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Eficiência neuromuscular do quadríceps em mulheres com e sem dor patelofemoral

RESUMO

A dor patelofemoral (DPF) pode contribuir para menor ativação do músculo quadríceps, favorecendo maior sobrecarga e dor nesta articulação. A eficiência neuromuscular (ENM) é uma variável que avalia a relação entre a quantidade de estímulos neurais e a capacidade de geração de força de um determinado músculo, sendo mais eficiente aquele que produz maior força muscular, com menor ativação das fibras musculares. Nesse sentido, o objetivo do estudo foi avaliar a força e a ENM dos extensores de joelho em mulheres com e sem dor patelofemoral. Participaram deste estudo 24 mulheres, recrutadas por meio de um questionário, com idades entre 18 e 30 anos, com e sem dor patelofemoral. Foram realizadas a anamnese, a escala de dor anterior no joelho e a escala visual numérica e, posteriormente, a avaliação da força extensora de joelho, com dinamômetro manual, e a avaliação da ENM de vasto medial (VM), vasto lateral (VL) e reto femoral (RF). Para análise estatística, foram adotados os testes apropriados para comparação das variáveis entre os grupos e para correlação entre elas. Em todos os testes estatísticos foi adotado o nível de significância de α<0,05. Os resultados mostraram que mulheres com DPF apresentaram 61% menor ENM do VM e 52% do VL, em comparação ao grupo sem dor. Não se encontrou diferença significativa para força extensora de joelho entre os grupos. Concluímos que a dor influencia negativamente o recrutamento de VM e VL, mas não altera a capacidade do quadríceps de gerar força.

Descritores
Força Muscular; Eletromiografia; Joelho

ABSTRACT

Patellofemoral pain (PFP) may contribute to less activation of the quadriceps muscle, favoring joint overload and pain. Neuromuscular efficiency (NME) is a variable that evaluates the relationship between the amount of neural stimuli and the ability to generate force of in a given muscle, with the most efficient being the one that produces greater muscle force, with less activation of muscle fibers. In this sense, this study aimed to evaluate the strength and NME of knee extensors in women with and without patellofemoral pain. A total of 24 adult women, recruited via a questionnaire, aged from 18 to 30 years, with and without patellofemoral pain, participated in this study. Anamnesis, anterior knee pain scale, and numerical visual scale were applied. Subsequently, the knee extensor strength, with a hand-held dynamometer, and the NME of vastus medialis (VM), vastus lateralis (VL), and rectus femoris (RF) were assessed. For statistical analysis, appropriate tests were adopted to compare variables between groups and correlate them. In all statistical tests, a α<0.05 was adopted. Results showed that women with PFP had 61% lower NME in the VM and 52% in the VL, compared to the group without pain. No significant difference was found for knee extensor strength between groups. We conclude that pain negatively influences VM and VL recruitment but does not change quadriceps ability to generate strength.

Keywords
Muscle Strength; Electromyography; Knee

RESUMEN

El dolor patelofemoral (DPF) puede producir una menor activación del músculo cuádriceps, lo que lleva a una mayor sobrecarga y dolor en esta articulación. La eficiencia neuromuscular (ENM) es una variable que evalúa la relación entre la cantidad de estímulos neurales y la capacidad de determinado músculo de generar fuerza, con más eficiencia para el que produce mayor fuerza muscular, con menor activación de las fibras musculares. Así el objetivo del estudio fue evaluar la fuerza y la ENM de los extensores de rodilla en mujeres con y sin dolor patelofemoral. En este estudio participaron 24 mujeres, con edades entre 18 y 30 años, con y sin dolor patelofemoral, que han sido reclutadas por medio de un cuestionario. Se aplicaron la anamnesis, la escala de dolor anterior de rodilla y la escala visual numérica. Posteriormente, se realizaron evaluaciones de la fuerza extensora de la rodilla con dinamómetro manual y de la ENM del vasto medial (VM), vasto lateral (VL) y recto femoral (RF). Para el análisis estadístico, se adoptaron pruebas apropiadas para comparar variables entre grupos y correlacionarlas. En todas las pruebas estadísticas, el nivel de significación fue de α<0,05. Los resultados mostraron que las mujeres con DPF tenían el 61% menor ENM en el VM y el 52% en el VL en comparación con el grupo sin dolor. No hubo diferencias significativas para la fuerza extensora de la rodilla entre los grupos. Se concluye que el dolor influye negativamente en el reclutamiento de VM y VL, pero no cambia la capacidad de generar fuerza del cuádriceps.

