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Harold Innis é traduzido para o Português

RESENHAS

Harold Innis é traduzido para o Português

* * Conserva-se o português de Portugal.

Filipa Subtil

Docente da Escola Superior de Comunicação Social, Instituto Politécnico de Lisboa, Lisboa-Portugal. Doutora em Ciências Sociais pelo Instituto Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

INNIS, Harold A. O viés da comunicação. Petrópolis (RJ): Vozes, 2011. 352p.

O Viés da Comunicação, tradução de The Bias of Communication, um livro de Harold A. Innis, publicado pela primeira vez em 1951, e que é hoje considerado canônico nos estudos da Comunicação e dos Media, está finalmente disponível em Língua Portuguesa, na colecção Clássicos da Comunicação Social, da Editora Vozes. A obra conta com uma apresentação de Antônio Hohlfeldt, coordenador da coleção, um prefácio de Luiz C. Martino, também responsável pela tradução e notas, e dois outros prefácios de acadêmicos canadenses. O Viés da Comunicação é composto por oito capítulos e dois apêndices. O volume está organizado a partir de duas temáticas principais: uma abordagem comunicacional da história e uma reflexão crítica sobre a situação da cultura e da tecnologia na primeira metade do século 20.

Innis é hoje um expoente clássico do pensamento canadense sobre Comunicação e Media, cujo trabalho é uma combinação de pesquisas teóricas e históricas de um alcance político pouco comum nas ciências da Comunicação. Doutorou-se em Economia Política na Universidade de Chicago, em 1920, onde foi atraído pelas análises desenvolvidas por economistas tão ecléticos como Frank H. Knight, C. M. Wright, John M. Clark e Thorstein Veblen. É só a partir de 1943 que começa a produzir um corpo de reflexão teórica e social diretamente orientado para a história da Comunicação, embora seu interesse por esta temática se pressentir já noutras pesquisas anteriores. Para além do livro agora traduzido, o seu trabalho específico sobre Comunicação e media deu origem a outras duas obras, que reúnem os seus principais ensaios sobre este tema ([1950] 19721; 1952)2.

No quadro da diversidade de tendências dos estudos comunicacionais, O Viés da Comunicação destaca-se por uma perspectiva vincadamente histórica, centrada no papel das tecnologias midiáticas e que considera estas uma força poderosamente constitutiva das civilizações. Innis, como poucos outros nas Ciências Sociais, privilegiava temáticas que implicavam o tempo longo. Para Innis, as tecnologias têm um impacto penetrante nas civilizações e, por esta razão, o seu estudo é central para compreender as transformações que nelas ocorrem. Todavia, as tecnologias, na sua concepção, são também produto das civilizações e, neste sentido, os modelos de comportamento, as práticas e os modos de conhecer de uma dada sociedade estão incorporados e simultaneamente incorporam os meios técnicos que nela predominam. Vai ainda mais longe quando argumenta que as tecnologias são meios, ou Media, por intermédio dos quais as civilizações se expandem, estabelecem contatos entre si e podem tomar a forma imperial. Na verdade, a sua definição para o termo é ampla e abrangente. Na sua acepção, os Media compreendem todas as formas de transporte não edificadas pelo ser humano, como rios, lagos, oceanos, cavalos etc., os meios com origem na atividade humana, como canais, estradas, estradas-de-ferro, navios etc., e ainda os recursos básicos. Qualquer um destes três tipos de Media tem a capacidade de promover, por um lado, ambientes ou ecossistemas que medeiam as relações humanas e implicam o pensamento, a ação e a subjectividade dos indivíduos e, por outro, o comércio de tais recursos, permitindo o contato entre pessoas e civilizações até então isoladas. Partindo desta concepção de Media e das consequências que dela se podem retirar, não será com toda a certeza abusivo afirmar que Innis é, sem dúvida, um precursor da reflexão actual sobre os processos de globalização3 3 Esta é, na verdade, a segunda vez que avanço com esta sugestão. A primeira pode ser lida em SUBTIL, F. Uma teoria da globalização avant la lettre. Tecnologias da Comunicação, espaço e tempo em Harold A. Innis. In: MARTINS, H.; GARCIA, J. L. (Orgs.). Dilemas da civilização tecnológica. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003. p.287-311. .

