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Treinamento muscular inspiratório na qualidade de vida e capacidade funcional na cardiotoxicidade: relato de caso

Entrenamiento muscular inspiratorio en la calidad de vida y capacidad funcional en la cardiotoxicidad: reporte de un caso

RESUMO

Pacientes oncológicos desenvolvem problemas cardíacos frequentes devido à toxidade dos quimioterápicos, com consequente impacto na capacidade funcional (CF) e na qualidade de vida (QV). O treinamento muscular inspiratório (TMI) pode ser um recurso terapêutico viável, já que estudos de causa-efeito demonstraram melhora da CF e da QV em outras populações. Contudo, seu efeito ainda não foi avaliado em pacientes cardio-oncológicos. Assim, o objetivo deste estudo foi descrever o efeito de um programa de TMI sobre a CF e a QV de uma paciente com cardiotoxicidade: LDM, com 41 anos, mulher e sedentária, que desenvolveu insuficiência cardíaca após tratamento quimioterápico. A QV foi avaliada pelo teste de Minnesota. Foram avaliados também a força muscular inspiratória dinâmica (S-Index) e o limiar glicêmico (LG) dos músculos inspiratórios. O LG foi determinado pela glicemia capilar por meio do glicosímetro digital (Accu-Chek - Roche) no menor valor da glicemia da carga correspondente ao teste muscular inspiratório incremental (TMII). A progressão da carga foi realizada a cada duas semanas. Ao final de dois meses, todos os testes foram reaplicados. No teste de Minnesota, os valores relacionados à CF, antes e após o TMI, foram de 36 vs. 8 (melhora de 78%); aos aspectos clínicos e psicológicos foram de 32 vs. 7 (melhora de 78%), a S-Index foram de 41 vs. 51cmH2O (melhora de 24%). O TMI melhorou a CF e a QV de uma paciente cardio-oncológica, configurando-se como um recurso terapêutico viável para essa população.

Descritores
Antraciclinas; Insuficiência Cardíaca; Oncologia; Pressões Respiratórias Máximas

RESUMEN

Los pacientes con cáncer desarrollan problemas cardíacos frecuentes debido a la cardiotoxicidad de la quimioterapia, con el consiguiente impacto en la capacidad funcional (FC) y la calidad de vida (CV). El entrenamiento muscular inspiratorio (IMT) puede ser un recurso terapéutico viable, ya que los estudios de causa-efecto han demostrado una mejora en la FC y la CV en otras poblaciones. Sin embargo, su efecto aún no se ha evaluado en pacientes cardio-oncológicos. Por lo tanto, el objetivo de este estudio fue describir el efecto de un programa de IMT sobre la FC y la CV de un paciente con cardiotoxicidad: LDM, 41 años, mujer y sedentaria, que desarrolló insuficiencia cardíaca después del tratamiento de quimioterapia. La CV se evaluó mediante la prueba de Minnesota. También se evaluaron la fuerza muscular inspiratoria dinámica (índice S) y el umbral glucémico (LG) de los músculos inspiratorios. El LG se determinó por glucemia capilar mediante el glucómetro digital (Accu-Chek - Roche) al valor más bajo de la carga glucélica correspondiente a la prueba muscular inspiratoria incremental (IMI). La progresión de la carga se realizó cada dos semanas. Después de dos meses, todas las pruebas se volvieron a aplicar. En la prueba de Minnesota, los valores relacionados con la FC, antes y después de THE, fueron 36 vs. 8 (78% de mejora); los aspectos clínicos y psicológicos fueron 32 vs. 7 (mejora del 78%), el índice S fue de 41 vs. 51cmH2O (mejora del 24%). El IMT mejoró la FC y la CV de un paciente cardio-oncológico, constituyendo un recurso terapéutico viable para esta población.

