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Um acontecimento, três jornais: processos de produção no Jornalismo latino-americano

An event, three newspapers: production processes in Latin American Journalism

Un acontecimiento, tres periódicos: procesos de producción en el Periodismo latinoamericano

Resumos

Nucleado por um acontecimento, o artigo tem por objetivo analisar os processos de produção que dão conta de sua materialidade jornalística. Trata-se do Angostura, crise colombo-equatoriana resultante do ataque do Exército colombiano a um acampamento das Farc localizado no Equador, em 1º de março de 2008. Com base no arcabouço dos estudos do acontecimento jornalístico, constatam-se fluxos do acontecimento e do Jornalismo (no espaço, entre editorias e sistemas informativos). Considera um conjunto de notícias sobre o acontecimento dos jornais latino-americanos O Estado de S.Paulo, El Tiempo e El Comercio, publicadas em 2008 e 2009. Por meio de uma análise da materialidade discursiva (FOUCAULT, 2005; GUILHAUMOU, 2002), identifica em que medida o acontecimento desestabiliza a ordem dos jornais e como, ao fazer trabalhar o acontecimento, o Jornalismo também se organiza.

Jornalismo; Acontecimento; Conflito; Espaço; América Latina


With an event at its core, this paper aims to analyze the production processes that account for its journalistic materiality. It addresses the Angostura, the Colombia-Ecuador crisis that followed the attack by the Colombian army to a FARC camp located in Ecuador in March 1st, 2008. Based on the framework of news event studies, flows of the event and of Journalism were noticed (in the space, between newspaper sections and information systems). This work considers a set of news published between 2008 and 2009 in the Latin American newspapers O Estado de S.Paulo, El Tiempo and El Comercio. Through an analysis of the materiality of discourse (FOUCAULT, 2005; GUILHAUMOU, 2002), it identifies the extent to which the event can unsettle the newspapers' order. In the other hand, when it is forced to work with the event, the Journalism also organizes itself.

Journalism; Event; Conflict; Space; Latin America


Nucleado por un acontecimiento, el artículo tiene como objetivo analizar los procesos de producción responsables por su materialidad periodística. Tratase del Angostura, crisis colombo-ecuatoriana resultante del ataque del Ejército colombiano a un campamento de las Farc en el Ecuador, en el 1º de marzo de 2008. Con base en el marco de los estudios del acontecimiento periodístico, se identifican los flujos del acontecimiento e del periodismo (en el espacio, entre las secciones y los sistemas informativos). Considera una serie de noticias acerca del acontecimiento de los periódicos latinoamericanos O Estado de S.Paulo, El Tiempo y El Comercio, publicados en 2008 y 2009. A través de un análisis de la materialidad discursiva (FOUCAULT, 2005; GUILHAUMOU, 2002), identifica el grado en que el acontecimiento desestabiliza el orden de los periódicos y cómo al hacerlo trabajar, el Periodismo también se organiza.

Periodismo; Acontecimiento; Conflicto; Espacio; América Latina


ARTIGOS

SISTEMAS DOS MEIOS E A INFORMAÇÃO CONTROLADA

Um acontecimento, três jornais: processos de produção no Jornalismo latino-americano* * Versão revista de trabalho apresentado no 10º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo.

An event, three newspapers: production processes in Latin American Journalism

Un acontecimiento, tres periódicos: procesos de producción en el Periodismo latinoamericano

Angela Zamin

Jornalista e professora visitante do Departamento de Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (Fafich/UFMG), Belo Horizonte-MG, Brasil. Doutora em Ciências da Comunicação pela Unisinos. Membro do GPJor (CNPq/Unisinos). E-mail: angelazamin@gmail.com

RESUMO

Nucleado por um acontecimento, o artigo tem por objetivo analisar os processos de produção que dão conta de sua materialidade jornalística. Trata-se do Angostura, crise colombo-equatoriana resultante do ataque do Exército colombiano a um acampamento das Farc localizado no Equador, em 1º de março de 2008. Com base no arcabouço dos estudos do acontecimento jornalístico, constatam-se fluxos do acontecimento e do Jornalismo (no espaço, entre editorias e sistemas informativos). Considera um conjunto de notícias sobre o acontecimento dos jornais latino-americanos O Estado de S.Paulo, El Tiempo e El Comercio, publicadas em 2008 e 2009. Por meio de uma análise da materialidade discursiva (FOUCAULT, 2005; GUILHAUMOU, 2002), identifica em que medida o acontecimento desestabiliza a ordem dos jornais e como, ao fazer trabalhar o acontecimento, o Jornalismo também se organiza.

Palavras chave: Jornalismo. Acontecimento. Conflito. Espaço. América Latina.

ABSTRACT

With an event at its core, this paper aims to analyze the production processes that account for its journalistic materiality. It addresses the Angostura, the Colombia-Ecuador crisis that followed the attack by the Colombian army to a FARC camp located in Ecuador in March 1st, 2008. Based on the framework of news event studies, flows of the event and of Journalism were noticed (in the space, between newspaper sections and information systems). This work considers a set of news published between 2008 and 2009 in the Latin American newspapers O Estado de S.Paulo, El Tiempo and El Comercio. Through an analysis of the materiality of discourse (FOUCAULT, 2005; GUILHAUMOU, 2002), it identifies the extent to which the event can unsettle the newspapers' order. In the other hand, when it is forced to work with the event, the Journalism also organizes itself.

Keywords: Journalism. Event. Conflict. Space. Latin America.

RESUMEN

Nucleado por un acontecimiento, el artículo tiene como objetivo analizar los procesos de producción responsables por su materialidad periodística. Tratase del Angostura, crisis colombo-ecuatoriana resultante del ataque del Ejército colombiano a un campamento de las Farc en el Ecuador, en el 1º de marzo de 2008. Con base en el marco de los estudios del acontecimiento periodístico, se identifican los flujos del acontecimiento e del periodismo (en el espacio, entre las secciones y los sistemas informativos). Considera una serie de noticias acerca del acontecimiento de los periódicos latinoamericanos O Estado de S.Paulo, El Tiempo y El Comercio, publicados en 2008 y 2009. A través de un análisis de la materialidad discursiva (FOUCAULT, 2005; GUILHAUMOU, 2002), identifica el grado en que el acontecimiento desestabiliza el orden de los periódicos y cómo al hacerlo trabajar, el Periodismo también se organiza.

