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Feira e mudança econômica

Resumos

Baseado nos dados do trabalho de campo realizado na região da Zona da Mata de Pernambuco, o texto analisa as transformações no universo dos engenhos e das usinas à luz dos circuitos de produção e de abastecimento das feiras livres onde antigos moradores expulsos desse universo passaram a se abastecer. Indicadora do crescimento desse proletariado rural, a expansão das feiras na Zona da Mata também ilumina a emergência de pequenos produtores com alguma autonomia dentro dos engenhos que produzem para vender nas feiras, reconfigurando assim o sistema de aprovisionamento da população rural da região, anteriormente sujeita ao sistema de distribuição interno dos engenhos, o barracão. O contraponto entre feiras e barracão permite observar a complexidade das mudanças em curso na região, e mostrar a produtividade da etnografia dos mercados (ou dos locais de mercado) para a compreensão de amplos processos de transformação social.

Feiras; engenhos; usinas; barracões; proletariado rural; transformação social


Based on field work in the Zona da Mata of the State of Pernambuco, Brazil, this article discusses the transformations of the sugar estates and mills of the region through an analysis of the local "feiras" and markets in which workers who had been expelled from the estates were able to buy the items for their subsistence. Besides signaling the growth of a rural proletariat, the expansion of rural markets ("feiras") revealed the emergence of smallholders who had gained a degree of autonomy inside the sugar estates. The system for provisioning the regional rural population, which had previously been controlled through the sugar estate general stores ("barracões") was thus transformed. The counterpoint between feira and barracão reveals the complexities of change in the region and demonstrated the importance of ethnography of market places for the understanding of wider processes of social transformation.

feira; markets; sugar estates; sugar mills; barracões; rural proletariat; smallholders; social transformation


DÉJÀ LU

Feira e mudança econômica

RESUMO

Baseado nos dados do trabalho de campo realizado na região da Zona da Mata de Pernambuco, o texto analisa as transformações no universo dos engenhos e das usinas à luz dos circuitos de produção e de abastecimento das feiras livres onde antigos moradores expulsos desse universo passaram a se abastecer. Indicadora do crescimento desse proletariado rural, a expansão das feiras na Zona da Mata também ilumina a emergência de pequenos produtores com alguma autonomia dentro dos engenhos que produzem para vender nas feiras, reconfigurando assim o sistema de aprovisionamento da população rural da região, anteriormente sujeita ao sistema de distribuição interno dos engenhos, o barracão. O contraponto entre feiras e barracão permite observar a complexidade das mudanças em curso na região, e mostrar a produtividade da etnografia dos mercados (ou dos locais de mercado) para a compreensão de amplos processos de transformação social.

Palavras chave: Feiras, engenhos, usinas, barracões, proletariado rural, transformação social

"Eu não consigo entender como é possível, com a pobreza cada vez maior do povo, haver em Palmares uma feira de três dias, onde às duas horas da tarde do domingo não tem mais nada para vender" (S., ex-feirante, ex-administrador de engenho e ex-ajudante de barraqueiro).

O processo de expulsão dos moradores do engenho, na Zona da Mata de Pernambuco, desencadeado a partir de meados da década de 40 e acelerado nos últimos anos, representou mais do que a simples proletarização de trabalhadores rurais. Representou uma nova divisão de trabalho que atingiu tanto o próprio processo produtivo dentro das unidades agrícolas quanto à circulação e o consumo de bens de subsistência.

Sem que tenha havido, do ponto de vista técnico, qualquer revolução agrícola, a organização do trabalho nos engenhos

Por outro lado, a localização dessa mão de obra " liberada" nas cidades da área, não apenas aumentou grandemente a população destas cidades, como alterou radicalmente sua composição social. De cidades de funcionários, transformaram-se em aglomerações de trabalhadores rurais em disponibilidade. A diminuição de atividades das usinas durante certos períodos do ano e a crise financeira mais ou menos crônica que atinge a agroindústria pernambucana estimularam parte dessa população a buscar, permanentemente ou não, ocupação fora da agricultura da cana. Uma boa parte dessa população, entretanto, continua a trabalhar permanentemente (o que não exclui a procura de fontes de renda suplementar na cidade) nos engenhos, legal ou clandestinamente.

O mais importante, todavia, é que aqueles trabalhadores passam a ter de buscar por conta própria seus meios de subsistência, antes assegurados pelas próprias usinas e engenhos.

Abriu-se assim um mercado para os produtos dos "moradores" que permaneceram nos engenhos. Se o morador tradicional era obrigado "de direito" ou de fato (pela falta de alternativas) a entregar a produção de seu sitio ou de seu roçado aos "barracões" e aí comprar o que não produzia, o trabalhador da rua

Nas áreas em que o desenvolvimento de usinas foi mais tardio e em que havia um "estoque de terra" disponível

A ativação do circuito de trocas de bens de subsistência traduz-se num crescimento sensível, embora de difícil avaliação, das feiras da Zona da Mata que, ao mesmo tempo que se modificam, fornecem talvez o principal suporte às mudanças apontadas, como fontes de emprego, nem sempre "improdutivo", para os trabalhadores expulsos dos engenhos, atuando ao mesmo tempo como elemento de redistribuição de "riquezas" dentro de um determinado setor da população; e como centros de distribuição da pequena produção rural.