Palabras clave
Antraciclinas; Insuficiencia Cardíaca; Oncología; Presiones Respiratorias Máximas

ABSTRACT

Cancer patients develop frequent cardiac problems due to chemotherapy toxicity, which impacts functional capacity (FC) and quality of life (QoL). Inspiratory Muscle Training (IMT) may be a viable therapeutic resource since cause-effect studies have shown improvement in FC and QoL in other populations. However, its effect was not evaluated in cardio-oncology patients. The study aimed to describe the effect of an IMT program on the FC and QoL of a patient with cardiotoxicity, LDM, aged 41 years, female and, sedentary that developed heart failure after chemotherapy. The QoL was evaluated by the Minnesota test. Dynamic Inspiratory Muscle Strength (S-Index) and Glycemic Threshold (GT) of the inspiratory muscles were also evaluated. The GT was determined by capillary glycemia with a digital glucometer (Accu-Chek - Roche), at the lowest value of glycemia of the load corresponding to the Incremental Inspiratory Muscle Test (IIMT). The load progression was performed every two weeks. After two months, all tests were reapplied. In the Minnesota test, the values related to FC, pre and post IMT, were 36 v. 8 (78% improvement); the clinical and psychological aspects 32 v. 7 (78% improvement); S-Index was 41 v. 51cmH2O (24% improvement). IMT improved the FC and QoL of a cardio-oncology patient, configuring itself as a possible and viable therapeutic resource for this population.

Keywords
Anthracyclines; Heart Failure; Oncology; Maximal Respiratory Pressures

INTRODUÇÃO

As neoplasias representam hoje a segunda maior causa de morte nos países desenvolvidos e em desenvolvimento11. Kalil Filho R, Hajjar LA, Bacal F, Hoff PM, Diz MP, Galas FRBG, et al. I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2011;96(2 Suppl 1):1-52. doi: 10.1590/S0066-782X2011000700001.
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. Entre os tratamentos para a população que sofre com essa condição, a quimioterapia figura entre os principais. No entanto, esse tratamento pode gerar disfunções cardiovasculares que culminam com a insuficiência cardíaca (IC). As disfunções cardiovasculares resultantes da quimioterapia em pacientes neoplásicos são denominadas de cardiotoxicidade e, segundo a Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia11. Kalil Filho R, Hajjar LA, Bacal F, Hoff PM, Diz MP, Galas FRBG, et al. I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2011;96(2 Suppl 1):1-52. doi: 10.1590/S0066-782X2011000700001.
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, sua classificação é definida pelos valores da fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE). Ademais, o tratamento quimioterápico pode desencadear arritmias ventriculares e supraventriculares, síndrome coronariana aguda, hipertensão arterial sistêmica e eventos tromboembólicos11. Kalil Filho R, Hajjar LA, Bacal F, Hoff PM, Diz MP, Galas FRBG, et al. I Diretriz Brasileira de Cardio-Oncologia da Sociedade Brasileira de Cardiologia. Arq Bras Cardiol. 2011;96(2 Suppl 1):1-52. doi: 10.1590/S0066-782X2011000700001.
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. Sendo assim, o impacto clínico da cardiotoxicidade resulta na perda da capacidade funcional (CF), limita as atividades da vida diária e, consequentemente, causa intolerância ao exercício físico.

O treinamento muscular inspiratório (TMI) é um recurso terapêutico de fácil aplicação e reprodutibilidade que apresenta respostas benéficas para pacientes cardiopatas. Segundo Bosnak-Guclu et al. (22. Bosnak-Guclu M, Arikan H, Savci S, Inal-Ince D, Tulumen E, Aytemir K, et al. Effects of inspiratory muscle training in patients with heart failure. Respir Med. 2011;105(11):1671-81. doi: 10.1016/j.rmed.2011.05.001.
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, o TMI promove benefícios para CF, força muscular respiratória e periférica, função pulmonar, dispneia, fadiga, depressão e qualidade de vida de pacientes com IC. Por esses motivos, o TMI pode ser uma alternativa viável, mas ainda é pouco testado em pacientes com IC decorrente da toxicidade provocada pelo tratamento da neoplasia. Portanto, o objetivo deste relato de caso é descrever o efeito de um programa de TMI de forma individualizada sobre a CF e a QV de uma paciente com IC decorrente do tratamento quimioterápico para o câncer de mama.

