Acessibilidade / Reportar erro

Itinerário terapêutico de pacientes pós-acidente vascular cerebral: o estado da arte da produção científica brasileira

Itinerario terapéutico de pacientes postaccidente cerebrovascular: el estado del arte de la producción científica brasileña

RESUMO

O estudo analisou as pesquisas qualitativas realizadas, no Brasil, sobre o itinerário da reabilitação de pacientes que sofreram acidente vascular cerebral (AVC), e sintetizou suas principais contribuições em busca dos sentidos e significados subjacentes. A revisão integrativa da literatura partiu da seguinte pergunta: como são descritos os itinerários da reabilitação de pacientes que sofreram um AVC nos estudos qualitativos? As bases consultadas foram BIREME, MEDLINE, LILACS, SciELO, utilizando os descritores DeCS/MeSH: “acidente vascular cerebral AND qualitativa”; “reabilitação AND acidente vascular cerebral”; “acidente vascular cerebral”; “pesquisa qualitativa”; “acidente vascular encefálico AND qualitativa”; “reabilitação AND acidente vascular encefálico”. Foram incluídos seis artigos, que destacaram a importância da integralidade do cuidado, o papel da família no processo de recuperação, a centralização dos serviços, a dificuldade com transporte e a indisponibilidade dos familiares e cuidadores como obstáculos no itinerário da reabilitação. Os resultados reforçam a necessidade de implementar melhorias no percurso de cuidado do paciente que sofreu AVC e a demanda pela integralidade do manejo.

Descritores:
Acidente Vascular Cerebral; Reabilitação; Pesquisa Qualitativa

RESUMEN

Este estudio analizó la investigación cualitativa realizada en Brasil sobre el itinerario de rehabilitación de pacientes que habían sufrido accidente cerebrovascular (ACV), y sintetizó sus principales contribuciones en busca de los sentidos y significados subyacentes. La revisión integradora de la literatura partió de la siguiente pregunta: ¿Cómo se describen los itinerarios de rehabilitación de los pacientes post-ACVen los estudios cualitativos? Las bases de datos consultadas fueron BIREME, MEDLINE, LILACS, SciELO, utilizando los descriptores DeCS/MeSH: “acidente vascular cerebral AND qualitativa”; “reabilitação AND acidente vascular cerebral”; “acidente vascular cerebral”; “pesquisa qualitativa”; “acidente vascular encefálico AND qualitativa”; “reabilitação AND acidente vascular encefálico”. Se incluyeron seis artículos que destacaron la importancia de la atención integral, el papel de la familia en el proceso de recuperación, la centralización de los servicios, la dificultad de transporte y la indisponibilidad de familiares y cuidadores como obstáculos en el itinerario de rehabilitación. Los resultados refuerzan la necesidad de implementar mejoras en el curso de la atención a los pacientes post-ACV y la demanda de un manejo integral.

Palabras clave:
Accidente Cerebrovascular; Rehabilitación; Investigación Cualitativa

ABSTRACT

The study analyzed the qualitative research conducted in Brazil on the rehabilitation itinerary of patients who have suffered a stroke and synthesized its main contributions in search of the underlying senses and meanings. The integrative literature review was based on the question: how are the rehabilitation itineraries of stroke patients described in qualitative studies? BIREME, MEDLINE, LILACS, and SciELO databases were consulted, using the DeCS/MeSH descriptors: “acidente vascular cerebral AND qualitativa”; “reabilitação AND acidente vascular cerebral”; “acidente vascular cerebral”; “pesquisa qualitativa”; “acidente vascular encefálico AND qualitativa”; “reabilitação AND acidente vascular encefálico.” A total of six articles were included, which highlighted the importance of integrality of care, the role of the family in the recovery process, the centralization of services, the difficulty with transportation, and the unavailability of family members and caregivers as obstacles in the rehabilitation itinerary. Such results reinforce the need to improve the pathway of care of the patient who suffered a stroke and the demand for integrality of management.

