A escolha do calçado por corredores amadores: caracterização e associação com o histórico de lesão auto reportada

La elección del calzado por los corredores aficionados: caracterización y asociación con el historial de lesiones autoinformado

RESUMO

O calçado é um elemento importante para a prática de corrida. As evidências sobre os impactos das características do calçado e de sua prescrição nas lesões de corredores são restritas. Dessa forma, os objetivos deste estudo foram investigar o processo de escolha do calçado por corredores e verificar se variáveis relacionadas ao calçado e seu processo de escolha estavam associadas à presença e recorrência de lesão no último ano. Foi realizado um estudo observacional com 254 corredores que responderam um questionário autoadministrado sobre características demográficas, a prática esportiva, o calçado e o processo de sua escolha, e lesões ocorridas nos últimos 12 meses. O teste qui-quadrado foi empregado para verificar se havia diferença na distribuição das respostas de cada questão, enquanto o teste de regressão logística para verificar se as variáveis relacionadas ao calçado e ao processo de escolha predizem a presença e recorrência de lesão no último ano. Os resultados indicaram que a maioria dos corredores possui tênis específico para a prática esportiva e considera algumas características ao adquiri-lo, como o amortecimento intermediário e a diferença na altura do solado entre a parte posterior e a anterior de aproximadamente 10mm. A maioria indica conhecer seu tipo de pisada, mas não a considera na escolha do calçado. Além disso, a maioria não usa palmilha e não recebeu orientação para a escolha do calçado. O modelo obtido com a regressão não foi significativo. Assim, apesar de os corredores considerarem as características do calçado ao adquiri-lo, essas características e o processo de escolha não foram associados à presença e recorrência de lesão nos últimos 12 meses.

Descritores:
Calçados de Corrida; Corredores; Lesões Esportivas; Esporte; Epidemiologia

RESUMEN

El calzado es un elemento importante para la práctica deportiva de carrera. Sin embargo, es limitada la evidencia sobre los impactos de las características del calzado deportivo y su prescripción sobre las lesiones en los corredores. Por lo tanto, los objetivos de este estudio fueron investigar el proceso de elección de calzado por los corredores y verificar si las variables relacionadas con el calzado y su proceso de elección se asociaron con la presencia y recurrencia de lesiones en el último año. Se realizó un estudio observacional con 254 corredores que respondieron un cuestionario autoinformado sobre las características demográficas, la práctica deportiva, el calzado y el proceso de elección, y las lesiones que se llevaron a cabo en los últimos 12 meses. La prueba de chi-cuadrado se aplicó para verificar la existencia de diferencias en la distribución de respuestas para cada pregunta. Y se utilizó la prueba de regresión logística para determinar si las variables relacionadas con el calzado y su proceso de elección pueden predecir la presencia y recurrencia de lesiones en el último año. Los resultados indicaron que la mayoría de los corredores tienen zapatillas adecuadas para hacer deporte y consideran algunas características a la hora de adquirirlas, como una amortiguación intermedia y la diferencia de altura de la suela entre la parte delantera y la trasera de aproximadamente 10mm. La mayoría afirma conocer el tipo de paso, pero no lo considera a la hora de elegir el calzado. Además, la mayoría no utiliza plantillas y no recibe orientación sobre la elección del calzado. El modelo que se obtuvo con la regresión no fue significativo. Por lo tanto, aunque los corredores tienen en cuenta las características del calzado a la hora de adquirirlo, esas características y el proceso de elección no se asociaron con la presencia y recurrencia de lesión en los últimos 12 meses.