Descrição do caso

A participante do estudo foi LMD, do sexo feminino, com 41 anos, sedentária, IMC de 23,7kg/m2, com diagnóstico de IC com fração de ejeção normal (fração de ejeção de ventrículo esquerdo de 71%) causada por cardiotoxicidade após o tratamento quimioterápico para neoplasia mamária. O carcinoma ductal invasivo ocorreu na mama esquerda e nas axilas nível I e II (com metástase em 2 dos 12 linfonodos dissecados com ausência de extensão extracapsular).

Finalizado o tratamento quimioterápico com antraciclina, a paciente procurou o serviço de reabilitação cardiovascular da Clínica Actus Cordios, em Salvador (BA), Brasil, para tratar o cansaço que sentia durante as atividades da vida diária, como varrer a casa. Como a paciente residia em outra cidade e não poderia ingressar em um programa supervisionado, optou-se pelo acompanhamento na forma semi-supervisionada, com aplicação do TMI e manutenção das atividades físicas que a paciente já realizava (serviços domésticos). Para isso foram agendados mais dois encontros, totalizando três encontros para o início do programa de reabilitação com TMI.

No primeiro contato, foram coletados os dados antropométricos e clínicos da paciente e foi aplicado o teste de qualidade de vida de Minnesota (Minnesota Living with Heart Failure Questionnaire), desenvolvido para pacientes com IC. Também nesse primeiro encontro foi avaliada a força muscular inspiratória dinâmica (S-Index), utilizando o dispositivo digital POWERbreathe ® K5 for inspiratory muscle training (POWERbreathe International Ltd., Warwickshire, UK). Esse equipamento mensura o pico de fluxo inspiratório que reflete a força dos músculos inspiratórios, denominado de stress index ou S-Index. A medição foi executada por um profissional especializado em avaliação pneumofuncional e com experiência no manuseio do instrumento de coleta. Para a obtenção do S-Index a paciente foi posicionada numa cadeira confortável, com os pés apoiados e orientada a realizar, com as narinas ocluídas por um clip nasal, expiração lenta seguida de uma inspiração rápida e forte. A manobra foi repetida três vezes, sendo o S-Index determinado pelo maior valor entre as três repetições. Nesse teste, caso a última repetição seja a maior, novas repetições são realizadas até que a identificação do maior valor encontrado não seja o da última tentativa. No caso em questão isso não foi necessário, pois o maior valor obtido foi o da segunda repetição.

No segundo encontro foi realizado o teste muscular inspiratório incremental (TMII), desenvolvido por nosso grupo de pesquisa3, para determinar o limiar glicêmico (LG) dos músculos inspiratórios. O TMII é realizado de forma intervalada e composto por até 10 estágios de 19 incursões, com ciclo respiratório de cinco segundos, guiado pelo bip do próprio aparelho. Ao final de cada estágio, a carga é imposta de forma crescente e é estabelecido um descanso passivo de dois minutos. O teste, realizado com o mesmo aparelho utilizado para mensurar o S-Index (POWERbreathe ® K5), foi iniciado com resistência de 10% do S-Index obtido, com incremento de 10% de carga a cada estágio. O equipamento só imprime a carga determinada na quarta inspiração. Desta forma, foram necessárias 19 incursões em cada nível, com ciclo respiratório de cinco segundos. O teste foi interrompido quando a paciente não conseguiu mais vencer a resistência imposta pelo aparelho. Neste caso, como o S-Index da paciente foi de 41cmH2O, a carga inicial do TMII foi de 4cmH2O, com acréscimo de 4cmH2O a cada estágio. Para determinar o LG, foi coletada a glicemia capilar com o glicosímetro digital Accu-Chek (Roche) em repouso e imediatamente ao final de cada estágio. O LG foi determinado pelo menor valor da glicemia obtida no estágio correspondente. A carga do LG foi a utilizada para o TMI que a paciente realizou. Como o LG dessa paciente foi obtido no primeiro estágio, ela iniciou o TMI com carga de 4cmH2O. Importante destacar que durante a realização do TMII foi coletado também o esforço percebido (subjetivo) através da escala de Borg tradicional (6 a 20) referente ao final de cada estágio. Finalmente, no terceiro encontro, foi aplicado o teste de caminhada de 6 minutos (TC6), seguindo todas as recomendações da American Thoracic Society44. ATS Committee on Proficiency Standards for Clinical Pulmonary Function Laboratories. ATS statement: guidelines for the six-minute walk test. Am J Respir Crit Care Med. 2002;166(1):111-7. doi: 10.1164/ajrccm.166.1.at1102. Erratum in: Am J Respir Crit Care Med. 2016;193(10):1185.
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, para avaliar a CF da paciente.

