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Liberdade de imprensa no Supremo Tribunal Federal: análise comparativa com a Suprema Corte dos Estados Unidos

Libertad de prensa en el Supremo Tribunal Federal: análisis comparativo con La Corte Suprema de los Estados Unidos

Resumo

O presente trabalho analisa o entendimento do Supremo Tribunal Federal e da Suprema Corte dos Estados Unidos acerca da liberdade de imprensa. A pesquisa objetiva comparar o posicionamento das Cortes sobre esse direito fundamental. Usando o método comparativo, analisa os argumentos utilizados pelas Cortes nos julgamentos de processos que tinham por objeto a liberdade de imprensa. O trabalho também apresenta uma revisão bibliográfica da teoria brasileira sobre a liberdade de expressão do pensamento. Ao final, apontamos as possíveis influências da Suprema Corte dos Estados Unidos nas decisões do Supremo Tribunal Federal, em especial, a primazia da liberdade de imprensa em relação aos demais direitos fundamentais.

Palavras-chave:
Liberdade de imprensa; Supremo Tribunal Federal; Constituição; Liberdade de expressão; Suprema Corte dos Estados Unidos.

Resumen

El presente trabajo estudia como el Supremo Tribunal Federal y la Suprema Corte de los Estados Unidos entienden el tema de la libertad de prensa. La investigación objetiva comparar el posicionamiento de las Cortes acerca de ese derecho fundamental. Usando el método comparativo se analizan los argumentos utilizados por las Cortes en los juicios de procesos que tenían por objeto discutir la libertad de prensa. El trabajo también presenta una revisión bibliográfica de la teoría brasileña sobre la libre expresión del pensamiento. Al final, se apuntan las posibles influencias de la Suprema Corte de los Estados Unidos en las decisiones del Supremo Tribunal Federal, en especial, la primacía de la libertad de prensa en relación con los demás derechos fundamentales.

Palabras clave:
Libertad de prensa; Supremo Tribunal Federal; Constitución; Libertad de expresión; Corte Suprema de los Estados Unidos

Abstract

This paper analyzes the understanding of the Brazilian Supreme Court and the Supreme Court of the United States about press freedom. The research aims to compare the position of the Courts about this fundamental right. Using the comparative method, it analyzes the arguments used by the courts in trials which had press freedom as its object. The paper also presents a literature review of the Brazilian theory about freedom of speech. Finally, the paper points out the possible influences of the Supreme Court of the United States in the decisions of the Brazilian Supreme Court, in particular, the primacy of press freedom in relation to other fundamental rights.

Keywords:
Press freedom; Brazilian Supreme Court; Constitution; Freedom of speech; U.S. Supreme Court

Introdução

O presente artigo é resultado de pesquisa1 1 A pesquisa contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, processo n. 2011/00745-0. finalizada que objetivou investigar a regulação jurídica constitucional do direito à Comunicação e para tanto propôs a revisitação ao processo constituinte no intuito de verificar e interpretar a regulação jurídica almejada durante a Assembleia Nacional Constituinte (ANC) para o direito à Comunicação. Além disso, pretendeu analisar e interpretar a concretização desse direito pelo Supremo Tribunal Federal (STF), comparando a intenção constituinte com a concretização judicial.

Partiu a pesquisa de alguns pressupostos: que a atual Constituição brasileira, de 05 de outubro de 1988, tem caráter substancial, programática, dirigente, tendo em vista que estipula inúmeras finalidades, objetivos e valores que o Estado e a sociedade brasileira devem concretizar ou pelo menos almejar. Sendo um desses valores substantivos almejados a proteção e a concretização dos direitos fundamentais; que o direito à Comunicação, com a Constituição de 1988, ganhou status de direito fundamental, aplicando-se assim a teoria desses direitos na interpretação e aplicação daqueles e, por fim, que a Constituição de 1988 atribui ao Judiciário o papel de garantidor dos direitos fundamentais.

Por hipótese, a pesquisa partiu do pressuposto que a intenção constituinte foi a de regular alguns direitos relacionados ao direito à Comunicação e que ao analisar casos referentes à temática, o STF, sistematicamente, vem ampliando a aplicação desses direitos, extirpando qualquer forma ou possibilidade de regulação.

Para cumprir esses objetivos, a pesquisa analisou, em um primeiro momento, as propostas e os debates legislativos ocorridos durante o processo constituinte de 1987/1988, relativos à regulação do direito à Comunicação. Essa primeira etapa foi realizada pesquisando os Diários do Congresso Nacional (DCN), organizados em CD-Rom, em 2008, pela Secretaria Especial de Editoração e Publicação do Congresso Nacional, que contém, na íntegra, os debates constituintes. A metodologia utilizada na primeira etapa foi a realização de pesquisa nos DCN por meio de buscas por palavras-chave relacionadas à temática da investigação, buscando-se as seguintes expressões: “comunicação social”; “meios de comunicação”; “liberdade de imprensa”; “direito à informação”; “oligopólio dos meios”; “monopólio dos meios”. Com a seleção quantitativa, separou-se os relatos, debates e proposições relacionados à temática, efetivando-se a leitura dos mesmos. Os achados nos diários eram então transcritos, em ordem cronológica, mencionando-se qual o constituinte que proferiu o discurso, o partido e Estado de origem, os argumentos do parlamentar, no intuito de verificar a sua linha ideológica, e, na sequência, foram traçados breves comentários sobre a manifestação do constituinte em sede de conclusões.

