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'Convergência e conexão são o que impulsiona a mídia agora'

'Convergence and connection are what pushes the media now'

'La convergencia y la conexión son lo que impulsa a los medios de Comunicación ahora'


Henry Jenkins é um dos mais influentes pesquisadores de mídia na atualidade. Desde 2009, Jenkins é professor de Comunicação, Jornalismo e Artes Cinematográficas da University of Southern California (USC). Entre 1993 e 2009, atuou como diretor do Programa de Estudos de Mídia Comparada do MIT. Ele é autor e/ou editor de 12 livros relacionados à mídia e cultura popular, a saber: Textual Poachers: Television Fans & Participatory Culture (1992), From Barbie to Mortal Kombat: Gender and Computer Games (1998); Democracy and New Media (2003); Convergence Culture: Where Old and New Media Collide (2006) [traduzido no Brasil como Cultura da Convergência, publicado em 2008 pela Editora Aleph]; Fans, Bloggers, and Gamers: Exploring Participatory Culture (2006); entre outros. Também é coautor do livro Spreadable Media (2013), traduzido no Brasil como Cultura da Conexão e publicado em 2004 pela Editora Aleph, com Sam Ford e Joshua Green1 1 Agradecemos à colega e profissional Me. Juliana de Mello Chagas Lima pela cuidadosa revisão da tradução inglês/português desta entrevista. . É formado em Ciências Políticas e Jornalismo pela Georgia State University, mestre em Estudos da Comunicação pela University of Iowa e PhD em Artes da Comunicação pela University of Wisconsin-Madison. Na entrevista abaixo, Jenkins reflete sobre convergência e conexão midiática, a influência da mídia – especialmente, da mídia social – nas sociedades civil e política, além de pensar um pouco sobre os desafios do campo de estudo da Comunicação nesse contexto contemporâneo. A seguir, os principais trechos:

Revista Intercom – As informações das novas mídias e das mídias tradicionais se complementam e, muitas vezes, se chocam. Como os consumidores de informação se encaixam nesta nova dinâmica? Quais são as principais vantagens desta nova configuração?

Henry Jenkins – Tenha em mente que NADA é estável nesta configuração específica. Tudo está em fluxo, nada é predeterminado como imaginamos, pois este é um momento de transição prolongado e profundo da mídia. Também é importante notar que as mudanças estão acontecendo de forma diferente e em diferentes contextos nacionais. Digo isso como um aviso, pois você está usando como referência aqui a Cultura da Convergência, que escrevi há 12 anos e que leva em conta o contexto dos EUA. Eu sei o suficiente sobre o modo como a mudança da mídia está agindo atualmente no Brasil para saber que há diferenças significativas que precisam ser incluídas em sua análise. Dito isto, a dinâmica principal de uma mídia de massa cada vez mais concentrada e uma Comunicação em rede mais participativa, uma contra a outra, permanece fundamental para a compreensão da situação atual. A indústria da mídia de massa está aprendendo a incorporar aspectos de um público mais participativo em suas práticas fundamentais – o engajamento tornou-se um valor monetário essencial, que a indústria utiliza para medir o sucesso (já que o público está cada vez mais fragmentado em várias plataformas de mídia e os mecanismos de mídia social estão incorporados ao projeto da maioria das estratégias de programação). Alguns dos impulsos para uma cultura mais participativa foram operados em conjunto com as estratégias da Web 2.0, que visam conter e mercantilizar o desejo do público de ter mais voz nas decisões que impactam a produção de mídia e circulação. Temos visto, como o livro Cultura da Convergência previu, habilidades que surgiram por meio dos jogos e o consumo recreativo da mídia conduzindo, cada vez mais, a vida política (esse é um dos temas centrais do meu próximo livro, By Any Media Necessary). Como resultado disso, por exemplo, o #blacklivesmatter [movimento ativista internacional que luta contra a violência racial] tem sido eficaz em fazer questões chegarem à agenda internacional e dando destaque às formas como a mídia banaliza ou distorce as notícias relativas às políticas raciais. Apesar disso, também vemos sinais assustadores da reação contra as minorias raciais e étnicas emergindo no contexto de nossa [dos EUA] atual eleição presidencial, o que também sugere as mudanças no poder da mídia que estou descrevendo. Ainda vemos fenômenos, como por exemplo o #gamergate, que usam a mídia social para exercer violência sobre as pessoas que se declaram contra a falta de diversidade na mídia mainstream. Meu objetivo com o Cultura da Convergência foi mostrar às pessoas formas de realizar análises em todas as plataformas de mídia, olhando para o conjunto de relações entre seus diferentes tipos. Eu diria que esse modo de análise é cada vez mais importante, se considerarmos o que acontece no mundo atualmente.

Revista Intercom – Demandas sociais podem ser comunicadas e compartilhadas rapidamente por intermédio das mídias socais contemporâneas. Como essa mudança na disseminação pode modificar a agenda da 'Grande Mídia'?