Após o terceiro encontro a paciente foi instruída a realizar o TMI em casa por dois meses. O protocolo utilizado foi o de cinco sessões semanais com três séries de 10 incursões inspiratórias, com descanso passivo de 1min entre as séries. A carga inicial de treino correspondia ao LG obtido no TMII (4cmH2O e Borg de 13) e foi ajustada a cada duas semanas utilizando o valor da escala de Borg identificada no ponto do LG. Portanto, a cada duas semanas, quando a paciente retornava ao setor de reabilitação, ela era inquirida se a percepção de esforço com a carga que ela estava realizando o treinamento havia diminuído ou se mantido em 13. Caso houvesse diminuição na percepção de esforço a carga era ajustada. Foi recomendado à paciente que não realizasse nenhum esforço físico diferente do habitual nesse período de intervenção.

Ao final dos dois meses de treinamento foram reaplicados o teste de qualidade de vida de Minnesota, o TMII, o TC6 e um novo ecocardiograma. Os resultados da primeira e da segunda avaliação foram descritos em números absolutos e, posteriormente, foi calculada a porcentagem de mudança entre a primeira e segunda coleta.

A paciente participou do projeto intitulado “Influência do exercício físico sobre a capacidade funcional aeróbica de idosos com comorbidades cardiovasculares e metabólicas associadas”, colaborando com a assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido. Entretanto a paciente não se qualificou para a pesquisa e assim foi realocada para o relato de caso em questão. Após o consentimento, foi dada continuidade à coleta de dados.

RESULTADOS

No ecocardiograma, observaram-se mudanças na espessura do septo interventricular (6 vs. 8mm) e na FEVE (71% vs. 69%). Entretanto foi observada melhora contundente na qualidade de vida da paciente. Inicialmente no teste de Minnesota foi obtido um resultado de 68 pontos contra 16 pontos ao final do estudo, refletindo melhora de 77%. Mais especificamente as questões relacionadas à capacidade funcional e aos aspectos clínicos e psicológicos foram as que apresentaram as maiores mudanças. A Tabela 1 resume os resultados obtidos.

Tabela 1
Evolução das variáveis avaliadas pré e pós-treinamento muscular inspiratório

DISCUSSÃO

Neste relato de caso pudemos observar melhoras significativas na QV e na CF de uma paciente com IC decorrente da toxicidade causada pelo tratamento quimioterápico de um câncer de mama. Esse resultado indica que o TMI pode ser um recurso viável a ser empregado no tratamento dessa população.

