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Nelson Werneck Sodré e a história da imprensa no Brasil

Nelson Werneck Sodré y la historia de la prensa en Brasil

Resumo

A História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré, foi publicado pela primeira vez em 1966, há quase 50 anos. Trata-se de um trabalho de fôlego, que traz informações detalhadas e preciosas sobre a imprensa brasileira de 1808 até os anos 1960. Apesar de outros livros sobre o assunto terem sido escritos antes e depois, a obra de Sodré ainda hoje é o principal texto de síntese utilizado pelos estudiosos no país. O objetivo deste texto é pensar sobre os estudos de história da Comunicação no Brasil, estabelecendo uma discussão crítica com a obra fundadora de Werneck Sodré, seu significado e sua importância, assim como propor a necessidade de novas elaborações sobre o tema.

Palavras chave:
História; Imprensa; Mídia; Teoria; Metodologia

Resumen

Historia de la prensa en Brasil, Nelson Werneck Sodré, fue publicado por primera vez en 1966, hace casi 50 años. Esta es una larga tarea, que proporciona información detallada y valiosa en la prensa brasileña desde 1808 hasta los años 1960. Mientras que otros libros sobre el tema se han escrito antes y después, la obra de Sodré sigue siendo el texto principal de la síntesis utilizada por los estudiosos en el país. El objetivo de este artículo es reflexionar sobre la historia de los estudios de comunicación en Brasil, estableciendo una discusión crítica con la obra de Werneck Sodré, su significado e importancia, así como proponer la necesidad de nuevas elaboraciones sobre el tema.

Palabras clave:
Historia; Prensa; Media; Teoría; Metodología

Abstract

The History of Brazilian Press, written by Nelson Werneck Sodré, was first published in 1966, almost 50 years ago. This is an extensive work, which provides detailed and valuable information on the Brazilian press from 1808 until the 1960s. Although other books on the subject have been written before and after, even today the work of Sodré remains a synthesis book used by scholars in the country. The aim of this paper is to think about the history of communication studies in Brazil, establishing a critical discussion with the work of Werneck Sodré, its meaning and importance, as well as propose the need for further elaboration on the subject.

Keywords:
History; Press; Media; Theory; Methodology

História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré, foi publicado pela primeira vez em 1966 pela Civilização Brasileira e continua sendo, ainda hoje, quase 50 anos depois, o principal texto de referência e de consulta obrigatória para quem se aventura a estudar a história dos meios de Comunicação no país. E não poderia ser diferente. O livro é um trabalho de fôlego. Traz informações detalhadas e preciosas da imprensa brasileira de 1808 até os anos 1960. O texto não foi feito às pressas, com pouco cuidado, "em cima das pernas", como diria o próprio Nelson Werneck. Muito pelo contrário: o autor levou cerca de 30 anos na sua minuciosa pesquisa e redação.

Desde 1966, o livro teve outras quatro edições, que saíram respectivamente pela Grall (em 1977), Martins Fontes (em 1983), MauadX (em 1999) e Intercom/EDIPUCRS (2011). As cinco edições diferem pouco umas das outras, com exceção das duas últimas, que trazem um capítulo inédito de cerca de dez páginas com algumas considerações do autor sobre a imprensa e os meios de Comunicação de massa no Brasil nos últimos anos. A edição de 2011 traz ainda uma apresentação, assinada pela Olga Sodré, filha do autor. Ela faz considerações sobre a obra do pai e conta, como testemunha dos fatos, histórias dos bastidores de alguns episódios importantes narrados no livro.

História da Imprensa no Brasil é um imenso registro de quase todos os jornais e revistas publicados no território nacional - dentro do seu período de abrangência. Ao todo, são mais de mil periódicos citados (mais exatamente 1.194, segundo o índice onomástico da última edição). O autor traz vários dados factuais sobre essas publicações, sobre seus fundadores e sobre outros profissionais que nelas trabalharam. Permeia as informações com análises de comentários e críticas, sobretudo no último capítulo em que ele trata do Jornalismo que lhe era mais contemporâneo e no qual ele estava mais diretamente comprometido. Como sabemos, Nelson Werneck nunca se propôs neutro. Sua escrita é mesmo militante. O engajamento - com a questão nacional e com as causas populares - foi uma de suas principais características como intelectual marxista.