Coerente com o alcance temporal da sua análise, as implicações dos Media no tempo e no espaço das sociedades, em combinação com a materialidade dos suportes da Comunicação, é outro dos seus enfoques fundamentais. De acordo com Innis, os Media são sempre portadores de desvios espaciais ou temporais. As sociedades com viés para o tempo dependem de meios pesados, duráveis e difíceis de transportar (ex. a oralidade, pedras, placas de argila). Estes meios permitem preservar o conhecimento neles contido durante grandes períodos históricos, ao mesmo tempo que favorecem valores de partilha de conhecimento, de cooperação, de proximidade e da tradição. Já as sociedades com viés para o espaço tendem a estar ligadas ao presente e preocupadas fundamentalmente com o futuro. Nelas predominam media leves, facéis de transportar, fáceis de destruir, associadas ao consumo imediato (ex. papiro, papel, jornal, rádio, televisão). Este meios estimulam a formação de sociedades seculares, nas quais se promovem os valores materialistas da competição, a impessoalidade das relações sociais, propendendo para a ausência de limites espaciais e temporais, gerando formas imperiais de dominação. O espaço, mas também o tempo, são vistos nestas sociedades como meras mercadorias cujo objectivo é conquistar territórios, criar e aumentar os mercados, organizar a vida social de forma mais eficiente e produtiva. Como se constata, e é bem assinalado no muito esclarecedor prefácio de Luiz C. Martino (p.18-22), para Innis, qualquer civilização tem um meio de Comunicação dominante, logo um viés cultural, com efeitos no âmbito do tempo ou do espaço. Da sua concepção pode ser afirmado que os materiais sobre os quais se processa e difunde a Comunicação contam mais do que o seu conteúdo. Esta ideia está no âmago do aforismo bastante mais tarde formulado por Marshall McLuhan de que "o meio é a mensagem".

Historicamente no mundo ocidental, raras terão sido, na perspectiva de Innis, as situações de equilíbrio ou estabilidade entre os desvios espaciais e temporais. Segundo a sua análise, as sociedades ocidentais do século 20 estão moldadas principalmente por desvios espaciais, que favorecem a Comunicação a longa distância, aumentam as capacidades técnicas de influência e persuasão, contribuindo assim para a privatização da Comunicação e para o declínio da democracia como regime participativo. O seu pensamento sobre os Media contém também uma forte dimensão cívica. É também uma indagação sobre como preservar a vida pública e democrática nas sociedades contemporâneas? A sua resposta inclina-se para a promoção de formas de Comunicação que limitem e restrinjam a emergência de monopólios de conhecimento, isto é sistemas conceptuais/mundividências promovidas pelos Media inerentemente portadores de processos de dominação. Para Innis, tais formas de Comunicação são, por excelência, a tradição oral e a Comunicação intersubjectiva, pois dificilmente se deixam capturar pelo mundo comercial. Esta insistência nas formas de diálogo público encontra pontos de contacto com a relevância dada por Jürgen Habermas à argumentação racional na esfera pública.

A presente publicação, que se deve aos esforços prolongados, primeiro de Sérgio Rosa e, posteriormente, de Martino, tem o mérito de fornecer ao público de Língua Portuguesa um conjunto de textos de leitura aconselhável para todos os que nas Ciências Sociais, e em particular nos estudos de Comunicação e Media, ousam refletir sobre as implicações vastas das tecnologias da informação e Comunicação nas sociedades dos nossos dias.

Errata – Intercom - RBCC v. 36 – n.1, julho/dezembro 2013

Resenha: Harold Innis é traduzido para o Português

Pag. 304 – primeira linha- onde se lê: na qual, leia-se onde

Pág. 304 – 5ª. linha – onde se lê: para história, leia-se para a história

Pag.304 – 6ª. Linha – onde se lê: apesar de, leia-se embora

Pag. 304 – 6ª. linha- onde se lê: pressintir, leia-se pressentir

Pag. 304 – 10ª. linha – o correto é: .... ensaios sobre este tema ([1950] 19721; 1952)2.

Pag. 304 – 1º. parágrafo , 4ª. Linha – onde se lê: estes, leia-se estas

Pag.306 – último parágrafo iniciado por “Esta é, na verdade ........”: eliminá-lo

  • *
    Conserva-se o português de Portugal.
  • 1
    INNIS, H. Empire and communications.[950]. Toronto, Buffalo: University of To
  • 2
    INNIS, H.Changing concepts of time.Toronto: University of Toronto Press, 195.
  • 3
    Esta é, na verdade, a segunda vez que avanço com esta sugestão. A primeira pode ser lida em SUBTIL, F. Uma teoria da globalização avant la lettre. Tecnologias da Comunicação, espaço e tempo em Harold A. Innis. In: MARTINS, H.; GARCIA, J. L. (Orgs.).
    Dilemas da civilização tecnológica. Lisboa: Imprensa de Ciências Sociais, 2003. p.287-311.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      24 Jul 2013
    • Data do Fascículo
      Jun 2013
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