Em um segundo momento da pesquisa, foram analisados alguns julgados do STF que trataram direta ou indiretamente do direito à Comunicação. Especial atenção foi dada às ações constitucionais, justificando-se essa forma de análise, pois esse é o lócus privilegiado do confronto entre a ordem constitucional estabelecida e a legislação infraconstitucional produzida, antes ou depois do advento de uma nova Constituição.

A metodologia utilizada na análise dos julgados seguiu os seguintes passos: considerou-se quem foi o propositor da ação; qual o pedido feito na ação, ou seja, qual a argumentação de confronto entre a lei questionada e o texto constitucional; a época em que foi questionada a constitucionalidade da lei e quando a ação foi julgada, no intuito de analisar o lapso temporal entre a entrada em vigor da lei, o seu questionamento junto ao Supremo e a efetiva decisão proferida por esse órgão; decisão consensual ou não, ou em termos jurídicos, se a decisão foi tomada de forma unânime ou por maioria de votos; se a decisão foi por maioria, ou seja, não unânime, qual o ministro que criou o impasse no julgamento e com qual argumento. Deu-se especial atenção aos votos favoráveis à declaração de inconstitucionalidade, pois esses representam concordância com a alegação de desrespeito ao texto constitucional; e, principalmente, deu-se ênfase aos argumentos jurídicos colocados em questão pelos ministros. Na análise das ações, os argumentos dos ministros foram reproduzidos em trechos e na íntegra. Ao final da apresentação dos argumentos dos ministros, foram traçadas breves considerações sobre cada julgado. Por fim, a pesquisa, como já foi mencionado, pretendeu comparar as propostas da ANC com as decisões do STF para confirmar ou não a hipótese inicial.

O trabalho que ora se apresenta, resultado da pesquisa acima mencionada, visou especificamente tratar da perspectiva do Supremo Tribunal Federal em relação à liberdade de imprensa. Para isso o presente trabalho analisou as Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI) 869 e 4.451 que tinham por objeto esse direito fundamental e apresenta uma análise comparativa com decisões da Suprema Corte dos Estados Unidos acerca da temática investigada, bem como expõe a teoria brasileira sobre a liberdade de expressão do pensamento, especificamente, sobre a liberdade de imprensa.

Fundamentação teórica e jurídica acerca da liberdade de expressão do pensamento: a liberdade de imprensa

De acordo com a clássica teoria do Direito Constitucional brasileiro, a liberdade de expressão do pensamento é o direito fundamental que qualquer pessoa tem de exteriorizar, sob qualquer forma, o que pensa sobre qualquer assunto (SILVA, 2010SILVA, José. A. Curso de direito constitucional positivo.33 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 926p.).

Na liberdade de expressão, está contida a liberdade de opinião, reconhecida como a liberdade de expressão primária, que consiste na prerrogativa da pessoa de adotar a postura intelectual que quiser e, se for da sua vontade, exteriorizar essa opinião por qualquer meio, utilizando-se dos meios de Comunicação, das artes, das ciências, das religiões, das pesquisas científicas, compreendendo também a liberdade de informação em geral. O direito à liberdade de expressão garante até mesmo a liberdade do indivíduo, se desejar, de não expressar a sua opinião.

Infelizmente, segundo Simis (2010, p.59)SIMIS, Anita. Conselho de Comunicação Social. Uma válvula para o diálogo ou para o silêncio. Revista Brasileira de Ciências Sociais, São Paulo, v. 25, n. 72, p. 59-71, 2010., muitas vezes a liberdade de expressão no Brasil se confunde “com a busca de audiência a qualquer custo pelas emissoras de TV”. Bigliazzi (2009)BIGLIAZZI, Renato. A memória do direito à comunicação. Revista de Economía Política de las Tecnologías de la Información y Comunicación, UFS, Sergipe, v. 11, n. 1, p. 1-6, jan/abr, 2009., por sua vez, defende a ideia de que hodiernamente a liberdade de expressão estaria inserida em um conceito maior que é o direito à Comunicação e que este último não estaria apenas relacionado ao direito à liberdade, mas sim também à igualdade, garantindo-se paridade de oportunidades na expressão do pensamento.