Palabras clave: Periodismo. Acontecimiento. Conflicto. Espacio. América Latina.

Do estudo do acontecimento

Os modos de objetivação jornalística contêm a organização, a experiência e a interpretação do "mundo diante de si" (GROTH, 2011). Vinculados aos interesses organizacionais, todavia, são suscetíveis aos espaços do mundo vivido e aos acontecimentos que neles irrompem e contrariam a "normalidade" cotidiana. Do conjunto, alguns possuem alto grau de conflitividade e mobilizam o Jornalismo enquanto seu campo não cessa de se atualizar. O presente artigo faz trabalhar um destes acontecimentos a partir de seu ingresso em três jornais latino-americanos de referência, o brasileiro O Estado de S.Paulo, o colombiano El Tiempo e o equatoriano El Comercio. 1 1 Abordar teoricamente a proposição de nomeá-los como "de referência" se faz necessário para justificar a escolha dos jornais, bem como compreender a ambiência de produção e as relações que mantêm com o social. Estes jornais têm influência sobre a opinião pública de seus países; possibilitam que líderes políticos e de instituições sociais e associações representativas se expressem; servem de referência para outros meios de comunicação, interna e externamente; têm interesse por questões internacionais; são lidos por uma elite formadora de opinião (ZAMIN e MAROCCO, 2010). Trata-se do Angostura2 2 A denominação Angostura (1) indica um lugar localizável no mapa, o local do ataque do Exército às Farc; (2) em espanhol arcaico, significa tristeza, angústia e fadiga, referentes que reforçam a ideia de que o acontecimento está na experiência daquele que o sofre, que o enfrenta, que reage a ele. , forma como denomino a crise colombo-equatoriana desencadeada a partir da incursão do Exército colombiano em território equatoriano, em 1º de março de 2008, com a finalidade de desmantelar o posto das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) sob comando de Raúl Reyes3 3 Raúl Reyes (1948 - 2008), cujo nome era Luís Edgar Devia Silva, ingressou nas Farc nos anos 70, depois de atuar como sindicalista. Realizou estudos em Berlim e Moscou como enviado da organização. Porta-voz internacional, incentivou a criação do Secretariado das Farc (do qual era o número 2) e de uma comissão para estabelecer laços com partidos de esquerda, sindicatos e organizações internacionais. .

A designação Angostura abarca o conjunto de elementos que se justapõem no e a partir do acontecimento: a operação militar, a morte de Reyes, a invasão do Equador, as relações das Farc, a crise diplomática etc. O estudo de doutoramento do qual este artigo é um apanhado, nucleado pelo acontecimento Angostura, se dedica aos processos de produção e ao discurso que dão conta de sua materialidade jornalística4 4 Em Zamin e Marocco (2010) são identificadas três vertentes de estudo dos acontecimentos jornalísticos: (1) exógena, de crítica ao trabalho de mapeamento do presente realizado pelo Jornalismo; (2) disciplinar, dedicada aos processos de produção jornalísticos a partir de um acontecimento ou conjunto deles; (3) na interface com a Filosofia, que trabalha aquele acontecimento que permite reconhecer uma época. ao buscar responder como se materializam no acontecimento jornalístico os múltiplos processos que constituem o fato estudado e o que seu ingresso no Jornalismo diz sobre o próprio Jornalismo e seus fazeres. Trata-se de uma reflexão a partir do reconhecimento de que cabe ao Jornalismo a tarefa de reordenar e produzir sentidos acerca dos acontecimentos do mundo. Ou de que é de sua competência mostrar ao mundo o que nele é acontecido.

Visando a compreender os processos que permitiram aos jornais elaborar o acontecimento da forma como o fizeram, objetivo central do trabalho, realizamos uma análise da materialidade discursiva do Angostura (FOUCAULT, 2005; GUILHAUMOU, 2002). O arquivo reúne notícias que tratavam do acontecimento, publicadas entre março de 2008 e agosto de 2009, sendo 307 do Estado, 406 do El Tiempo e 503 do El Comercio e os aciona por três recortes: (1) a primeira semana de cobertura, (2) o primeiro mês; (3) e os 18 meses. Considera-se que este conjunto possibilita estudar a produção do Angostura por um corpus discursivo que contém a unidade jornalística de cada jornal acerca do acontecimento.

Observados os fluxos do Angostura, o artigo se volta aos movimentos do Jornalismo em direção a eles. O primeiro, dos jornais em direção aos espaços nos quais o acontecimento tem existência; o segundo, do Jornalismo aos espaços do Jornalismo. O artigo trabalha, ainda, a conjunção destes fluxos no interior dos jornais.

Fluxos do acontecimento

A morte de Raúl Reyes ingressa nos jornais como "o" acontecimento, aquele que irrompe como desestabilizador e tem sentido histórico. Para tal compreensão, o Angostura precisa ser inscrito no conflito interno colombiano. Também por esta inscrição é possível ilustrar seu poder hermenêutico (QUÉRÉ, 2005), qual seja, deslocar para o exterior o conflito que antes era interno. Angostura provocou um corte na serialidade jornalística - que apesar do interesse pelo surpreendente, estrutura-se a partir da presumida normalidade cotidiana - , porque contém o inesperado, a infração, a morte, a notabilidade, a relevância, o conflito, a violência. A ação do Exército colombiano, ainda que planejada por este, é inesperada tanto para quem sofre como para quem a acessa; assim como a invasão do território equatoriano, que ainda pode ser lida como infração. À morte vincula-se a notoriedade do morto, além da violência e excepcionalidade de sua ocorrência, porque pela primeira vez, em mais de 40 anos de conflito, um membro do Secretariado das Farc foi abatido pelo Exército.