É claro que as coisas não são tão simples e que variações importantes ocorrem de acordo com as características particulares de diferentes subáreas e com a historia especifica das feiras que, assinale-se, quase sempre pré-existem aqueles processos. Mas sobretudo não são tão simples porque as feiras coexistem com outras formas de distribuição que vão do barracão ao "comércio estabelecido".

As mudanças em questão não alteram seguramente o sentido vertical descendente de fluxo de bens manufaturados que caracterizava os barracões de usina e engenho: as feiras da Zona da Mata talvez continuem sendo basicamente (em termos de valor da produção) fornecedores de manufaturados à população rural. Os bens de subsistência colocados pelos pequenos produtores nas feiras não atingem os consumidores dos grandes centros urbanos regionais, ou os atingem marginalmente. O que há de novo é fluxo que se inaugurou ou que se acentuou de bens de subsistência no seio mesmo da população rural, antes indiferenciado dentro do fluxo geral de bens, que através dos barracões, atingiam os consumidores morando dentro dos engenhos. A partir de determinado momento, rompe-se o equilíbrio que fazia os engenhos oscilarem entre períodos mais ou menos dedicados ao cultivo de cana e menor ou maior desenvolvimento da agricultura de "subsistência ". Os produtos de subsistência passam a disputar terra com a cana num momento de grande expansão deste produto.

Mas ao mesmo tempo que aumenta a área cultivada com mandioca, base do principal alimento das populações pobres da área, multiplicam-se as queixas de que "hoje o povo tem de comprar farinha no mercado".

Esse circuito de trocas de bens da subsistência agrícola não está, é claro, isolado em seu funcionamento, do circuito de bens manufaturados. Seja através do tabelamento de preço de certos produtos, seja através da concorrência com produtos similares produzidos em outras áreas e que chegam à área através do comercio estabelecido, ou simplesmente da intromissão deste ultimo naquele circuito, ele está, em última análise, vinculado ao mercado nacional. No entanto, ele guarda uma relativa autonomia no seu funcionamento, tanto no que diz respeito aos procedimentos de compra e venda e ao processo de formação dos preços, quanto à própria composição do grupo de intermediários envolvidos.

É importante lembrar também que o montante efetivo de transações envolvidas é pequeno, apesar da não contabilização e o caráter e o caráter não definido juridicamente dos agentes econômicos contribuírem para que seja exagerada a pouca importância em valor das transações. Ignorar, entretanto, as relações sociais que ai estão em jogo é excluir ao conhecimento um mecanismo social que parece ter tido papel decisivo nas mudanças ocorridas na área.

Feiras e Cidades

As observações que faremos a seguir referem-se fundamentalmente a duas feiras da Zona da Mata de Pernambuco: Palmares e Carpina.

A cidade de Palmares, (sede do município autônomo desde 1873) é mais antiga do que a de Carpina e sempre foi considerada um "centro comercial" importante. O seu desenvolvimento, segundo historiadores locais, deveu-se a sua posição de ponto final da estrada de ferro Great Merten, na segunda metade do século passado. Mas, à medida que estações se iam inaugurando o movimento do Palmares ia decrescendo. No entanto, a sede da Empresa continuava a ser aqui localizada, com toda a sua movimentação e o trabalho das oficinas, onde eram reconstruídas locomotivas, confeccionados vagões e mantido o serviço interno de reparos de material. E uma circunstancia interessante ocorria também: a bitola dos trilhos ferroviários de Palmares ao Recife era estreita, enquanto a do chamado prolongamento era larga. Isto dava lugar a uma "baldeação" obrigatória em palmares (...)."

A despeito dessas similitudes, a que se poderia acrescentar o tamanho mais ou menos equivalente das duas cidades, e do fato que a atividade econômica dos dois municípios repousa sobre a agricultura de cana

Enquanto em Palmares certas formas tradicionais de posse de terra na zona canavieira foram eliminadas desde o começo do século, em Carpina não só os engenhos moeram até período relativamente recente, como os "lavradores"

Por outro lado, e aqui nos faltam elementos para qualquer conjectura, Carpina, cuja feira se restringe ao domingo, é uma cidade em um circuito de feiras. Os intermediários que vendem bens manufaturados, conhecidos como "ambulantes", são profissionais de feira que fazem durante a semana o seguinte trajeto: segunda-feira, João Alfredo; terça-feira, Itabaiana (Paraíba); quarta-feira, Nazaré ou Limoeiro; quinta-feira e sexta-feira, parada; sábado, Goiana ou Paulista; domingo, Carpina. Palmares, cuja feira dura quase três dias, parece estar desligada de qualquer ciclo. Os vendedores de manufaturados são em geral pessoas residentes na cidade e que não feiram em outros locais. O máximo que acontece é feirantes-produtores feirarem em duas etapas: um dia na semana feiram na localidade mais próxima e domingo vão a Palmares levando o que sobrou da sua produção e alguma produção comprada nessas pequenas feiras ou, o que parece se mais comum, levando sua produção para Palmares no domingo e vendendo as sobras na feira mais próxima de sua residência.

A Feira e as Feiras

A relativa autonomia do circuito dos bens de subsistência parece revelar-se na própria divisão da feira. As feiras estudadas apresentam-se ao observador distribuídas por setores bem delimitados (manufaturados; "mangaios"; carnes e peixes; farinha e cereais; legumes, verduras e tubérculos; frutas; cerâmica) ainda que certas combinações de produtos fujam ao seu próprio modo de classificar.