O livro é dividido em cinco partes. Na primeira, "A imprensa colonial", ele analisa comparativamente o desenvolvimento das instituições letradas e da cultura imprensa no território colonial espanhol e no português, tentando explicar o porquê de a imprensa ter chegado aqui tão tardiamente, apenas no século 19, quase 300 anos depois de iniciado o processo de colonização. Analisa também os primórdios dessa imprensa- que ele chama de áulica -, não só a Gazeta do Rio de Janeiro e o Correio Brasiliense, mas também outras publicações como A Idade de Ouro do Brasil, Variedades e Ensaios sobre Literatura e outros.

No segundo parte, "A imprensa da independência", o autor tenta articular a evolução da imprensa às condições políticas que levaram ao rompimento de Brasil com Portugal. Acompanha a atuação de alguns periódicos em torno das disputas da constituinte, destacando a atuação de personagens como Joaquim Gonçalves Ledo e Januário Barbosa (redatores do Revérbero Constitucional Fluminense), Luis Augusto May (de A Malagueta), João Soares Lisboa (do Correio do Rio de Janeiro) e Cipriano Barata (com seus Sentinelas da Liberdade). A questão teórica de fundo era tentar explicar a crise do colonialismo por meio das contradições entre estruturas burguesas ascendentes e feudais em declínio. Esse ponto - que envolve um debate sobre a existência ou não de feudalismo no Brasil - é talvez um dos mais polêmicos (e também um dos mais datados) da obra de Nelson Werneck como um todo, mas essa discussão aparece de maneira secundária na História da Imprensa no Brasil.

A terceira parte do livro, intitulada "O pasquim", é dedicada ao estudo da imprensa no período regencial. O autor enfatiza a importância dos pequenos jornais na conformação do ambiente político e social da época. O Jornalismo tinha, então, características muito específicas: era profundamente ideológico, militante e panfletário. Seu objetivo era tomar posição, tendo em vista a mobilização dos leitores para diferentes causas. A imprensa era considerada um dos principais instrumentos da luta política e funcionava mesmo como uma tribuna ampliada. Os jornalistas eram, antes de tudo, publicistas e, algumas vezes, verdadeiros agitadores. Esse é o período em que figuraram nomes como Frei Caneca, Libero Badaró, Borges da Fonseca, Evaristo da Veiga e tantos outros.

O objetivo de Nelson Werneck, nessa parte do livro, era lançar luz sobre esses personagens e os veículos da pequena imprensa que, segundo o autor, haviam sido, de forma preconceituosa e conservadora, esquecidos pela historiografia tradicional. E o que ele faz é justamente analisar esses periódicos de maneira detalhada, não apenas nos seus aspectos políticos, mas também técnicos e editoriais.

Na quarta e na quinta partes do livro - intituladas respectivamente "A Imprensa do império" e "A grande imprensa" - o autor analisa o declínio do Jornalismo político e a ascensão da chamada grande imprensa. Busca articular essas mudanças com as transformações na vida econômica, social e política da segunda metade do século 19 e no início do 20, como a expansão da agroindústria cafeeira, a abolição da escravidão e a proclamação da República. Nesse período, os pequenos jornais de estrutura simples começaram a ser substituídos por empresas jornalísticas com estrutura complexa, dotadas de equipamentos gráficos sofisticados. Novos processos de produção foram introduzidos e as tipografias perderam o seu espírito artesanal para conquistar a posição de indústria gráfica.