Ainda de acordo com Silva (2010, p.246)SILVA, José. A. Curso de direito constitucional positivo.33 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 926p. a liberdade de informação, corolário da liberdade de expressão, “assume características modernas, superadoras da velha liberdade de imprensa”. Esta, segundo o autor, está intimamente ligada aos veículos impressos de Comunicação, ao passo que a aquela “alcança qualquer forma de difusão de notícias, comentários e opiniões por qualquer veículo de comunicação social”.

Prossegue Silva (2010, p.247)SILVA, José. A. Curso de direito constitucional positivo.33 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 926p. afirmando que “a liberdade de informação não é simplesmente a liberdade do dono da empresa jornalística ou do jornalista. A liberdade destes é reflexa no sentido de que ela só existe e se justifica na medida dos direitos dos indivíduos a uma informação correta e imparcial”.

Contudo, para Comparato (2010)COMPARATO, Fábio. K.. Prefácio de: LIMA, Venício A. de. Liberdade de expressão versus liberdade de imprensa: direito à comunicação e democracia. São Paulo: Publisher, 2010. p. 8-15., no sistema capitalista, a liberdade de expressão e a liberdade de imprensa foram transformadas em liberdade de empresa, ou da empresa midiática. No mesmo sentido, de acordo com Kucinski (2011, p.16)KUCINSKI, Bernardo. Prefácio de: LIMA, Venício A. de. Regulação das comunicações: história, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011. p. 9-17. “os proprietários da grande mídia identificam liberdade de expressão, um dos direitos humanos fundamentais, com liberdade da indústria de Comunicação, que é um direito empresarial. Como se as empresas fossem as detentoras exclusivas do direito de expressão”.

Observe-se que em diversos dispositivos o texto constitucional brasileiro faz referência à liberdade de expressão do pensamento. No artigo 5º, que trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, dois incisos referem-se ao tema. O inciso IV dispõe que é livre a manifestação do pensamento, vedando apenas o anonimato e no IX está disposto que é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de Comunicação, independentemente de censura ou licença.

Já o artigo 220, no capítulo da Comunicação Social, disciplina que a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição” (BRASIL, 1988BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.Brasília: Senado, 1988. Disponível em: < http://www.presidencia.gov.br >. Acesso em: várias datas, 2014.
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).

Bitelli (2004, p.191)BITELLI, Marcos A. S. O direito da comunicação e da comunicação social. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 472p. lembra que a frase observado o disposto nesta Constituição, previsto no caput do artigo 220, fundamenta “todo um sistema de limitações ao direito da comunicação social”. É salutar mencionar que não há no Direito Constitucional norteamericano regra semelhante a esta existente no Direito brasileiro.

A nova regulação constitucional, de acordo com Jambeiro (2009, p.152/153)JAMBEIRO, Othon. A comunicação na Constituição de 1988. In: GOULART, Jefferson O.(Org.) As múltiplas faces da constituição cidadã. São Paulo: Cultura Acadêmica, 2009. p. 133-154.,

aboliu complemente a censura, sob qualquer forma, seja política, ideológica ou artística”, sendo permitido atualmente ao governo federal “classificar os programas de rádio e TV em [...] faixas de idade determinadas em relação a horários de exibição, tornando pública essa classificação, com o caráter de recomendação em vez de obrigação”, além disso, a sistemática constitucional permite ao governo “criar meios legais para assegurar aos indivíduos e famílias a possibilidade de defesa contra programas de rádio e TV que desobedeçam aos princípios que a Constituição estabelece”, e que também “deve assegurar a proteção do público contra a propaganda comercial de bens, práticas e serviços que sejam maléficos à saúde e ao ambiente.

Reconhece-se ainda que a liberdade de expressão está intimamente ligada à democracia. A liberdade é um dos valores fundamentais da democracia “regime de garantia geral para a realização dos direitos fundamentais do homem”, (SILVA, 2010SILVA, José. A. Curso de direito constitucional positivo.33 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 926p., p.132), dos quais a liberdade faz parte, sendo a liberdade de expressão do pensamento a maior expressão da liberdade.

No mesmo sentido, entende-se que a liberdade de expressão é um dos fundamentos da cidadania, compreendida aqui, conforme Silva (2010)SILVA, José. A. Curso de direito constitucional positivo.33 ed. São Paulo: Malheiros, 2010. 926p., em um sentido mais amplo do que a simples titularidade dos direitos políticos. A cidadania, para Silva, é a qualificação do indivíduo como participante da vida do Estado e o seu reconhecimento como pessoa integrada na sociedade e para que isso se concretize a livre difusão de crenças, de ideias, de ideologias e de opiniões é essencial.

Lima (2011, p.215)________ . Regulação das comunicações: história, poder e direitos. São Paulo: Paulus, 2011. 252 p., reconhece que

a condição básica para a realização dos direitos políticos da cidadania no mundo contemporâneo é a existência de um mercado de mídia policêntrico e democrático, vale dizer, garantia para que cada um possa exercer plenamente seu direito à comunicação. Dessa forma, do ponto de vista da ordenação jurídico-formal, existe uma relação constitutiva entre a comunicação, o poder e a cidadania.