Palabras clave
Fuerza Muscular; Electromiografía; Rodilla

INTRODUÇÃO

A dor patelofemoral (DPF) é uma queixa musculoesquelética extremamente comum em indivíduos ativos11. Werner S. Anterior knee pain: an update of physical therapy. Knee Surg Sports Traumatol Arthrosc. 2014;22(10):2286-94. doi: 10.1007/s00167-014-3150-y.
https://doi.org/10.1007/s00167-014-3150-...
. O aparecimento dos sintomas é insidioso e geralmente ocorre após uma atividade que envolva carga articular, por exemplo, caminhada, subir/descer escadas, agachar e sentar com os joelhos flexionados por um período prolongado22. Panken AM, Heymans MW, van Oort L, Verhagen AP. Clinical prognostic factors for patients with anterior knee pain in physical therapy; a systematic review. Int J Sports Phys Ther. 2015;10(7):929-45..

A prevalência da DPF é maior em mulheres, principalmente naquelas fisicamente ativas, e pode ser relacionada com fatores fisiológicos, como frouxidão ligamentar, ângulo Q mais acentuado, valgo dinâmico de joelho, entre outros33. McMahon PJ. Lesões específicas da mulher atleta: lesões de ligamento cruzado anterior. In: McMahon PJ. Current medicina do esporte: diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: McGraw Hill; 2009. p. 259-60.. A recorrência dessa dor é extremamente alta, com relatos de 70% a 90% de persistência dos sintomas, que implicam diminuição da qualidade de vida, perda da função, sedentarismo, ansiedade e depressão. Nesse sentido, alguns estudos já indicam que mais de 50% dos pacientes com DPF apresentam prognóstico desfavorável dentro de 5 a 8 anos44. Willy RW, Hoglund LT, Barton CJ, Bolgla LA, Scalzitti DA, Logerstedt DS, et al. Patellofemoral pain. J Orthop Sports Phys Ther. 2019;49(9):CPG1-95. doi: 10.2519/jospt.2019.0302.
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.

A etiologia da dor é multifatorial e envolve: sobrecarga articular e déficit de desempenho muscular do quadríceps, do controle de movimento e da mobilidade44. Willy RW, Hoglund LT, Barton CJ, Bolgla LA, Scalzitti DA, Logerstedt DS, et al. Patellofemoral pain. J Orthop Sports Phys Ther. 2019;49(9):CPG1-95. doi: 10.2519/jospt.2019.0302.
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.

O músculo quadríceps é formado por quatro porções, sendo responsável pelo movimento de extensão do joelho, por meio da tração da patela e do tendão patelar. Portanto, durante a execução do movimento, todas as porções do músculo devem ser recrutadas de forma eficiente55. Dionísio VC, Almeida GL. Síndrome da dor fêmoro-patelar: implicações para a fisioterapia. Fisioter Bras. 2007;8(5):365-72., para que não ocorra nenhuma alteração na capacidade do músculo de gerar força, que possa sobrecarregar alguma porção ou a própria articulação.