El Tiempo destaca no dia posterior ao ataque, 2 de março, que o resultado da ação militar instituiu um "golpe al corazón de las Farc", também desta forma reconhecido pelo equatoriano El Comercio, que vê a "Colombia movilizada por la muerte de Raúl Reyes". Estes jornais centram a narrativa do acontecimento na provável desestabilização das Farc a partir desta morte, insinuando ser social e politicamente relevante para a Colômbia em razão disso. O Estado de S.Paulo acentua mais um aspecto do acontecimento neste momento inaugural, o de contribuir, em meio à ambiência do conflito colombiano, para a legitimação de instituições como o Exército e o governo.

No dia seguinte, porém, a morte de Reyes cede espaço para a invasão do território equatoriano, por uma parte, e para as denúncias de nexos entre as Farc e o governo do Equador, por outra. Os jornais, por seus interesses informativos ou pelas horas de fechamento, abordam em momentos distintos e de maneira diferenciada estes dois aspectos: o Estado trata da reação do Equador diante da violação à soberania e apenas no dia 4 das denúncias vindas da Colômbia; El Tiempo dedica-se aos nexos das Farc com os governos do Equador, Venezuela e Nicarágua, além de outras questões oriundas dos "supostos" computadores portáteis de Reyes, recolhidos após a ação do Exército; e El Comercio aborda tanto as reações do governo de seu país à invasão, como as denúncias que surgem na Colômbia.

O acontecimento passa a se mostrar como relevante não apenas para a Colômbia, mas também para os países afetados pela crise diplomática instaurada, dada a latente conflitividade do ocorrido. Assim, pelos modos de dizer o acontecimento, começa a se insinuar o deslocamento do conflito do âmbito interno, colombiano, para o externo, regional, e a se desvelar os campos problemáticos que irrompem com o Angostura. A morte, a invasão e os nexos com as Farc, sobrepostos ou não, levam à crise colombo-equatoriana que se mantém na esfera política e nos jornais por mais de 18 meses.

Neste período, tanto o governo como a imprensa colombianos (e de outros lugares, como o espanhol El País) passam a atribuir aos computadores do guerrilheiro Reyes uma gama de informações: negociações de armas, estratégias da organização, informações sobre sequestrados etc. Nota-se que tais informações começam a ser divulgadas pelo governo colombiano quando o interesse jornalístico desloca-se da morte de Raúl Reyes para a invasão do Equador. Acionado pela Colômbia, o conteúdo dos computadores passa a exercer papel fundamental no conflito, corroborando, desta forma, para sua manutenção na política, no social e na imprensa.

Além destes, o conteúdo de outros computadores serão auxiliares na permanência do Angostura no tempo: o de Ivan Ríos,5 5 Ríos foi assassinado por um membro da sua própria força de segurança, que entregou ao Exército as mãos e o computador pessoal do guerrilheiro. membro da cúpula das Farc, assim como o de Reyes, cuja morte foi anunciada pela Colômbia no dia 7 de março de 2008; e os três da guerrilheira Sandra, capturada em maio de 2009. Segundo El Tiempo, estes continham vários vídeos nos quais "Mono Jojoy",6 6 Figura mítica da guerrilha, morto em setembro de 2010 pelo Exército. chefe militar das Farc, fala à tropa. Em um deles reconhece que "los secretos de las Farc se han perdido totalmente en la incautación de los computadores del camarada 'Raúl".7 7 VIDEO de 'Jojoy' reavivó el tema sobre la supuesta ayuda de las Farc a la campaña de Rafael Correa. El Tiempo, Justicia, Bogotá, 17 jul. 2009. Disponível em: < http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-564480>. Justificando a relação entre os computadores de Sandra e Reyes, destaca que "esas palabras, en boca del hombre fuerte de las Farc, representan un fuerte espaldarazo a la autenticidad de los archivos de esos computadores".

Fluxos do Jornalismo

Os fluxos do Jornalismo no espaço dependem das estruturas e interesses de cada empresa jornalística, ao mesmo tempo em que visam a responder aos acontecimentos no mundo vivido. Pelo estudo da produção do Angostura, identificam-se dois movimentos complementares: o primeiro, do Jornalismo em direção aos espaços em que o acontecimento e seus "aconteceres" têm existência, enquanto modo de aproximação dos seus fluxos; o segundo, dos jornais aos jornais (e a outros media), como operação no interior dos sistemas informativos, que permite acessar os modos como o acontecimento ingressa em outros meios e como estes se ocupam dele e o dotam de sentido.

a) Redes informativas

O primeiro movimento se deve ao acionamento das redes informativas (TUCHMAN, 1983; FISHMAN, 1983) de cada jornal. Nesta análise foram examinados os textos (notícias) de março de 2008, conforme segue:

- O Estado de S.Paulo:

O acontecimento ingressa no Estado por meio dos despachos da AP, AFP e Reuters; somente no dia seguinte passam a aparecer os repórteres do jornal. No dia 4, passa a ser empregada a cartola (chapéu) Tensão na fronteira e é acionada a rede informativa no exterior. Interessante perceber os mecanismos que permitem ligar a fronteira colombo-equatoriana a Paris ou Genebra. Jamil Chade, correspondente na Suíça, traz as repercussões do ocorrido durante a reunião do Conselho de Direitos Humanos da ONU. Andrei Netto, de Paris, na função de "Enviado para o Estado", uma espécie de free-lancer, sem um evento pontual para cobrir, estabelece a ligação "indireta" França-Angostura ao tratar da relação do país com Raúl Reyes visando à libertação da franco-colombiana Ingrid Betancourt.

No dia seguinte, à rede informativa fixada a priori se justapõe a provisória. Dela participam os repórteres Ruth Costas e Expedito Filho, enviados à Colômbia e ao Equador, respectivamente. São esses deslocamentos que passam a ganhar destaque no jornal. A permanência da cartola Tensão na fronteira corresponde à presença deles no exterior. A ligação "indireta" mantém-se neste dia quando mais uma vez Andrei Netto trata das relações França-Farc. No dia 6, o jornalista Lourival Sant'Anna, enviado especial que acompanha em Madri as eleições para primeiro-ministro espanhol, opta por movimento semelhante ao relacionar ETA e Farc.