Keywords:
Stroke; Rehabilitation; Qualitative Research

INTRODUÇÃO

O acidente vascular cerebral (AVC) ocupa o segundo lugar no ranking das dez principais causas de morte no mundo, respondendo por 5,7 milhões de óbitos no ano de 201611. Organização Pan-Americana da Saúde. OMS revela principais causas de morte e incapacidade em todo o mundo entre 2000 e 2019. Genebra: Opas; 2020. Available from: https://www.paho.org/pt/noticias/9-12-2020-oms-revela-principais-causas-morte-e-incapacidade-em-todo-mundo-entre-2000-e
https://www.paho.org/pt/noticias/9-12-20...
. Segundo o Ministério da Saúde, a cada cinco minutos um brasileiro morre em decorrência do AVC, contabilizando mais de 100 mil mortes por ano22. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com acidente vascular cerebral. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 [cited 2022 Nov 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_reabilitacao_acidente_vascular_cerebral.pdf
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoe...
.

Além das mortes, o AVC é responsável pela produção de sequelas na população, conforme descreve a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS) - inquérito epidemiológico de base domiciliar realizado pelo Ministério da Saúde em parceria com o Instituto Brasileiro de Geografia e Esatística (IBGE) -, que estima um quantitativo de aproximadamente 570 mil pessoas com incapacidade grave no Brasil em 201333. Bensenor IM, Goulart AC, Szwarcwald CL, Vieira MLFP, Malta DC, Lotufo PA. Prevalence of stroke and associated disability in Brazil: National Health Survey - 2013. Arq Neuropsiquiatr. 2015;73(9):746-50. doi: 10.1590/0004-282X20150115.
https://doi.org/10.1590/0004-282X2015011...
.

O AVC pode acarretar sequelas relacionadas às funções motora, sensorial, cognitiva e emocional, condição que pressupõe uma abordagem multiprofissional. O socorro tardio está associado a incapacidade mais severa e processo de recuperação funcional mais demorado44. Beckett J, Barley J, Ellis C. Patient perspectives of barriers and facilitators of treatment-seeking behaviors for stroke care. J Neurosci Nurs. 2015;47(3):154-9. doi: 10.1097/JNN.0000000000000134.
https://doi.org/10.1097/JNN.000000000000...
. As consequências físicas e psicossociais decorrentes costumam exigir manejo prolongado55. Ellis-Hill C, Robison J, Wiles R, McPherson K, Hyndman D, Ashburn A. Going home to get on with life: patients and carers experiences of being discharged from hospital following a stroke. Disabil Rehabil. 2009;31(2):61-72. doi: 10.1080/09638280701775289.
https://doi.org/10.1080/0963828070177528...
.

Dificuldades de acesso aos serviços de saúde e falta de serviços de acompanhamento limitam as oportunidades de os pacientes obterem apoio após o AVC66. Martinsen R, Kirkevold M, Sveen U. Young and midlife stroke survivors' experiences with the health services and long-term follow-up needs. J Neurosci Nurs. 2015;47(1):27-35. doi: 10.1097/JNN.0000000000000107.
https://doi.org/10.1097/JNN.000000000000...
. Por ser uma condição tempo-dependente, quanto antes forem prestados os cuidados ao paciente vítima de agravo à saúde por AVC, melhor o prognóstico.

O sucesso ou insucesso dessa terapêutica inicial influencia demandas futuras por acompanhamento no processo de reabilitação do indivíduo. Neste contexto, revisar o conhecimento disponível sobre o percurso que pode ser denominado itinerário terapêutico (IT) é importante para analisar o estado da arte sobre este tema e informar as lacunas e oportunidades a serem exploradas em futuros estudos. O IT se refere à construção da trajetória de acontecimentos e tomadas de decisão de um indivíduo ou grupo, tendo como principal objetivo o tratamento da enfermidade77. Sanches RCN, Figueiredo FSF, Rêgo AS, Decesaro MN, Salci MA, Radovanovic CAT. Itinerários terapêuticos de pessoas com doença renal crônica e suas famílias. Cienc Cuid Saude. 2016;15(4):708-15 doi: 10.4025/cienccuidsaude.v15i4.34529.
https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v...
.

A revisão integrativa tem a finalidade de reunir e sintetizar resultados de pesquisas sobre um determinado tema ou questão de maneira sistemática e ordenada88. Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64. doi: 10.1590/S0104-07072008000400018.
https://doi.org/10.1590/S0104-0707200800...
. O objetivo desta revisão é analisar os estudos qualitativos realizados no Brasil sobre o itinerário da reabilitação de pacientes que sofreram AVC e sintetizar suas principais contribuições, em busca dos sentidos e significados subjacentes.