A combinação de diferentes métodos avaliativos tem sido frequentemente usada, devido à complexidade do movimento humano66. Santos DV, Eltz GD, Villalba MM, Gonçalves M, Cardozo AC. Análise da eficiência neuromuscular em mulheres ativas após aplicação de um protocolo de fadiga. Anais da I Jornada de Fisioterapia; 2019; Rio Claro. Rio Claro: Faculdade Anhanguera; 2019. p. 16-9.. A avaliação da eficiência neuromuscular (ENM) é obtida pela relação entre a quantidade de estímulos neurais e a capacidade de geração de força do músculo. Essas informações são coletadas através da eletromiografia (EMG) (77. Aragão FA, Schäfer GS, Albuquerque CE, Vituri RF, Azevedo FM, Bertolini GRF. Eficiência neuromuscular dos músculos vasto lateral e bíceps femoral em indivíduos com lesão de ligamento cruzado anterior. Rev Bras Ortop. 2015;50(2):180-5. doi: 10.1016/j.rbo.2014.03.004.
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e de uma avaliação de força, sendo considerado mais eficiente o músculo que produz maior força muscular com a menor ativação das fibras musculares66. Santos DV, Eltz GD, Villalba MM, Gonçalves M, Cardozo AC. Análise da eficiência neuromuscular em mulheres ativas após aplicação de um protocolo de fadiga. Anais da I Jornada de Fisioterapia; 2019; Rio Claro. Rio Claro: Faculdade Anhanguera; 2019. p. 16-9..

Diante disso, a avaliação da ENM é importante para que seja possível analisar o recrutamento das unidades motoras e a capacidade do músculo de gerar força, a fim de compreender melhor as alterações neuromusculares envolvidas na DPF e, consequentemente, evitar a cronificação dos sintomas. Portanto, o objetivo deste estudo é comparar a força muscular e a ENM do quadríceps em mulheres com e sem DPF. A hipótese é que mulheres que sofrem com DPF têm menor força extensora de joelho e, consequentemente, menor ENM, em relação a mulheres assintomáticas.

METODOLOGIA

Sujeitos

Participaram desta pesquisa mulheres, jovens, universitárias, com idades entre 18 e 30 anos e sedentárias (Tabela 1). Como critério de inclusão para o grupo DPF, as participantes deveriam relatar dor há mais de seis meses ao realizar atividades como subir/descer escadas, agachar e caminhar, assim como apresentar pontuação mínima de 5 na escala visual numérica (EVN). Como critério de exclusão, não foram incluídas mulheres que já realizaram alguma cirurgia no membro inferior ou que já tenham sofrido algum trauma no joelho, e aquelas que não concluíram todo o protocolo.

Tabela 1
Caracterização da amostra

Tipo de estudo

Trata-se de um estudo transversal, quantitativo, não randomizado, desenvolvido no Laboratório de Avaliação Musculoesquelética, da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” (Unesp), campus Marília. A coleta de dados foi realizada no período de outubro a dezembro de 2021.

Todas as participantes foram devidamente informadas dos objetivos do estudo e assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).

Procedimentos de avaliação

As avaliações se iniciaram com a anamnese, para obtenção de dados pessoais e história clínica. Em seguida, foi aplicada a escala de dor anterior no joelho (AKPS - anterior knee pain scale) e, logo após, as participantes foram submetidas às avaliações de força extensora de joelho e de ENM.

Escala de dor anterior no joelho (AKPS)

Foi aplicada a escala AKPS, traduzida e validada no Brasil88. Cunha RA, Costa LOP, Hespanhol LC Jr, Pires RS, Kujala UM, Lopes AD. Translation, cross-cultural adaptation, and clinimetric testing of instruments used to assess patients with patellofemoral pain syndrome in the Brazilian population. J Orthop Sports Phys Ther. 2013;43(5):332-9. doi: 10.2519/jospt.2013.4228.
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, que consiste em uma escala de 13 perguntas e avalia a funcionalidade dos membros inferiores. A pontuação da escala varia de 0 a 100 pontos, em que 100 significa que não há qualquer limitação funcional; abaixo de 82 pontos significa tendência às desordens patelofemorais; e 0, que há várias limitações funcionais e dor constante99. Silva DO, Briani RV, Ferrari D, Pazzinatto MF, Aragão FM, Azevedo FM. No son buenos indicadores de dolor y de limitaciones funcionales el ángulo Q y la pronación subastragalina en los sujetos con síndrome de dolor patelofemoral. Fisioter Pesqui. 2015;22(2):169-75. doi: 10.590/1809-2950/14031522022015.
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.