Jenkins – Se olharmos para o que está acontecendo agora na campanha presidencial dos Estados Unidos, ambos os partidos [Democrata e Republicano] estão sendo fortemente influenciados por agendas que borbulham de baixo para cima, por meio da mídia social. Alguém disse que Donald Trump é o que você obteria se os comentários do YouTube ganhassem vida e caminhassem pela Terra, e há alguma verdade nisso. Ele é todo 'Id' e tem consistentemente guiado a cobertura noticiosa da campanha por meio de suas postagens no Twitter tarde da noite, dizendo coisas que nunca ganhariam repercussão em uma era onde a transmissão televisiva determinava o que era 'razoável' dizer. E ele parece continuar a ser um dos favoritos, apesar de ter uma pequena minoria de apoiadores, mesmo com tudo o que diz. No lado democrata, podemos ver questões como a reforma da imigração sendo defendida pelos Dreamer Movements, a radicalização da violência policial levantada pelo Black Lives Matter, a desigualdade de renda destacada pelo Occupy Wall Street e a reforma da política antidrogas defendida por vários movimentos de base, todos tomando o centro do palco no debate. Toda esta campanha poderia ser radicalmente diferente em um mundo onde não existissem mídias sociais. A mesma coisa parece estar acontecendo nas redes de televisão: programas que mostram elencos de minorias estão subitamente saltando para os altos escalões em classificações, confundindo suposições muito antigas da indústria, em parte por causa da capacidade de divulgar e mobilizar o público por meio da mídia social. Será que isso faz o poder do 'Grande Capital' desaparecer da política ou a 'Grande Mídia' sumir da indústria de entretenimento? Não, claro que não. Nós estamos simplesmente vendo uma contrapressão exercida sobre essas instituições.

Revista Intercom – É possível dizer que a sociedade mediada é um resultado – e também alimenta – a cultura da conexão e os processos de convergência?

Jenkins – Eu não sei como responder a isso porque eu não sei como separar os dois lados dessa equação. Convergência e conexão são o que impulsiona a mídia agora e aquilo que assegura que a mídia seja importante em todos os níveis, desde o mais micro e hiperlocal, até o mais macro. Se a nossa sociedade é mediada, é POR CAUSA da convergência e da conexão, porque todos os aspectos das nossas vidas são tocados pela mídia e porque mais e mais de nós temos a capacidade de comunicar nossas ideias por meio de múltiplos canais de mídia.

Revista Intercom – A convergência pode ser configurada como conteúdo de fluxo, pelo ponto de vista operacional, mas também pode definir transformações mercadológicas, sociais e culturais, pelo ponto de vista processual. Quais foram as principais mudanças conceituais no campo da Comunicação, após a expansão da cultura da convergência e da conexão?

Jenkins – Para começar, tornou-se muito mais difícil fazer distinções clássicas entre comunicações interpessoais, organizacionais e de massa, por exemplo, em um momento em que a mídia social e os grandes meios de transmissão se conectam de forma cada vez mais complexa e o conteúdo pode fluir de uma rede hiperpessoal para um fórum maior com apenas um clique no mouse. Por outro lado, torna-se cada vez mais claro que todos os eventos são eventos de mídia, na medida em que o que importa tem tanto a ver com a forma como eles são cobertos e a maneira como impactam os fluxos discursivos, quanto com o que 'realmente acontece' no mundo real. Cada evento tem o potencial de ser absorvido em múltiplas conversas, sendo reenquadrado e ao mesmo tempo reembalado e recirculado, redefinido conforme se transforma em um meme, por um lado, ou traduzido em conteúdo a ser difundido, por outro. Tudo isso significa que os estudos da Comunicação precisam estar atentos aos muitos níveis diferentes de Comunicação que possam estar ocorrendo ao mesmo tempo, exigindo ferramentas mais sofisticadas para uma análise cross-media.

Revista Intercom – Qual a importância do governo e das instituições educacionais no apoio à facilitação do acesso ao 'ambiente de propagabilidade' para a formação de uma sociedade informada e engajada?