METODOLOGIA

Seguiram-se as seguintes etapas, em conformidade com o método referenciado sobre revisão integrativa de literatura: seleção da questão norteadora da pesquisa; definição do objetivo específico; coleta de dados dentro dos critérios de inclusão e exclusão previamente estabelecidos; categorização; avaliação dos estudos incluídos; análise dos resultados, e síntese do conhecimento99. Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein (Sao Paulo). 2010;8(1 Pt 1):102-6. doi: 10.1590/S1679-45082010RW1134.
https://doi.org/10.1590/S1679-45082010RW...
),(1010. Caetano JA, Damasceno MMC, Soares E, Fialho AVM. A vivência do processo de reabilitação após acidente vascular cerebral: um estudo qualitativo. Online Braz J Nurs. 2007;6(2). doi: 10.17665/1676-4285.2007801.
https://doi.org/10.17665/1676-4285.20078...
.

O estudo partiu da seguinte questão: como são descritos nos estudos qualitativos os itinerários da reabilitação de pacientes que sofreram AVC? Para a realização do estudo, foram utilizados os seguintes termos descritores em Ciências da Saúde (DeCS/MeSH): “acidente vascular cerebral AND qualitativa”; “reabilitação AND acidente vascular cerebral”; “acidente vascular cerebral”; “pesquisa qualitativa”; “acidente vascular encefálico AND qualitativa”; “reabilitação AND acidente vascular encefálico”. A coleta de dados foi realizada a partir do levantamento dos artigos publicados nas revistas indexadas na Biblioteca Virtual em Saúde (BVS), compreendendo BIREME, MEDLINE, LILACS, SciELO e periódicos específicos da área da Saúde.

Foram considerados os seguintes critérios de inclusão: (1) artigos científicos realizados no Brasil; (2) provenientes de estudos qualitativos; e (3) relacionados ao percurso da reabilitação. Como critérios de exclusão: (1) artigos realizados fora do Brasil; (2) não relacionados a pesquisas qualitativas; e (3) sem referência ao processo de reabilitação. Não foram estabelecidos recortes de data de publicação para inclusão dos artigos.

A busca dos artigos foi feita no período de fevereiro a março de 2019. A partir da combinação dos descritores, foram encontrados inicialmente 729 artigos; destes, restaram 725 após a retirada de artigos duplicados. Na triagem, foram selecionados 164 e excluídos 561, restando 44 completos elegíveis; destes, 38 foram excluídos, sendo incluídos 6 artigos que descreviam estudos qualitativos realizados no Brasil, os quais forneceram o corpus desta revisão integrativa (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma de identificação, filtragem e inclusão para a revisão integrativa

Para extração das informações dos artigos, foi realizado fichamento considerando as seguintes variáveis: sujeitos, metodologia, tamanho da amostra, métodos de análise e conceitos empregados.

RESULTADOS

Caracterização dos estudos

Os artigos apresentaram diferenças quanto ao tamanho da amostra, ano de publicação e localização no território brasileiro (Tabela 1). As amostras variaram entre 61111. Girardon-Perlini NMO, Hoffmann JM, Piccoli DG, Bertoldo C. Lidando com perdas: percepção de pessoas incapacitadas por AVC. REME Rev Min Enferm. 2007;11(2):149-54. e 161212. Fausto MCR, Campos EMS, Almeida PF, Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Itinerários terapêuticos de pacientes com acidente vascular encefálico: fragmentação do cuidado em uma rede regionalizada de saúde. Rev Bras Saude Mater Infant. 2017;17(Suppl 1):S63-72. doi: 10.1590/1806-9304201700s100004.
https://doi.org/10.1590/1806-9304201700s...
sujeitos, e foram colhidas no interior do Nordeste (município não especificado)1313. Silva JK, Vila VSC, Ribeiro MFM, Vandenberghe L. A vida após o acidente vascular cerebral na perspectiva dos sobreviventes. Rev Eletronica Enferm. 2016;18:e1148. doi: 10.5216/ree.v18.34620.
https://doi.org/10.5216/ree.v18.34620...
; Florianópolis (SC)1414. Girondi JBR, Schier J, Hammerschimid KSA, Bento RR, Souza LP, Sebold LF. Enfrentando e ressignificando o acidente vascular cerebral: percepção de idosos atendidos na rede de atenção à saúde. Rev Kairos. 2016;19(1):317-38. doi: 10.23925/2176-901X.2016v19i1p317-38.
https://doi.org/10.23925/2176-901X.2016v...
; Sobral (CE)1010. Caetano JA, Damasceno MMC, Soares E, Fialho AVM. A vivência do processo de reabilitação após acidente vascular cerebral: um estudo qualitativo. Online Braz J Nurs. 2007;6(2). doi: 10.17665/1676-4285.2007801.
https://doi.org/10.17665/1676-4285.20078...
; Ijuí (RS)1111. Girardon-Perlini NMO, Hoffmann JM, Piccoli DG, Bertoldo C. Lidando com perdas: percepção de pessoas incapacitadas por AVC. REME Rev Min Enferm. 2007;11(2):149-54.; Casa Nova (BA), Petrolina (PE) e Remanso (BA)1212. Fausto MCR, Campos EMS, Almeida PF, Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Itinerários terapêuticos de pacientes com acidente vascular encefálico: fragmentação do cuidado em uma rede regionalizada de saúde. Rev Bras Saude Mater Infant. 2017;17(Suppl 1):S63-72. doi: 10.1590/1806-9304201700s100004.
https://doi.org/10.1590/1806-9304201700s...
; Belo Horizonte (MG)1515. Castro MA, Silva KL, Marques RC. Itinerários terapêuticos de homens acometidos por acidente vascular encefálico. Rev Enferm UFPE On Line. 2016;10(7):2488-95. doi: 10.5205/1981-8963-v10i7a11306p2488-2495-2016.
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i7a...
. Dois artigos foram publicados em 2007, três em 2016 e um em 2017.