O Jornalismo começou a adotar cada vez mais padrões estrangeiros, lançando mão de folhetins, caricaturas e grandes ilustrações. Houve uma proliferação de revistas ilustradas, críticas e de costume. A imprensa se diversificava, e publicações voltadas para públicos específicos, como as mulheres, por exemplo, ganhavam força. Além disso, os diários tenderam a ampliar a sua cobertura jornalística, descobrindo novas áreas para além da política e economia, como a literatura, o esporte, os casos policiais, o carnaval e outros eventos populares.

Claro que Nelson Werneck - como marxista que era - tentou o tempo todo articular essas mudanças culturais (e, no caso do Jornalismo, inclusive os seus aspectos mais especificamente técnico-profissionais) às condições de vida material da sociedade brasileira. Nesse caso, ele associou as mudanças da imprensa à expansão e pluralização da atividade econômica, ao surgimento de novos interesses e de novos atores sociais. Grosso modo, trata-se da ascensão da burguesia e das relações capitalistas no país e tudo que lhe era correlato na especificidade histórica da sociedade brasileira. Werneck Sodré dá ênfase às contradições na sua análise do processo histórico. E, segundo ele, o desenvolvimento do capitalismo no Brasil foi um processo tortuoso, que nada teve de contínuo e harmônico. Suas contradições eram bastante visíveis na estrutura do poder que precisava se acomodar entre a burguesia (expressão do capitalismo ascendente) e o latifúndio pré-capitalista (resquício do longo passado colonial). No que diz respeito à imprensa, a grande contradição é justamente essa: o jornal era uma empresa capitalista que servia um poder que correspondia a relações predominantemente pré-capitalistas.

Finalmente, na última parte - "A crise da imprensa" - Nelson Werneck analisa a imprensa na metade do século 20 (décadas de 1950 e 1960). E afirma que, nesse período, a passagem da imprensa artesanal à industrial, da pequena à grande imprensa, está plenamente realizada. Para ele, entretanto, trata-se de uma fase de crise, porque, apesar de os traços que caracterizam uma nova etapa no processo de desenvolvimento da imprensa sejam ostensivos, eles ainda não se definiram plenamente. Trata-se de um período de transição, que se realiza no contexto da "revolução brasileira". Afirma Nelson Werneck: "O Brasil vai rompendo velhas estruturas, velhas relações de produção, e é adequado, e já até consagrado, falar em Revolução Brasileira. No quadro de desenvolvimento da Revolução Brasileira, quadro de crise estrutural, situa-se a nova etapa da história da imprensa brasileira, iniciada como crise".

Esse é o capítulo menos denso do ponto de vista da pesquisa empírica e no qual há mais comentários e análises críticas, porque é o mais colado às disputas políticas nas quais o próprio Nelson Werneck estava inserido. Um dos pontos mais críticos é o que trata da crescente articulação das empresas de Comunicação aos interesses do chamado imperialismo norte-americano, tema da pauta de discussão da esquerda no momento da publicação da primeira edição da obra.

No capítulo inédito, publicado nas duas últimas edições e escrito pouco antes da morte de Nelson Werneck, em 1999, o autor busca atualizar a sua análise, acrescentando comentários sobre a expansão das Mídias eletrônicas a partir da década de 1970 e a progressiva perda de peso dos grandes jornais. Aponta para a diminuição da diversidade nos diários e a impressionante uniformidade de posições dos diferentes periódicos - naquele momento, expresso no seu apoio incondicional ao neoliberalismo. A imprensa - para Werneck Sodré - mais do que nunca, se compatibilizava com o regime, com as classes e com as forças políticas dominantes. "Quando a imprensa, como aqui e agora, modula um coro repetitivo de louvação ao neoliberalismo, está claro e evidente que perdeu a sua característica antiga de refletir a realidade.", afirma Sodré.

Mas o historiador sabia que a imprensa jamais poderia refletir a realidade sem refratá-la. E ao longo de todo o seu livro se esforça para mostrar isso. Para ele, a imprensa era uma força histórica ativa e uma das principais instituições que deram forma ao mundo capitalista. É clássica sua afirmação - enunciada já na primeira frase da Introdução do livro: "a história da imprensa é a própria história do desenvolvimento da sociedade capitalista".