Jenkins – Vamos começar definindo o que constituiria um ambiente ideal para a propagabilidade. Em primeiro lugar, existiria um maior acesso do público aos meios de produção e circulação cultural. Haveria oportunidades para redes de pessoas trabalharem para resolver problemas em conjunto, compartilhando recursos e conhecimentos. O público teria as habilidades e a infraestrutura necessárias para participar significativamente de tais trocas. Existiria uma sensação de que a participação é importante e, portanto, haveria respaldo social para permitir que vozes mais diversas fossem ouvidas. E haveria uma maneira de transformar voz em influência sobre as decisões fundamentais que tenham impacto no cotidiano das pessoas. Para mim, são essas as expectativas que os cidadãos devem ter em uma sociedade democrática. Não devemos presumir que as novas tecnologias de mídia são inerentemente democratizantes. Ao contrário, devemos vê-las como instrumentos por meio dos quais podemos lutar para alcançar mais plenamente as potencialidades de uma sociedade mais diversificada e democrática. Nossa tarefa como estudiosos da mídia é, em parte, identificar em que lugar ficamos aquém desses ideais, bem como indicar exemplos nos quais alguns dos potenciais de uma cultura mais participativa e mais diversificada foram alcançados. Alguns casos têm a ver com os obstáculos tecnológicos, que necessitam de ajuda em infraestrutura. Outros têm a ver com questões de neutralidade da rede, que dependem de políticas governamentais para assegurar que os movimentos de base ou indivíduos não sejam limitados em sua capacidade de ganhar maior visibilidade do que os players corporativos. Alguns têm a ver com o acesso às competências, aos recursos, à orientação, às oportunidades etc., que são muitas vezes questões de acesso à educação e às escolas – e outras instituições de ensino que têm um papel crucial a desempenhar na resolução desses problemas. Outros têm a ver com as formas como as desigualdades sistêmicas e estruturais em torno de raça, classe, gênero etc., estão se reproduzindo no ambiente digital, e essas lutas precisam ser entendidas como parte das lutas maiores por justiça social. Compreendido nesses termos, então, qual o papel do governo e das instituições educacionais em assegurar que a sociedade tenha os pré-requisitos que permitem que a democracia funcione? Novamente, há especificidades culturais em relação a como devemos responder a essa pergunta. Mas, historicamente, a educação pública tem sido entendida, principalmente, como um meio de assegurar o acesso mais amplo possível às habilidades e conhecimentos necessários para participar significativamente da vida cívica. Podemos esperar, portanto, que, na era digital, as instituições de ensino tenham um papel a desempenhar na promoção de competências na cultura midiática, na criação de oportunidades para os jovens reivindicarem e exercitarem suas vozes, garantindo que tenham a orientação de que precisam para encontrar o caminho das redes, que serão a fonte produtiva para sua energia criativa e suas necessidades sociais. Além disso, devem ter um papel importante na promoção de uma séria reflexão sobre as normas éticas que podem permitir que uma sociedade diversificada respeite todos os participantes e se responsabilize pela qualidade das informações colocadas em circulação. Os governos precisam ainda desempenhar papel ativo no sentido de garantir o mais amplo acesso à infraestrutura técnica da qual depende a participação e assegurar a liberdade de expressão necessária para que um grupo diversificado de pessoas conte suas histórias, afirme suas verdades e expresse suas necessidades.

Revista Intercom – Inovações tecnológicas, da Comunicação e as transformações culturais muitas vezes tornam alguns conceitos obsoletos em um curto prazo. Em seus projetos em andamento, é possível visualizar as inovações conceituais e processuais, na Comunicação, em um futuro próximo?

Jenkins – Eu sou muito melhor em descrever o que está acontecendo agora do que em prever com qualquer especificidade o que acontecerá no futuro. Se o livro Cultura da Convergência ainda é lido há mais de uma década depois que o escrevi é porque oferece uma ampla descrição das dinâmicas que estão impactando no ambiente de comunicação – como as lutas sobre os nossos termos de participação discutidos acima – e não por que faz menção a tecnologias e práticas específicas. Os estudos de caso estão lá para ilustrar dinâmicas maiores: eles também são os sinais que me permitem localizar padrões mais amplos. A sequência dos meus livros recentes mapeia um terreno movediço – da convergência e transmídia para a mídia propagável, para agora focar sobre o impacto dessas ideias centrais na participação política – desde a produção/recepção até a circulação e mobilização. Eu acho que o verdadeiro desafio, em curto prazo, é como governar nesta era de sociedades e mídias fragmentadas. No plano político, temos cada vez mais exemplos de pessoas comuns que afirmam suas vozes nos assuntos públicos e mais e mais exemplos de mobilização coletiva em torno de causas populares. Mas isso se traduziu em uma maior influência sobre o governo? Muitos dos ativistas que entrevistamos para o [livro a ser lançado] By Any Media Necessary responderiam que não. Eles veem o governo como falido e estão buscando mudanças por meios educacionais ou culturais. No âmbito cultural, a questão é saber se podemos conseguir uma mídia mais diversificada, ao permitir que mais tipos diferentes de pessoas compartilhem suas histórias. O debate central ainda é em torno dos termos da nossa participação, seja na forma de reforma de propriedade intelectual ou da neutralidade da rede, ou da privacidade. As principais discussões serão relativas aos termos de serviço e, em última análise, ao fato de se os imperativos corporativos de cima para baixo e as demandas sociais de baixo para cima, determinarão em qual tipo de sistema de mídia vamos operar.

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    Agradecemos à colega e profissional Me. Juliana de Mello Chagas Lima pela cuidadosa revisão da tradução inglês/português desta entrevista.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016
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