Palabras clave:
Calzado de Correr; Corredores; Lesiones Deportivas; Deporte; Epidemiología

ABSTRACT

Running shoes are an essential element for sports practice. Evidence on the effect of the shoe characteristics and prescription in running injuries are scarce. Thus, this study aimed to investigate runners's process of choosing running shoes and to verify whether the variables related to running shoes and their selection process are associated with the presence and recurrence of injuries in the previous year. An observational study was conducted with 254 runners who answered a self-reported questionnaire about demographics, sports practice, shoe characteristics and selection criteria, and injuries in the last 12 months. The chi-square test evaluated whether there was a difference in the distribution of answers to each question. The logistic regression evaluated whether the variables related to shoes and selection criteria predicted injury’s presence and recurrence in the previous year. The results showed that most runners had specific shoes for sports practice and considered some characteristics of the shoes to choose them, including intermediate cushioning and a difference in the heel-to-toe drop of approximately 10mm. Most respondents indicated knowing their foot type but not considering it when choosing shoes. Besides, most individuals did not use foot orthotics and did not receive guidance to select their shoes. The model obtained with the regression was not significant. Therefore, despite considering shoe characteristics when choosing it, these features and the selection criteria were not associated with the presence and recurrence of injuries in the previous 12 months.

Keywords:
Running Shoes; Runners; Athletic Injuries; Sports; Epidemiology

INTRODUÇÃO

A corrida de rua apresenta um número crescente de praticantes motivados pelos diversos benefícios à saúde que o esporte proporciona^1)-(3. O calçado de corrida é considerado um elemento importante para essa prática esportiva, uma vez que é a interface de interação entre o sistema musculoesquelético do corredor e o chão⁴. Nesse sentido, a maneira como o calçado interage com o corredor poderia impactar suas chances de desenvolver lesões e seu desempenho durante treinos e competições. Dessa forma, a escolha do calçado mais adequado ao corredor pode influenciar o rendimento e a permanência na atividade física.

As características do calçado de corrida afetam a maneira como o sistema musculoesquelético do corredor interage na realização do esporte. Estudos indicam que essas características podem gerar diferenças cinemáticas⁵, principalmente nas articulações próximas ao pé⁶, e na atividade de músculos do membro inferior^7),(8, além de estarem relacionadas ao dispêndio energético durante a corrida⁹. Considerando isso, diferentes concepções dos elementos do calçado de corrida são propostas por fabricantes e investigadas por pesquisadores^5),(10),(11. Desfechos comumente considerados para o planejamento desses elementos são amortecimento, estabilidade, tração e peso^5),(10, que classicamente são examinados na perspectiva de que forças de impacto e movimentos excessivos podem estar relacionados à chance de desenvolver lesão e ao desempenho no esporte^4),(10),(11. Apesar disso, as evidências são restritas quanto ao real efeito do calçado no surgimento de lesões e no rendimento esportivo, gerando muito debate sobre como proceder à prescrição de calçados para corredores^{4),(5),(11),(12}.

Diversas entidades esportivas já apresentaram recomendações relativas ao calçado de corrida¹², como o American College of Sports Medicine (ACSM), com orientações elaboradas por Vicent e Vicent¹³, que também as expuseram em outra publicação¹⁴. As características que devem ser levadas em consideração na escolha do calçado incluíram diferença mínima na altura da sola entre a parte posterior e anterior do calçado, que permitam o movimento dos dedos dos pés e que sejam leves^13),(14. Além disso, o calçado não deve conter componentes que restrinjam o movimento, por exemplo, limitando a pronação ou supinação^13),(14. Os autores ainda orientam que corredores com alterações do movimento do pé (e.g., pronação excessiva) devem ser submetidos ao acompanhamento terapêutico para planejamento da intervenção mais apropriada¹³. O amortecimento deve ser intermediário, uma vez que, quando excessivo, contribui para um movimento adicional da extremidade inferior durante o contato inicial e, quando mínimo, pode ser desconfortável¹⁴. Essas características foram indicadas como estratégia para favorecer o adequado desempenho e diminuir as chances de desenvolver lesão. Apesar disso, as evidências que suportam essas recomendações são restritas^{4),(5),(11),(12}. Um calçado leve¹⁵, com pouca restrição do movimento de pronação^4),(15 e diferença mínima na altura da sola entre a parte posterior e anterior para corredores ocasionais⁴ é também recomendado por revisões recentes. Além disso, o conforto imediato pode influenciar mais na escolha do calçado, na chance de desenvolver lesões e no gasto energético do que características específicas dos elementos do calçado^11),(12),(15.