No dia 7, apesar do enviado no Equador, é a partir de despachos de agências que o Estado traz as reações do governo deste país à resolução aprovada pela OEA sobre o ocorrido. Outro texto detalha os próximos procedimentos da entidade, como a visita de comissão verificadora à Colômbia e ao Equador, a produção de um relatório e a reunião de chanceleres, no dia 17, em Washington. São antecipados, assim, acontecimentos que visam a reordenar o mundo alterado pela irrupção do Angostura. Por outro lado, antecipam ao Jornalismo movimentos que terá de realizar para transpô-los aos jornais.

Para tratar no dia 8 da Reunião do Grupo do Rio, em Santo Domingo, República Dominicana, o Estado utiliza-se de agências e de seus repórteres sem, contudo, tê-los enviado ao encontro. A partir do dia 10, sob a cartola América Latina, ainda é significativo o volume de informações produzidas sobre o Angostura, em sua maioria de agências. A reunião de chanceleres da OEA em Washington é tratada pela correspondente do jornal, lá sediada, Patrícia Campos Mello.

Identificam-se, ainda, os trajetos dos enviados especiais na Colômbia e Equador, indicados na abertura dos textos. Ruth Costas assina de Bogotá e de Cúcuta, fronteira com a Venezuela, e Expedito Filho de Quito, além de Angostura e Lago Agrio, província de Sucumbíos, próximo à Colômbia.

- El Tiempo:

Como o acontecimento é provocado pela Colômbia, poucos movimentos da rede informativa de El Tiempo são suficientes para dar conta das ocorrências externas. O primeiro deles é da correspondente free-lancer em Quito, Maggy Ayala Samaniego, que explica no dia 2 como o presidente do Equador, Rafael Correa, soube do ocorrido na fronteira. No dia 3, ingressa o correspondente free-lancer Pedro Pablo Peñaloza, de Caracas, que se ocupa das reações de Hugo Chávez. No terceiro dia outro integrante da rede informativa do jornal é acionado, o correspondente em Washington, Sérgio Gómez - que também produz para o Grupo Diários América (GDA) - , para tratar das reuniões na ONU e na OEA. De 17 a 19 de março Gómez faz a cobertura da reunião da OEA.

A correspondente free-lancer em Quito retorna no dia 11 de março ao assinar texto sobre o alerta feito pelo presidente colombiano a seu par mexicano, durante a reunião do Grupo do Rio, sobre os avanços das Farc naquele país. Este é o primeiro texto de correspondente e/ou enviado que ingressa na editoria de Política; os demais, até aqui, haviam sido apresentados nas páginas de Primer Plano (posteriores à capa). No dia 25, a jornalista, trata de novo episódio da crise ocasionado pela confirmação da morte de um equatoriano em 1º de março.

El Tiempo desloca para o exterior apenas um repórter, o editor político Edulfo Peña que participa da reunião do Grupo do Rio, dia 8, na República Dominicana, e da coletiva de imprensa do presidente Chávez, em Caracas, dia 26. Outro deslocamento, agora interno, ocorre no dia 12, quando o repórter Andrés Gómez é enviado à região do ataque, para acompanhar a visita da comissão da OEA.

- El Comercio:

O correspondente em Bogotá, Carlos Rojas, ingressa no primeiro dia de cobertura, dia 2. No segundo, quando a invasão configura-se no acontecimento para o Jornalismo de El Comercio, Rojas ocupa-se do pedido de desculpas e das acusações do governo colombiano à chefia equatoriana; de como o anúncio da expulsão do embaixador colombiano em Quito foi recebida em Bogotá e da denúncia de nexos entre as Farc e o governo equatoriano, a partir dos computadores de Reyes.

No dia 4, o correspondente e a Redação de Justiça abordam as acusações colombianas contra o ministro da Segurança equatoriano, Gustavo Larrea; enquanto a de Política trata da decisão do governo equatoriano de romper relações diplomáticas com a Colômbia em razão da agressão à soberania e das denúncias de nexos com a guerrilha. Informa, ainda, de visitas iniciadas naquela data pelo presidente Rafael Correa aos países da região, que se descobre, no dia seguinte, ser acompanhadas pelo editor de Justiça, Arturo Torres, na função de enviado especial. Informações sobre a mobilização de militares equatorianos na fronteira chegam pelas redações de Nueva Loja, Tulcán e Esmeraldas, mostrando como a dimensão assumida pelo acontecimento, que passa da morte de Reyes à agressão ao território, leva El Comercio a se mover interna e externamente a partir desta data.

O enviado acompanha os movimentos do presidente equatoriano pela América Latina. O mandatário passa por Lima, no dia 4, Brasília e Caracas, dia 5, Manágua e Panamá, 6, e participa do Grupo do Rio, em Santo Domingo. No Peru e no Brasil, o enviado ocupa-se, sobretudo, da repercussão do acontecimento na imprensa destes países.

A cobertura da reunião da OEA, no dia 17, em Washington é realizada a partir de dois deslocamentos, da correspondente do jornal em Nova York, Olga Imbaquingo, e do enviado especial Martín Pallares. Comumente El Comercio utiliza-se dos serviços do correspondente de El Tiempo em Washington, que produz despachos para os membros do GDA. Nesta situação, porém, faz trabalhar sua própria rede informativa. Nos dias que antecedem a reunião os despachos de Imbaquingo a localizam em Nova York. Nos dia 18 e 19, quando da cobertura do encontro de chanceleres, aparece a designação "Desde Washington". Assim como Arturo Torres, Pallares e Imbaquingo ocupam-se também da atuação da imprensa frente aos acontecimentos.

b) Meios-fonte

Os Meios de Comunicação, de modo geral, auxiliam no acesso ao acontecimento, possibilitando "tomar de empréstimo" (NOVAIS, 2010) informações. A apropriação do conteúdo de um meio por outro, sinalizada no interior do texto jornalístico, faz com que ingressem como meios-fonte (BORRAT, 1989), auxiliares do relato, como parte das operações do próprio sistema (ZAMIN, 2011). Nos textos analisados, identifica-se que às marcas que explicam as operações dos jornais ("disse ao Estado", "o Estado teve acesso", "este diario habló", "El Comercio accedió", "dijo El Tiempo"), indicativo da autorreferencialidade, somam-se aquelas que esclarecem as processualidades dos outros meios ("segundo a revista Cambio"; "matéria publicada pelo jornal El Tiempo"; "afirmou em entrevista ao jornal El País"; "el diario 'El Comercio' tituló"; "RCN asseguró"; "publicada ayer por el diario colombiano El Comercio"; "en una entrevista que publicó el diario El Clarín"). Verifica-se, também, que as agências são deslocadas, em certos momentos, para o interior dos textos, deixando de figurar na assinatura.

