Acessibilidade / Reportar erro

Relação entre a coordenação motora e a função executiva em adultos e idosos

Relación entre la coordinación motora y la función ejecutiva en adultos y ancianos

RESUMO

A população idosa brasileira possui escolaridade relativamente baixa, quando comparada a outras populações. Na prática clínica, torna-se difícil decidir se alterações mais sutis, observadas nos testes de função executiva (FE) e coordenação motora de idosos, devem-se a um quadro neurológico inicial ou à baixa escolaridade. O objetivo do trabalho foi investigar: (1) possíveis diferenças na coordenação motora e FE de adultos e idosos com escolaridade alta e baixa; e (2) possíveis correlações entre coordenação motora e FE nessa amostra. Foram avaliados 75 indivíduos saudáveis, com idade entre 30 e 89 anos. A FE foi avaliada por meio do trail making test (TMT) e a coordenação motora foi avaliada com o teste de diadococinesia dos membros superiores, que consiste na alternância rápida entre supinação e pronação do antebraço (direito, esquerdo, de ambos os antebraços em fase, e ambos em antifase). A análise de variância investigou possíveis influências da idade e da escolaridade na FE e coordenação motora. O teste de correlação de Pearson investigou possíveis relações entre FE e diadococinesia. Idosos com escolaridade baixa foram significativamente mais lentos na parte B (cognitivo-motora) e no delta (cognitiva) do TMT. Todos os grupos foram mais lentos na condição antifase, sobretudo os idosos com escolaridade baixa. Encontramos apenas correlações fracas entre FE e coordenação motora. A idade e a escolaridade influenciaram na FE e na coordenação motora; porém, os testes de FE e coordenação motora não apresentaram correlação quando esses dois fatores foram corrigidos estatisticamente.

Descritores:
Desempenho Psicomotor; Escolaridade; Cognição; Idoso; Função Executiva

RESUMEN

La población anciana brasileña tiene un bajo nivel educativo en comparación con otras poblaciones. En la práctica clínica es difícil decidir si las alteraciones más sutiles, observadas en pruebas de función ejecutiva (FE) y coordinación motora en ancianos, son provenientes de una condición neurológica inicial o de un bajo nivel educativo. El objetivo de este estudio fue examinar: (1) posibles diferencias en la coordinación motora y la FE de adultos y ancianos con altos y bajos niveles educativos; y (2) posibles correlaciones entre coordinación motora y FE en esta muestra. Se evaluaron a 75 individuos sanos, con edades entre 30 y 89 años. Para la FE se aplicó la Prueba de creación de senderos (TMT en inglés), y la coordinación motora se evaluó con la prueba de diadococinesia de miembros superiores, que consiste en una alternancia rápida entre supinación y pronación del antebrazo (derecho, izquierdo, ambos antebrazos en fase y ambos en antifase). El análisis de varianza analizó las posibles influencias de la edad y la educación en la FE y la coordinación motora. La prueba de correlación de Pearson evaluó las posibles relaciones entre FE y diadococinesia. Los ancianos con bajo nivel educativo fueron significativamente más lentos en la parte B (cognitivo-motora) y delta (cognitiva) de la TMT. Todos los grupos fueron más lentos en la condición antifase, especialmente los ancianos con bajo nivel educativo. Se encontró únicamente correlaciones débiles entre FE y coordinación motora. La edad y el nivel educativo influyeron en la FE y la coordinación motora; sin embargo, las pruebas de FE y de coordinación motora no mostraron correlación cuando estos dos factores fueron corregidos estadísticamente.

Palabras clave:
Desempeño Psicomotor; Escolaridad; Cognición; Anciano; Función Ejecutiva

ABSTRACT

Brazilian older adults present a relatively low schooling level when compared with other populations. In clinical practice, defining if more subtle alterations observed in executive function (EF) and motor coordination tests in older adults are due to an initial neurological condition or low schooling level is difficult. This study aimed to evaluate the possible differences in motor coordination and EF between adults and older adults with high and low schooling level as well as the possible correlations between motor coordination and EF in this sample. A total of 75 healthy individuals (aged from 30 to 89 years) were evaluated. EF was assessed by the trail making test (TMT) whereas motor coordination was assessed by the upper limb diadochokinetic test, which is the rapid alternation between supination and pronation of the forearms (right, left, both performing in-phase movements, and both performing anti-phase movements). Analysis of variance showed that age and schooling level possibly influenced EF and motor coordination. Possible relationships between EF and diadochokinesis were calculated by Pearson’s correlation. Older adults with low schooling level were significantly slower on the TMT part B (cognitive and motor) and delta TMT (cognitive). All groups were slower performing the anti-phase movement, especially those with low schooling level. Results showed only weak correlations between EF and motor coordination. Age and schooling level influenced executive function and motor coordination. However, the EF and motor coordination tests presented no correlation when these two factors were statistically corrected.