A necessidade de estudos que investiguem os critérios do processo de escolha de calçado já foi destacada na literatura diante do número limitado de evidências que embasam as recomendações de algumas organizações esportivas¹². Assim, o objetivo deste estudo foi investigar o processo de escolha do calçado esportivo por corredores amadores e verificar se as variáveis relacionadas ao calçado e seu processo de escolha estão associadas à presença de lesão e sua recorrência no último ano. Os achados deste estudo poderão contribuir para a ampliação do conhecimento sobre esse processo, possibilitando o desenvolvimento de medidas que possam nortear os praticantes de corrida na escolha do seu calçado.

METODOLOGIA

Amostra

Este estudo transversal foi desenvolvido com 254 corredores, com idade de 37,2±10,7 anos, massa corporal de 71,7±13,1kg e altura de 1,71±0,10m. O recrutamento ocorreu por meio de divulgação em mídias sociais, grupos de corredores e para profissionais que trabalham com corredores. Os critérios de inclusão foram: corredores acima de 18 anos¹⁶, de ambos os sexos, que praticavam corrida de rua pelo menos uma vez por semana¹⁷ e que participaram de competições no último ano¹⁸. O critério de exclusão foi praticar corrida descalço. Todos os participantes assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido. O tamanho amostral foi estimado a partir da análise de poder estatístico a priori conduzido no software G^*Power versão 3.1.9.6¹⁹, considerando os seguintes parâmetros: nível de significância (α) de 0,05, tamanho de efeito médio (w=0,30), poder estatístico (β) de 0,85 e grau de liberdade de 10. O grau de liberdade foi determinado de acordo com o item do questionário aplicado que apresentava o maior número de alternativas. A análise indicou que o tamanho amostral mínimo seria 202 participantes para o teste qui-quadrado. O estudo atual recrutou 52 (26,7%) participantes a mais, considerando a possibilidade de perda de dados.

Procedimentos

A coleta de dados foi realizada online com questionário autoadministrado criado por meio do aplicativo Google Forms (Google Inc., Estados Unidos) (^{Material Complementar}). Esse questionário foi elaborado com questões fechadas e, para garantir maior clareza, as perguntas foram numeradas e agrupadas por tema²⁰. Inicialmente, esse instrumento foi testado em uma amostra piloto com cinco corredores para verificar o entendimento das questões. Após esta etapa, ajustes foram realizados para se chegar à versão final do questionário usado neste estudo. As questões investigaram as seguintes variáveis:

• Características demográficas: sexo, idade, massa corporal e altura.

• Características da prática esportiva: há quanto tempo pratica, distância percorrida e frequência semanal do treino e se treina com orientação profissional.

• Características do calçado e do processo de sua escolha: se utiliza tênis específico para corrida, critério para escolha (marca, preço, conforto, estética ou característica do calçado), se sabe e se escolhe considerando o tipo de pisada, se utiliza palmilha ortopédica, se recebe orientação profissional na escolha do calçado, tipo de amortecimento (mínimo, intermediário ou máximo) e diferença na altura do solado entre a parte posterior e anterior do calçado (mesma altura ou diferença de aproximadamente 1, 2 ou 3 dedos, o que corresponde a cerca de 10, 20 ou 30mm, respectivamente).

• Histórico de lesão: se no último ano teve lesão relacionada à corrida, definida como a que resultou em redução na distância percorrida ou interrupção do treino por um ou mais dias¹⁷. Em caso positivo, deveria indicar a quantidade de lesões sofridas, se teve auxílio de um profissional, qual parte do corpo foi acometida (no caso de mais de uma lesão, o corredor deveria considerar a que gerou maior tempo de afastamento) e se houve recorrência da lesão nos últimos 12 meses.

Análise estatística

A frequência observada e a porcentagem em cada resposta foram calculadas para descrição dos achados. O teste qui-quadrado goodness of fit foi realizado para verificar se a distribuição observada nas respostas era diferente da distribuição esperada. Testes de regressão logística foram utilizados para verificar se as variáveis relacionadas ao calçado e ao processo de escolha predizem a presença de lesão no último ano, assim como a recorrência da lesão. O nível de significância de 0,05 foi estabelecido para todos os testes.