Há, contudo, o reconhecimento de que a regulação estatal da liberdade de expressão no Estado brasileiro configura um verdadeiro tabu, em especial, pela lembrança do período militar autoritário e que qualquer tentativa de atuação do Estado, nesta seara, é vista como censura (BINENBOJM; PEREIRA NETO, 2005BINENBOJM, Gustavo; PEREIRA NETO, Caio M. da S. Prefácio de FISS, Owen. M. A ironia da liberdade de expressão: estado, regulação e diversidade na esfera pública. Rio de Janeiro: Renovar, 2005. p. 1-24.).

Nesse mesmo sentido para Lima (2010, p.21)LIMA, Venício A. de. Liberdade de expressão versus liberdade de imprensa: direito à comunicação e democracia. São Paulo: Publisher, 2010. 159p., no Brasil, em relação a qualquer tentativa de regulação jurídica da liberdade de expressão, há “uma interdição não declarada a esse tema, cuja mera lembrança sempre provoca rotulações de autoritarismo e retorno à censura”.

Pieranti (2008, p.129 e 139)PIERANTI, Otávio. P. Censura versus regulação de conteúdo: em busca de uma definição conceitual. In: SARAIVA, Enrique; MARTINS, Paulo E. M.; PIERANTI, Otávio P. (Orgs.). Democracia e regulação dos meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. p. 129-142. assevera que “quaisquer tentativa de regulação de conteúdo ou a ela relacionadas, são em geral, consideradas pelos meios de Comunicação práticas de censura”. No entanto, reconhece o autor que “a linha que separa os dois (regulação e censura) é tênue. A censura não deixa de ser uma forma de se regular conteúdo, porém nem todas as formas de regular conteúdo correspondem à censura”.

E como reflexo desse entendimento, de acordo com Comparato (2010, p.10 e 12)COMPARATO, Fábio. K.. Prefácio de: LIMA, Venício A. de. Liberdade de expressão versus liberdade de imprensa: direito à comunicação e democracia. São Paulo: Publisher, 2010. p. 8-15., mesmo havendo a exigência constitucional de elaboração de legislação ordinária regulamentadora desse direito, o que se verifica é que o “Congresso Nacional é sistematicamente paralisado pela pressão dominante das empresas de comunicação”, ocorrendo hoje no Brasil uma “absoluta convergência na defesa do capitalismo e na desregulamentação do setor de comunicação social”.

Bolaño (2004, p.77)BOLAÑO, César R. S. A reforma do modelo brasileiro de regulação das comunicações em perspectiva histórica. Estudos de Sociologia, Araraquara, v. 9, n. 17, p. 67-95, 2004., também comenta a ausência de regulamentação de dispositivos constitucionais relacionados à liberdade de expressão. Para o autor, a regulamentação poderia estabelecer “um novo modelo de regulação das comunicações, o que jamais se concretizou no país” e que a “falta de uma regulamentação dos direitos do telespectador, acaba dando munição aos defensores da manutenção do capitalismo selvagem em matéria de comunicação no país”.

Na mesma linha de raciocínio, Brittos e Collar (2008, p.83)BRITTOS, Valério C.; COLLAR, Marcelo S. Direito à comunicação e democratização no Brasil. In: SARAIVA, Enrique; MARTINS, Paulo E. M.; PIERANTI, Otávio P. (Orgs.). Democracia e regulação dos meios de comunicação de massa. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2008. p. 71-90. também reconhecem a carência de regulamentação do artigo 220 da Constituição Federal, fato “que poderia tornar-se um pilar importante no processo de democratização da mídia. O interesse do legislador constituinte, portanto, perdeu-se na ausência de lei que regulamente o dispositivo em questão”.

Liberdade de imprensa na perspectiva do Supremo Tribunal Federal – Análise das ADINs 869 e 4.451

Análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 869

Na ADI 869, o Procurador Geral da República (PGR), após representação encaminhada pela Associação Nacional de Jornais (ANJ), objetivou a declaração, pelo Supremo Tribunal Federal, da inconstitucionalidade da parte final do § 2º, do artigo 247, da lei 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente) que determinava “a suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicidade do periódico até por dois números” (BRASIL, 1999BRASIL. Ação direta de inconstitucionalidade n. 869.Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: várias datas, 2014.
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, p.22), nos casos de divulgação de informações, sem autorização, por qualquer meio de Comunicação, relacionadas ao envolvimento de criança e adolescente em prática de ato infracional.