Tabela 1
Dados sociodemográficos presentes nos artigos selecionados

O método descrito para fechamento de amostra foi a saturação dos dados. Foram realizadas entrevistas semiestruturadas, e um dos estudos não apresentou o instrumento utilizado para coleta de dados1313. Silva JK, Vila VSC, Ribeiro MFM, Vandenberghe L. A vida após o acidente vascular cerebral na perspectiva dos sobreviventes. Rev Eletronica Enferm. 2016;18:e1148. doi: 10.5216/ree.v18.34620.
https://doi.org/10.5216/ree.v18.34620...
. Os locais de realização das entrevistas foram os domicílios e o ambiente hospitalar. A pergunta norteadora foi descrita apenas em dois artigos. Quanto ao método de análise, três relataram a utilização da análise de conteúdo; um empregou o que foi denominado de análise interpretativa da experiência da enfermidade; um não esclareceu o método de análise dos dados; e o outro não o descreveu. Todos os artigos utilizaram diferentes categorias analíticas, exceto um artigo1313. Silva JK, Vila VSC, Ribeiro MFM, Vandenberghe L. A vida após o acidente vascular cerebral na perspectiva dos sobreviventes. Rev Eletronica Enferm. 2016;18:e1148. doi: 10.5216/ree.v18.34620.
https://doi.org/10.5216/ree.v18.34620...
, conforme a Tabela 2.

Tabela 2
Características dos estudos

Caracterização dos sujeitos incluídos nos estudos

A média de idade dos sujeitos que participaram dos estudos foi de 63 anos, com prevalência do sexo masculino, a maioria era casada e de baixa escolaridade, com renda aproximada entre 1 e 2 salários-mínimos.

Sobre a prevalência de AVC no Brasil, Bensenor et al.33. Bensenor IM, Goulart AC, Szwarcwald CL, Vieira MLFP, Malta DC, Lotufo PA. Prevalence of stroke and associated disability in Brazil: National Health Survey - 2013. Arq Neuropsiquiatr. 2015;73(9):746-50. doi: 10.1590/0004-282X20150115.
https://doi.org/10.1590/0004-282X2015011...
apresenta o seguinte: 1,6% em homens e 1,4% em mulheres; incapacidade entre 29,5% dos homens e 21,5% das mulheres; altas taxas de prevalência, principalmente em indivíduos mais idosos, sem educação formal. Tais dados corroboram os achados desta revisão.

DISCUSSÃO

Todos os artigos encontrados abordaram o processo de reabilitação, com maior ênfase no artigo de Caetano et al.1010. Caetano JA, Damasceno MMC, Soares E, Fialho AVM. A vivência do processo de reabilitação após acidente vascular cerebral: um estudo qualitativo. Online Braz J Nurs. 2007;6(2). doi: 10.17665/1676-4285.2007801.
https://doi.org/10.17665/1676-4285.20078...
, no qual os autores esclarecem a importância da integralidade do atendimento, enfatizando o papel da fisioterapia, que, segundo eles, nem sempre está ao alcance de todos. Os achados demonstram que, da perspectiva dos acometidos, o tratamento medicamentoso pode ser suficiente para alguns, e que fazer fisioterapia é difícil pois dependem de transporte ou de familiares para acompanhar, além de os serviços públicos serem centralizados, o que dificulta o acesso.