Keywords:
Psychomotor Performance; Schooling Level; Cognition; Older Adult; Executive Function

INTRODUÇÃO

A população brasileira está envelhecendo e ainda possui escolaridade relativamente baixa, quando comparada a outras populações. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE)11. Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. SIS 2016: 67,7% dos idosos ocupados começaram a trabalhar com até 14 anos [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2016 [cited 2020 Nov 10]. Available from: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?busca=1&id=1&idnoticia=3326&t=sis-2016-67-7-idosos-ocupados-comecaram-trabalhar-14 anos&view=noticia#:~:text=Entre%20os%20idosos%20ocupados%2C%2067,n%C3%ADvel%20de%20instru%C3%A7%C3%A3o%20mais%20elevado
https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-c...
, em 2016, 51% da população de 25 anos de idade ou mais no Brasil tinha, no máximo, o ensino fundamental completo. Além disso, os indivíduos acima de 60 anos de idade inseridos no mercado de trabalho possuíam, em média, cinco a sete anos de estudo. Uma dificuldade que surge na prática clínica em decorrência desses fatores é decidir se alterações mais sutis, observadas nos testes de função executiva (FE) e coordenação motora, devem-se a um quadro neurológico inicial ou à baixa escolaridade.

A FE é responsável pela resolução de problemas cotidianos, de forma integrada e organizada22. Woollacott MH, Shumway-Cook A. Controle motor: teoria e aplicações práticas. 3rd ed. Barueri: Manole; 2010.. Mediada no córtex pré-frontal, a FE ajuda o indivíduo a se adaptar às demandas ambientais, e sua avaliação pode ser realizada através de testes como o trail making test (TMT). O TMT utiliza sequências de letras e números, exigindo flexibilidade mental33. Hirota C, Watanabe M, Tanimoto Y, Kono R, Higuchi Y, Kono K. A cross-sectional study on the relationship between the Trail Making Test and mobility-related functions in community-dwelling elderly. Nihon Ronen Igakkai Zasshi. 2008;45(6):647-54. doi: 10.3143/geriatrics.45.647.
https://doi.org/10.3143/geriatrics.45.64...
, e, assim como na diadococinesia dos membros, requer mudança de direção e agilidade motora.

De acordo com a literatura, a FE interfere diretamente no desempenho motor44. Ble A, Volpato S, Zuliani G, Guralnik JM, Bandinelli S, Lauretani F, et al. Executive function correlates with walking speed in older persons: The InCHIANTI study. J Am Geriatr Soc. 2005;53(3):410-5. doi: 10.1111/j.1532-5415.2005.53157.x.
https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2005...
)-(66. Dalton C, Sciadas R, Nantel J. Executive function is necessary for the regulation of the stepping activity when stepping in place in older adults. Aging Clin Exp Res. 2016;28(5):909-15. doi: 10.1007/s40520-015-0499-9.2016.
https://doi.org/10.1007/s40520-015-0499-...
. Sabe-se que a escolaridade formal amplia a capacidade dos indivíduos de desenvolver estratégias para realização de tarefas77. Voos MC, Piemonte MEP, Castelli LZ, Machado MSA, Teixeira PPS, Caromano FA, et al. Association between educational status and dual task performance in young adults. Percept Mot Skills. 2015;120(2):416-37. doi: 10.2466/22.PMS.120v18x8.
https://doi.org/10.2466/22.PMS.120v18x8...
. Embora classificações por idade e escolaridade tenham sido bem documentadas para a FE, não existem dados com essa mesma análise para a avaliação da coordenação motora.

A diadococinesia é a capacidade de realizar movimentos rápidos e alternados na fala ou nos membros superiores88. Pierce JF, Cotton S, Perry A. Alternating and sequential motion rates in older adults. Int J Lang Commun Disord. 2013;48(3):257-64. doi: 10.1111/1460-6984.12001.
https://doi.org/10.1111/1460-6984.12001...
e pode ser testada através da alternância rápida entre movimentos de pronação e supinação dos antebraços99. Nitrini R, Bacheschi LA. A neurologia que todo médico deve saber. 2nd ed. São Paulo: Atheneu; 2003.. É frequentemente utilizada na neurologia clínica, na fisioterapia e na fonoaudiologia, uma vez que oferece maior detalhamento e confiabilidade nos dados obtidos em relação a outros métodos de avaliação da coordenação dos movimentos voluntários1010. Wang YT, Kent RD, Duffy JR, Thomas JE. Analysis of diadochokinesis in ataxic dysarthria using the Motor Speech Profile Program(tm). Folia Phoniatr Logop. 2009;61(1):1-11. doi: 10.1159/000184539.
https://doi.org/10.1159/000184539...
.