Parece-nos ser sintomático que os trabalhadores rurais e feirantes entrevistados fora e dentro da feira raramente se refiram à feira como um todo, mas à "feira da farinha", à "feira das frutas" (que numa época em que o produto mais vendido era a banana era designada como "feira da banana"), aos "bancos de carne", aos" bancos de peixe"; ao "mercado", às "barracas do mercado". Conquanto não tenhamos elementos para explorar de modo sistemático essa classificação (incompleta, pois trata-se apenas de expressões inventariadas no material colhido) gostaríamos de apontar para o fato de que os setores que vendem produtos tabelados (carne, charque, açúcar) não são classificados como "feira", o termo sendo reservado para aqueles setores em que há alguma flutuação de preço e, talvez, maior circulação de vendedores. Igualmente, é nítida a distinção entre bancos de feira (que se trata de barracos grandes e cobertas ou lonas no chão) e barracas, (termo reservado às barracas em torno do mercado), permanentes e controladas por dois feirantes ricos. Essa ultima distinção pode ser ilustrada pela resposta dada por um entrevistado que falava da venda de couve à pergunta do pesquisador sobre a não variação de preço entre as barracas (bancos):

P: Por que é tudo um preço só? Por que nas outras barracas não tem diferentes preços?

R: Porque...vamos dizer assim,esses mercados já são tudo mercado pronto. Então quem vai comprar é o pessoal mesmo que quer vender naquelas barraquinhas, então compra naquele mercado. Então a gente vê: se aqui, hoje em dia, todo mundo já vive no negócio prá ninguém ter uma brecha de entrar..."

Dessa compartimentação parece ser solidária a preocupação do produtor em não levar mais de um produto à feira:

"Só vendo uma mercadoria de cada vez. A gente faz o cálculo do que tá melhor e leva."

Tanto feirar (vender na feira) como fazer feira (comprar na feira) são definidos socialmente como atividades masculinas. Ou, como disse um pequeno proprietário de Carpina

"As mulheres não vendem na feira. Só quando é tempo de festa é que vão vender para apurar uma coisinha para comprar um vestido, uma roupa pros meninos...A mulher do pequeno proprietário ainda conhece a feira. Mas tem mulher aí que nem conhece Carpina. A mulher do assalariado nunca vai à feira. Tem vergonha d e não ter um vestido novo para ir à feira. Só tem uma roupa. Em caso de autônomo, a família vai à missa e depois à feira. É mais livre (...). mulher que não tem marido nem filho, manda o vizinho vender. Ela se acanha de ir sozinha à feira. (...) Porque geralmente tem de ir a cavalo e elas tem vergonha de chegar na cidade montada num cavalo".

Mulher na feira, vendendo ou comprando, deve ser "viúva, solteira ou sem marido". Mas, por que razão seja, fazer feira é vivido como um verdadeiro sacrifício, como sugerem as queixas de uma moradora de Palmares:

"Compro (na feira) sim senhora, quando sempre todo domingo eu tenho a penitencia de vir aqui para a feira de Palmares. (...) Já não mando meu esposo fazer compras porque já foi doido. Se ele vir, ele morre (referência aos preços), se ele vier aqui eu sei que ele não chega em casa."

Mas aquela não é uma regra que se aplique indiferentemente a todos os setores da feira. No setor de manufaturados e nas barracas em geral parece haver um comparecimento feminino importante. Mas também dentro dos setores operando com bens de subsistência, há lugar para vendedoras mulheres.

"Aqui também é assim - disseram em coro o pequeno proprietário mencionado e seu filho - aqui também é assim mulher só vende miudeza, cheiro e barro. E palha também. Tem umas que vendem verdura".

A filha completou:

"A mulher não vende farinha na feira porque é uma coisa de muita responsabilidade. Tem que ser pro homem. Mulher só vende uma coisinha maneira. Mulher não dá para vender farinha que farinha exige muito cálculo. Não é fácil vender farinha". O chefe de família estendeu o alcance daquela exclusão aos filhos dizendo que na feira só homem é que vende, "a mulher e os filhos ficam passeando", mas também relativizou-a:" Os que compram em grosso e moram na rua, e são mais espertos, às vezes botam mais de um banco. O dono fica num lugar e bota o filho no outro."

A observação direta sugere que se trata de uma exclusão efetiva. Não pude constatar a presença de uma única mulher vendendo farinha na feira de Palmares em novembro e dezembro de 1969 (período da safra de cana e moagem das usinas de açúcar) e em maio e junho de 1970 (entressafra) as poucas mulheres na feira da farinha trabalhavam na área contígua aos bancos de carne e como auxiliares dos maridos, em geral no mesmo banco. O cadastramento (parcial no caso da farinha e cereais) de fevereiro de 1971 assinalou, entretanto, a presença de 7 mulheres contra 33 homens vendendo naquele setor, todas 7 morando na cidade. Em Carpina foram assinaladas umas poucas mulheres vendendo farinha nos três períodos, mas sempre dentro do mercado.

Ao contrário, em 1969, apenas mulheres vendiam no setor da cerâmica das duas feiras, o mesmo ocorrendo com comidas e temperos e cheiros. Em 1970e 1971 foram encontrados homens vendendo cerâmica também. Isto pode ser visto de maneira sintética no seguinte quadro:

Vendedores e compradores

São tão grandes as variações de um setor para o outro no que diz respeito aos agentes de troca na feira, que se tornam difíceis as generalizações.