Ressalta-se que a reabilitação integral não envolve apenas os serviços de fisioterapia e que as necessidades de cada paciente devem ser analisadas de forma singular; porém, as sequelas do AVC são, na maioria das vezes, relacionadas a deficiências motoras, sendo a fisioterapia fundamental para o processo de recuperação funcional.

No Brasil, uma portaria publicada pelo Ministério da Saúde em 2012 regulamentou a linha de cuidado ao AVC. Ela objetiva proporcionar cuidado integrado para esses pacientes, como o acesso de todos às terapias estabelecidas em diretrizes, respeitando diferenças regionais1616. Brasil. Ministério da Saúde. Linha de cuidados em acidente vascular cerebral (AVC) na Rede de Atenção às Urgências e Emergências. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012..

Silva et al.1313. Silva JK, Vila VSC, Ribeiro MFM, Vandenberghe L. A vida após o acidente vascular cerebral na perspectiva dos sobreviventes. Rev Eletronica Enferm. 2016;18:e1148. doi: 10.5216/ree.v18.34620.
https://doi.org/10.5216/ree.v18.34620...
apontam que a oferta de serviços de fisioterapia pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ainda é insuficiente, necessitando de mais investimentos, seja por meio da contratação de recursos humanos, da ampliação da rede de serviços ou da disponibilização de transporte adequado para os usuários.

Foi identificada insatisfação dos acometidos por AVC com o acesso às intervenções após a alta hospitalar, sendo mencionadas restrições para a continuidade do cuidado no contexto comunitário11. Organização Pan-Americana da Saúde. OMS revela principais causas de morte e incapacidade em todo o mundo entre 2000 e 2019. Genebra: Opas; 2020. Available from: https://www.paho.org/pt/noticias/9-12-2020-oms-revela-principais-causas-morte-e-incapacidade-em-todo-mundo-entre-2000-e
https://www.paho.org/pt/noticias/9-12-20...
. Os achados apontam a existência de uma dissociação entre as diretrizes das políticas públicas para o cuidado e reabilitação das pessoas que sobreviveram ao AVC e a realidade vivenciada por essas pessoas e seus familiares. Spedo, Pinto e Tanaka1717. Spedo SM, Pinto NRS, Tanaka OY. O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS: o caso da cidade de São Paulo, Brasil. Physis. 2010;20(3):953-72. doi: 10.1590/S0103-73312010000300014.
https://doi.org/10.1590/S0103-7331201000...
destacam que o acesso aos serviços especializados, dentre eles a reabilitação, tem sido considerado um dos principais obstáculos para a efetivação da integralidade do SUS.

Uma das conclusões de Girardon-Perlini e Faro1818. Girardon-Perlini NMO, Faro ACM. Cuidar de pessoa incapacitada por acidente vascular cerebral no domicílio: o fazer do cuidador familiar. Rev Esc Enferm USP. 2005;39(2):154-63. doi: 10.1590/S0080-62342005000200005.
https://doi.org/10.1590/S0080-6234200500...
é que o modo como cada pessoa enfrenta a enfermidade e as limitações decorrentes dela tem relação com características individuais e com os significados atribuídos ao evento, assim como com o apoio e estímulo recebidos pela família, a possibilidade de acesso aos recursos de saúde e a profissionais que, além de valorizar questões subjetivas, orientem e auxiliem na recuperação, no enfrentamento e/ou na adaptação às funções perdidas.

Para Girondi et al.1414. Girondi JBR, Schier J, Hammerschimid KSA, Bento RR, Souza LP, Sebold LF. Enfrentando e ressignificando o acidente vascular cerebral: percepção de idosos atendidos na rede de atenção à saúde. Rev Kairos. 2016;19(1):317-38. doi: 10.23925/2176-901X.2016v19i1p317-38.
https://doi.org/10.23925/2176-901X.2016v...
, o processo de adoecer é muito singular: cada acometido tem seu modo de agir, sentir e significar a doença, o que influi no processo de reabilitação. Os autores destacam o papel da família e dos profissionais da área da Saúde como incentivadores na recuperação e enfrentamento da doença pela pessoa idosa acometida por AVC. Enfatiza-se que, nesse processo, é indispensável uma rede estruturada de saúde para disponibilizar atenção contínua e integral.