O principal argumento da representação da ANJ consistia na alegação de que a Constituição de 88 ao “dispor no artigo 5º, § IX, que é livre a expressão das atividades intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de licença, desautorizou, expressamente o legislador ordinário a opor limites ao princípio da livre manifestação do pensamento” (BRASIL, 1999BRASIL. Ação direta de inconstitucionalidade n. 869.Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: várias datas, 2014.
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, p.23). Ademais, qualquer restrição a esse direito fundamental somente pode estar amparado nas hipóteses previstas na própria Constituição, na parte final do artigo 220, conforme mencionado no item anterior.

Após o processamento da ação, o STF, por unanimidade, proferiu a seguinte decisão:

EMENTA: Ação direta de inconstitucionalidade. Lei Federal 8069/90. Liberdade de manifestação do pensamento, de criação, de expressão e de informação. Impossibilidade de restrição. 1. Lei 8069/90. Divulgação total ou parcial por qualquer meio de comunicação, nome, ato ou documento de procedimento policial, administrativo ou judicial relativo à criança ou adolescente a que se atribua ato infracional. Publicidade indevida. Penalidade: suspensão da programação da emissora até por dois dias, bem como da publicação do periódico até por dois números. Inconstitucionalidade. A Constituição de 1988 em seu artigo 220 estabeleceu que a liberdade de manifestação do pensamento, de criação, de expressão e de informação, sob qualquer forma, processo ou veículo, não sofrerá qualquer restrição, observado o que nela estiver disposto. 2. Limitações à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas. Restrição que há de estar explícita ou implicitamente prevista na própria constituição. Ação direta de inconstitucionalidade julgada procedente (BRASIL, 1999BRASIL. Ação direta de inconstitucionalidade n. 869.Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: várias datas, 2014.
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, p.21).

Portanto, não pode lei ordinária estabelecer restrições à liberdade de imprensa. De acordo com o voto do relator do processo ministro Ilmar Galvão, amparado no parecer da Procuradoria Geral da República, a parte final do artigo 247, § 2º do ECA introduziu “em nosso ordenamento jurídico restrição prévia à liberdade de imprensa mais grave do que a censura de natureza política, ideológica e artística, expressamente vedada pelo art. 220, § 2º, da Constituição da República” (BRASIL, 1999BRASIL. Ação direta de inconstitucionalidade n. 869.Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: várias datas, 2014.
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, p.28).

Da mesma forma, entende o ministro relator que o trecho de lei impugnado na ADI permite a juiz ou tribunal poderes de proibir a veiculação de informações jornalísticas futuras, antes mesmo de conhecer o seu conteúdo, constituindo desta forma “verdadeiro embaraço à plena liberdade de informação jornalística” (BRASIL, 1999BRASIL. Ação direta de inconstitucionalidade n. 869.Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: várias datas, 2014.
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, p.29), o que é vedado pelo ordenamento jurídico constitucional.

Também alega o relator, endossando a representação da ANJ e o pedido da PGR, que “todas as limitações passíveis de serem opostas à liberdade de manifestação do pensamento, pelas suas variadas formas, ante a peremptoriedade dos textos indicados, hão de estar estabelecidas, de modo explícito ou implícito, na própria Constituição” (BRASIL, 1999BRASIL. Ação direta de inconstitucionalidade n. 869.Brasília: Supremo Tribunal Federal, 1999. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: várias datas, 2014.
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, p.32).

Essas restrições são aquelas previstas no artigo 220 anteriormente mencionado.

Análise da Ação Direta de Inconstitucionalidade 4.451

A ADI 4.451 foi proposta pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), junto ao Supremo Tribunal Federal, no intuito do reconhecimento da inconstitucionalidade dos incisos II e III do artigo 45, da lei 9.504/97 (Lei eleitoral).

A referida lei dispõe acerca de normas gerais para eleições e no artigo questionado junto ao STF dispõe que “a partir de 1º de julho do ano da eleição, é vedado às emissoras de rádio e televisão, em sua programação normal e noticiário: II – usar trucagem, montagem ou outro recurso de áudio ou vídeo que, de qualquer forma, degradem ou ridicularizem candidato, partido ou coligação, ou produzir ou veicular programa com esse efeito; III – veicular propaganda política ou difundir opinião favorável ou contrária a candidato, partido, coligação, a seus órgãos ou representantes” (BRASIL, 2010___. Ação direta de inconstitucionalidade n. 4.451.Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2010. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: várias datas, 2014.
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, p.6).

Segundo a ABERT, “tais normas geram um grave efeito silenciador sobre as emissoras [...] inviabilizam a veiculação de sátiras, charges e programas humorísticos envolvendo questões ou personagens políticos, durante o período eleitoral” (BRASIL, 2010___. Ação direta de inconstitucionalidade n. 4.451.Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2010. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: várias datas, 2014.
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, p.7), violando desta forma os artigos 5º, IV, IX e XIV e 220 da Constituição, ao criar embaraços à liberdade de manifestação jornalística, constituindo verdadeira censura.

