio do software GPower 3.1, chegando a um β de 0,80 e um effect size de 0,381. Os dados foram analisados via software SPSS 22.0 e, para todas as análises, foi adotada significância de 5% (p≤0,05).

RESULTADOS

Participaram da pesquisa um total de 140 professores, com média de idade de 42,4±7,98 anos. Os demais dados são apresentados na Tabela 1.

Tabela 1
Estatística descritiva em frequência absoluta e relativa

A prevalência de dor foi de 94,7%. A distribuição dos sintomas é apresentada na Figura 1.

Figura 1
Prevalência de dor entre os docentes estudados do Instituto Federal Catarinense (n=140)

As regiões com maiores prevalências de dor foram relacionadas às variáveis do questionário para análise estatística e as que apresentaram relação significativa são apresentadas na Tabela 2.

Tabela 2
Modelos de regressão logística bruta e ajustada para as variáveis de dor no pescoço, ombro direito e coluna lombar

DISCUSSÃO

Os principais riscos ergonômicos encontrados foram: aumento da sobrecarga mental (estresse), altura inadequada do monitor (borda superior do monitor não estava ao nível dos olhos dos docentes) e mesa de trabalho inadequada (altura inadequada, ou seja, mais alta ou mais baixa que o nível do cotovelo e falta de espaço para apoiar o antebraço). Esse resultado foi semelhante ao encontrado em uma pesquisa feita com trabalhadores universitários55. Davis KG, Kotowski SE, Daniel D, Gerding T, Naylor J, Syck M. The home office: ergonomic lessons from the "new normal". Ergon Des. 2020;28(4):4-10. doi: 10.1177/1064804620937907.
https://doi.org/10.1177/1064804620937907...
em teletrabalho devido à pandemia da COVID-19, em que foi verificado que 75% dos monitores estavam abaixo do nível dos olhos dos trabalhadores e 43% das cadeiras estavam com alturas incorretas55. Davis KG, Kotowski SE, Daniel D, Gerding T, Naylor J, Syck M. The home office: ergonomic lessons from the "new normal". Ergon Des. 2020;28(4):4-10. doi: 10.1177/1064804620937907.
https://doi.org/10.1177/1064804620937907...
. Os problemas ergonômicos observados neste estudo podem ter sido encontrados devido à forma repentina como o IFC transferiu os docentes para trabalhar remotamente, sendo que muitos deles não tiveram tempo de se organizar, pois nem todos possuíam cadeira, mesa, equipamentos e um ambiente adequado ao trabalho55. Davis KG, Kotowski SE, Daniel D, Gerding T, Naylor J, Syck M. The home office: ergonomic lessons from the "new normal". Ergon Des. 2020;28(4):4-10. doi: 10.1177/1064804620937907.
https://doi.org/10.1177/1064804620937907...
), (1414. Oliveira M, Keine S. Aspectos e comportamentos ergonômicos no teletrabalho. Revista Produçao Online. 2020;20(4):1405-34. doi: 10.14488/1676-1901.v20i4.4146.
https://doi.org/10.14488/1676-1901.v20i4...
. Além disso, tais inadequações podem ser resultado da falta de conhecimento dos trabalhadores sobre ergonomia e da ausência de orientações do IFC.