Marques, Rodrigues e Kusumota1919. Marques S, Rodrigues RAP, Kusumota L. Cerebrovascular accident in the aged: changes in family relations. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(3):364-71.doi: 10.1590/S0104-11692006000300009.
https://doi.org/10.1590/S0104-1169200600...
ressaltam que valores familiares e culturais têm papel essencial no processo de reabilitação das pacientes vítimas de AVC. Entretanto, Bocchi2020. Bocchi SCM. O papel do enfermeiro como educador junto a cuidadores familiares de pessoas com AVC. Rev Bras Enferm. 2004;57(5):569-73.doi: 10.1590/S0034-71672004000500011.
https://doi.org/10.1590/S0034-7167200400...
destaca que, para que os familiares possam fornecer estes cuidados, é fundamental oferecer-lhes condições e informações adequadas sobre a doença, e suporte emocional para atuarem diante desta nova condição.

Para Amaral et al.2121. Amaral NN, Cunha MCB, Labronici RHDD, Oliveira ASB, Gabbai AA. Assistência Domiciliar à Saúde (Home Health Care): sua história e sua relevância para o Sistema de Saúde atual. Rev Neurocienc. 2001;9(3):111-7. doi: 10.34024/rnc.2001.v9.8914.
https://doi.org/10.34024/rnc.2001.v9.891...
, a família é um núcleo de forças que pode interferir no processo saúde-doença dos indivíduos, com consequências para o processo de reabilitação global e sua reintegração social.

O estudo de Fausto et al.1212. Fausto MCR, Campos EMS, Almeida PF, Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Itinerários terapêuticos de pacientes com acidente vascular encefálico: fragmentação do cuidado em uma rede regionalizada de saúde. Rev Bras Saude Mater Infant. 2017;17(Suppl 1):S63-72. doi: 10.1590/1806-9304201700s100004.
https://doi.org/10.1590/1806-9304201700s...
observou falta de orientação adequada na alta: a referência do serviço hospitalar para o serviço de Atenção Primária em Saúde não aconteceu formalmente. Cita ainda que o relatório de alta nem sempre foi disponibilizado para o paciente, que também não recebeu explicações sobre o que estava sendo solicitado.

Embora tenha havido indicação para acompanhamento com neurologista, cardiologista e fisioterapeuta, em grande parte dos casos o usuário não teve acesso a tais serviços, provavelmente porque o encaminhamento realizado pelo hospital se constituiu mais como “recomendação” do que como referência com garantia de acesso.

Castro, Silva e Marques1515. Castro MA, Silva KL, Marques RC. Itinerários terapêuticos de homens acometidos por acidente vascular encefálico. Rev Enferm UFPE On Line. 2016;10(7):2488-95. doi: 10.5205/1981-8963-v10i7a11306p2488-2495-2016.
https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i7a...
, em um estudo qualitativo realizado apenas com homens hospitalizados, puderam concluir, sobre o itinerário terapêutico - desde o início até a alta hospitalar -, que o percurso é muito autônomo para o homem, e que essa lógica é marcada por aspectos sociais da masculinidade compartilhados pelos homens, como ser forte, inabalável, protetor e provedor.

Todos os artigos destacam a importância da integralidade do cuidado, assim como o papel da família, fundamental no processo de recuperação; e que a falta de orientação de indivíduos e cuidadores por parte dos profissionais de saúde pode ser um fator limitante para o acesso às terapias e adesão ao tratamento. Os cuidadores exercem papel importantíssimo neste processo: quando bem orientados, tornam-se facilitadores do percurso de reabilitação.

CONCLUSÃO

A revisão sintetiza o conhecimento produzido, dentro do escopo pretendido, acerca do itinerário da reabilitação de pacientes que sofreram AVC, apresentando obstáculos e evidenciando a escassez de estudos sobre o assunto no Brasil.

Os trabalhos encontrados destacaram a importância da integralidade do cuidado, o papel da família no processo de recuperação, a centralização dos serviços, a dificuldade com transporte e a indisponibilidade dos familiares e cuidadores como obstáculos no itinerário da reabilitação. Os resultados reforçam a necessidade de se implementar melhorias no percurso de cuidado do paciente que sofreu AVC e a demanda pela integralidade de seu manejo.