Nelson Werneck Sodré foi, sem dúvida, um dos mais importantes historiadores do século 20. A História da Imprensa no Brasil é apenas um de seus mais de 50 trabalhos publicados, entre os quais se destacam também História da Literatura Brasileira (publicado em 1938, quando ele tinha apenas 27 anos), Formação Histórica do Brasil, História da Burguesia Brasileira e História Militar do Brasil. Escreveu também cerca de três mil artigos, publicados em diferentes jornais e revistas, como o Correio Paulistano, Cultura Política e O Estado de S.Paulo. Ele também foi revisor do Jornal do Commercio, diretor da Revista da Escola Militar e colaborador da Folha da Manhã, do Diário de Notícias e da Última Hora.

Nelson Werneck Sodré não era, entretanto, um historiador acadêmico. Autodidata, não estava ligado a nenhuma universidade ou instituição de ensino superior. Ele era um militar de esquerda, profundamente engajado nas questões do seu tempo e que usava o pensamento como sua principal arma de luta. Ficou 38 anos na ativa, até 1961. Viveria mais outros 38 anos na reserva.

O marxismo era sua principal referência teórica. Foi influenciado, sobretudo, pela leitura de autores como Wladimir Lênin, Georgi Plekhanov, György Lukács e Antônio Gramsci. E, a partir deles, se propôs a produzir uma história engajada, partindo da ideia de que elementos do passado podem lançar luz sobre os dilemas contemporâneos. O ideário socialista sempre esteve presente nos seus escritos. E suas reflexões estavam articuladas às posições do PCB (Partido Comunista Brasileiro) e adequadas às suas diretrizes. Nos anos 1960, para o projeto de construir a nação era fundamental superar o imperialismo. Seu projeto político era, portanto, a Revolução Brasileira.

Apesar de sua trajetória intelectual pouco ortodoxa, Nelson Werneck influenciou gerações com seus livros e ideias. Uma das referências institucionais importantes de seu pensamento foi o ISEB. O Instituto Superior de Estudos Brasileiros, criado em 1955, congregava intelectuais importantes das mais diferentes tendências, como Roland Corbusier, Hélio Jaguaribe e Cândido Mendes, além do próprio Nelson Werneck - que inclusive participou da criação da entidade. O ISEB promovia cursos, palestras e encontros, além de lançar livros e publicações a partir dos quais se difundia os princípios do nacional desenvolvimentismo. Com algumas variantes, suas propostas baseavam-se na industrialização autônoma (considerada a única forma capaz de levar o país a superar o subdesenvolvimento), apoiada politicamente numa frente composta pela burguesia nacional, pelo proletariado, por intelectuais e por grupos técnicos da administração. Os conceitos elaborados pelo ISEB difundiram-se por amplos setores da sociedade - ligados ao projeto de desenvolvimento nacional - e serviram de paradigma para a apreensão da realidade brasileira nos anos 1950 e 1960.

O golpe militar de 1964, entretanto, teve consequências duras para Nelson Werneck Sodré. O ISEB foi fechado, e ele teve seus direitos políticos cassados por dez anos. Foi preso no dia 26 de maio e ficou detido durante quase dois meses. Sem o direito de ensinar, dedicou-se exclusivamente às suas pesquisas e à redação de seus livros.

A partir da década de 1970, a obra de Sodré foi alvo de muitas críticas por parte de historiadores profissionais, que o acusavam de utilizar com excessiva rigidez alguns conceitos que permearam toda a sua obra, como classe social, imperialismo, revolução democrática. Isso sem falar no polêmico debate sobre o feudalismo no Brasil, já mencionado anteriormente. Por isso, durante muito tempo a obra do autor caiu num certo esquecimento no interior da historiografia nacional, apesar de ainda continuar como uma referência para os estudos sobre história da Comunicação, especialmente da impressa.