Por maioria, o STF reconhece a inconstitucionalidade dos dispositivos legais impugnados, proferindo a seguinte decisão, que segue em resumo:

EMENTA: [...] Não cabe ao Estado, por qualquer dos seus órgãos, definir previamente o que pode ou o que não pode ser dito por indivíduos e jornalistas. [...] não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, pouco importando o Poder estatal de que ela provenha. Isso porque a liberdade de imprensa não é uma bolha normativa ou uma fórmula prescritiva oca. Tem conteúdo, e esse conteúdo é formado pelo rol de liberdades que se lê a partir da cabeça do art. 220 da Constituição Federal [...] a imprensa mantém com a democracia a mais entranhada relação de interdependência ou retroalimentação. [...] A imprensa como a mais avançada sentinela das liberdades públicas, como alternativa à explicação ou versão estatal de tudo que possa repercutir no seio da sociedade e como garantido espaço de irrupção do pensamento crítico em qualquer situação ou contingência. [...] Programas humorísticos, charges e modo caricatural de pôr em circulação ideias, opiniões, frase e quadros espirituosos compõem as atividades de “imprensa”, sinônimo perfeito de “informação jornalística”. Nessa medida, gozam da plenitude de liberdade que é assegurada pela Constituição à imprensa. Dando-se que o exercício concreto dessa liberdade em plenitude assegura ao jornalista o direito de expender críticas a qualquer pessoa, ainda que em tom áspero, contundente, sarcástico, irônico ou irreverente, especialmente contra as autoridades e aparelhos do Estado. [...] A crítica jornalística em geral, pela sua relação de inerência com o interesse público, não é aprioristicamente suscetível de censura. [...]. Medida cautelar concedida para suspender a eficácia do inciso II e da parte final do inciso III, ambos do art. 45 da Lei 9.504/1997, bem como, por arrastamento, dos §§ 4º e 5º do mesmo artigo (BRASIL, 2010___. Ação direta de inconstitucionalidade n. 4.451.Brasília: Supremo Tribunal Federal, 2010. Disponível em: <http://www.stf.gov.br>. Acesso em: várias datas, 2014.
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, p.1-5).

Os mesmos argumentos da ADI 869 são aqui reproduzidos agora em outros termos, garantindo-se a plena liberdade de imprensa, sendo esta possível de restrição apenas a posteriori nos casos de ofensas a outros direitos constitucionalmente garantidos, como são os casos da privacidade e da intimidade, por exemplo.

A liberdade de imprensa na Suprema Corte dos Estados Unidos – Análise dos julgamentos: New York Times v. Sullivan, Brandeburg v. Ohio e Hulstler Magazine v. Falwell

A teoria norte-americana acerca da liberdade de expressão do pensamento foi desenvolvida no decorrer do século 20, em especial, por intermédio de decisões da Suprema Corte (SC) daquele país, sendo ela responsável pelos desenvolvimentos teóricos e jurisprudenciais em relação a esse direito fundamental.

Na SC destacam-se as teses jurídicas desenvolvidas pelo juiz Oliver Wendell Holmes, que exerceu as suas funções na corte de 1902 a 1932 (MORO, 2004MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p.).

Para Holmes (apud MORO, 2004MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., p.46-47), a liberdade de expressão do pensamento

não pode ser restringida nem mesmo quando envolve incitação ou apologia a ações ilegais: há também a necessidade de que da espécie possa efetivamente resultar em ação ilegal. Trata-se do denominado clear and present danger.

No entanto, segundo Pereira (2002)PEREIRA, Guilherme. D. C. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 283p., a teoria desenvolvida por Holmes não considera a liberdade de expressão de forma absoluta, sendo que ela pode ser restringida quando da prática efetiva de atos ilegais, deixando a liberdade de expressão de ser protegida em determinados casos.

O exemplo clássico dado por Holmes para ilustrar a possibilidade de restrição da liberdade de expressão e que estaria de acordo com a sua teoria, ocorreria “quando alguém falsamente grita a palavra ‘fogo’ em um teatro lotado, o perigo causado pelo grito é imediato, palpável, grave e possui uma alta probabilidade de efetivamente provocar danos” (SANKIEVICZ, 2011SANKIEVICZ, Alexandre. Liberdade de expressão e pluralismo:perspectivas de regulação. São Paulo: Saraiva, 2011. 225p., p.28).

Contudo, para Holmes (apud MORO, 2004MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., p.49-50), é sempre necessário preservar a liberdade de expressão mesmo

quando o discurso é desagradável ou ofensivo à maioria da comunidade. É isso, em primeiro lugar, porque nada tolhe em grau mais significativo o desenvolvimento da personalidade humana do que a imposição do silêncio; em segundo lugar, porque a liberdade de expressão é essencial ao adequado funcionamento da democracia, por permitir amplo debate de ideias.

As teses desenvolvidas por Holmes, no início do século 20, somente tomaram corpo nos julgamentos da SC, nos anos 60, durante a denominada Corte Warren (1953/1969).