RESULTADOS

A distribuição dos sexos na amostra não foi uniforme (χ²(1)=12,84, p<0,001). O sexo masculino (n=155, 61%) apresentou maior frequência, enquanto o feminino (n=98, 38,7%) apresentou menor frequência que a esperada. A distribuição das respostas relativa às características da prática esportiva está apresentada na Tabela 1. O teste qui-quadrado revelou que a distribuição das respostas não era uniforme e, logo, diferente da esperada em todas as variáveis analisadas: tempo de prática de corrida (χ²(1)=38,74, p<0,001), frequência semanal do treino (χ²(2)=110,93, p<0,001), distância semanal do treino (χ²(1)=8,00, p=0,01) e orientação profissional (χ²(1)=17,74, p<0,001).

Tabela 1
Características da prática esportiva (n=254)

Variável		n (%)
Tempo de prática
	<1 ano	77 (30,0%)
	>1 ano	176 (69,3%)
Frequência do treino
	1 a 2× por semana	51 (20,1%)
	3 a 4× por semana	163 (64,2%)
	>4× por semana	39 (15,4%)
Distância percorrida no treino
	<15km	104 (40,9%)
	>15km	149 (58,7%)
Pratica corrida com orientação profissional?
	Não	93 (36,6%)
	Sim	160 (63,0%)

• Variáveis cuja soma das frequências observadas em cada categoria não resulta em 254 é resultado de missing value.

A distribuição das respostas relativa às características do calçado e do processo de escolha estão apresentadas na Tabela 2. O teste qui-quadrado revelou que a distribuição das respostas não era uniforme e, logo, diferente da esperada em todas as variáveis analisadas: uso de calçado específico para corrida (χ²(1)=163,84, p<0,001), como realiza o processo de escolha de calçado (χ²(4)=229,35, p<0,001), se sabe o tipo de pisada (χ²(1)=22,74, p<0,001), como a descobriu (χ²(4)=155,86, p<0,001), qual é a pisada (χ²(3)=17,56, p=0,001), se a considera durante a escolha do calçado (χ²(1)=53,40, p<0,001), se utiliza palmilha (χ²(1)=143,25, p<0,001), se recebe orientação profissional para escolha do calçado (χ²(1)=116,47, p<0,001), diferença na altura do solado entre a parte posterior e anterior (χ²(3)=90,08, p<0,001) e amortecimento (χ²(2)=89,44, p<0,001).

Tabela 2
Características do calçado e do processo de escolha (n=254)

Variável		n (%)
Uso de tênis específico para a prática de corrida
	Não	25 (9,8%)
	Sim	229 (90,2%)
Escolha do tênis
	Pela marca	39 (15,4%)
	Pelo preço	12 (4,7%)
	Pelo conforto	63 (24,8%)
	Pela estética	2 (0,8%)
	Pela característica do calçado	137 (53,9%)
Pisada
Conhecimento da pisada
	Não	89 (35,0%)
	Sim	165 (65,0%)
Como descobriu a pisada?
	Não se aplica, por não saber	89 (35,0%)
	Na loja de calçados	23 (9,1%)
	Por fisioterapeuta	107 (42,1%)
	Por outro profissional	24 (9,4%)
	Por outro colega corredor	9 (3,5%)
Qual é a pisada?
	Não se aplica, por não saber	89 (35,0%)
	Pronada	67 (26,4%)
	Supinada	45 (17,7%)
	Neutra	53 (20,9%)
Considera a pisada na escolha do calçado
	Não	184 (72,4%)
	Sim	68 (26,8%)
Usa palmilha ortopédica
	Não	221 (87,0%)
	Sim	31 (12,2%)
Orientação na escolha do calçado
	Não recebeu orientação de profissional	213 (83,9%)
	Recebeu orientação de profissional	41 (16,1%)
Diferença na altura do solado entre a parte posterior e anterior
	Não há diferença (mesma altura)	32 (12,6%)
	Aproximadamente 1 dedo (=0,01m)	103 (40,6%)
	Aproximadamente 2 dedos (=0,02m)	97 (38,2%)
	Aproximadamente 3 dedos (=0,03m)	19 (7,5%)
Amortecimento
	Mínimo	22 (8,7%)
	Intermediário	145 (57,1%)
	Máximo	87 (34,3%)

• Variáveis cuja soma das frequências observadas em cada categoria não resulta em 254 é resultado de missing value.