Nos anos 2000, no entanto, houve um visível movimento de um resgate da obra de Nelson Werneck Sodré. Diversos trabalhos acadêmicos - dissertações e teses - procuraram dialogar com o autor e sua obra. Alguns exemplos são a tese do André Gaio (Uma teoria da dependência: história e revolução na obra de Nelson Werneck Sodré - PUC-SP, 2000); a dissertação de Delson Ferreira (Nacionalismo, política e democracia na obra de Nelson Werneck Sodré - UFSCar, 2001); a dissertação de Ivan Ducatti (Os "restos feudais" no Brasil como metáfora política: uma releitura de Nelson Werneck Sodré - USP, 2003); e a tese de João Alberto Pinto (Os impasses da intelligentsia diante da Revolução Capitalista no Brasil (1930-1964) História e política em Gilberto Freire, Caio Prado Junior e Nelson Werneck Sodré - UFF, 2005).

Merece atenção também a publicação de alguns livros, como o organizado por Paulo Cunha e Fátima Cabral (Nelson Werneck Sodré: entre o sabre e a pena), que saiu em 2006, pela Editora da Unesp, e o Dicionário Crítico Nelson Werneck Sodré, organizado por Marcos Silva, que saiu em 2008, pela Editora da UFRJ. O primeiro livro foi resultado da VIII Jornada de Ciências Sociais da Unesp de Marília. O evento - do qual resultou a publicação - foi antecedido por outro, também dedicado à discussão da obra de Nelson Werneck Sodré, realizado em 2001, no Centro de Documentação e Memória (Cedem) da própria Unesp. Outra publicação é Nelson Werneck na Historiografia Brasileira, coletânea organizada por Marcos Silva e publicada pela Edusc, que reúne textos de diferentes críticos da obra de Sodré. Seu marxismo, nacionalismo e análises políticas são alguns dos temas tratados.

Em 2011, no centenário do nascimento de Nelson Werneck Sodré, novas publicações surgiram. Merecem destaque os livros de José Paulo Netto (Nelson Werneck Sodré: o general da história e da cultura) e de Lincoln de Abreu Penna (A República dos manifestos militares: Nelson Werneck Sodré, um intérprete republicano). A edição dessas obras se deram junto com uma série de eventos comemorativos que ocorreram em espaços culturais, universidades e outras entidades acadêmicas.

É interessante observar que esse boom de estudos sobre Nelson Werneck aconteceu no campo da história e das ciências sociais e, nos trabalhos desenvolvidos, quase nada é dito sobre sua reflexão a respeito da imprensa. Apenas no Dicionário há um verbete sobre o livro História da Imprensa no Brasil. Mas o texto ocupa apenas seis das 480 páginas da publicação. As partes dedicadas à sua contribuição à imprensa, como articulista do Correio Paulistano, da Cultura Política e do Estado de S. Paulo, se limitam a resenhar o conteúdo dos temas tratados - em geral sobre a realidade brasileira. Não se trata de comentários sobre a imprensa em si.

No campo da Comunicação, uma discussão aprofundada e uma revisão da obra de Nelson Werneck Sodré ainda não aconteceram de forma sistemática. Um dos primeiros passos nesse sentido foi as duas sessões dedicadas ao assunto ocorridas nos encontros anuais da Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação) de 2010 e de 2011, realizados, respectivamente, na Universidade de Caxias do Sul e Universidade Católica de Pernambuco. Ambos os eventos também ocorreram associados à efeméride do centenário de nascimento do autor.

O esquecimento do Nelson Werneck Sodré nos debates da Comunicação é, realmente, surpreendente. Isso porque, no caso específico dos estudos da imprensa, a sua obra tem um papel fundador. Apesar de outros livros de síntese sobre o assunto terem sido escritos antes do dele, é indiscutível o lugar singular que sua obra ocupa como referência para tudo o que se seguiu.

Entretanto, se, por um lado, somos devedores do trabalho pioneiro desse autor, por outro estamos presos aos limites da sua abordagem. Parece que, apesar de todos os avanços das pesquisas, ainda não superamos em termos teóricos e metodológicos, de forma concreta e radical, a sua perspectiva. Em alguns casos - é preciso dizer -, a pesquisa na área se encontra mesmo aquém do legado deixado pelo autor.