A diadococinesia pode ser realizada de forma uni ou bimanual. Seu processamento neural envolve tálamo, núcleos da base, cerebelo e tronco encefálico, que se ligam a outras estruturas corticais1111. Daneault JF, Carignan B, Sadikot AF, Duval C. Inter-limb coupling during diadochokinesis in Parkinson's and Huntington's disease. Neurosci Res. 2015;97:60-8. doi: 10.1016/j.neures.2015.02.009.
https://doi.org/10.1016/j.neures.2015.02...
. Em suas divisões, o cerebelo exerce uma modulação de extrema importância nos movimentos voluntários, e é no neocerebelo onde são recebidos os impulsos para modulação da contração e do tônus muscular. Essa modulação controla a atividade da musculatura para execução do movimento planejado, acionando os músculos agonistas, antagonistas e sinérgicos1212. Gagliardi RJ, Takayanagui OM. Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. 2nd ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2019..

A alternância de movimentos rápidos foi investigada por Daneault et al.1111. Daneault JF, Carignan B, Sadikot AF, Duval C. Inter-limb coupling during diadochokinesis in Parkinson's and Huntington's disease. Neurosci Res. 2015;97:60-8. doi: 10.1016/j.neures.2015.02.009.
https://doi.org/10.1016/j.neures.2015.02...
em pacientes com doença de Parkinson e de Huntington, que expressaram déficits na coordenação bimanual. Numa população de idosos saudáveis, Pierce, Cotton e Perry88. Pierce JF, Cotton S, Perry A. Alternating and sequential motion rates in older adults. Int J Lang Commun Disord. 2013;48(3):257-64. doi: 10.1111/1460-6984.12001.
https://doi.org/10.1111/1460-6984.12001...
observaram diferença na diadococinesia da fala entre idosos e idosos mais velhos, mas não exploraram a motora. Em 2010, Haaxma et al.1313. Haaxma CA, Bloem BR, Overeem S, Borm GF, Horstink MWIM. Timed motor tests can detect subtle motor dysfunction in early Parkinson's disease. Mov Disord. 2010;25(9):1150-6. doi: 10.1002/mds.23100.
https://doi.org/10.1002/mds.23100...
avaliaram a diadococinesia nos membros superiores de pacientes com doença de Parkinson e de um grupo-controle. Indivíduos saudáveis realizaram, em média, duas repetições a mais por membro, comparados aos indivíduos com doença de Parkinson.

A avaliação cognitivo-motora é de extrema importância na prática clínica, já que reflete de forma mais fidedigna as atividades cotidianas66. Dalton C, Sciadas R, Nantel J. Executive function is necessary for the regulation of the stepping activity when stepping in place in older adults. Aging Clin Exp Res. 2016;28(5):909-15. doi: 10.1007/s40520-015-0499-9.2016.
https://doi.org/10.1007/s40520-015-0499-...
),(1414. Custódio EB, Malaquias J Jr, Voos MC. Relação entre cognição (função executiva e percepção espacial) e equilíbrio de idosos de baixa escolaridade. Fisioter Pesqui. 2010;17(1):46-51. doi: 10.1590/S1809-29502010000100009.
https://doi.org/10.1590/S1809-2950201000...
),(1515. Corti EJ, Johnson AR, Riddle H, Gasson N, Kane R, Loftus AM. The relationship between executive function and fine motor control in young and older adults. Hum Mov Sci. 2017;51:41-50. doi: 10.1016/j.humov.2016.11.001.
https://doi.org/10.1016/j.humov.2016.11....
. No entanto, alterações de coordenação motora típicas da idade ou decorrentes da baixa escolaridade podem ser confundidas com déficits neurológicos, uma vez que não há padronização do teste de diadococinesia para idosos com escolaridade baixa. O presente estudo teve como objetivo investigar (1) a influência da idade e da escolaridade em testes de coordenação motora e FE e (2) possíveis correlações entre coordenação motora e FE nessa amostra.