Escala visual numérica (EVN)

A EVN foi utilizada para mensurar a intensidade da dor, sendo uma régua que contém números de 0 a 10, na qual o 10 indica “dor máxima” e 0, “ausência de dor” (1010. Hawker GA, Mian S, Kendzerska T, French M. Measures of adult pain: Visual Analog Scale for Pain (VAS pain), Numeric Rating Scale for Pain (NRS Pain), McGill Pain Questionnaire (MPQ), Short-Form McGill Pain Questionnaire (SF-MPQ), Chronic Pain Grade Scale (CPGS), Short Form-36 Bodily Pain Scale (SF-36 BPS), and Measure of Intermittent and Constant Osteoarthritis Pain (ICOAP). Arthritis Care Res (Hoboken). 2011;63(Suppl 11):S240-52. doi: 10.1002/acr.20543.
https://doi.org/10.1002/acr.20543...
.

Avaliação de força extensora de joelho

A avaliação da força muscular dos extensores de joelho foi realizada bilateralmente, com dinamômetro manual (Lafayette®), estabilizado com cinto e posicionado acima do maléolo. Antes do início do protocolo de avaliação, foi feita a familiarização com o equipamento, consistindo na realização de duas contrações submáximas e duas contrações máximas do grupo muscular a ser avaliado1111. Costa RA, Oliveira LM, Watanabe SH, Jones A, Natour J. Isokinetic assessment of the hip muscles in patients with osteoarthritis of the knee. Clinics (Sao Paulo). 2010;65(12):1253-9. doi: 10.1590/s1807-59322010001200006.
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. Entre a familiarização e o início dos procedimentos de coleta de dados, houve um intervalo de dois minutos a fim de evitar a fadiga1111. Costa RA, Oliveira LM, Watanabe SH, Jones A, Natour J. Isokinetic assessment of the hip muscles in patients with osteoarthritis of the knee. Clinics (Sao Paulo). 2010;65(12):1253-9. doi: 10.1590/s1807-59322010001200006.
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.

Para o protocolo de avaliação, foram realizadas três contrações isométricas voluntárias máximas para o movimento de extensão da articulação do joelho, por um período de cinco segundos, com intervalo de 30 segundos entre cada contração1212. Hartmann A, Knols R, Murer K, de Bruin ED. Reproducibility of an isokinetic strength-testing protocol of the knee and ankle in older adults. Gerontology. 2009;55(3):259-68. doi: 10.1159/000172832.
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. As voluntárias foram posicionadas sentadas na cadeira extensora com o joelho a 90° de flexão (0° de extensão completa).

Avaliação da ativação muscular

Para a captação dos sinais eletromiográficos, foi utilizado um módulo de aquisição de sinais biológicos (Myosystem-BR1), de oito canais, software Myosystem-BR1, calibrado com frequência de amostragem de 2.000Hz, ganho total de 2.000 vezes (20 vezes no sensor e 100 vezes no equipamento), filtro passa-alta de 20Hz e filtro passa-baixa de 500Hz. Foram utilizados eletrodos ativos, em configuração bipolar, com área de captação de 1cm de diâmetro e distância intereletrodos de 2cm (Figura 1). Previamente à colocação dos eletrodos, foi realizada a tricotomia e limpeza da pele com álcool. Os eletrodos foram fixados nos músculos vasto lateral (VL), vasto medial (VM) e reto femoral (RF), de acordo com as normas do Surface Electromyography for the Non-Invasive Assessment of Muscles (Seniam). O eletrodo de referência foi posicionado na cabeça da ulna, lado contralateral ao membro coletado1313. Bueno RC, Fortes JBP, Camacho SP. Eletromiografia do músculo quadríceps-femural: influência do treinamento específico no disparo neuromotor periférico. Movimento e Percepção. 2007;8(11):55-70..

Figura 1
Posicionamento de eletrodos e dinamômetro manual

Análise dos dados

Dinamometria

Os dados de força muscular foram processados em rotinas desenvolvidas em ambiente MATLAB (MathWorks®), utilizando filtro butterworth de quarta ordem, com frequência de corte de 3Hz1414. Crozara LF, Morcelli MH, Marques NR, Hallal CZ, Spinozo DH, Almeida Neto AF, et al. Motor readiness and joint torque production in lower limbs of older women fallers and non-fallers. J Electromyogr Kinesiol. 2013;23(5):1131-8. doi: 10.1016/j.jelekin.2013.04.016.
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. Os dados de força foram normalizados pela massa corporal dos voluntários. O pico de força foi determinado pelo maior valor de força obtido após o início da contração muscular.