Tal melhora pode ser explicada por alguns fatores. Possivelmente o maior benefício provocado pelo TMI seja a redução do metaborreflexo (MTB). O MTB se caracteriza como a redistribuição do fluxo sanguíneo dos músculos periféricos ativos para o diafragma, e em indivíduos saudáveis corresponde entre 14 e 16% do débito cardíaco55. Ribeiro JP, Chiappa GR, Callegaro CC. The contribution of inspiratory muscles function to exercise limitation in heart failure: pathophysiological mechanisms. Braz J Phys Ther. 2012;16(4):261-7. doi: 10.1590/s1413-35552012005000034.
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. Tal resposta reflexa interfere diretamente na CF, que é menor na presença de um maior MTB. Portanto, quanto melhor for o desempenho aeróbico de produção energética do diafragma, menor e mais tardio será o MTB. Em um ensaio clínico randomizado, Dal Lago et al. (66. Plentz RDM, Sbruzzi G, Ribeiro RA, Ferreira JB, Lago PD. Treinamento muscular inspiratório em pacientes com insuficiência cardíaca: metanálise de estudos randomizados. Arq Bras Cardiol. 2012;99(2):762-71. doi: 10.1590/S0066-782X2012001100011.
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demonstraram que um programa de TMI reduziu o MTB e melhorou em até 30% a CF de pacientes com IC.

Quando o MTB é ativado, a ação de aferentes do nervo frênico aumenta, resultando no aumento da atividade simpática e da vasoconstrição periférica com consequente redução do transporte de O2 para a musculatura ativa, levando à fadiga dos músculos em ação55. Ribeiro JP, Chiappa GR, Callegaro CC. The contribution of inspiratory muscles function to exercise limitation in heart failure: pathophysiological mechanisms. Braz J Phys Ther. 2012;16(4):261-7. doi: 10.1590/s1413-35552012005000034.
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,77. Kaur J, Senador D, Krishnan AC, Hanna HW, Alvarez A, Machado TM, et al. Muscle metaboreflex-induced vasoconstriction in the ischemic active muscle is exaggerated in heart failure. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2018;314(1):H11-8. doi: 10.1152/ajpheart.00375.2017.
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. O TMI atenua e retarda o MTB por aumentar a capacidade oxidativa do músculo diafragma, o que consequentemente atrasa a fadiga da musculatura esquelética em atividade77. Kaur J, Senador D, Krishnan AC, Hanna HW, Alvarez A, Machado TM, et al. Muscle metaboreflex-induced vasoconstriction in the ischemic active muscle is exaggerated in heart failure. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2018;314(1):H11-8. doi: 10.1152/ajpheart.00375.2017.
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. O TMI diminui a requisição dos músculos inspiratórios secundários, reduzindo o envio de sangue solicitado pela musculatura respiratória, o que impacta diretamente no aumento da perfusão dos músculos periféricos em atuação55. Ribeiro JP, Chiappa GR, Callegaro CC. The contribution of inspiratory muscles function to exercise limitation in heart failure: pathophysiological mechanisms. Braz J Phys Ther. 2012;16(4):261-7. doi: 10.1590/s1413-35552012005000034.
https://doi.org/10.1590/s1413-3555201200...
,77. Kaur J, Senador D, Krishnan AC, Hanna HW, Alvarez A, Machado TM, et al. Muscle metaboreflex-induced vasoconstriction in the ischemic active muscle is exaggerated in heart failure. Am J Physiol Heart Circ Physiol. 2018;314(1):H11-8. doi: 10.1152/ajpheart.00375.2017.
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,88. Brown AD, Fogarty MJ, Sieck GC. Mitochondrial morphology and function varies across diaphragm muscle fiber types. Respir Physiol Neurobiol. 2022;295:103780. doi: 10.1016/j.resp.2021.103780.
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.

No entanto, a utilização do TMI como ferramenta terapêutica para melhorar a CF em pacientes oncológicos que incorreram com IC é ainda incipiente, possivelmente pela carência de estudos que avaliem o efeito do TMI nessa população. Este relato de caso abre uma vertente promissora. Corroborando essa ideia, vemos que tanto o S-Index como o LG dos músculos inspiratórios melhoraram ao final do tratamento, o que reflete a melhora da função diafragmática e da musculatura inspiratória secundária (Tabela 1), sendo possivelmente responsável pela melhora da CF e QV, que observamos, respectivamente, pela metragem do TC6 (18%) e pela pontuação no teste de Minnesota (77%) (Tabela 1).