METODOLOGIA

Foi realizado um estudo observacional transversal, em que se utilizou a calculadora amostral disponibilizada pela Universidade de British Columbia. Considerando uma média de 60 segundos para o TMT de FE para jovens e de 120 segundos para idosos, e um desvio padrão de 50 segundos, com alfa 0,05 e poder da amostra 0,90, o cálculo foi de 15 participantes para cada subgrupo (jovens com escolaridade alta, jovens com escolaridade baixa, idosos com escolaridade alta e idosos com escolaridade baixa).

Foram recrutados 100 voluntários saudáveis, com idade entre 30 e 89 anos, de ambos os sexos, pertencentes à comunidade universitária (professores, estudantes, acompanhantes de pacientes, funcionários). Os critérios de inclusão foram: mínimo de dois anos de estudo formal e visão normal ou corrigida por lentes. Os critérios de exclusão foram: pontuação abaixo do escore padronizado conforme a escolaridade, de acordo com a versão em português do miniexame do estado mental (Meem)1616. Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3-B):777-81. doi: 10.1590/s0004-282x2003000500014.
https://doi.org/10.1590/s0004-282x200300...
. Também foram excluídos voluntários com doenças neurológicas e/ou psiquiátricas, com distúrbios de fala ou de nervos cranianos, ou com qualquer alteração odontológica. Ao final, 75 participantes preencheram todos os critérios, leram e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido, e foram avaliados neste estudo. O perfil dos participantes é apresentado na Tabela 1.

Tabela 1
Caracterização da idade e escolaridade dos participantes (anos)

Procedimentos

Os voluntários responderam a um breve questionário em que foram registradas idade, escolaridade e presença de doenças associadas. Em seguida, foi aplicado o Meem. Esse exame tem sido utilizado em ambientes clínicos para a triagem de declínio cognitivo e para o seguimento de quadros demenciais. Seu escore pode variar de 0 a 30, sendo 30 a melhor pontuação possível para capacidade cognitiva.

Avaliação da função executiva com o trail making test

O teste foi explicado ao voluntário e foi oferecido treino prévio à avaliação, com uma versão simplificada de cada parte. No treino da parte A, estavam dispostos no papel oito círculos, numerados de 1 a 8, que deveriam ser ligados o mais rapidamente possível, sem que o sujeito retirasse a caneta do papel. Na avaliação da parte A, o sujeito recebeu a mesma instrução, porém com 25 círculos numerados e cronometragem do tempo1717. Bowie CR, Harvey PD. Administration and interpretation of the Trail Making Test. Nat Protoc. 2006;1(5):2277-81. doi: 10.1038/nprot.2006.390.
https://doi.org/10.1038/nprot.2006.390...
.

No treino da parte B, também foram apresentados oito círculos, quatro deles numerados de 1 a 4 e quatro deles com letras de A a D. Os círculos deveriam ser conectados de maneira intercalada, em ordem crescente (1-A-2-B-3-C-4-D). A mesma instrução foi dada para a avaliação da parte B, em que, no entanto, a sequência seguiu até 12-L. O teste foi interrompido quando não concluído em até 300 segundos, sendo essa a pontuação máxima possível para cada parte do teste1717. Bowie CR, Harvey PD. Administration and interpretation of the Trail Making Test. Nat Protoc. 2006;1(5):2277-81. doi: 10.1038/nprot.2006.390.
https://doi.org/10.1038/nprot.2006.390...
.

A pontuação do teste foi dada pelo tempo de realização, sendo que a parte A avaliou principalmente o componente motor da tarefa, e a parte B avaliou os componentes cognitivo e motor, simultaneamente. Foi extraída outra medida, o TMT delta, obtido pela subtração do TMT A do TMT B. O TMT delta é uma medida do componente cognitivo isolado, uma vez que elimina o tempo gasto com o componente motor de ambas as tarefas1717. Bowie CR, Harvey PD. Administration and interpretation of the Trail Making Test. Nat Protoc. 2006;1(5):2277-81. doi: 10.1038/nprot.2006.390.
https://doi.org/10.1038/nprot.2006.390...
.

Avaliação da diadococinesia

A avaliação da diadococinesia de membros superiores foi realizada com os voluntários sentados em uma cadeira sem apoio para os braços, com os antebraços apoiados sobre as coxas. Na avaliação do membro superior isolado, o membro avaliado ficou sobre a coxa ipsilateral e realizou prono-supinação, enquanto o membro não testado foi posicionado atrás do tronco. Após a avaliação do membro superior direito, a mesma tarefa foi realizada com o membro superior esquerdo. Em seguida, no teste dos movimentos bilaterais, os dois antebraços ficaram sobre as coxas e foram realizadas a supinação-pronação dos antebraços, de forma simétrica ou em fase e, por último, de forma assimétrica ou em antifase. O posicionamento dos voluntários e a sequência dos testes são exibidos na Figura 1.