É bem verdade que parece haver uma certa homogeneidade no que diz respeito aos consumidores finais, trabalhadores rurais e sitiantes no caso de Carpina . No entanto, seria uma simplificação deixar de assinalar a presença visível, e proclamada pelos vendedores, de consumidores urbanos nos setores de manufaturados, frutas, verduras e legumes. Ao contrário do que ocorre na "feira de farinha", por exemplo, há mulheres comprando (em geral empregadas domésticas). No caso de Carpina, parece ter alguma importância a presença de consumidores de Recife (muitos dos quais são proprietários de "granjas" nas imediações da cidade),

No entanto, se aquela parece ser uma clivagem fundamental, as diferenças também são grandes entre os setores que transacionam com bens de subsistência. Elas parecem remeter às condições de produção de cada tipo de produto, ao próprio caráter mais ou menos perecível do produto e às disponibilidades de capital de produtores intermediários.

Na "feira da farinha", por exemplo, onde são vendidos farinha e cereais, e onde o grosso dos consumidores são trabalhadores rurais, há um número variadíssimo de arranjos. Há um número grande de sitiantes que produziram sua própria farinha, muitos dos quais proprietários de casas de farinha

"Não vendo na feira porque sai caro levar a produção. Tenho de pagar 2 contos por saco no transporte e ainda tenho de pagar o chão. Depois, se não vender tudo, ainda tenho de trazer para casa. Não lucro nada."

Comprando farinha aos matutos e eventualmente ao "comércio" (categoria que inclui tanto os grossistas quanto o mercado), estão os pequenos intermediários ou "retalheiros". Em Carpina, esses pequenos intermediários pernoitam de sábado para domingo na entrada da cidade, na "porta do cemitério", esperando os sitiantes:

"É só ir de madrugada que se vê o pessoal discutindo preço. "Dou tanto". O outro: "Dou tanto.´ Tem uns [produtores] que nem saltam do cavalo. Vendem a produção lá mesmo e voltam."

Esses intermediários, segundo o mesmo entrevistado, "são pequenos". Às vezes tomam dinheiro emprestado, pagando juro alto para poder comprar a carga.

"Quando é pequeno que compra na porta, fica de pagar depois. Aí na volta, chega com um choro... e pede para abater o preço porque a feira foi ruim".

Geralmente, esses pequenos intermediários da farinha dispõem de um "quartinho" onde estocam sua mercadoria e dificilmente feiram em mais de um lugar.

Finalmente, há um número grande de vendedores dependentes dos grossistas ou dos comerciantes do mercado. Dispondo de quase nenhum capital, sem condições de estocagem, são pouco mais que empregados dos comerciantes. Compram geralmente em consignação e só operam com o produto comprado de um comerciante que os obriga a colocarem seus "bancos" em frente aos armazéns.

No setor de "verdura"

"É. A gente bota no chão pra vender, passa até tarde. Couve não é coisa de passar a vida todinha no sol. Se fosse fruta, pepino, maxixe, o quiabo, aquilo aguenta o sol, mas couve a gente tira à tarde, banha ele com água, amarra os molhos, banha com água, ele passa a noite com água, de manhã cedo, a gente bota num balaio, numa sacola e traz pra vender. O nosso lema é vender logo, porque se ele murchar, perdeu o valor, né? Murchou, perdeu o valor. E essa aí [referência à verdureira] compra e bota na rua aqueles molhos de couve. Compra mais barato. (...) Ela vai vender lá por 200, ou que não venda, mas prejuízo quem tem é ela, não é? Agora se fosse fruta, banana, laranja, não. Eu encostava minha carguinha lá num canto, ou meu balaio, dizia: "É 20 cruzeiros ali, é 20 cruzeiros!". Aquilo ali não murcha com o sol não. Só saía de tarde. Mas sabe, a verdura é sempre mais diferente, não é?"

Também são atraídos como intermediários para esse setor "moradores" de engenhos interessados em suplementar seu salário com um "ganho" extra, vendendo os produtos dos matutos.

Preços e Freguesia

Também as modalidades de fixação de preços das mercadorias parecem variar entre diferentes setores. Não apenas há setores em que os preços são tabelados, como há setores em que, como os manufaturados, há um certo limite além do qual os preços não podem cair. Nesses setores o preço é um só do início ao fim da feira. Em contrapartida, quando se trata de frutas e, sobretudo, de legumes e verduras, a variação de preços, tanto entre bancos, quanto num mesmo banco no correr da feira, parece não ter limite: "baixo o preço e vendo tudo. Nunca aconteceu de ter que voltar com a produção"

"Agora o preço aqui é ruim porque vem muito abacaxi da Paraíba (...)."

Por isso vai para Carpina no sábado à noite "para pegar preço". Procura vender o máximo nas primeiras horas da manhã porque a partir das 9 horas chegam os caminhões da Paraíba e o preço cai. Quando tem muito abacaxi, cobra "200 o grande e 100 o pequeno". Quando tem pouco, cobra "300 o grande e 200 o pequeno".

Mas também para o pequeno intermediário, que imobilizou um pequeno capital, é preferível vender a qualquer preço e recuperar parte do que gastou, do que ficar com aqueles produtos que ele não tem como guardar.

Na feira da farinha a situação é muito especial. Os intermediários, que vendem apenas mercadorias em consignação têm uma faixa de manobra extremamente restrita na fixação dos preços:

"A gente sempre compra o saco de 70 quilos e depois calcula quanto dá para fazer o litro".

Os intermediários, que compram dos matutos, fazem o mesmo cálculo em relação ao produto deles:

"os matutos trazem a mercadoria e vão vendendo a quem encontrar...".