Na amostra, 114 (44,9%) corredores indicaram que tiveram 1,5±0,8 lesões nos últimos 12 meses e 28 (24,6%) indicaram que houve recorrência da lesão. Entre aqueles com história de lesão, 44 (38,6%) procuraram um fisioterapeuta, 27 (23,7%) procuraram um médico, 17 (14,9%) procuraram um médico que encaminhou para atendimento fisioterápico, 4 (3,5%) procuraram a equipe técnica e 21 (18,4%) não procuraram nenhum profissional. A distribuição das respostas relativa à parte do corpo lesionada é apresentada na Tabela 3. O teste qui-quadrado revelou que a distribuição das respostas não era uniforme e, logo, diferente da esperada em relação à parte do corpo lesionada (χ²(7)=66,00, p<0,001).

Tabela 3
Parte do corpo lesionada (n=114 corredores com história de lesão no último ano)

Parte do corpo lesionada	n (%)
Joelho	38 (33,3%)
Perna	20 (17,5%)
Quadril/púbis	18 (15,8%)
Tornozelo	12 (10,5%)
Pé	9 (7,9%)
Coxa	7 (6,1%)
Coluna lombar/sacro/pelve	7 (6,1%)
Membro superior	1 (0,9%)

• Dois questionários apresentaram missing values.

O modelo obtido com a regressão logística a partir das variáveis relativas ao calçado e ao processo de sua escolha não foi significativo para predizer a presença de lesão (χ²(13)=19,72, p=0,10) e a recorrência da lesão no último ano (χ²(12)=13,41, p=0,34).

DISCUSSÃO

Este estudo investigou como corredores amadores escolhem seus calçados para a prática esportiva e verificou como as características desses calçados e do processo de escolha se relacionam com o histórico e a recorrência de lesão nos últimos 12 meses. A maioria dos participantes era do sexo masculino, com mais de um ano de prática, que treinavam de 3 a 4 vezes por semana e percorriam uma distância superior a 15km. Longas distâncias e maior frequência de treino têm sido relacionadas a lesões em corredores^21),(22. Nessa perspectiva, uma melhor distribuição semanal do volume de treino e tempo de descanso são indicados para permitir a recuperação do sistema musculoesquelético²³. A frequência semanal observada sugere que a maioria dos corredores considera essa indicação, uma vez que distribui o volume de treino na semana, com 3 a 4 dias de descanso. Além disso, a maioria dos participantes recebe orientação profissional, o que pode indicar o interesse dos corredores em obter ajuda especializada para uma prática esportiva mais segura. Assim, o perfil da maioria da amostra consistiu em corredores mais experientes que praticam corrida ao longo da semana com orientação.

A maioria dos corredores possui calçado específico para a prática esportiva. O uso de tênis específico é recomendado, pois a capacidade de amortecimento diminui com o uso, devido à deterioração dos materiais de absorção de choque²⁴. Assim, usar o mesmo tênis para outras atividades poderia acelerar o processo de desgaste, diminuindo sua durabilidade. Além disso, a maioria dos participantes escolhe seus calçados com base em suas características, prática aconselhada por revisões recentes^4),(15. O segundo critério mais frequente para escolha foi o conforto. Calçados mais confortáveis são associados a menor consumo de oxigênio e menor frequência de lesões relacionadas ao movimento^11),(15. Como o conforto é difícil de definir e de quantificar, autores sugerem que o corredor escolha um calçado confortável utilizando seu próprio critério de conforto¹¹.