Figura 1
Posicionamento dos voluntários e a sequência dos testes de diadococinesia

Todos os testes foram demonstrados previamente pelo examinador e cada participante, então, realizou algumas repetições da tarefa (no máximo cinco repetições). Os testes foram filmados com um smartphone Android e as imagens foram analisadas com o software Kinovea®, 0.8.26-win32, cujo acesso é livre e gratuito. Cada condição do teste foi gravada durante 12 segundos. Excluímos os dois primeiros segundos de gravação e contamos o número de repetições de cada ciclo completo de movimento (um movimento de supinação e um movimento de pronação), no total de 10 segundos.

Análise estatística

Para investigar a influência da idade e da escolaridade na coordenação motora e FE, a amostra foi subdividida entre adultos (30 a 64 anos) e idosos (65 a 89 anos), e entre grupos com escolaridade baixa (2 a 10 anos) e alta (11 a 30 anos). Assim, os quatro subgrupos definidos foram: adulto com escolaridade alta; adulto com escolaridade baixa; idoso com escolaridade alta; e idoso com escolaridade baixa.

Utilizamos o software Statistica 13.0. Após comprovada a homogeneidade e homoscedasticidade da amostra, a análise de variância (Anova) comparou a FE e a coordenação motora dos quatro grupos. Adotamos alfa menor que 0,05 como nível de significância. Quando necessário, foi usado o post hoc de Tukey. Para investigar possíveis correlações entre o desempenho nos testes de diadococinesia e os testes de FE, ambos com distribuição normal, utilizamos o teste de correlação de Pearson (r). Para análise, adotamos a seguinte convenção: r>0,6 (correlação forte); 0,4<r<0,6 (correlação moderada); r<0,4 (correlação fraca). Os dados foram controlados por idade e escolaridade.

RESULTADOS

A Anova mostrou influência da idade e da escolaridade na FE (F6,142=15,047; p<0,001) (Figura 2). A análise post hoc de Tukey mostrou que os idosos com escolaridade baixa foram significativamente mais lentos na parte B e no delta do TMT do que os idosos com escolaridade alta, que, por sua vez, foram mais lentos que os adultos com escolaridade baixa. O grupo mais rápido foi o de adultos com escolaridade alta (p<0,05 para todas as comparações).

Figura 2
Desempenho dos quatro grupos nas partes A, B e no delta do trail making test

A Anova mostrou influência da idade e da escolaridade no número de repetições de diadococinesia (F9,213=1,298, p=0,024) (Figura 3). O teste post hoc mostrou que todos os grupos foram mais lentos em antifase, sobretudo os idosos com escolaridade baixa (p<0,05 para todas as comparações).

Figura 3
Desempenho dos quatro grupos nas condições do teste de diadococinesia avaliadas

Foi utilizado teste de Pearson para investigar correlações entre coordenação motora e FE. Os coeficientes de correlação estão apresentados na Tabela 2. Não foram encontradas correlações moderadas ou fortes entre a FE (TMT) e a coordenação motora (diadococinesia).

Tabela 2
Correlações entre as tarefas de função executiva e as tarefas de diadococinesia dos membros superiores.

DISCUSSÃO

A FE é um norteador para todas as tarefas diárias, e um de seus componentes é a cognição. Muitas vezes o indivíduo realiza movimentos de automatização e, quando há aumento da complexidade de uma tarefa motora, por exemplo, com a inclusão de uma atividade cognitiva, o desempenho pode ser prejudicado1515. Corti EJ, Johnson AR, Riddle H, Gasson N, Kane R, Loftus AM. The relationship between executive function and fine motor control in young and older adults. Hum Mov Sci. 2017;51:41-50. doi: 10.1016/j.humov.2016.11.001.
https://doi.org/10.1016/j.humov.2016.11....
. Criamos a hipótese de que, na avaliação da coordenação motora, a complexidade crescente comprometeria o desempenho, assim como na avaliação da FE, e que o desempenho em tarefas de coordenação motora e FE estariam correlacionados.