Futuras investigações que colaborem para compreender o processo de cuidado do AVC, sobretudo a partir das perspectivas dos acometidos quanto ao acesso dos serviços, têm o potencial de auxiliar a gestão, coerentemente à linha de cuidados em AVC para uma reabilitação mais integralizada, conforme preconizado pelo SUS.

REFERÊNCIAS

  • 1
    Organização Pan-Americana da Saúde. OMS revela principais causas de morte e incapacidade em todo o mundo entre 2000 e 2019. Genebra: Opas; 2020. Available from: https://www.paho.org/pt/noticias/9-12-2020-oms-revela-principais-causas-morte-e-incapacidade-em-todo-mundo-entre-2000-e
    » https://www.paho.org/pt/noticias/9-12-2020-oms-revela-principais-causas-morte-e-incapacidade-em-todo-mundo-entre-2000-e
  • 2
    Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas Estratégicas. Diretrizes de atenção à reabilitação da pessoa com acidente vascular cerebral. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2013 [cited 2022 Nov 10]. Available from: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_reabilitacao_acidente_vascular_cerebral.pdf
    » http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/diretrizes_atencao_reabilitacao_acidente_vascular_cerebral.pdf
  • 3
    Bensenor IM, Goulart AC, Szwarcwald CL, Vieira MLFP, Malta DC, Lotufo PA. Prevalence of stroke and associated disability in Brazil: National Health Survey - 2013. Arq Neuropsiquiatr. 2015;73(9):746-50. doi: 10.1590/0004-282X20150115.
    » https://doi.org/10.1590/0004-282X20150115
  • 4
    Beckett J, Barley J, Ellis C. Patient perspectives of barriers and facilitators of treatment-seeking behaviors for stroke care. J Neurosci Nurs. 2015;47(3):154-9. doi: 10.1097/JNN.0000000000000134.
    » https://doi.org/10.1097/JNN.0000000000000134
  • 5
    Ellis-Hill C, Robison J, Wiles R, McPherson K, Hyndman D, Ashburn A. Going home to get on with life: patients and carers experiences of being discharged from hospital following a stroke. Disabil Rehabil. 2009;31(2):61-72. doi: 10.1080/09638280701775289.
    » https://doi.org/10.1080/09638280701775289
  • 6
    Martinsen R, Kirkevold M, Sveen U. Young and midlife stroke survivors' experiences with the health services and long-term follow-up needs. J Neurosci Nurs. 2015;47(1):27-35. doi: 10.1097/JNN.0000000000000107.
    » https://doi.org/10.1097/JNN.0000000000000107
  • 7
    Sanches RCN, Figueiredo FSF, Rêgo AS, Decesaro MN, Salci MA, Radovanovic CAT. Itinerários terapêuticos de pessoas com doença renal crônica e suas famílias. Cienc Cuid Saude. 2016;15(4):708-15 doi: 10.4025/cienccuidsaude.v15i4.34529.
    » https://doi.org/10.4025/cienccuidsaude.v15i4.34529
  • 8
    Mendes KDS, Silveira RCCP, Galvão CM. Revisão integrativa: método de pesquisa para a incorporação de evidências na saúde e na enfermagem. Texto Contexto Enferm. 2008;17(4):758-64. doi: 10.1590/S0104-07072008000400018.
    » https://doi.org/10.1590/S0104-07072008000400018
  • 9
    Souza MT, Silva MD, Carvalho R. Revisão integrativa: o que é e como fazer. Einstein (Sao Paulo). 2010;8(1 Pt 1):102-6. doi: 10.1590/S1679-45082010RW1134.
    » https://doi.org/10.1590/S1679-45082010RW1134
  • 10
    Caetano JA, Damasceno MMC, Soares E, Fialho AVM. A vivência do processo de reabilitação após acidente vascular cerebral: um estudo qualitativo. Online Braz J Nurs. 2007;6(2). doi: 10.17665/1676-4285.2007801.
    » https://doi.org/10.17665/1676-4285.2007801
  • 11
    Girardon-Perlini NMO, Hoffmann JM, Piccoli DG, Bertoldo C. Lidando com perdas: percepção de pessoas incapacitadas por AVC. REME Rev Min Enferm. 2007;11(2):149-54.
  • 12