Pegam mil cruzeiros do chão à Prefeitura e mais 500 por saco, que vendam ou que não vendam. Fixam então o preço conforme o que pagaram pelo produto. Mas, quando a feira está muito fraca chegam a vender pelo preço que compraram.

"Os grossistas vendem na feira. Quanto tem farinha, eles botam várias barracas. Quanto tem pouco, eles amarram para garantir o preço".

"quem ainda compra melhor são os pobrezinhos. Pelos ricos venderíamos mais barato do que tínhamos comprado".

No entanto, encontramos um velho, ex-feirante, em Caruaru, vendendo havia um ano em Palmares, que se queixou amargamente das disputas de preço:

"Veja o senhor: não é estranho que num lugar deste tamanho a gente não tenha um freguês? Mas é assim. Por quê? Chego eu, boto a minha farinha a 1.400. O amigo aqui ao lado - apontando para o feirante vizinho - , que talvez tenha comprado mais barato, bota a dele a 1.300. Tá certo. Aí, o outro ali em frente, que compro pelo mesmo preço ou talvez mais caro do que eu, pra vender, bota a farinha a 1.200. Aí os outros tem que baixar o preço para também poderem vender. O mal é essa falta de amizade entre os feirantes. Como é que vai ter freguês assim?"

Ao que parece, o velho empregava o termo freguês como sinônimo de comprador (queixou-se em seguida de não ter vendido até àquela hora uma cuia de farinha), enquanto que em Palmares o termo parece denotar uma relação muito específica:

"O que chamam aqui de freguês é aquele que compra fiado de oito dias. Compra num domingo para pagar no outro. O negócio é assim: o senhor tem uma barraca onde vende farinha ... Aí, vem uma pessoa que compra uma vez, duas, três a dinheiro. Lá pela quarta vez que está comprando já está conversando com o vendedor. Na hora de ir embora o vendedor diz: ‹leve mais›. A pessoa diz: ‹homem levar eu não posso porque dinheiro eu não tenho›. O feirante: ‹faça uma feira toda e pague domingo que vem›. Aí começa a ser freguês. No domingo que vêm paga a feira anterior e faz uma nova compra para pagamento de oito dias».

Segundo um outro informante, esse é o "freguês de oito dias", que existe na venda a retalho. Mas há também, ou pelo menos houve no tempo em que ele próprio feirara, o "freguês de feira" ou "ribirista", "aquele intermediário a quem o matuto sempre vende o seu produto".

"é coisa livre. A pessoa compra onde quer. Está muito caro, deixa para de tarde... (...) Negócio de freguês nunca houve. Não pode haver mesmo. Pessoal vende a um e a outro ... essas coisas assim (...) Fartura é que faz diminuir o preço."

Alguns feirantes declararam ter fregueses, no entanto, acrescentam:

"mas o preço é um só".

Também não parece haver privilégios especiais com respeito à quantidade do produto. Sempre o comprador recebe mais um pouco de farinha, mas isso independentemente de ser ou não "freguês". Por outro lado, só constatamos casos de freguesia de oito dias entre feirantes (e os feirantes ELES próprios parecem constituir um grupo importante de consumidores) ou entre trabalhadores rurais e donos de barracas no mercado.

Em setores tais como frutas, "verduras" e tubérculos, só existem relações de freguesia entre produtores e intermediários, elas inexistem na venda a retalho e o próprio conceito de "freguês de oito dias" parece não ter vigência. Frases como

"tenho freguesia sim, mas não é muito certo" ou "eu tenho fregueses quando são poucos vendendo, quando são muitos eu não tenho não"

sugerem que freguês é pura e simplesmente sinônimo de consumidor. Mais explícito parece ser a resposta do feirante-produtor:

"Não tenho freguês, não. Vendo voluntário (...). Não vendo fiado aqui. Aqui não se vende fiado... Entre amigos a gente vende, mas só quando é muito conhecido.

Essa variação entre setores, no que diz respeito à fixação de preços, desde autores onde opera o livre jogo da oferta e da procura ou onde "a fartura é que faz baixar o preço" até setores onde os preços são tabelados nacionalmente, desde setores onde existe a "freguesia de oito dias" até setores onde inexiste qualquer coisa no gênero, deve ser relativizada. Primeiramente, porque nos faltam elementos sobre o poder de barganha dos diferentes grupos de produtores nas suas relações com intermediários e sobre a lógica que preside as suas decisões econômicas. Em segundo lugar, o que é mais importante para o presente trabalho, porque a feira não é um espaço plano. Os diferentes setores da feira não são diferentes apenas pelos diferentes produtos que vendem ou por quaisquer outras características substantivas. Eles são hierarquizados.

"Eu hoje mesmo trouxe 61 molhos de couve. Cheguei lá e disse a ela [retalhadeira de verdura]: "a senhora sabe que o preço da minha mercadoria subiu?" Ela me disse: "Por que? Por que choveu?" Eu disse: "Não. Por que tudo tá caro. Então minha mercadoria tá mais cara hoje também" (...)"