A maioria dos corredores conhecia o tipo de pisada, que foi identificada por fisioterapeuta. Apesar de as características do calçado impactarem no movimento do pé, uma revisão recente da literatura não encontrou evidência na prescrição do calçado com base na avaliação da postura estática do pé ou no movimento do retropé durante a fase de apoio da corrida¹⁵. Outra revisão sugere que, apesar das evidências restritas, características do calçado que favoreçam restrição mínima do movimento de pronação poderiam ser favoráveis para o grupo de corredores que tem o pé excessivamente pronado⁴. As orientações apresentadas pela ACSM não recomendam calçados específicos para o tipo de pisada, e sim tênis neutro¹³. Para os casos em que for necessária adaptação, por exemplo, devido à alteração da pisada, a ACSM recomenda o uso de palmilha¹³. Dessa forma, conhecer a pisada poderia direcionar o corredor a escolher calçados correspondentes ao tipo de pisada, apesar da quantidade limitada de evidências para isso. Diferentemente dessa ideia, neste estudo se verificou que, mesmo que a maioria dos corredores conhecesse sua pisada, 72,4% não a consideram para escolher o calçado.

A maioria dos corredores relatou não usar palmilha ortopédica. O uso de palmilha como estratégia para prevenir lesões possui resultados contraditórios na literatura. Um estudo indicou que o uso de palmilhas em corredores saudáveis não foi capaz de evitar lesões por sobrecarga em membros inferiores²⁵. Outro estudo demonstrou que as órteses foram efetivas na redução da dor em corredores com lesões crônicas²⁶. Assim, a prescrição de órtese pode estar restrita a grupos de corredores com alterações musculoesqueléticas.

Com relação à escolha do calçado, a maioria dos participantes não teve qualquer orientação profissional. Um estudo demonstrou que vendedores em loja de calçados possuíam crenças que não eram embasadas em evidências, como acreditar que calçados mais caros eram melhores que os mais baratos para prevenir lesões²⁷. Além disso, a maior parte desses vendedores havia passado por treinamentos oferecidos pelos empregadores sobre calçado e pronação do pé relacionada à lesão em corredores²⁷. Destaca-se que já foi demonstrada ausência de diferença em relação à pressão plantar e ao conforto entre calçados de diferentes marcas e preços²⁸. Sendo assim, os vendedores podem ser frequentemente solicitados para a escolha do calçado, porém podem não apresentar formação suficiente para orientar adequadamente os corredores.

No que se refere à diferença na altura do solado entre a parte posterior e anterior do calçado, a mais frequente foi a de aproximadamente 10mm, que, entre as alternativas, era a de menor diferença. A orientação da ACSM recomenda nenhuma diferença ou mínima diferença nessa medida¹³. Um estudo identificou que essa medida não estava associada a maior risco de lesão na amostra de corredores no geral²⁹. Contudo, ao realizar uma análise de subgrupos de corredores, foi identificado que calçados com mínima diferença na altura do solado estavam associados a menor risco em corredores ocasionais e a maior risco em corredores regulares²⁹. Assim, alguns corredores poderiam se beneficiar de calçados que apresentem diferença pequena na altura do solado entre a parte posterior e anterior.

A maioria dos participantes optou por calçados com amortecimento intermediário. Revisão recente da literatura indicou que a capacidade de amortecimento do calçado na redução de forças de impacto é controversa¹⁵. Um estudo observou que corredores com menor massa corporal se beneficiam de calçados com maiores propriedades de absorção de impacto, mas esse benefício não foi observado naqueles com maior massa corporal³⁰. Dessa forma, a maioria dos corredores investigados procura amortecimento intermediário, quando a literatura sugere que essa característica pode não trazer benefícios ou apresentar somente para os mais magros.

Neste estudo, 44,9% dos corredores apresentaram lesão relacionada à corrida no último ano e 24,6% relataram recorrência da lesão. A prevalência de lesões é similar à de uma revisão sistemática recente que identificou uma taxa de 44,6%±18,4% de lesões musculoesqueléticas relacionadas à corrida na população total analisada³¹. A maior parte dos corredores indicou também que procurou profissional para tratar a lesão reportada. O joelho foi a principal parte do corpo lesionada, seguido de perna, quadril/púbis e tornozelo, locais também relatados em outros estudos^22),(31),(32. Além disso, nenhuma das variáveis relacionadas às características dos calçados e ao seu processo de escolha se associaram à presença e à recorrência de lesão. Outros fatores não investigados, como características do sistema musculoesquelético, podem ter contribuídos para essas lesões. A literatura recente propõe que o fenômeno de lesão esportiva pode ser entendido como um fenômeno complexo, em que interações não lineares entre diversos fatores como características biomecânicas, comportamentais, fisiológicas e psicológicas podem contribuir para o surgimento de lesões³³. Dessa forma, futuros estudos devem investigar se as interações desses fatores, incluindo as características do calçado, explicam a ocorrência de lesão em corredores.