Eletromiografia

Os dados eletromiográficos foram processados por meio de rotinas desenvolvidas em ambiente MATLAB (MathWorks®). Para o cálculo da amplitude do sinal eletromiográfico, foi realizado o cálculo de root mean square (RMS), com a utilização de filtro passa-baixa de quarta ordem, com frequência de corte de 10Hz1515. Marques NR, LaRoche DP, Hallal CZ, Crozara LF, Morcelli MH, Karuka AH, et al. Association between energy cost of walking, muscle activation, and biomechanical parameters in older female fallers and non-fallers. Clin Biomech (Bristol, Avon). 2013;28(3):330-6. doi: 10.1016/j.clinbiomech.2013.01.004.
https://doi.org/10.1016/j.clinbiomech.20...
. Todos os dados eletromiográficos foram normalizados pelo pico de ativação obtido durante o teste de força muscular máxima.

Análise estatística

A análise estatística foi realizada por meio do software PASW statistics 18.0® (SPSS). Após verificação da normalidade e homogeneidade dos dados, foi aplicado o teste t de Student para comparação das variáveis entre os grupos, com nível de significância de p<0,05.

RESULTADOS

O teste t de Student mostrou que houve diferença significativa entre os grupos para a ENM. As voluntárias com dor no joelho apresentaram menor eficiência para os músculos VM (p=0,030) e VL (p=0,031), sendo, respectivamente, 61% e 52% menor em relação ao grupo-controle, conforme a Tabela 2. Em relação à força extensora do joelho, não houve diferença entre os grupos (p>0,05).

Tabela 2
Eficiência neuromuscular dos extensores de joelho

DISCUSSÃO

O objetivo deste estudo foi avaliar a força muscular e a ENM do quadríceps em mulheres com e sem DPF. A hipótese inicial foi parcialmente confirmada, visto que foi encontrada diferença entre os grupos apenas para ENM dos músculos VM e VL, mas não para a capacidade de produzir força extensora de joelho.

A ENM é uma variável que fornece boa estimativa da função muscular por estar diretamente relacionada à força e à capacidade de ativação dos músculos88. Cunha RA, Costa LOP, Hespanhol LC Jr, Pires RS, Kujala UM, Lopes AD. Translation, cross-cultural adaptation, and clinimetric testing of instruments used to assess patients with patellofemoral pain syndrome in the Brazilian population. J Orthop Sports Phys Ther. 2013;43(5):332-9. doi: 10.2519/jospt.2013.4228.
https://doi.org/10.2519/jospt.2013.4228...
. Avalia a capacidade do indivíduo de gerar força para o mesmo nível de ativação muscular, sendo mais eficiente aquele que gera maior força, com menor recrutamento de fibras musculares77. Aragão FA, Schäfer GS, Albuquerque CE, Vituri RF, Azevedo FM, Bertolini GRF. Eficiência neuromuscular dos músculos vasto lateral e bíceps femoral em indivíduos com lesão de ligamento cruzado anterior. Rev Bras Ortop. 2015;50(2):180-5. doi: 10.1016/j.rbo.2014.03.004.
https://doi.org/10.1016/j.rbo.2014.03.00...
. Quando se fala de DPF, essa avaliação é de grande importância, pois, conforme o estudo sugere, a dor reduz a ENM dos músculos, ou seja, o músculo precisa ativar mais unidades motoras para gerar a força muscular. A médio e longo prazo, a diminuição da ENM e da capacidade de produzir força muscular podem contribuir para cronificação dos sintomas1616. Bolgla LA, Malone TR, Umberger BR, Uhl TL. Comparison of hip and knee strength and neuromuscular activity in subjects with and without patellofemoral pain syndrome. Int J Sports Phys Ther. 2011;6(4):285-96..