Nos jornais analisados, o emprego de meios-fonte deve-se a quatro operações: (1) "tomar de empréstimo" declarações que aparecem em outros meios, obtidas por entrevista ou em coletiva de imprensa, em transcrição literal indicada pelo uso de aspas ou em paráfrase ("dijo Santos en declaraciones que reprodujo este domingo el diario 'O Estado de São Paulo'"8 8 COLOMBIA entregó a Brasil datos reservados sobre contactos de las Farc en ese país. El Tiempo, Política, Bogotá, 28 jul. 2008. Disponível em: < http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4399816>. ); (2) apresentar afirmações dos outros meios ("reseñó ayer el diário bogotano El Tiempo"9 9 LA DEMANDA en La Haya, en carpeta. El Comercio, Política, Quito, 31 mar. 2008. Disponível em: < http://www.elcomercio.com/noticias/demanda-carpeta_0_164385647.html>. ); (3) indicar operações ("Las declaraciones de Uribe se produjeron en una entrevista telefónica con radio Sonorama"10 10 SEGÚN Uribe, no hay problemas con Ecuador. El Comercio, Política, Quito, 26 abr. 2008. Disponível em: < http://elcomercio.com/noticias/Uribe-problemas-Ecuador_0_164987566.html>. ) ou escolhas ("La confirmación de la noticia por parte del Ejército colombiano no evitó que 'La Prensa' de Panamá citara a Anncol"11 11 PRENSA internacional, entre la cautela y el escepticismo. El Tiempo, Primer Plano, Bogotá, 25 maio 2008. Disponível em: < http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM-2949687>. ); (4) e como recurso de arquivo ("Apareció por primera vez en 1998 [...] entrevistado por el diario 'Der Jungen Welt', de Alemania"12 12 CUATRO españoles, un danés, dos italianos y un australiano, fichas de las Farc en el exterior. El Tiempo, Justiça, Bogotá, 3 ago. 2008. Disponível em: < http://www.eltiempo.com/archivo/documento/CMS-4424460>. ou "La revista Semana, en el 2006, aseguró que"13 13 ROJAS, Carlos. Uribe es disciplinado y apegado a la tradición. El Comercio, Mundo, Quito, 11 ago. 2008. Disponível em: < http://www.elcomercio.com/noticiaEC.asp?id_noticia=213099&id_seccion=5>. ).

Quadro 1 – Presença de meios-fonte

Na cobertura de O Estado de S.Paulo, em 72 textos aparecem um ou mais Meios de Comunicação como fonte da informação trazida pelo jornal. Nele, ingressam 32 meios e seis agências.14 14 Em artigo anterior trato dos meios-fonte no Estado (ZAMIN, 2011). No El Tiempo, em 76 textos aparecem meios-fonte. Como em muitos textos há mais de um - são 32 os citados - , ao todo são 81 os recortes textuais que indicam outro meio jornalístico como origem da informação. Já no El Comercio, identifica-se a presença de meios-fonte em 113 textos. Neste, são 138 as citações, que fazem referência a 38 meios e oito agências. Nos três jornais, além de agências transnacionais, ingressam as regionais Agencia de Noticias Nueva Colombia (Anncol) e a Agencia Bolivariana de Noticias (ABN).

- O Estado de S.Paulo:

No Estado, a maioria dos recortes textuais refere-se a meios colombianos (46 das 72 ocorrências) e apenas um a equatoriano, o Canal Uno TV. Os colombianos que participam da rede informativa são os jornais El Tiempo e Hoy, as revistas Cambio e Semana, as rádios Radio Cadena Nacional (RCN), Caracol e W Radio e os canais de televisão RCN, Cable Noticias e Caracol TV. Do Brasil, são referidos a Globo e a revista Carta Capital, esta como recurso de arquivo.

- El Tiempo:

A produção do acontecimento em El Tiempo assenta-se, de modo preferencial, em meios equatorianos (28 ocorrências). El Comercio, El Universo, Expreso, Hoy, La Hora e El Telégrafo, são os

jornais equatorianos trazidos pelo colombiano. Destes, a presença de El Comercio é a mais expressiva, não apenas porque se ocupa dos modos como este produz o Angostura, mas também porque reverbera as críticas que faz ao governo do equatoriano Rafael Correa e as que dele recebe. Como resultado, identifica-se o Jornalismo como parte do conflito, porque nele se envolve ao replicar aquilo que é produzido em outros espaços informativos. Além dos jornais equatorianos, ingressam as rádios Ecuadorinmediato, Sonorama e Quito e as TVs Ecuavisa, TC Televisión e Teleamazonas. Da própria Colômbia ingressam as revistas colombianas Cambio, ligada ao El Tiempo, e Semana, concorrente direta da primeira, e as rádios Caracol, W e RCN. Três jornais brasileiros ingressam na cobertura, O Estado de S.Paulo, Folha de S.Paulo e O Globo.

- El Comercio:

Assim como no jornal brasileiro, é sobre a produção da imprensa colombiana que se voltará, prioritariamente, a atenção do equatoriano El Comercio. Em 57 recortes textuais, aparecem Meios de Comunicação colombianos, sendo 25 de jornais. Destes, 18 indicam o El Tiempo. Além dele são citados dois diários regionais, El País e Diario del Sur, e o jornal de referência El Espectador. As revistas Cambio e Semana, colombianas, são as únicas que aparecem. O jornal traz, ainda, as rádios colombianas RCN, Radio Bogotá e La FM e o canal de televisão RCN. Do próprio Equador ingressam os jornais El Universo e La Hora e as rádios Sonorama, Ecuaradio, Atalaya e Democracia. Os canais de televisão mais citados são os equatorianos Teleamazonas, Ecuavisa, Gama TV (Gamavisión) e Telecentro. Do Brasil aparecem apenas O Estado de S.Paulo e Folha de S.Paulo.