De acordo com Moro (2004)MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., a Suprema Corte dos Estados Unidos, durante esse período, proferiu duas decisões que se tornaram referência sobre a temática, tratam-se das decisões nos casos New York Times v. Sullivan e Brandeburg v. Ohio.

No primeiro caso,

Os fatos que deram origem ao recurso junto à Suprema Corte foram os seguintes. Em 1960, período agitado pelos conflitos raciais e pela luta pelas liberdades civis, houve uma manifestação estudantil em Montgomery, Alabama, dispersada pela polícia local. No dia 29 de março daquele ano, uma matéria paga de página inteira apareceu no New York Times com o título: “Heed Their Rising Voices”. O texto começava afirmando que o movimento pelos direitos civis no Sul, de caráter não violento, vinha sendo atacado por uma onda de terror. Afirmava depois que a “polícia de Montgomery havia impropriamente cercado o campus de uma escola de negros para desmantelar uma demonstração pacífica a favor dos direitos humanos e que certos ‘violadores sulistas’, não nomeados, tinham explodido bombas na casa de Martin Luther King, tinham-no atacado fisicamente e levado para a prisão sete vezes”, sob acusações diversas. Terminava com um apelo por fundos para patrocinar o movimento estudantil, o sufrágio universal e a defesa de Martin Luther King. E além das assinaturas de 64 figuras proeminentes dos Estudos Unidos, afirmava-se que 16 pastores sulistas endossavam a matéria. Algumas das afirmações acima estavam equivocadas no todo ou em parte. L. B. Sullivan, comissário de polícia de Montgomery, moveu uma ação por difamação contra o jornal. Malgrado não ter sido mencionado na matéria, fez valer a alegação de que, por ser o encarregado da polícia na ocasião, podia ser, e de fato tinha sido, identificado como o responsável por todos aqueles abusos. Sullivan obteve do júri em primeira instância uma indenização no valor de US$ 500.000, confirmada pela Suprema Corte do Alabama. A empresa New York Times Company recorreu à Suprema Corte, que reverteu o julgamento (PEREIRA, 2002PEREIRA, Guilherme. D. C. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 283p., p.198).

Em relação a esse processo, a Suprema Corte dos Estados Unidos

entendeu que a liberdade de expressão em assuntos públicos deveria de todo modo ser preservada. Estabeleceu que a conduta do jornal estava protegida pela liberdade de expressão, salvo se provado que a matéria falsa tinha sido publicada maliciosamente ou com desautorização negligente em relação à verdade (MORO, 2004MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., p.48).

De acordo com Pereira (2002, p.197)PEREIRA, Guilherme. D. C. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 283p.,

a novidade introduzida pela decisão Sullivan consistiu no estabelecimento de novo padrão de culpabilidade dos meios de comunicação, quando a notícia difamante tivesse como protagonistas homens públicos no exercício de atividades públicas. [...] A Suprema Corte definiu que homens públicos só poderiam obter indenização por difamação em matérias que tratassem da sua conduta pública, se conseguissem provar, com suficiente clareza, que as afirmações foram feitas com actual malice, isto é, com ‘conhecimento da sua falsidade’ ou com notório desprezo ou desconsideração pela sua veracidade ou falsidade.

A decisão da SC protegeu, de alguma forma, afirmações falsas divulgadas pela imprensa, desde que essas afirmações envolvam agentes de governo, pois “o homem público deve ser forte o suficiente para arrostar críticas” (PEREIRA, 2002PEREIRA, Guilherme. D. C. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 283p., p.199).

A SC também pautou a sua decisão amparada na regra que garante aos governantes “imunidade absoluta, quando se pronunciam, se seus pronunciamentos são feitos ‘dentro do perímetro’ das suas obrigações” (PEREIRA, 2002PEREIRA, Guilherme. D. C. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 283p., p.200), usando da analogia no caso em questão, pois

Assim como um homem de governo poderia ficar inibido de atuar em consciência pelo risco de uma condenação, assim também a imprensa deveria gozar de prerrogativas que minimizassem o risco de autocensura por receio de uma condenação, quanto tratasse de crítica aos governantes (PEREIRA, 2002PEREIRA, Guilherme. D. C. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 283p., p.200).

No segundo caso, Brandeburg v. Ohio, tratava-se da revisão de punição imposta ao líder da Klu Klux Klan por ter defendido a “alteração da ordem por meio da violência” (MORO, 2004MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., p.49). Neste julgamento, segundo Moro (2004)MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., a despeito da imoralidade inquestionável do discurso, o que prevaleceu foi a tese de Holmes formulada no início do século passado.

Ademais, com essas decisões a SC elevou a liberdade de expressão do pensamento “a uma posição preferencial em relação a outros interesses” (MORO, 2004MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., p.50) de mesma estatura constitucional.