Nelson Werneck Sodré utilizou um extenso e diversificado conjunto de documentos para dar suporte a sua narrativa, desde textos literários e memorialísticos a coleções de leis, processos jurídicos e correspondência, além - é claro - dos próprios jornais, revistas, opúsculos, panfletos e pasquins. São impressionantes o uso que o autor faz dessas variadas fontes e o esforço de reflexão teórica que, a partir delas, ele empreendeu.

Resgatar a importância da obra de Nelson Werneck Sodré, valorizando suas contribuições (tanto em termo de pesquisa empírica, quanto de esforço de teorização) deve implicar também no apontamento dos seus limites (igualmente de pesquisa empírica e de teorização). O olhar crítico sobre a obra desse autor não diminuiu a sua importância para formação da história da imprensa como um campo de investigação. Importância, aliás, que extrapola os estudos da imprensa propriamente dita e se expande para o campo da história da Mídia como um todo (porque possibilita reflexões sobre outros meio, como a rádio e a televisão, por exemplo).

Há alguns anos, tem sido desenvolvida uma reflexão crítica sobre a produção da história da Mídia no Brasil, principalmente sobre aquela que é desenvolvida no campo da Comunicação. Já foram escritos alguns textos e feitas diversas palestras sobre esse assunto em foros como a Alcar (Associação Brasileira de História da Mídia) e a Intercom (Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação)1 1 Nesse contexto, pode-se citar textos apresentados por Marialva Barbosa e por mim nos congressos da Intercom de 2005 e 2009. . Em 2011, foi publicada a coletânea Comunicação e História: partilhas teóricas, tendo como objetivos justamente discutir a historicidade dos processos comunicacionais. A publicação reunia pesquisadores que partilhavam de uma mesma perspectiva teórico-metodológica.

É importante sublinhar - como já foi feito em outros momentos - que o significativo e louvável aumento do número de trabalhos de história da Mídia que vem ocorrendo nos últimos anos não tem correspondido a um amadurecimento das reflexões sobre o tema. Nos encontros e congressos realizados, por exemplo, constata-se que as discussões teóricas e metodológicas ainda são escassas. Os debates se limitam muitas vezes às análises empíricas dos trabalhos apresentados. E esse, a partir da perspectiva crítica aqui adotada, é um problema grave. Parece faltar uma teoria da história para a história da imprensa e da Mídia que se faz no Brasil.

Há um grande número de pesquisas dedicado aos meios de Comunicação em diferentes estados e estas buscam dar conta das especificidades da configuração histórica da Mídia local e regional. Esses trabalhos têm crescido bastante em número e espelham a articulação dos programas de pós-graduação em diferentes estados do país. O problema é que os estudos sobre as práticas de Comunicação regionais - apesar dos importantes resultados gerados - não têm redundado em pesquisas ou análises comparativas. Isso provoca distorções graves, que impedem o amadurecimento das reflexões na área. É como se, por exemplo, as pesquisas sobre a imprensa do Piauí ou do Espírito Santo tivessem um interesse restrito, apenas para a população e estudiosos desses estados.

Predominam as pesquisas monográficas, centradas em temas bastante específicos (um periódico, por exemplo) ou em determinados períodos de tempo (em geral, não muito extensos). Esses trabalhos são, obviamente, de grande relevância. Sem eles não seria possível conhecer em profundidade determinadas práticas, instituições ou conjunturas. Mas é necessário também haver trabalhos de síntese, que sistematizem teórica e didaticamente o conhecimento acumulado nas pesquisas específicas e que possam funcionar como subsídio para o desenvolvimento de novas investigações.