Este estudo possui limitações. As características dos calçados não foram avaliadas por um único avaliador, mas relatadas pelos próprios participantes, o que pode ter introduzido variabilidade nessa avaliação. Para minimizar isso, optou-se por um questionário com questões fechadas e termos de fácil compreensão, procedimento já utilizado por outros estudos³⁴. O questionário aplicado foi desenvolvido pelos próprios pesquisadores considerando as variáveis necessárias para este estudo e suas propriedades clinimétricas não foram investigadas. Embora tal estratégia ter sido utilizada por outros estudos^17),(32),(35 e o questionário ter sido verificado em estudo piloto, a ausência das propriedades clinimétricas não permite descartar vieses do instrumento utilizado. Apesar de não ter sido identificado em estudo piloto e nenhum participante ter reportado aos pesquisadores, algumas questões, pela ausência da alternativa “não sei responder”, podem ter induzido à escolha de uma opção de resposta. Além disso, devido ao desenho do estudo, não foi possível avaliar outras características do calçado, como sua massa e padrão de desgaste da sola, assim como a influência de outras variáveis, por exemplo, se o comportamento de escolha do calçado diferia conforme a idade do corredor.

CONCLUSÃO

A maioria dos corredores amadores possui tênis específico para a prática esportiva e considera características como amortecimento intermediário e diferença na altura do solado entre a parte posterior e anterior de aproximadamente 10mm. Esses corredores indicaram conhecer o tipo de pisada, que foi identificada por profissionais, mas que não a consideram na escolha do calçado. Além disso, apesar de a maioria praticar o esporte com acompanhamento profissional, os corredores não receberam orientação profissional para a escolha de seu calçado. Por fim, as características e o processo de escolha do calçado não foram associados à presença e recorrência de lesão no último ano.

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• 1
  Estudo realizado no Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) - Belo Horizonte (MG), Brasil. Os achados deste estudo foram apresentados no Trabalho de Conclusão de Curso de Especialização em Avanços Clínicos em Fisioterapia, área de concentração Fisioterapia Esportiva, do Departamento de Fisioterapia da Escola de Educação Física, Fisioterapia e Terapia Ocupacional da Universidade Federal de Minas Gerais, em 2020.
• 2
  Fonte de financiamento: nada a declarar
• 4
  Aprovado pelo Comitê de Ética: CAAE 32369020.5.0000.5093.

MATERIAL COMPLEMENTAR

QUESTIONÁRIO

Características Demográficas

(1) Qual é o seu nome? (Apenas para controle dos pesquisadores, não será divulgado). _________

(2) Por favor, marque o seu sexo: ( ) Masculino ( ) Feminino

(3) Qual é a sua idade? _____ anos

(4) Qual é o seu peso? _____ kg

(5) Qual é a sua altura? _____ m

Características da Prática Esportiva

(1) Há quanto tempo você corre?

( ) 3 a 6 meses

( ) 6 a 12 meses

( )12 a 18 meses

( ) 24 meses

( ) >24 meses

(2) Em média, quantas vezes você corre em uma semana típica?

( ) 1 a 2 ( ) 3 a 4 ( ) 5 a 6 ( ) 7

(3) Em média, quantos km costuma correr em uma semana típica?

( ) 2 a 5 ( ) 5 a 10 ( ) 10 a 15 ( ) >15

(4) Possui orientação de algum profissional para realizar sua prática de corrida? Caso possua, identifique qual.

( ) Não tenho orientação de nenhum profissional

( ) Sim, profissional de Educação Física

( ) Sim, técnico em corridas

( ) Outro __________________________

Características do Calçado e Processo de sua Escolha

(1) Você possui um tênis específico para praticar a corrida?

( ) Sim( ) Não

(2) Como você realiza a escolha do calçado que usa para correr? Marque a opção que considera como a principal para sua escolha.