Extrai-se da obra de Moro (2004)MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p. que nos EUA a fundamentação teórica sobre a prevalência da liberdade de expressão em relação a outros direitos fundamentais está baseada na sua íntima relação com a democracia, pois “sem liberdade de expressão e direito à informação e sem amplos direitos de participação não há verdadeira democracia” (MORO, 2004MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., p.263).

No entanto, adverte Moro (2004, p.264)MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p. que “a teoria da posição preferencial não transforma tais liberdades e direitos em absolutos. Mesmo a Suprema Corte norte-americana admite algumas restrições, como as relativas a material obsceno”.

Contudo, essa teoria coloca a liberdade de expressão “em situação de vantagem no caso de eventual colisão com outros direitos” (MORO, 2004, p.265)MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p.. Porém, reconhece-se que não há hierarquia entre os direitos fundamentais.

No caso específico da liberdade de imprensa, tratado no caso New York Times v. Sullivan, essa primazia

é restrita a assuntos de natureza pública, embora estes possam ser definidos de forma ampla. O debate de assuntos públicos deve ser amplo e robusto, sem inibições, e ele seria seriamente afetado caso se exigisse da imprensa a verificação da certeza dos fatos relacionados com as notícias a serem veiculadas (MORO, 2004MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., p.266).

Ainda de acordo com Moro essa tese foi aplicada em outros casos pela SC, como no da Hustler Magazine v. Falwell, em 1988.

Neste caso especificamente a primazia foi estendida para cartunistas e satiristas, decidindo a Corte

que figuras públicas não poderiam obter indenização por afronta à honra sem demonstrar que a publicação veicularia falsas declarações feitas com ‘malícia’, ou seja, com o conhecimento de que seriam falsas ou com desconsideração negligente quanto à sua falsidade ou não (MORO, 2004MORO, Sérgio. F. Jurisdição constitucional como democracia.São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. 336p., p.267).

As teses de Holmes, contudo, não estão imunes de críticas, considerando-se que o argumento central seria o fato de que a livre circulação de ideias ou o mercado de ideias levaria à verdade.

Essa premissa é refutável tendo em vista que no exercício de algumas modalidades de discurso a verdade nunca será alcançada, como, por exemplo, nas artes, na literatura e no discurso religioso (SANKIEVICZ, 2011SANKIEVICZ, Alexandre. Liberdade de expressão e pluralismo:perspectivas de regulação. São Paulo: Saraiva, 2011. 225p.).

Pereira (2002)PEREIRA, Guilherme. D. C. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 283p. aduz que esse mercado de ideias seria o transplante do pensamento econômico liberal, do laissez-faire, laissez-passer, para o campo da liberdade de expressão, definido por ele como o liberalismo de ideias. Critica ainda a importação das teses de Holmes para a nossa realidade, a despeito do fato de elas terem desaparecido dos tribunais americanos. Segundo o autor, as ideias do norte-americano fundamentam teses brasileiras que se “insurgem contra algumas restrições à liberdade de manifestação do pensamento” (PEREIRA, 2002PEREIRA, Guilherme. D. C. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 283p., p.260).

Ainda segundo Pereira (2002, p.261)PEREIRA, Guilherme. D. C. Liberdade e responsabilidade dos meios de comunicação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. 283p., aqueles que defendem

o marketplace of ideas o fazem por dois motivos “ou porque não se julga que a exposição teórica, enquanto exposição teórica tenha qualquer real potencial nocivo à sociedade; ou porque se crê que a verdade e o bom senso sempre prevalecem no confronto entre teses opostas”, sendo ingênuas, para o autor, essas duas premissas.

Considerações finais

Do que foi exposto, observa-se que, em especial, no julgamento da ADI 4.451 aparentemente as ideias de Holmes e da Suprema Corte dos Estados Unidos estão presentes na decisão do Supremo Tribunal Federal que estabelece primazia à informação se comparada a outros direitos fundamentais, particularmente quando a informação envolve a atuação de pessoas públicas, de agentes de governo, sendo certo para a corte brasileira que os diretos da intimidade e privacidade, por exemplo, somente podem ser exercidos após o dano efetivamente causado.

Em relação à decisão da ADI 869, não é possível estabelecer um comparativo com as decisões da Suprema Corte. No entanto, é possível extrair dos argumentos apresentados que a legislação constitucional brasileira permite a restrição de direitos relacionados à liberdade de expressão, restrição não prevista, pelo menos de forma expressa, pela Constituição norte-americana.

Considera-se, por fim, que as importações de ideias nem sempre são positivas, em especial, quando essas transposições são feitas sem qualquer ponderação em relação às diversas realidades dos países envolvidos, em especial, as jurídicas.

  • 1
    A pesquisa contou com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo – FAPESP, processo n. 2011/00745-0.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Jun 2015

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2014
  • Aceito
    05 Dez 2014
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