Os movimentos no âmbito da produção, dos jornais aos jornais, evidenciam que esta não visa apenas a acessar o acontecimento, porque tanto os meios que estão distantes, como o Estado, como os que estão próximos utilizam-se desta operação. Ir ao Jornalismo, no contexto do Angostura, significa observar como este vinha sendo acolhido, interpretado, construído pelos outros meios. A Ilustração 1 indica a circulação no âmbito da produção entre os jornais analisados e a espessura das setas é indicativa do maior ou menor número de informações "tomadas de empréstimo".

Ilustração 1
- Circulação na esfera da produção do Angostura

Fluxos do acontecimento e do Jornalismo

Percebe-se que em El Tiempo e El Comercio o acontecimento, por suas características, não se encontra cingido numa editoria. Neles, Angostura ocupa todos os espaços dos jornais. Verifica-se ainda que ele transita por entre esses lugares porque, por uma parte, solicita ser compreendido por várias entradas e, por outra, é dependente dos sentidos que vão sendo propostos e pelos dizeres de toda ordem que o Jornalismo convoca durante a cobertura.

- O Estado de S.Paulo:

O acontecimento se dá a ver sempre na editoria de Internacional, respeitando a lógica pré-estabelecida de que este é o espaço que reúne "a notícia que não é nossa". Nos dois primeiros dias, como já referido, o acontecimento aparece sob a cartola América Latina, empregada ao tratar de qualquer assunto relacionado ao subcontinente. Entre os dias 4 e 9 de março, o jornal adota o selo de cobertura Tensão na fronteira, um claro indicativo de que o acontecimento não cabe no ordenamento anteriormente estabelecido; ele solicita outra abordagem para que possa ser compreendido.

- El Tiempo:

A cobertura apresenta-se, inicialmente, nas páginas de Primer Plano, na qual são tratados acontecimentos e temas de maior atualidade e relevância editorial. No impresso, ela corresponde à página 2, preferencialmente. Nota-se que enquanto o acontecimento é a morte de Raúl Reyes e as denúncias de nexos com o governo equatoriano, respectivamente, nos dias 2 e 3 de março, apenas a editoria de Primer Plano consegue abarcá-lo. A partir do terceiro dia, quando a crise instaurada entre Equador e Colômbia passa a constituir o acontecimento, o Angostura começa a ocupar outros espaços do jornal. Ao deslocar o conflito, que deixa de ser apenas interno e colombiano para se tornar um conflito regional, o acontecimento precisa ser disposto nos espaços-saberes que permitam dar conta de suas especificidades.

Apesar de se mover para o exterior, o conflito não deixa de ser colombiano, porque o governo está diretamente implicado em sua origem e na sua resolução. Ao tratar do que está mais próximo, ou seja, os movimentos do governo diante da crise, o jornal o mantém na editoria de Primer Plano. Importante salientar que no diário há a editoria Nación (Nacional), mas esta não é empregada na cobertura do acontecimento.

Nos dias 4, 5 e 6, as informações que se referem às Farc aparecem em Política ou Justiça. No primeiro caso estão os textos que tratam das vitórias do governo colombiano sobre a guerrilha - "Segundo golpe a Secretariado das Farc en una semana"15 15 SEGUNDO golpe a Secretariado das Farc en una semana. El Tiempo, Política, Bogotá, 8 mar. 2008. Disponível em: < http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM-2855165>. - ou que envolvem outros países - "El mundo, preocupado por la crisis"16 16 EL MUNDO, preocupado por la crisis. El Tiempo, Política, Bogotá, 4 mar. 2008. Disponível em: < http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM-2849975>. e "Polémica por idea de Uribe de denunciar a Chávez en la Corte".17 17 POLÉMICA por idea de Uribe de denunciar a Chávez en la Corte. El Tiempo, Política, Bogotá 5 mar. 2008. Disponível em: < http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM-2851034>. Em Justiça estão os fatos que envolvem a organização guerrilheira e suas ações - "Jefes de Farc sufren paranoia por CIA, DEA y bombardeos"18 18 JEFES de Farc sufren paranoia por CIA, DEA y bombardeos. El Tiempo, Justiça, Bogotá, 5 mar. 2008. Disponível em: < http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM-2852387>. e "Rastro de ETA en PC de 'Reyes'".19 19 RASTRO de Eta en PC de 'Reyes'. El Tiempo, Justiça, Bogotá, 7 mar. 2008. Disponível em: < http://www.eltiempo.com/archivo/documento/MAM-2853624>.

O acontecimento volta às páginas de Primer Plano no dia 8 de março, quando da cobertura do acordo que colocava fim à crise regional,20 20 Apesar deste primeiro acordo entre os mandatários dos países envolvidos na crise, Equador e Colômbia não retomaram as relações neste momento, que permaneceram suspensas até novembro de 2009. firmado durante a reunião na República Dominicana. Como se acreditava ter chegado a uma resolução para o conflito, El Tiempo desloca novamente o Angostura fazendo-o retornar ao lugar, no espaço do jornal, de seu aparecimento.

- El Comercio:

Sem uma editoria específica para tratar de temas de maior relevância como o El Tiempo, o jornal equatoriano aborda o acontecimento em suas páginas de Política e Justiça, especialmente. No primeiro dia de cobertura quando a morte de Raúl Reyes é o acontecimento que irrompe e precisa ser interpretado discursivamente pelo Jornalismo, é na editoria de Justiça que ele será tratado. Nesse momento a morte ingressa como questão judicial, que por suas condições de produção, não poderia ser tratada sob a rubrica Mundo.