A prevalência de dor de 94,7% é maior da verificada em outros dois estudos com professores do ensino básico, que tiveram prevalências de 73,5%1111. Ceballos AGC, Santos GB. Factors associated with musculoskeletal pain among teachers: sociodemographics aspects, general health and well-being at work. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(3):702-15. doi: 10.1590/1980-5497201500030015.
https://doi.org/10.1590/1980-54972015000...
e 55%99. Cardoso JP, Ribeiro IQB, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJFB. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol. 2009;12(4):604-14. doi: 10.1590/S1415-790X2009000400010.
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200900...
. No entanto, em pesquisa realizada com 194 trabalhadores que estão em teletrabalho em razão da pandemia da COVID-19, apenas 5% não apresentaram dor musculoesquelética1414. Oliveira M, Keine S. Aspectos e comportamentos ergonômicos no teletrabalho. Revista Produçao Online. 2020;20(4):1405-34. doi: 10.14488/1676-1901.v20i4.4146.
https://doi.org/10.14488/1676-1901.v20i4...
. As regiões mais acometidas foram: pescoço (72,1%), coluna lombar (65,7%) e ombro direito (47,9%). Esses resultados são semelhantes aos encontrados por uma pesquisa com professores do IFC campus São Bento do Sul, em que as maiores prevalências de dor foram na coluna lombar (60%), no pescoço (56%) e nos ombros (48%)1515. Kraemer K, Moreira MF, Guimarães B. Dor musculoesquelética e riscos ergonômicos em docentes de uma instituição federal. Rev Bras Med Trab. 2020;18(3):343-51. doi: 10.47626/1679-4435-2020-608.
https://doi.org/10.47626/1679-4435-2020-...
, e uma com professores universitários, em que a maior ocorrência de dor se deu no pescoço (70%) e na região lombar (64%)1010. Suda EY, Coelho AT, Bertaci AC, Santos BB. Relação entre nível geral de saúde, dor musculoesquelética e síndrome de burnout em professores universitários. Fisioter Pesqui. 2011;18(3):270-4. doi: 10.1590/S1809-29502011000300012.
https://doi.org/10.1590/S1809-2950201100...
.

Foi observada associação entre docentes que apresentaram maior sobrecarga mental (estresse), que não fazem atividade física, que usam o computador por mais de 20 horas por semana e dor no pescoço. O resultado corrobora a literatura, pois quanto maior o tempo de uso de computador, maior o risco de dor no pescoço77. Klussmann A, Gebhardt H, Liebers F, Rieger MA. Musculoskeletal symptoms of the upper extremities and the neck: a cross-sectional study on prevalence and symptom-predicting factors at visual display terminal (VDT) workstations. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9:9. doi: 10.1186/1471-2474-9-96.
https://doi.org/10.1186/1471-2474-9-96...
. Ainda, verifica-se que o estresse altera os períodos de ativação muscular e provocam aumento da tensão, levando à fadiga e dor no pescoço1616. Magnavita N, Elovainio M, De Nardis I, Heponiemi T, Bergamaschi A. Environmental discomfort and musculoskeletal disorders. Occup Med (Lond). 2011;61(3):196-201. doi: 10.1093/occmed/kqr024.
https://doi.org/10.1093/occmed/kqr024...
. Já foi encontrada associação de dor no pescoço com transtornos mentais comuns e baixo nível de bem-estar no trabalho entre docentes1111. Ceballos AGC, Santos GB. Factors associated with musculoskeletal pain among teachers: sociodemographics aspects, general health and well-being at work. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(3):702-15. doi: 10.1590/1980-5497201500030015.
https://doi.org/10.1590/1980-54972015000...
. Esta sobrecarga mental pode estar se agravando pelo medo de adoecer, pelas incertezas quanto ao futuro e por conta do isolamento social imposto pela pandemia da COVID-19, pois, no empenho de proteger seus entes queridos, os trabalhadores estão se afastando de familiares, de pessoas próximas e da rede de suporte com que contavam no cotidiano, gerando sofrimento mental1717. Almeida IM. Proteção da saúde dos trabalhadores da saúde em tempos de COVID-19 e respostas à pandemia. Rev Bras Saude Ocup. 2020;45:e17. doi: 10.1590/scielopreprints.140.
https://doi.org/10.1590/scielopreprints....
.