Comércio, Feira, Mercado e Barracão

Se o setor chave da feira é o de farinha e cereais, como foi sugerido, e se, como é provável, o controle desse setor está nas mãos dos grossistas e dos "comerciantes do mercado", tudo nos leva a crer que o "preço da feira" e o "preço do comércio" sejam uma só e mesma coisa. Isso, no entanto, é problemático, porque supõe uma identidade, pelo menos de interesses, entre o comércio estabelecido e os "donos de barracas no mercado". Ora, ainda que faltem dados para afirmações definitivas, não só aqueles dois grupos parecem ter origens sociais bem diferentes - os "comerciantes estabelecidos" sempre integraram as "elites locais", geralmente são filhos de comerciantes, suas firmas muitas vezes têm filiais em vários municípios, enquanto os donos de barracas são de origem humilde, muitas vezes ex-mascates que se estabeleceram, nunca operam em mais de uma praça - como seus interesses comerciais e suas atitudes diante da feira parecem divergir. Enquanto o comércio estabelecido proclama seu estado de crise, atestado pelo número de falências ocorridas nos últimos anos e pela presença crescente de firmas do Recife operando no interior, como no caso de Palmares, ou pela estagnação das vendas, como no caso de Carpiena, os comerciantes do mercado parecer estar, se não expandindo seus negócios com rapidez, pelo menos em condições financeiras de sustentarem várias barracas e de colocarem dezenas de vendedores na feira de domingo. Enquanto os donos de barracas procuraram operar manipulando as vendas na feria, os comerciantes estabelecidos se queixam de que a feira é um problema porque

"o feirante entra na loja, compra mercadoria sem nota fiscal e depois vende na rua sem pagar imposto, fazendo concorrência ao comércio estabelecido" ou de que "a maior desgraça do comércio é a feira de domingo".

Porém seja qual for a natureza das relações entre comércio estabelecido e comerciantes no mercado, o mercado municipal parece estar operando como uma "bolsa de cereais" e os preços aí estabelecidos parece estar tendo vigência muito além do "pavilhão" e da "feira de domingo", alcançando área até então não atingidas pelo comércio, como se as próprias operações de partilha do produto nas casas de farinha.

Tradicionalmente, os barracões pertenciam ao proprietário de engenho que, ainda que pusesse a sua frente um preposto, tomadas todas as decisões relativas a preços e compras de mercadoria. No caso de usinas, além do barracão de engenho, havia o barracão de usina que, ao mesmo tempo que abastecia os trabalhadores da parte industrial da usina, fornecia, com exclusividade, para os barracões de cada engenho uma usina. Houve usinas que organizaram companhia de abastecimento, firmas que chegaram a ser poderosas e ter filiais em várias praças, que monopolizavam totalmente a distribuição de bens de subsistência dentro de suas unidades produtivas agrícolas, diretamente ou través de um cerrado sistema de fiscalização. No início da década dos 40, uma usina do sul de Pernambuco proclamava ter promovido "a extinção do "barracão" em mãos particulares, ... nos quais os operários estavam sujeitos a toda ordem de explorações".

"Ainda mais longe a empresa. Mantém (sic), em cada propriedade agrícola, uma venda para distribuição de gêneros de primeira necessidade aos respectivos moradores e trabalhadores, instalada em prédio apropriado que é cedido gratuitamente a um concessionário com todos os apetrechos - pratileira (sic), balanças, balcão - sem que lhes seja cobrada qualquer renda ou contribuição. Apenas, lhes é imposta, a esses concessionários, a obrigação de vender gêneros pelos preços previamente tabelados de modo a evitar a exploração do homem do campo. E a usina adota rigoroso serviço de fiscalização dos preços, da qualidade de do peso dos gêneros. Fornece, ainda, a empresa transporte gratuito, nos seus trens, para aqueles gêneros de modo que eles possam ser distribuídos, nas propriedades mais afastadas, por preços em correspondência com os da cidade. Essas vendas substituíram os antigos barracões que eram, até então e na maioria dos casos, explorados pelos proprietário ou arrendatário dos engenhos ou que eles cediam a determinadas pessoas, mediante o pagamento de renda ou participação nos lucros. Bem ao contrário desses barracões, constituindo uma fonte de renda para o proprietário ou arrendatário dos engenhos, as vendas existentes nas propriedades da Usina Catende S.A. representam uma forte de despesa e de encargos para a empresa, na defesa dos seus trabalhares e moradores, para lhes assegurar alimentação melhor e mais barata".

"Barracão" ou "venda" o nome importa pouco, de senhor de engenho ou de uma usina "modernizante", aquela instituição de qualquer forma mantinha o morador afastado do mundo econômico. Hoje, entretanto, mesmo naquela usina a situação é outra:

"Hoje não existe uma tabela de barracão nem antigamente eles exigiam uma tabela. Aquilo vinha discriminado da usina. Tinha fiscalização das vezes por semana, andando naqueles barracão, olhando se o barraqueiro estava vendendo. Então o trabalhador levava a informação para aquele fiscal. Hoje não. É por conta deles, não tem mais tabela. Aquilo ali ele compra a farinha, digamos, no comércio, compra um grosso, compra na base de 3 mil cruzeiros, vamos dizer. Aí ele vende no barracão por 6 mil, 6 mil e 500, 5 mil e 500, e aí já continua aquele caso. O trabalhador, coitado, não pode ir ao comércio que já vem acabado com aquele ganho, ou disso ou aquilo outro, e semana faltou trabalho três dias. O trabalhador acabou-se. (...)"

Com a liquidação do morador e com a generalização do trabalho por empreitada, o barracão assume feição nova.