Quando o acontecimento passa da morte (que interessa à Colômbia) à violação do território equatoriano, no segundo dia, e à crise entre os países, no terceiro, El Comercio o apresenta prioritariamente na editoria de Política. Em algumas ocasiões, durante a cobertura do conflito colombo-equatoriano, o jornal parece operar em termos de causa-efeito ou ação-reação, optando por tratar do "efeito" no espaço em que a "causa" ingressou no dia anterior, como nos textos "Colombia acusa a presidente Rafael Correa de compromisos con las Farc"21 21 COLOMBIA acusa a presidente Rafael Correa de compromisos con las FARC. El Comercio, Política, Quito, 3 mar. 2008. Disponível em: < http://www.elcomercio.com/noticias/Colombia-Rafael-Correa-compromisos-FARC_0_164383839.html>. (dia 3 de março) e "Correa rompe relaciones con Colombia"22 22 CORREA rompe relaciones con Colombia. El Comercio, Política, Quito, 4 mar. 2008. Disponível em: < http://www.elcomercio.com/noticias/Correa-rompe-relaciones-Colombia_0_164384429.html>. (dia 4) ou "Ecuador insta a la OEA a verificar agresión" (dia 5)23 23 ECUADOR insta a la OEA a verificar agresión. El Comercio, Política, Quito, 5 mar. 2008. Disponível em: < http://www.elcomercio.com/noticias/Ecuador-insta-OEA-verificar-agresion_0_164384051.html>. e "Colombia evitó la condena en la OEA"24 24 COLOMBIA evitó la condena en la OEA. El Comercio, Política, Quito, 6 mar. 2008. Disponível em: < http://www2.elcomercio.com/solo_texto_search.asp?id_noticia=113577&anio=2008&mes=3&dia=6>. (dia 6).

Quando um terceiro país se envolve na crise colombo-equatoriana, por suas reações ou declarações, o texto ingressa em Política. O único texto da primeira semana de cobertura que aparece na editoria Mundo traz a resposta à tentativa equatoriana de envolver outros países no conflito. O texto refere-se ao Brasil e nele se lê: "El ministro de Defensa brasileño, Nelson Jobim, negó que haya bases de las Fuerzas Armadas Revolucionarias de Colombia (Farc) en Brasil, luego de que el presidente ecuatoriano Rafael Correa declaró que los guerrilleros pueden estar en este país"25 25 BRASIL niega que haya bases de las FARC en su territorio. El Comercio, Mundo, Quito, 6 mar. 2008. Disponível em: < http://www2.elcomercio.com/solo_texto_search.asp?id_noticia=113645&anio= 2008&mes=3&dia=6>. .

O aparente encerramento da crise, após a reunião do Grupo do Rio, aparece também em Política, porque diretamente relacionada aos interesses nacionais. O texto é assinado pelo editor de Justiça Arturo Torres, na condição de enviado especial. Nota-se que aqui o deslocamento é de outra ordem, do repórter de uma editoria que acaba inserindo-se em outra, porque aos fluxos do acontecimento se sobrepõem os fluxos do Jornalismo em meio à processualidades que possibilitam acessá-los e interpretá-los.

Considerações finais

O Angostura constituiu-se de modo fragmentado - num dia a morte; no outro, a invasão; no terceiro, a crise - , porque sua atipicidade estava também no modo de se apresentar. Quando de sua irrupção, estes elementos estavam lá contidos, mas só foram desvelados à medida que eram reconhecidos como tal por aqueles que eram afetados pelo seu campo de possíveis. Talvez isso explique, em parte, a dificuldade dos jornais em definir, inicialmente, como ele deveria ser apreendido, se pela violência da morte, pela invasão territorial ou pela conflitividade. Tanto a divisão dos espaços geográficos que interessam cobrir, como o reassentamento das coisas do mundo em editorias, depende dos acontecimentos nos espaços da vida e do modo como seus fluxos impactam no social, nas instituições, nos governos.

Ao mesmo tempo em que os acontecimentos do mundo vivido se impõem ao Jornalismo, por meio e a partir de seus fluxos, este se movimenta em direção a eles, em idas e vindas que não cessam de se atualizar enquanto dura o campo de possíveis dos primeiros e o interesse do segundo em observá-los, acolhê-los e interpretá-los. Ao movimentarem-se pelo "mundo diante de si", os jornais acionam suas redes informativas e as ajustam conforme a necessidade de deslocamento pelo espaço. Percebida como um conjunto de operações de identificação das coisas do mundo, tais redes abarcam, também, movimentos no interior do sistema produtivo, porque permitem observar e, inclusive, recortar modos de dizer os acontecimentos.

A observação dos jornais O Estado de S.Paulo, El Tiempo e El Comercio e a identificação dos movimentos pelos lugares concretos do mundo em direção ao acontecimento, permitiu visualizar em que medida o acontecimento desestabiliza a organização dos jornais, pré-definida e demarcada a partir dos limites de certas territorialidades. A força do Angostura reside também aí, ou seja, pelos modos como "tira" o Jornalismo de seu espaço, levando-o pelo mundo e pelo interior dos sistemas informativos para alcançar os fluxos que se interpõem e solicitam ser discursivamente ordenados.

É pela cobertura do acontecimento, atenta a seus fluxos, como a seu ingresso em outros meios, que o Jornalismo vai fixando-o em uma ou outra rubrica, enquanto espaço-saber auxiliar na compreensão do que ocorre no mundo. Todavia, a mudança do lugar do acontecimento no espaço dos jornais não indica necessariamente uma mudança na espacialização do conflito. O fato de o Angostura aparecer em diferentes editorias, bem como o deslocamento de jornalistas ou a busca de meios-fonte não constitui uma modificação na espacialização do conflito. Também nesta direção é possível inscrever a troca da cartola no Estado. Se por uma parte indica que o acontecimento não "cabe" em ordenamentos prévios, denotando, inclusive, certa expansão de sentidos; por outra, não significa uma ampliação que efetivamente venha a auxiliar na apreensão do conflito.

Ao fazer trabalhar o acontecimento, o Jornalismo também se organiza. Concretamente, elabora movimentos táticos e estratégicos para produzir o seu relato do ocorrido. Ainda que os acontecimentos se imponham como ruptura para o social e para o Jornalismo, este mantém suas operações de busca e de partilha de sentidos, adequando certos procedimentos, em determinados momentos, para dar conta da especificidade da ocorrência.