A dor no ombro direito teve relação significativa com o grupo de docentes que não fazem atividade física, que usam o computador por mais de 20 horas por semana, que a mesa de trabalho não estava ao nível do cotovelo e não tinha espaço para apoiar os antebraços. Este resultado foi semelhante ao de Nakazawa et al. (1818. Nakazawa T, Okubo Y, Suwazono Y, Kobayashi E, Komine S, Kato N, et. al. Association between duration of daily VDT use and subjective symptoms. Am J Ind Med. 2002;42(5):421-6. doi: 10.1002/ajim.10133.
https://doi.org/10.1002/ajim.10133...
, que demonstraram que trabalhadores com maior tempo de uso de computador tiveram maior risco de sentir dor no ombro. Além disso, essa situação pode ter sido potencializada por condições ergonômicas inadequadas, uma vez que a ausência de apoio do antebraço durante o uso do computador aumenta a sobrecarga muscular nos ombros e a incidência de distúrbios musculoesqueléticos nessa região1919. Zhu X, Shin G. Shoulder and neck muscle activities during typing with articulating forearm support at different heights. Ergonomics 2012;55(11):1412-9. doi: 10.1080/00140139.2012.709541.
https://doi.org/10.1080/00140139.2012.70...
. Ainda, o uso do computador com mesa de trabalho ou apoio de braço ao nível do cotovelo provoca menor atividade muscular nos ombros em comparação com o uso de apoio ou mesa em altura acima do nível dos cotovelos1919. Zhu X, Shin G. Shoulder and neck muscle activities during typing with articulating forearm support at different heights. Ergonomics 2012;55(11):1412-9. doi: 10.1080/00140139.2012.709541.
https://doi.org/10.1080/00140139.2012.70...
.

A dor na coluna lombar associou-se significantemente ao grupo de mulheres com carga horária de aula semanal maior que 15 horas e com doença crônica. Esse resultado vai ao encontro da pesquisa de Cardoso et al. (99. Cardoso JP, Ribeiro IQB, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJFB. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol. 2009;12(4):604-14. doi: 10.1590/S1415-790X2009000400010.
https://doi.org/10.1590/S1415-790X200900...
, que encontrou relação entre dor lombar em mulheres e exposição prolongada à docência. Ainda, as aulas terem sido realizadas de forma remota fez com que os docentes com maior carga horária de aula permanecessem sentados por mais utilizando o computador para preparar e dar as aulas. Permanecer sentado por período prolongado é um dos fatores de risco para dores e lesões na coluna lombar2020. Marques NR, Hallal CZ, Gonçalves M. Características biomecânicas, ergonômicas e clínicas da postura sentada: uma revisão. Fisioter Pesqui. 2010;17(3):270-6. doi: 10.1590/S1809-29502010000300015.
https://doi.org/10.1590/S1809-2950201000...
, pois essa posição leva à sustentação prolongada da flexão lombar e à redução da lordose nessa região e gera sobrecarga estática nos tecidos osteomusculares da coluna, fatores que estão relacionados ao desenvolvimento da dor lombar2121. Makhous M, Lin F, Hendrix RW, Hepler M, Zang LQ. Sitting with adjustable ischial and back supports: biomechanical changes. Spine (Phila Pa 1976). 2003;28(11):1113-21. doi: 10.1097/01.BRS.0000068243.63203.A8.
https://doi.org/10.1097/01.BRS.000006824...
. Além disso, Malta et al. (2222. Malta DC, Oliveira MM, Andrade SSCA, Caiaffa WT, Souza MFM, Bernal RTI. Fatores associados à dor crônica na coluna em adultos no Brasil. Rev Saude Publica. 2017;51(Supl 1):9s. doi: 10.1590/S1518-8787.2017051000052.
https://doi.org/10.1590/S1518-8787.20170...
encontraram associação significativa entre dor lombar e doenças crônicas (hipertensão e diabetes) em mulheres.

Os resultados desta pesquisa são limitados aos professores do IFC e, portanto, não devem ser generalizados para docentes de outras instituições. Os autores recomendam a realização de mais estudos que analisem um maior número de professores de outras instituições de ensino.

CONCLUSÃO

Este estudo identificou os riscos ergonômicos presentes no teletrabalho e a elevada prevalência de dor musculoesquelética entre docentes. Ainda, verificou os fatores associados à dor no pescoço, na coluna lombar e no ombro direito de docentes. Portanto, a partir da identificação dos riscos ergonômicos e da prevalência de dor musculoesquelética, possibilitasse-se a adoção de medidas para a adaptação dos postos de trabalho aos docentes com a finalidade de prevenir os sintomas de dor, assim como melhorar a qualidade de vida e do ensino.