( ) Pela marca

( ) Pelo preço

( ) Pelo conforto

( ) Pela estética

( ) Pela característica do calçado (p.ex. espessura do solado e amortecimento)

(3) Você sabe qual é o tipo de sua pisada (neutra, pronada ou supinada)?

( ) Sim ( ) Não

(4) Caso tenha respondido Sim na pergunta anterior, marque a opção abaixo com a frase que melhor identifica como descobriu o seu tipo de pisada.

( ) Não posso responder, pois não sei o meu tipo de pisada

( ) Fiz teste na loja de calçados

( ) Fui avaliado por fisioterapeuta

( ) Outro profissional me avaliou e me indicou

( ) Um colega corredor me informou

(5) Caso saiba sua pisada, por favor, a identifique abaixo:

( ) Não posso responder, pois não sei o meu tipo de pisada

( ) Pronada ( ) Supinada ( ) Neutra

(6) Você considera o tipo de pisada no momento da escolha do calçado?

( ) Sim ( ) Não

(7) Você usa algum tipo de palmilha biomecânica/ortopédica durante a corrida?

( ) Sim, para corrigir a pronação excessiva

( ) Sim, para corrigir a supinação excessiva

( ) Não

(8) Quem o orienta na escolha do seu calçado de corrida?

( ) Ninguém

( ) Profissional de Educação Física

( ) Fisioterapeuta

( ) Equipe técnica

( ) Vendedor da loja

( ) Colegas corredores

( ) Procuro na internet informações que me orientam na escolha

(9) Gostaríamos de saber mais sobre as características do calçado que você usa atualmente. Comparando a altura da parte de trás do seu calçado com a parte da frente, seu calçado atual é:

( ) Parte de trás cerca de três dedos mais alta que a parte da frente

( ) Parte de trás cerca de dois dedos mais alta que a parte da frente

( ) Parte de trás cerca de um dedo mais alta que a parte da frente

( ) Parte de trás tem a mesma altura que a parte da frente

(10) Em relação ao amortecimento na região do calcanhar oferecido pelo calçado usado na corrida, você escolhe:

( ) Calçados com amortecimento máximo

( ) Calçados com amortecimento intermediário

( ) Calçados com amortecimento mínimo

Lesões Relacionadas à Corrida

(1) Considerando que uma lesão relacionada à corrida gera redução na distância percorrida ou interrupção do treino por um ou mais dias, você sofreu alguma lesão no último ano?

( ) Sim ( ) Não

(2) Caso tenha sofrido lesões, quantas foram? _______________

(3) Caso tenha sofrido lesão no último ano, na maioria das vezes você procurou algum profissional para se cuidar/orientar? Se sim, quem procurou?

( ) Esta questão não se aplica, pois não sofri lesão no último ano

( ) Não procurei profissional

( ) Sim, procurei um médico

( ) Sim, procurei um fisioterapeuta

( ) Sim, procurei um médico que me indicou um fisioterapeuta

( ) Sim, conversei com a equipe técnica do meu grupo de corrida

(4) Caso tenha tido mais de uma lesão no último ano, gostaria que considerasse a lesão que o manteve afastado por mais tempo. Qual é a parte do seu corpo que foi lesionada?

( ) Esta questão não se aplica, pois não sofri lesão no último ano

( ) Pé/Dedo do pé

( ) Tornozelo

( ) Perna/tendão de Aquiles

( ) Joelho

( ) Coxa

( ) Quadril/púbis

( ) Coluna lombar/sacro/pelve

( ) Dorso (parte superior das costas)

( ) Pescoço/coluna cervical

( ) Membro superior (braço, antebraço, mão e dedos da mão)

(5) Considerando a parte do corpo que marcou na questão anterior, você a lesionou mais de uma vez neste último ano?

( ) Esta questão não se aplica, pois não sofri lesão no último ano

( ) Sim, lesionei essa parte mais de uma vez

( ) Não, lesionei somente uma vez

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  27 Fev 2023
• Data do Fascículo
  Oct-Dec 2022

Histórico

• Recebido
  05 Out 2022
• Aceito
  31 Out 2022