No presente estudo, a diadococinesia e a FE mostraram resultados dissociados. Isso pode estar relacionado ao fato de que a diadococinesia exige mais estratégias de controle de amplitude, direção, força ou velocidade do movimento a ser realizado, ou seja, um planejamento motor e não especificamente um planejamento cognitivo, corroborando a afirmação de Daneault et al.1111. Daneault JF, Carignan B, Sadikot AF, Duval C. Inter-limb coupling during diadochokinesis in Parkinson's and Huntington's disease. Neurosci Res. 2015;97:60-8. doi: 10.1016/j.neures.2015.02.009.
https://doi.org/10.1016/j.neures.2015.02...
de que a tarefa diadococinética era considerada simples o suficiente para não sofrer praticamente nenhuma influência por déficits cognitivos.

É possível dizer que os movimentos avaliados em nosso estudo não exigem grandes grupos musculares ou extensa sinergia entre as estruturas corporais, não sofrendo, então, grande influência pelo déficit de funções executivas. Já Rosado-Artalejo et al.1818. Rosado-Artalejo C, Carnicero JA, Losa-Reyna J, Castillo C, Cobos-Antoranz B, Alfaro-Acha A, et al. Global performance of executive function is predictor of risk of frailty and disability in older adults. J Nutr Health Aging. 2017;21(9):980-7. doi: 10.1007/s12603-017-0895-2.
https://doi.org/10.1007/s12603-017-0895-...
, encontraram, em uma população de idosos na Espanha, que alguns sinais de disfunção executiva (incluindo o desempenho no TMT B) estão associados ao sedentarismo e à incapacidade, potencializando a sarcopenia em idosos e prejudicando diretamente a função motora desses indivíduos.

Os dados desse estudo mostraram que os voluntários com idade mais avançada e escolaridade mais baixa foram mais lentos. É possível que esse fato se dê por alguma limitação física, mas também podemos entender que os indivíduos que possuem uma melhor FE, mesmo com alguma limitação motora, desenvolvem estratégias para execução do movimento: realizar com mais força, utilizar mais a articulação proximal, entre outras.

Estudos prévios corroboram nossos achados de que a escolaridade influencia na FE. Voos1919. Voos MC. A influência da idade e da escolaridade na execução e no aprendizado de uma tarefa cognitivo-motora [dissertation]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2009. avaliou a FE em adultos e idosos e notou que os indivíduos com menor escolaridade levaram mais tempo para aprendizagem e realização dos testes que envolviam desenvolvimento cognitivo-motor. Também Custódio et al.1414. Custódio EB, Malaquias J Jr, Voos MC. Relação entre cognição (função executiva e percepção espacial) e equilíbrio de idosos de baixa escolaridade. Fisioter Pesqui. 2010;17(1):46-51. doi: 10.1590/S1809-29502010000100009.
https://doi.org/10.1590/S1809-2950201000...
verificaram maior alteração no equilíbrio em idosos com baixa escolaridade devido à influência da FE prejudicada pelo nível escolar.

Assim como em Voos, Custódio e Malaquias2020. Voos MC, Custódio EB, Malaquias J Jr. Relationship of executive function and educational status with functional balance in older adults. J Geriatr Phys Ther. 2011;34(1):11-8. doi: 10.1097/JPT.0b013e3181ff2452.
https://doi.org/10.1097/JPT.0b013e3181ff...
e Voos et al.2121. Voos MC, Piemonte MEP, Mansur LL, Caromano FA, Brucki SMD, Valle LER. Educational status influences cognitive-motor learning in older adults: going to university provides greater protection against aging than going to high school. Arq Neuropsiquiatr. 2017;75(12):843-9. doi: 10.1590/0004-282X20170155.
https://doi.org/10.1590/0004-282X2017015...
, verificamos que indivíduos mais velhos e com menor escolaridade levaram mais tempo para realizar a parte B do TMT. Aparentemente, porém, os indivíduos apresentaram bom desempenho na parte motora (parte A). Nem sempre é esperado que o movimento se altere por influência cognitiva, mas, no caso do TMT, a FE se mostrou significativamente prejudicada quando foi acrescentado um componente cognitivo à tarefa motora, semelhante aos achados de Dalton, Sciadas e Nantel66. Dalton C, Sciadas R, Nantel J. Executive function is necessary for the regulation of the stepping activity when stepping in place in older adults. Aging Clin Exp Res. 2016;28(5):909-15. doi: 10.1007/s40520-015-0499-9.2016.
https://doi.org/10.1007/s40520-015-0499-...
, que observaram alteração na marcha de idosos saudáveis quando foi adicionada uma tarefa cognitiva. Isso se deve à atuação da FE no planejamento e integração das tarefas a serem executadas22. Woollacott MH, Shumway-Cook A. Controle motor: teoria e aplicações práticas. 3rd ed. Barueri: Manole; 2010.),(44. Ble A, Volpato S, Zuliani G, Guralnik JM, Bandinelli S, Lauretani F, et al. Executive function correlates with walking speed in older persons: The InCHIANTI study. J Am Geriatr Soc. 2005;53(3):410-5. doi: 10.1111/j.1532-5415.2005.53157.x.
https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2005...
.