REFERÊNCIAS

  • 1
    World Health Organization. WHO Coronavirus Disease (COVID-19) Dashboard [Internet]. Geneva: WHO; 2021 [cited 2021 Set 13]. Available from: https://covid19.who.int/
    » https://covid19.who.int/
  • 2
    Palmeira VA, Costa LB, Perez LG, Ribeiro VT, Lanza K, Silva ACS. Do we have enough evidence to use chloroquine/hydroxychloroquine as a public health panacea for COVID-19? Clinics (Sao Paulo). 2020;75:e1928. doi: 10.6061/clinics/2020/e1928.
    » https://doi.org/10.6061/clinics/2020/e1928
  • 3
    Duprat IP, Melo GC. Análise de casos e óbitos pela COVID-19 em profissionais de enfermagem no Brasil. Rev Bras Saude Ocup. 2020;45:e30. doi: 10.1590/2317-6369000018220.
    » https://doi.org/10.1590/2317-6369000018220
  • 4
    Antunes ED, Fischer FM. A justiça não pode parar?! Os impactos da COVID-19 na trajetória da política de teletrabalho do Judiciário Federal. Rev Bras Saude Ocup. 2020;45:e38. doi: 10.1590/2317-6369000025920.
    » https://doi.org/10.1590/2317-6369000025920
  • 5
    Davis KG, Kotowski SE, Daniel D, Gerding T, Naylor J, Syck M. The home office: ergonomic lessons from the "new normal". Ergon Des. 2020;28(4):4-10. doi: 10.1177/1064804620937907.
    » https://doi.org/10.1177/1064804620937907
  • 6
    Cook C, Burgess-Limerick R, Papalia S. The effect of upper extremity support on upper extremity posture and muscle activity during keyboard use. Appl Ergon. 2004;35(3):285-92. doi: 10.1016/j.apergo.2003.12.005.
    » https://doi.org/10.1016/j.apergo.2003.12.005
  • 7
    Klussmann A, Gebhardt H, Liebers F, Rieger MA. Musculoskeletal symptoms of the upper extremities and the neck: a cross-sectional study on prevalence and symptom-predicting factors at visual display terminal (VDT) workstations. BMC Musculoskelet Disord. 2008;9:9. doi: 10.1186/1471-2474-9-96.
    » https://doi.org/10.1186/1471-2474-9-96
  • 8
    Sultan-Taïeb H, Parent-Lamarche A, Gaillard A, Stock S, Nicolakakis N, Hong QN, et al. Economic evaluations of ergonomic interventions preventing work-related musculoskeletal disorders: a systematic review of organizational-level interventions. BMC Public Health. 2017;17:935. doi: 10.1186/s12889-017-4935-y.
    » https://doi.org/10.1186/s12889-017-4935-y
  • 9
    Cardoso JP, Ribeiro IQB, Araújo TM, Carvalho FM, Reis EJFB. Prevalência de dor musculoesquelética em professores. Rev Bras Epidemiol. 2009;12(4):604-14. doi: 10.1590/S1415-790X2009000400010.
    » https://doi.org/10.1590/S1415-790X2009000400010
  • 10
    Suda EY, Coelho AT, Bertaci AC, Santos BB. Relação entre nível geral de saúde, dor musculoesquelética e síndrome de burnout em professores universitários. Fisioter Pesqui. 2011;18(3):270-4. doi: 10.1590/S1809-29502011000300012.
    » https://doi.org/10.1590/S1809-29502011000300012
  • 11
    Ceballos AGC, Santos GB. Factors associated with musculoskeletal pain among teachers: sociodemographics aspects, general health and well-being at work. Rev Bras Epidemiol. 2015;18(3):702-15. doi: 10.1590/1980-5497201500030015.
    » https://doi.org/10.1590/1980-5497201500030015
  • 12
    Machado LC, Limongi JE. Prevalência e fatores relacionados a transtornos mentais comuns entre professores da rede municipal de ensino, Uberlândia, Minas Gerais, Brasil. Rev Bras Med Trab. 2019;17(3):325-34. doi: 10.5327/Z1679443520190424.