Vale destacar que a forma de se prescrever o TMI foi diferente do modelo tradicional. Utilizamos o limiar glicêmico99. Cordeiro ALL, Mascarenhas HC, Landerson L, Araújo JS, Borges DL, Melo TA, et al. Inspiratory muscle training based on anaerobic threshold on the functional capacity of patients after coronary artery bypass grafting: clinical trial. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2020;35(6):942-9. doi: 10.21470/1678-9741-2019-0448.
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ao invés da porcentagem da pressão inspiratória máxima (PImáx). Isso pode ter impactado no resultado, uma vez que a prescrição baseada no LG parece ser mais precisa e gerar melhores resultados da função diafragmática. Num dos trabalhos desenvolvidos por nosso grupo, observamos que houve menor redução da PImáx em pacientes pós-cirurgia cardíaca que utilizaram o LG dos músculos inspiratórios como base para a prescrição do TMI em comparação aos que utilizaram a PImáx como referência para prescrição99. Cordeiro ALL, Mascarenhas HC, Landerson L, Araújo JS, Borges DL, Melo TA, et al. Inspiratory muscle training based on anaerobic threshold on the functional capacity of patients after coronary artery bypass grafting: clinical trial. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2020;35(6):942-9. doi: 10.21470/1678-9741-2019-0448.
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. No primeiro grupo a redução da PImáx foi de 12%, enquanto no grupo convencional (prescrição norteada pela PImáx) a redução foi de 32%. Uma possível explicação fisiológica que justifique isso é a predominância de fibras do tipo I na musculatura diafragmática. Essas fibras apresentam características de resistência, com menor geração de força e potência quando comparadas às fibras do tipo II. Portanto, as fibras do tipo I podem ser mais beneficiadas por trabalhos com cargas mais próximas do LG. O que observamos é que as cargas utilizadas para o TMI na prescrição tradicional (baseada na PImáx), são em média o dobro das que são utilizadas pelo LG da musculatura diafragmática88. Brown AD, Fogarty MJ, Sieck GC. Mitochondrial morphology and function varies across diaphragm muscle fiber types. Respir Physiol Neurobiol. 2022;295:103780. doi: 10.1016/j.resp.2021.103780.
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,99. Cordeiro ALL, Mascarenhas HC, Landerson L, Araújo JS, Borges DL, Melo TA, et al. Inspiratory muscle training based on anaerobic threshold on the functional capacity of patients after coronary artery bypass grafting: clinical trial. Rev Bras Cir Cardiovasc. 2020;35(6):942-9. doi: 10.21470/1678-9741-2019-0448.
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. No caso em questão, se fossemos utilizar a prescrição tradicional para a determinação da carga do TMI, ou seja, 30 a 40% da PImáx, a carga seria de 12 a 16cmH2O. No entanto, baseado no TMII, no qual o LG ocorreu no primeiro estágio, a carga utilizada foi de 4cmH2O.

A realização do TMI com cargas mais adequadas, preconizadas às fibras do tipo I, possivelmente melhoram mais a capacidade oxidativa do diafragma, atenuando a fadiga e consequentemente atrasando o MTB de forma mais eficiente e com menos riscos88. Brown AD, Fogarty MJ, Sieck GC. Mitochondrial morphology and function varies across diaphragm muscle fiber types. Respir Physiol Neurobiol. 2022;295:103780. doi: 10.1016/j.resp.2021.103780.
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. Tal benefício se reflete na melhora da CF e na realização das atividades funcionais que são normalmente realizadas em faixas de intensidade aeróbica.

Portanto, este relato de caso aponta a importância de estudos longitudinais controlados que avaliem o benefício do TMI para a população analisada aqui, mais especificamente comparando o efeito de prescrições diferentes.

CONCLUSÃO

O treinamento muscular inspiratório promoveu melhora da capacidade funcional e da qualidade de vida de uma paciente com cardiotoxicidade grau III, configurando um recurso terapêutico viável para essa população.

REFERÊNCIAS

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    Aprovado pelo Comitê de Ética: Protocolo nº 033/2011 (CAAE: 0036.059.000-11).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2022
  • Aceito
    08 Set 2022
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