CONCLUSÃO

O presente estudo investigou a influência da idade e da escolaridade em testes de coordenação motora e FE, e as correlações entre essas duas variáveis. A avaliação cognitivo-motora reflete as atividades cotidianas na prática clínica. Porém, alterações de coordenação motora típicas do envelhecimento, ou da baixa escolaridade, podem ser confundidas com déficits neurológicos, já que não há padronização do teste de diadococinesia.

Os resultados indicaram que a idade e a escolaridade influenciaram na FE. Os idosos com escolaridade baixa foram significativamente mais lentos na parte B (parte cognitivo-motora) e no delta (parte cognitiva) do TMT. A idade e a escolaridade também interferiram no número de repetições no teste de coordenação motora. Porém, não foram encontradas correlações moderada ou forte entre a FE (TMT) e a coordenação motora (diadococinesia).

REFERÊNCIAS

  • 1
    Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. SIS 2016: 67,7% dos idosos ocupados começaram a trabalhar com até 14 anos [Internet]. Rio de Janeiro: IBGE; 2016 [cited 2020 Nov 10]. Available from: https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?busca=1&id=1&idnoticia=3326&t=sis-2016-67-7-idosos-ocupados-comecaram-trabalhar-14 anos&view=noticia#:~:text=Entre%20os%20idosos%20ocupados%2C%2067,n%C3%ADvel%20de%20instru%C3%A7%C3%A3o%20mais%20elevado
    » https://censo2010.ibge.gov.br/noticias-censo.html?busca=1&id=1&idnoticia=3326&t=sis-2016-67-7-idosos-ocupados-comecaram-trabalhar-14 anos&view=noticia#:~:text=Entre%20os%20idosos%20ocupados%2C%2067,n%C3%ADvel%20de%20instru%C3%A7%C3%A3o%20mais%20elevado
  • 2
    Woollacott MH, Shumway-Cook A. Controle motor: teoria e aplicações práticas. 3rd ed. Barueri: Manole; 2010.
  • 3
    Hirota C, Watanabe M, Tanimoto Y, Kono R, Higuchi Y, Kono K. A cross-sectional study on the relationship between the Trail Making Test and mobility-related functions in community-dwelling elderly. Nihon Ronen Igakkai Zasshi. 2008;45(6):647-54. doi: 10.3143/geriatrics.45.647.
    » https://doi.org/10.3143/geriatrics.45.647
  • 4
    Ble A, Volpato S, Zuliani G, Guralnik JM, Bandinelli S, Lauretani F, et al. Executive function correlates with walking speed in older persons: The InCHIANTI study. J Am Geriatr Soc. 2005;53(3):410-5. doi: 10.1111/j.1532-5415.2005.53157.x.
    » https://doi.org/10.1111/j.1532-5415.2005.53157.x
  • 5
    Van Iersel MB, Kessels RPC, Bloem BR, Verbeek ALM, Olde Rikkert MGM. Executive functions are associated with gait and balance in community-living elderly people. J Gerontol A Biol Sci Med Sci. 2008;63(12):1344-9. doi: 10.1093/gerona/63.12.1344.
    » https://doi.org/10.1093/gerona/63.12.1344
  • 6
    Dalton C, Sciadas R, Nantel J. Executive function is necessary for the regulation of the stepping activity when stepping in place in older adults. Aging Clin Exp Res. 2016;28(5):909-15. doi: 10.1007/s40520-015-0499-9.2016.
    » https://doi.org/10.1007/s40520-015-0499-9.2016
  • 7
    Voos MC, Piemonte MEP, Castelli LZ, Machado MSA, Teixeira PPS, Caromano FA, et al. Association between educational status and dual task performance in young adults. Percept Mot Skills. 2015;120(2):416-37. doi: 10.2466/22.PMS.120v18x8.
    » https://doi.org/10.2466/22.PMS.120v18x8
  • 8
    Pierce JF, Cotton S, Perry A. Alternating and sequential motion rates in older adults. Int J Lang Commun Disord. 2013;48(3):257-64. doi: 10.1111/1460-6984.12001.
    » https://doi.org/10.1111/1460-6984.12001
  • 9
    Nitrini R, Bacheschi LA. A neurologia que todo médico deve saber. 2nd ed. São Paulo: Atheneu; 2003.
  • 10