Este estudo encontrou redução significativa na ENM, para os músculos VM e VL, em indivíduos com DPF durante o movimento de extensão do joelho. Essa redução da ENM pode estar associada à fraqueza muscular, comum em indivíduos com dor. A AKPS apontou a DPF como influência negativa para a execução das tarefas diárias nas voluntárias sintomáticas.

Estudos apresentam uma relação entre a presença de dor e as alterações no controle motor do músculo quadríceps em indivíduos com dor anterior no joelho1717. Mellor R, Hodges PW. Motor unit synchronization is reduced in anterior knee pain. J Pain. 2005;6(8):550-8. doi: 10.1016/j.jpain.2005.03.006.
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. Mellor e Hodges1717. Mellor R, Hodges PW. Motor unit synchronization is reduced in anterior knee pain. J Pain. 2005;6(8):550-8. doi: 10.1016/j.jpain.2005.03.006.
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encontraram em seu estudo diferenças significativas entre indivíduos com dor e indivíduos saudáveis em relação à coordenação motora do VM e VL.

O estudo de Rathleff et al. (1818. Rathleff MS, Samani A, Olesen JL, Roos EM, Rasmussen S, Christensen BH, et al. Neuromuscular activity and knee kinematics in adolescents with patellofemoral pain. Med Sci Sports Exerc. 2013;45(9):1730-9. avaliou o tempo de ativação de VM e VL na tarefa funcional de descer escadas, não encontrando diferenças ao comparar os dados de sujeitos com dor anterior no joelho com os de sujeitos saudáveis. Porém, ao analisar separadamente a fase de apoio, foi possível identificar um aumento na ativação eletromiográfica do VM e VL nos sujeitos com dor, em comparação ao grupo-controle. Esse aumento na atividade neuromuscular durante a fase de apoio pode refletir uma necessidade de maior recrutamento de unidades motoras para a execução da tarefa funcional de descer escadas, que é um dos movimentos que causa mais queixas de dor dos indivíduos analisados.

Tal hipótese tem suporte na menor capacidade de produção de força isométrica de mulheres com dor anterior no joelho, o que provavelmente determina uma maior ativação neuromuscular, com o objetivo de se contrapor a essa fraqueza muscular, nesse grupo em comparação ao grupo de indivíduos saudáveis.

Em relação ao músculo RF, não houve diferença na EMN. Hamill e Knutzen1919. Hamill J, Knutzen K. Bases biomecânicas do movimento humano. São Paulo: Manole; 1999. e Moraes et al. (2020. Moraes AC, Bankoff ADP, Simões EC, Rodrigues CEB, Okano AH. Electromyographic analysis of the rectus femoris muscle during the execution of movements of the knee in leg extension machine. Rev Bras Cienc Mov. 2003;11(2):19-23. relatam que a ação do RF é limitada como extensor de joelho, quando o quadril está fletido. Isso pode ser explicado pela anatomia do músculo, que é biarticular, responsável pelos movimentos de flexão de quadril e extensão de joelho. Neste estudo, as voluntárias foram avaliadas com quadril em flexão a 90°, ou seja, o músculo não estava no seu posicionamento favorável na relação comprimento/tensão. Apesar de ocorrer recrutamento do músculo RF durante o movimento de extensão do joelho na postura sentada, sua participação é limitada, o que pode ter contribuído para a inexistência de diferença entre os grupos.

Em relação à força muscular, Powers et al. (2121. Powers CM, Perry J, Hsu A, Hislop HJ. Are patellofemoral pain and quadriceps femoris muscle torque associated with locomotor function. Phys Ther. 1997;77(10):1063-75. doi: 10.1093/ptj/77.10.1063.
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realizaram um estudo em que compararam a força muscular entre mulheres com dor anterior no joelho e mulheres saudáveis (sem histórico de lesão na articulação do joelho), no ângulo de 60° de flexão de joelho (0°=extensão máxima). O estudo apresentou uma redução de 23% na contração isométrica voluntária máxima das mulheres com dor, quando comparadas às mulheres saudáveis. Além disso, foi aplicada a escala visual analógica (EVA), e apenas as mulheres do grupo com dor pontuaram durante a execução do teste.