    Fausto MCR, Campos EMS, Almeida PF, Medina MG, Giovanella L, Bousquat A, et al. Itinerários terapêuticos de pacientes com acidente vascular encefálico: fragmentação do cuidado em uma rede regionalizada de saúde. Rev Bras Saude Mater Infant. 2017;17(Suppl 1):S63-72. doi: 10.1590/1806-9304201700s100004.
    » https://doi.org/10.1590/1806-9304201700s100004
  • 13
    Silva JK, Vila VSC, Ribeiro MFM, Vandenberghe L. A vida após o acidente vascular cerebral na perspectiva dos sobreviventes. Rev Eletronica Enferm. 2016;18:e1148. doi: 10.5216/ree.v18.34620.
    » https://doi.org/10.5216/ree.v18.34620
  • 14
    Girondi JBR, Schier J, Hammerschimid KSA, Bento RR, Souza LP, Sebold LF. Enfrentando e ressignificando o acidente vascular cerebral: percepção de idosos atendidos na rede de atenção à saúde. Rev Kairos. 2016;19(1):317-38. doi: 10.23925/2176-901X.2016v19i1p317-38.
    » https://doi.org/10.23925/2176-901X.2016v19i1p317-38
  • 15
    Castro MA, Silva KL, Marques RC. Itinerários terapêuticos de homens acometidos por acidente vascular encefálico. Rev Enferm UFPE On Line. 2016;10(7):2488-95. doi: 10.5205/1981-8963-v10i7a11306p2488-2495-2016.
    » https://doi.org/10.5205/1981-8963-v10i7a11306p2488-2495-2016
  • 16
    Brasil. Ministério da Saúde. Linha de cuidados em acidente vascular cerebral (AVC) na Rede de Atenção às Urgências e Emergências. Brasília (DF): Ministério da Saúde; 2012.
  • 17
    Spedo SM, Pinto NRS, Tanaka OY. O difícil acesso a serviços de média complexidade do SUS: o caso da cidade de São Paulo, Brasil. Physis. 2010;20(3):953-72. doi: 10.1590/S0103-73312010000300014.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312010000300014
  • 18
    Girardon-Perlini NMO, Faro ACM. Cuidar de pessoa incapacitada por acidente vascular cerebral no domicílio: o fazer do cuidador familiar. Rev Esc Enferm USP. 2005;39(2):154-63. doi: 10.1590/S0080-62342005000200005.
    » https://doi.org/10.1590/S0080-62342005000200005
  • 19
    Marques S, Rodrigues RAP, Kusumota L. Cerebrovascular accident in the aged: changes in family relations. Rev Lat Am Enfermagem. 2006;14(3):364-71.doi: 10.1590/S0104-11692006000300009.
    » https://doi.org/10.1590/S0104-11692006000300009
  • 20
    Bocchi SCM. O papel do enfermeiro como educador junto a cuidadores familiares de pessoas com AVC. Rev Bras Enferm. 2004;57(5):569-73.doi: 10.1590/S0034-71672004000500011.
    » https://doi.org/10.1590/S0034-71672004000500011
  • 21
    Amaral NN, Cunha MCB, Labronici RHDD, Oliveira ASB, Gabbai AA. Assistência Domiciliar à Saúde (Home Health Care): sua história e sua relevância para o Sistema de Saúde atual. Rev Neurocienc. 2001;9(3):111-7. doi: 10.34024/rnc.2001.v9.8914.
    » https://doi.org/10.34024/rnc.2001.v9.8914
  • Estudo realizado para a conclusão do Mestrado Profissional em Gestão e Saúde Coletiva da Faculdade de Odontologia de Piracicaba da Universidade Estadual de Campinas (FOP/Unicamp) - Piracicaba (SP), Brasil. Trabalho apresentado no 23° Encontro Nacional de Administradores e Técnicos do Serviço Público Odontológico (ENATESPO) e no 14° Congresso Brasileiro de Saúde Bucal Coletiva, realizados no período de 4 a 6 de novembro de 2020, de forma online.
  • Fonte de financiamento: Prefeitura Municipal de Piracicaba

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Fev 2023
  • Data do Fascículo
    Oct-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2021
  • Aceito
    16 Set 2022
Universidade de São Paulo Rua Ovídio Pires de Campos, 225 2° andar. , 05403-010 São Paulo SP / Brasil, Tel: 55 11 2661-7703, Fax 55 11 3743-7462 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: revfisio@usp.br