    Wang YT, Kent RD, Duffy JR, Thomas JE. Analysis of diadochokinesis in ataxic dysarthria using the Motor Speech Profile Program(tm). Folia Phoniatr Logop. 2009;61(1):1-11. doi: 10.1159/000184539.
    » https://doi.org/10.1159/000184539
  • 11
    Daneault JF, Carignan B, Sadikot AF, Duval C. Inter-limb coupling during diadochokinesis in Parkinson's and Huntington's disease. Neurosci Res. 2015;97:60-8. doi: 10.1016/j.neures.2015.02.009.
    » https://doi.org/10.1016/j.neures.2015.02.009
  • 12
    Gagliardi RJ, Takayanagui OM. Tratado de Neurologia da Academia Brasileira de Neurologia. 2nd ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2019.
  • 13
    Haaxma CA, Bloem BR, Overeem S, Borm GF, Horstink MWIM. Timed motor tests can detect subtle motor dysfunction in early Parkinson's disease. Mov Disord. 2010;25(9):1150-6. doi: 10.1002/mds.23100.
    » https://doi.org/10.1002/mds.23100
  • 14
    Custódio EB, Malaquias J Jr, Voos MC. Relação entre cognição (função executiva e percepção espacial) e equilíbrio de idosos de baixa escolaridade. Fisioter Pesqui. 2010;17(1):46-51. doi: 10.1590/S1809-29502010000100009.
    » https://doi.org/10.1590/S1809-29502010000100009
  • 15
    Corti EJ, Johnson AR, Riddle H, Gasson N, Kane R, Loftus AM. The relationship between executive function and fine motor control in young and older adults. Hum Mov Sci. 2017;51:41-50. doi: 10.1016/j.humov.2016.11.001.
    » https://doi.org/10.1016/j.humov.2016.11.001
  • 16
    Brucki SMD, Nitrini R, Caramelli P, Bertolucci PHF, Okamoto IH. Sugestões para o uso do mini-exame do estado mental no Brasil. Arq Neuropsiquiatr. 2003;61(3-B):777-81. doi: 10.1590/s0004-282x2003000500014.
    » https://doi.org/10.1590/s0004-282x2003000500014
  • 17
    Bowie CR, Harvey PD. Administration and interpretation of the Trail Making Test. Nat Protoc. 2006;1(5):2277-81. doi: 10.1038/nprot.2006.390.
    » https://doi.org/10.1038/nprot.2006.390
  • 18
    Rosado-Artalejo C, Carnicero JA, Losa-Reyna J, Castillo C, Cobos-Antoranz B, Alfaro-Acha A, et al. Global performance of executive function is predictor of risk of frailty and disability in older adults. J Nutr Health Aging. 2017;21(9):980-7. doi: 10.1007/s12603-017-0895-2.
    » https://doi.org/10.1007/s12603-017-0895-2
  • 19
    Voos MC. A influência da idade e da escolaridade na execução e no aprendizado de uma tarefa cognitivo-motora [dissertation]. São Paulo: Universidade de São Paulo; 2009.
  • 20
    Voos MC, Custódio EB, Malaquias J Jr. Relationship of executive function and educational status with functional balance in older adults. J Geriatr Phys Ther. 2011;34(1):11-8. doi: 10.1097/JPT.0b013e3181ff2452.
    » https://doi.org/10.1097/JPT.0b013e3181ff2452
  • 21
    Voos MC, Piemonte MEP, Mansur LL, Caromano FA, Brucki SMD, Valle LER. Educational status influences cognitive-motor learning in older adults: going to university provides greater protection against aging than going to high school. Arq Neuropsiquiatr. 2017;75(12):843-9. doi: 10.1590/0004-282X20170155.
    » https://doi.org/10.1590/0004-282X20170155
  • 1
    Trabalho apresentado como pré-requisito para a conclusão de curso de graduação em Fisioterapia por Maria Luiza Triolo, na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.
  • 2
    Fonte de financiamento: nada a declarar
  • 4
    Aprovado pelo Comitê de Ética: Protocolo nº 2.877.930.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    29 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    Apr-Jun 2022

Histórico

  • Recebido
    14 Fev 2021
  • Aceito
    31 Maio 2022
Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 225 2° andar. , 05403-010 São Paulo SP / Brasil, Tel: 55 11 2661-7703, Fax 55 11 3743-7462 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revfisio@usp.br