Por outro lado, o estudo de Bolgla et al. (1616. Bolgla LA, Malone TR, Umberger BR, Uhl TL. Comparison of hip and knee strength and neuromuscular activity in subjects with and without patellofemoral pain syndrome. Int J Sports Phys Ther. 2011;6(4):285-96. avaliou a força dos abdutores do quadril, rotadores externos do quadril e extensores do joelho em indivíduos com DPF e não encontrou diferença entre os grupos, resultados que corroboram este estudo. O que pode justificar a diferença nos resultados é a presença ou não de dor durante a execução do teste de força muscular, visto que os dois estudos foram realizados com um número semelhante de voluntárias: o de Powers et al. (2121. Powers CM, Perry J, Hsu A, Hislop HJ. Are patellofemoral pain and quadriceps femoris muscle torque associated with locomotor function. Phys Ther. 1997;77(10):1063-75. doi: 10.1093/ptj/77.10.1063.
https://doi.org/10.1093/ptj/77.10.1063...
, com 19 mulheres em cada grupo e o de Bolgla et al. (1616. Bolgla LA, Malone TR, Umberger BR, Uhl TL. Comparison of hip and knee strength and neuromuscular activity in subjects with and without patellofemoral pain syndrome. Int J Sports Phys Ther. 2011;6(4):285-96., com 18 mulheres em cada grupo. No estudo de Bolgla et al. (1616. Bolgla LA, Malone TR, Umberger BR, Uhl TL. Comparison of hip and knee strength and neuromuscular activity in subjects with and without patellofemoral pain syndrome. Int J Sports Phys Ther. 2011;6(4):285-96., os sujeitos analisados não manifestaram sintomas álgicos durante a execução do teste, assim como neste estudo, o que possivelmente tornou a execução semelhante à do grupo-controle.

A literatura considera uma diferença clinicamente importante de força de 13% para indivíduos com DPF em relação a indivíduos sem dor. Neste estudo, apesar de não ter apresentado diferença estatística para essa variável, houve um déficit de força de 9% para o grupo DPF. Os autores acreditam que a médio e longo prazo, caso a dor persista, essa diferença na força pode aumentar, contribuindo negativamente para a resolução do quadro. Sendo assim, e levando em consideração outros estudos, esses achados podem ser clinicamente relevantes, pois pacientes com DPF respondem positivamente a programas de fortalecimento do quadríceps.

O estudo apontou que a avaliação da ENM dos músculos na dor anterior do joelho é uma variável importante, pois foi capaz de detectar diferença significativa entre o grupo-controle e o de pessoas com DPF. A menor eficiência do quadríceps pode contribuir para persistência dos sintomas, que implica diminuição da qualidade de vida, sedentarismo, ansiedade e depressão.

Limitações do estudo

O estudo avaliou a ENM apenas durante o movimento isométrico de extensão do joelho e os achados não podem ser extrapolados para indivíduos com DPF como um todo. Sugere-se que novos estudos sejam feitos e com maior número amostral, incluindo análise da ENM do músculo quadríceps durante a realização de contrações concêntricas e excêntricas, uma vez que estas representam melhor o recrutamento muscular durante as atividades diárias. Além disso, sugere-se realizar a avaliação da ENM durante a execução das tarefas que envolvam carga articular, como caminhar, subir/descer escadas e agachar.

CONCLUSÃO

Mulheres com dor patelofemoral apresentam menor eficiência neuromuscular do quadríceps, porém, isso parece não alterar a capacidade de gerar força máxima de extensão do joelho.

REFERENCES

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    Projeto elaborado como trabalho de conclusão de curso para obtenção do Bacharel em Fisioterapia, na Faculdade de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista“Júlio de Mesquita Filho” (Unesp). Estudo desenvolvido no Laboratório de Avaliação Musculoesquelética, da Unesp - Marília (SP), Brasil.
  • Fonte de financiamento: Capes e Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic) da Unesp
  • 8
    Aprovado pelo Comitê de Ética: Parecer nº 047132/2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    28 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    25 Nov 2022
  • Aceito
    07 Fev 2023
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