"No barracão vende tudo. Vende, vende farinha, feijão, açúcar, querosene, fósforo, sal, arrozina, maisena, leite, sardinha, a batata, bacalhau, charque, peixe brabo, desse peixe que tem aí no meio da feira que acho que nem os tatus quer. Porque eles compra a mercadoria mais barata para vender mais caro, ganhar dinheiro. E tem os que vende tudo. Nos barracões só não vende roupa nem calçado, essas coisinhas assim. Mas tem uns que ainda vende isso. Agora, vende caro. (...)"

E os preços do barracão, se não são os preços do comércio, são regulados por esses últimos:

"Hipótese: o preço da farinha agora no comércio, a mais barata que tem é 5 mil, não é? Até no domingo deu 4 mil, mas o preço atual é 5 mil, a mais barata. Ele - o barraqueiro - compra daquela mais barata, dos 5 mil, 2 sacos ou 3 sacos ou 4, o que ele puder, né? - conforme o barracão, conforme o consumo do barracão, né? Mas que ele vai mudar no preço do mercado. Se no mercado estiver farinha boa no mercado por 10 mil, ele vende por 10 mil."

Mas não é apenas a especulação do barraqueiro com produtos do comércio que vai ser regulada pelos preços de mercado. Também as suas transações com "moradores" que lhe fornecem produtos como a farinha de mandioca serão regidas por aqueles preços:

"Eles [os barraqueiros] compra aquela farinha da boa, matéria prima - pelo preço da mais barata no comércio - e vendo ao preço do comércio, que está lá custando no mercado, no correr da semana. É assim: se ela estiver custando 10 mil no mercado, eles aumentam aqueles 10 mil."

Isso, entretanto, não impede os trabalhadores rurais e sitiantes de continuarem vendo o "comércio" em geral como uma alternativa ao barracão:

"[Comprar] No barracão? Eu tenho o maior medo do barracão, tá vendo a senhora? Eu já não acabei mais a família por causa que Deus é muito bom. E viva Deus e os homens, os homens que negoceia. Por aí mesmo dentro de Palmares tem aí um cidadão que possui a barraca que ele não é meu patrão, ele é meu pai. (...)"

Conclusão

Há mais ou menos 10 anos atrás um historiador pernambucano dizia, sem medo de errar, a propósito das vilas e cidades das partes mais úmidas do Agreste:

"Estas vilas, como as cidades agrestinas próximas aos brejos, tem grandes feiras, uma vez que a menor concentração fundiária permite maior divisão do dinheiro: diminui o número de ricos e pobres e aumenta o de intermediados. Por isto feiras como as de Camocim de São Felix, Cupira, Cachoeirinha e Capoeiras, apesar da pequena população do aglomerado, são muito mais importantes do que as cidades grandes da Zona da Mata, como Goiana, Nazaré ou Palmares."

O estudo das feiras da Zona da Mata sugere que as coisas não são mais assim e que a feira e o mercado estão presentes hoje até nas transações de que elas são a própria negação, de que o melhor exemplo é a prática comercial do barraqueiro. E o crescimento da feira na zona canavieira parece projetar-se mais longe ainda e inverter as próprias relações entre feiras do Agreste e da Mata.

"Destas feiras daqui de perto, Palmares é a melhor. No Agreste a feira é fraquinha."

Os produtores de Curupira, São Félix, Cachoeirinha, estão trazendo os seus produtospara a Mata e muitas daquelas feiras estão consumindo "sobras" de Palmares ou estão sendo transformadas em "feira de mulher".