Recebido: 19/09/2012

Aceito: 04/04/2013

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  • FOUCAULT, Michel. A arqueologia do saber 7.ed. Rio Janeiro: Forense, 2005.
  • GROTH, Otto. O poder cultural desconhecido: fundamentos da Ciência dos Jornais. Petrópolis: Vozes, 2011.
  • GUILHAUMOU, Jacques. Le corpus em analyse de discours: perspective historique. Corpus, Nice, n.1, nov. 2002. Disponível em: <http://corpus.revues.org/index8.html>. Acesso em: 1 out. 2011.
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  • ZAMIN, Angela; MAROCCO, Beatriz. Vertentes dos estudos de acontecimento. In: BENETTI, Marcia; FONSECA, Virginia. Jornalismo e acontecimento: mapeamentos críticos. Florianópolis: Insular, 2010. p.97-120.
  • *
    Versão revista de trabalho apresentado no 10º Encontro Nacional de Pesquisadores em Jornalismo.
  • 1
    Abordar teoricamente a proposição de nomeá-los como "de referência" se faz necessário para justificar a escolha dos jornais, bem como compreender a ambiência de produção e as relações que mantêm com o social. Estes jornais têm influência sobre a opinião pública de seus países; possibilitam que líderes políticos e de instituições sociais e associações representativas se expressem; servem de referência para outros meios de comunicação, interna e externamente; têm interesse por questões internacionais; são lidos por uma elite formadora de opinião (ZAMIN e MAROCCO, 2010).
  • 2
    A denominação
    Angostura (1) indica um lugar localizável no mapa, o local do ataque do Exército às Farc; (2) em espanhol arcaico, significa tristeza, angústia e fadiga, referentes que reforçam a ideia de que o acontecimento está na experiência daquele que o sofre, que o enfrenta, que reage a ele.
  • 3
    Raúl Reyes (1948 - 2008), cujo nome era Luís Edgar Devia Silva, ingressou nas Farc nos anos 70, depois de atuar como sindicalista. Realizou estudos em Berlim e Moscou como enviado da organização. Porta-voz internacional, incentivou a criação do Secretariado das Farc (do qual era o número 2) e de uma comissão para estabelecer laços com partidos de esquerda, sindicatos e organizações internacionais.
  • 4
    Em Zamin e Marocco (2010) são identificadas três vertentes de estudo dos acontecimentos jornalísticos: (1) exógena, de crítica ao trabalho de mapeamento do presente realizado pelo Jornalismo; (2) disciplinar, dedicada aos processos de produção jornalísticos a partir de um acontecimento ou conjunto deles; (3) na interface com a Filosofia, que trabalha aquele acontecimento que permite reconhecer uma época.
  • 5
    Ríos foi assassinado por um membro da sua própria força de segurança, que entregou ao Exército as mãos e o computador pessoal do guerrilheiro.
  • 6
    Figura mítica da guerrilha, morto em setembro de 2010 pelo Exército.
  • 7
    VIDEO de 'Jojoy' reavivó el tema sobre la supuesta ayuda de las Farc a la campaña de Rafael Correa.
    El Tiempo, Justicia, Bogotá, 17 jul. 2009. Disponível em: <
  • 8
    COLOMBIA entregó a Brasil datos reservados sobre contactos de las Farc en ese país.
    El Tiempo, Política, Bogotá, 28 jul. 2008. Disponível em: <
  • 9
    LA DEMANDA en La Haya, en carpeta.
    El Comercio, Política, Quito, 31 mar. 2008. Disponível em: <
  • 10
    SEGÚN Uribe, no hay problemas con Ecuador.
    El Comercio, Política, Quito, 26 abr. 2008. Disponível em: <
  • 11
    PRENSA internacional, entre la cautela y el escepticismo.
    El Tiempo, Primer Plano, Bogotá, 25 maio 2008. Disponível em: <
  • 12
    CUATRO españoles, un danés, dos italianos y un australiano, fichas de las Farc en el exterior.
    El Tiempo, Justiça, Bogotá, 3 ago. 2008. Disponível em: <
  • 13
    ROJAS, Carlos. Uribe es disciplinado y apegado a la tradición.
    El Comercio, Mundo, Quito, 11 ago. 2008. Disponível em: <
  • 14
    Em artigo anterior trato dos meios-fonte no
    Estado (ZAMIN, 2011).
  • 15
    SEGUNDO golpe a Secretariado das Farc en una semana.
    El Tiempo, Política, Bogotá, 8 mar. 2008. Disponível em: <
  • 16
    EL MUNDO, preocupado por la crisis.
    El Tiempo, Política, Bogotá, 4 mar. 2008. Disponível em: <
  • 17
    POLÉMICA por idea de Uribe de denunciar a Chávez en la Corte.
    El Tiempo, Política, Bogotá 5 mar. 2008. Disponível em: <
  • 18
    JEFES de Farc sufren paranoia por CIA, DEA y bombardeos.
    El Tiempo, Justiça, Bogotá, 5 mar. 2008. Disponível em: <
  • 19
    RASTRO de Eta en PC de 'Reyes'.
    El Tiempo, Justiça, Bogotá, 7 mar. 2008. Disponível em: <
  • 20
    Apesar deste primeiro acordo entre os mandatários dos países envolvidos na crise, Equador e Colômbia não retomaram as relações neste momento, que permaneceram suspensas até novembro de 2009.
  • 21
    COLOMBIA acusa a presidente Rafael Correa de compromisos con las FARC.
    El Comercio, Política, Quito, 3 mar. 2008. Disponível em: <
  • 22
    CORREA rompe relaciones con Colombia.
    El Comercio, Política, Quito, 4 mar. 2008. Disponível em: <
  • 23
    ECUADOR insta a la OEA a verificar agresión.
    El Comercio, Política, Quito, 5 mar. 2008. Disponível em: <
  • 24
    COLOMBIA evitó la condena en la OEA.
    El Comercio, Política, Quito, 6 mar. 2008. Disponível em: <
  • 25
    BRASIL niega que haya bases de las FARC en su territorio.
    El Comercio, Mundo, Quito, 6 mar. 2008. Disponível em: <
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jun 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013

    Histórico

    • Recebido
      19 Set 2012
    • Aceito
      04 Abr 2013
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