O clássico História da Imprensa no Brasil, de Nelson Werneck Sodré, publicado há quase 50 anos, é ainda hoje o principal texto de síntese utilizado pelos estudiosos da história dos meios de Comunicação no país. Além do livro de Juarez Bahia, de 1990, só recentemente- no impulso das comemorações dos 200 anos de imprensa - saíram novas publicações gerais, como os livros deRichard Romancini e Cláudia Lago (2007)ROMANCINI, Richard; LAGO, Cláudia. História do jornalismo no Brasil. Florianópolis: Insular, 2007.e a coletânea organizada porAna Luiza Martins e Tania Regina de Luca (2008)MARTINS, Ana Luiza; LUCA, Tania Regina de (orgs.). História da imprensa no Brasil. São Paulo: Contexto, 2008. 2 2 Especificamente sobre história da televisão, podemos destacar ainda os trabalhos de Othon Jambeiro (2002) e Sérgio Mattos (2002), ambos publicados há alguns anos. Aliás, no que toca á história da televisão especificamente, uma série de produções (acadêmicas e memorialistas) foi impulsionada também por uma efeméride: o cinquentenário desse veículo de Comunicação no país. Muito se publicou nesse período sobre o assunto. . Merece destaque especial os livros deMarialva Barbosa (2007BARBOSA, Marialva. História cultural da Imprensa: Brasil 1900-2000.Rio de Janeiro: Mauad X, 2007.e2010)______. História cultural da Imprensa: Brasil 1800-1900.Rio de Janeiro: Mauad X, 2010., que também foram publicados nesse período. Mesmo sendo trabalhos genéricos e de síntese, significaram um avanço na construção de uma teoria da história da imprensa, assim como de uma metodologia de pesquisa dos meios de Comunicação. A autora lembra que a história é sempre uma reconstrução que o pesquisador faz a partir dos vestígios do passado que, de alguma forma, chegam até ele. E é justamente no resgate desses vestígios memoráveis que a pesquisa histórica de Marialva Barbosa se realizou. A autora fez um trabalho de detetive e montou um verdadeiro quebra-cabeça a partir de "restos" significantes, presentes em diferentes relatos: nos próprios textos jornalísticos, nas memórias dos profissionais de imprensa, nos romances, nas crônicas literárias, na música popular, no cinema3 3 Quando este artigo já estava pronto, foi lançado História dos Jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840). Trata-se do primeiro volume de uma série de três de autoria do jornalista Matías Molina. A proposta é que os livros deem conta da história da imprensa no país, desde suas primeiras manifestações até os dias atuais. .

De qualquer forma, é sintomático que tão poucos trabalhos de síntese histórica tenham sido escritos depois da obra de Nelson Werneck Sodré. Isso reflete a falta de amadurecimento das pesquisas em história da imprensa - assim como na de outros meios de Comunicação. É indicativo da ausência de uma teoria e de uma metodologia que permita aos pesquisadores comparar e articular as diferenças regionais e a problematizar questões mais gerais sobre nossa formação histórica.

  • 1
    Nesse contexto, pode-se citar textos apresentados por Marialva Barbosa e por mim nos congressos da Intercom de 2005 e 2009.
  • 2
    Especificamente sobre história da televisão, podemos destacar ainda os trabalhos de Othon Jambeiro (2002) e Sérgio Mattos (2002), ambos publicados há alguns anos. Aliás, no que toca á história da televisão especificamente, uma série de produções (acadêmicas e memorialistas) foi impulsionada também por uma efeméride: o cinquentenário desse veículo de Comunicação no país. Muito se publicou nesse período sobre o assunto.
  • 3
    Quando este artigo já estava pronto, foi lançado História dos Jornais no Brasil: da era colonial à Regência (1500-1840). Trata-se do primeiro volume de uma série de três de autoria do jornalista Matías Molina. A proposta é que os livros deem conta da história da imprensa no país, desde suas primeiras manifestações até os dias atuais.

Referências

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  • ______. (Org.). Nelson Werneck na historiografia brasileira Bauru: Edusc, 2000.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Dec 2015

Histórico

  • Recebido
    09 Abr 2014
  • Aceito
    05 Dez 2014
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