    » https://doi.org/10.5327/Z1679443520190424
  • 13
    Comper MLC, Padula RS. Avaliação do risco ergonômico em trabalhadores da indústria têxtil por dois instrumentos: quick exposure check e job factors questionnaire. Fisioter Pesqui. 2013;20(3):215-21. doi: 10.1590/S1809-29502013000300004.
    » https://doi.org/10.1590/S1809-29502013000300004
  • 14
    Oliveira M, Keine S. Aspectos e comportamentos ergonômicos no teletrabalho. Revista Produçao Online. 2020;20(4):1405-34. doi: 10.14488/1676-1901.v20i4.4146.
    » https://doi.org/10.14488/1676-1901.v20i4.4146
  • 15
    Kraemer K, Moreira MF, Guimarães B. Dor musculoesquelética e riscos ergonômicos em docentes de uma instituição federal. Rev Bras Med Trab. 2020;18(3):343-51. doi: 10.47626/1679-4435-2020-608.
    » https://doi.org/10.47626/1679-4435-2020-608
  • 16
    Magnavita N, Elovainio M, De Nardis I, Heponiemi T, Bergamaschi A. Environmental discomfort and musculoskeletal disorders. Occup Med (Lond). 2011;61(3):196-201. doi: 10.1093/occmed/kqr024.
    » https://doi.org/10.1093/occmed/kqr024
  • 17
    Almeida IM. Proteção da saúde dos trabalhadores da saúde em tempos de COVID-19 e respostas à pandemia. Rev Bras Saude Ocup. 2020;45:e17. doi: 10.1590/scielopreprints.140.
    » https://doi.org/10.1590/scielopreprints.140
  • 18
    Nakazawa T, Okubo Y, Suwazono Y, Kobayashi E, Komine S, Kato N, et. al. Association between duration of daily VDT use and subjective symptoms. Am J Ind Med. 2002;42(5):421-6. doi: 10.1002/ajim.10133.
    » https://doi.org/10.1002/ajim.10133
  • 19
    Zhu X, Shin G. Shoulder and neck muscle activities during typing with articulating forearm support at different heights. Ergonomics 2012;55(11):1412-9. doi: 10.1080/00140139.2012.709541.
    » https://doi.org/10.1080/00140139.2012.709541
  • 20
    Marques NR, Hallal CZ, Gonçalves M. Características biomecânicas, ergonômicas e clínicas da postura sentada: uma revisão. Fisioter Pesqui. 2010;17(3):270-6. doi: 10.1590/S1809-29502010000300015.
    » https://doi.org/10.1590/S1809-29502010000300015
  • 21
    Makhous M, Lin F, Hendrix RW, Hepler M, Zang LQ. Sitting with adjustable ischial and back supports: biomechanical changes. Spine (Phila Pa 1976). 2003;28(11):1113-21. doi: 10.1097/01.BRS.0000068243.63203.A8.
    » https://doi.org/10.1097/01.BRS.0000068243.63203.A8
  • 22
    Malta DC, Oliveira MM, Andrade SSCA, Caiaffa WT, Souza MFM, Bernal RTI. Fatores associados à dor crônica na coluna em adultos no Brasil. Rev Saude Publica. 2017;51(Supl 1):9s. doi: 10.1590/S1518-8787.2017051000052.
    » https://doi.org/10.1590/S1518-8787.2017051000052
  • Fonte de financiamento:

    Instituto Federal Catarinense (IFC) campus São Bento do Sul
  • 3
    Aprovado pelo Comitê de Ética: nº 34028020.9.0000.8049.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Mar 2022

Histórico

  • Recebido
    21 Set 2021
  • Aceito
    15 Jan 2022
Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 225 2° andar. , 05403-010 São Paulo SP / Brasil, Tel: 55 11 2661-7703, Fax 55 11 3743-7462 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revfisio@usp.br