Agosto de 1971

Bibliografia

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  • USINA CATENDE S.A. 1941. O Homem e a Terra na Usina Catende. Recife.
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    Moacir Palmeira
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    sofreu alterações consideráveis. O pagamento por diária, prevalecente na área até fins dos anos 30, foi substituído pelo mais flexível sistema de trabalho por "tarefa" e/ou "conta",
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    que livrava as unidades produtivas de pesados custos de fiscalização. As exigências trabalhistas que se impuseram aos proprietários na década de 60 estimularam estes últimos a intercalarem entre eles e os seus trabalhadores a figura de empreiteiro, uma espécie de empresário do trabalho alheio. Finalmente, com os moradores, foi sendo eliminada a prática de concessão de sítios e as obrigações que dela eram solidárias.
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    não tem como comprar no barracão e o "morador", uma vez ilegalizada (ilegitimidade) a "sujeição", ganha uma alternativa para a colocação de seus produtos.
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    a pequena produção foi estimulada, apesar das condições favoráveis à expansão canavieira e da expansão efetiva dos canaviais no período. O preço da retomada da exploração da cana por alguns antigos senhores de engenho foi, muitas vezes, o retalhamento e venda de parte de suas propriedades. Por outro lado, as necessidades de capital de giro das usinas parecem tê-las levado a não imobilizarem capitais em terra. Os senhores de engenho, por sua vez, num segundo momento, expulsaram seus trabalhadores, viram-se a par com problemas de indenização que resolveram, frequentes vezes, com pagamento em terra. Em alguns casos surgiu a situação paradoxal de moradores, que nunca haviam tido sitio, uma vez na "rua", tornarem-se agricultores por conta própria em terra arrendada a senhor de engenho.
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    Em suma, parece ter havido uma abertura de mercado de terras que favoreceu a pequena exploração.
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    Carpina (sede de município em 1928) também parece ter tido seu desenvolvimento ligado ao crescimento das linhas de estrada de ferro, tornando-se ponto de entroncamento de dois ramais importantes. Por esse ou por outro motivo, a cidade também foi considerada, a exemplo de Palmares, como um "centro comercial".
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    , os arranjos sociais prevalecentes em uma e outra área parecem ser bastante diferentes. Além de Palmares ser considerada uma Zona "exclusivamente canavieira", apresenta uma concentração fundiária muito maior do que Carpina.
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    são figuras de um passado próximo e os foreiros ainda representam um grupo significativo.
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    Ainda que, se sairmos dos limites das estreitas divisões municipais, essas diferenças possam ser minimizadas, elas parecem ter alguma consistência quando se consideram as duas feiras. A menor distância entre os centros produtores de alimentos e as feiras fazem com que a presença de produtores diretos na feira de Carpina seja maior do que em Palmares, com que o transporte animal tenha uma importância grande e talvez, não sendo tão grande o problema de estocagem quanto em Palmares, que o grande comércio tenha uma menor importância no abastecimento das feiras.
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    especialmente nos boxes de carne verde no mercado municipal e nos setores de frutas e "verduras". Para outros produtos, entretanto, esses consumidores parecem dar preferência ao supermercado da cidade.
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    Quanto aos vendedores, só a presença de intermediários é a regra, as diferenças entre esses intermediários são muito grandes para que possamos considerá-las em conjunto. O cadastramento da feira de Palmares revelou que não apenas o comparecimento de produtores diretos ou de intermediários é, como se poderia esperar, muito maior nos setores onde se vendem alimentos, como, o que é menos óbvio, praticamente a totalidade de vendedores de manufaturados são profissionais que sempre foram feirantes ou, já tendo exercido atividades agrícolas, passaram, antes de se tornarem vendedores na feira, por uma qualquer ocupação "urbana". Em contrapartida, a grande maioria dos vendedores de farinha e cereais ou são agricultores ou são agricultores (ou trabalhadores rurais) que, saindo do campo, ingressaram diretamente no comércio.
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    , em Carpina, vindos do próprio município, em Palmares vindos dos "agrestes"
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    , do Agreste ou do norte de Alagoas. Raramente vendem apenas a sua própria produção. Via de regra, a farinha é deles, mas o milho, o arroz, certos tipos de feijão são comprados ou diretamente aos grossistas ou no mercado municipal. Em épocas em que não há farinha, por um motivo ou por outro, na área, atuam como simples intermediários. Mas, em geral, a farinha é dos "matutos". Vender diretamente na feira não é visto como uma coisa fácil. Há problemas de gastos de transporte e estocagem:
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    , a situação é bem diferente. Não há interferência do comércio estabelecido. É um setor relativamente "aberto". Segundo um verdureiro de Carpina, "verdura" é o mais barato que tem, não precisa de "capital". Isso significa uma maior presença de produtores diretos que, no entanto, ao que parece, é contrabalanceada pelas possibilidades maiores que abre aos intermediários pobres. Ainda mais que a regra é vender o produto o mais rápido possível. Como diz um produtor de verduras em Palmares
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    , diz um pequeno produtor.
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    Ainda que os matutos possam vender ao retalhista mais barato que no comércio, a determinação dos grupos de venda parece depender basicamente dos grossistas:
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    Na feira da farinha quase não há regateio em torno de preços. A concorrência entre vendedores parece se da basicamente em torno da qualidade do produto, que é manuseado por quase todos os compradores potenciais e em alguns casos provado. Algumas vezes os consumidores reclamam do preço, mas nunca pedem para baixá-lo. A única tentativa, que pudemos presenciar de resgatar preços, foi empreendida por uma mulher "rica" em Palmares, que, justificando-se diante de nós, por estar comprando às 11 horas da manhã do domingo, tentou convencer um grupo de feirantes-produtores do Agreste a lhe venderem mais barato. Foi ironizada pelos feirantes e desistiu bruscamente da compra. Os comentários que seguiram foram ainda mais agressivos e irônicos. Um desses feirantes disse então que:
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    Seja como for, a julgar pelo que afirmam os feirantes e pelo que podemos ver através da observação direta, a freguesia não parece ser uma prática muito difundida na venda a retalho. Segundo um velho fiscal, comprar na feira
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    E essa hierarquia, que parece um pouco refletir a própria "estrutura do consumo" socialmente determinada de trabalhadores rurais e sitiantes
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    , se faz presente nas decisões que são tomadas em cada setor:
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    O próprio barracão de engenho está sendo atingido.
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    Cada vez menos é um negócio do proprietário ou de usina. Cada vez mais a regra é o barracão arrendado e terceiros. O barraqueiro está deixando de ser o "rapaz jeitoso de confiança do patrão" do "tempo antigo" para ser cada vez mais um "comerciante", geralmente controlando vários barracões, em propriedades de um ou diferentes donos, morando muitas vezes na rua, onde pode ter ou não outros negócios. Ele não compra mais onde o patrão quer, mas onde lhe custe menos:
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    "E não é só em Palmares, é em todos esses lugarezinhos pequenos, como Batateira, que tem havido crescimento."
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    Esse crescimento das feiras não é linear. Feirantes e consumidores mencionam sempre um passado próximo em que "as coisas eram melhores", "quando o trabalhador tinha dinheiro na mão para comprar", ou um passado de ouro quando "se jogava fora as mercadorias porque a fartura era muito grande." Nem o crescimento da feira parece representar qualquer aumento do poder aquisitivo dos trabalhadores rurais e dos sitiantes. Ao contrário, seu crescimento parece acompanhar muito de perto as vicissitudes da própria história da área
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      18 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Jun 2014
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