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Polarização política, influenciadores e relações pessoais: uma leitura dos estudos sobre o voto de Paul Lazarsfeld

Polarización politica, influenciadores y relaciones personales: una lectura de las investigaciones sobre voto de Paul Lazarsfeld

Resumo

Formulado originalmente nos anos 1940 por Paul F. Lazarsfeld e colaboradores, o conceito de “líder de opinião” vem ganhando uma renovada atenção nos estudos de Comunicação, particularmente em trabalhos sobre influenciadores digitais. No entanto, nem sempre a ideia é situada em seu contexto, os livros The People’s Choice (1948), Voting (1954) e Personal influence (1955), isolando-a da trama epistemológica da qual emerge. Este texto destaca três pontos menos explorados dessas obras que podem ser articulados com fenômenos contemporâneos: (1) o lugar das relações pessoais e grupos próximos na tomada de decisões do indivíduo; (2) o surgimento de líderes de opinião como resultado de um vínculo de confiança e (3) a polarização decorrente da homogeneização das opiniões internas em um grupo e hostilização de visões contrárias. Esses pontos são discutidos dentro de uma perspectiva epistemológica da comunicação.

Palavras-chave
Teoria da Comunicação; Influência; Líder de Opinião; Lazarsfeld

Resumen

La idea de “líder de opinión” parece ser el principal concepto asociado a Paul Lazarsfeld en la investigación en comunicación, ya sea en los estudios sobre influencers en medios digitales o en la literatura teórica del área. Sin embargo, este concepto no siempre se presenta desde su contexto de formulación en The People’s Choice (1948), Voting (1954) e Influencia personal (1955). A partir de la lectura de estos trabajos, este artículo destaca tres aspectos menos discutidos de esta teoría: (1) las relaciones personales y los grupos cercanos son fundamentales en la toma de decisiones del individuo; (2) los líderes de opinión surgen de la confianza del grupo en sus capacidades; (3) las acciones de liderazgo pueden conducir a una homogeneización de opiniones grupales y hostilidad hacia puntos de vista opuestos, lo que resulta en un escenario de polarización. Estos puntos se discuten dentro de una perspectiva epistemológica de la comunicación.

Palabras clave
Teoria de la Comunicación; Influencia; Lider de Opinión; Lazarsfeld

Abstract

‘Opinion leaders’ and ‘personal influence’ seems to be the main concepts associated with Paul Lazarsfeld in media research, as the main ingredients of the ‘two-step flow’ model of communication, developed in milestone books The People’s Choice (1948), Voting (1954) and Personal Influence (1955). Although familiar in Communication Theory, these notions are not always presented in a greater length. This paper, grounded on a reading of the books, highlights other aspects of Lazarsfeld’s model that seems to have been less discussed in the area’s literature: (1) the importance of small groups in communication; (2) how opinion leaders emerge from trust relations inside groups and (3) the risks of opinion homogenization and political polarization related to the leaders influence inside groups. These elements are discussed against the background of communication epistemology studies.

Keywords
Communication Theory; Influence; Opinion Leader; Lazarsfeld

Introdução

Em princípios de 1940, uma equipe da Universidade de Colúmbia, nos Estados Unidos, chegou ao pequeno condado de Erie, no estado de Ohio, para realizar uma pesquisa sobre as intenções de voto da população local nas eleições presidenciais daquele ano. Liderados pelo sociólogo austríaco Paul F. Lazarsfeld, com um financiamento da Fundação Rockfeller, o grupo estava ligado ao Bureau for Applied Social Research (“Escritório de Pesquisa Social Aplicada”), sediado na universidade.

Sua pergunta de pesquisa era uma das mesmas que se faz até hoje em qualquer eleição:

o que leva uma pessoa a votar neste ou naquele candidato? Assim como hoje, não faltavam apostas: convicções prévias, proximidade de valores, propaganda eleitoral e influência da mídia estavam entre os candidatos a explicação, sem, no entanto, serem conclusivas. Para formular uma resposta, a equipe de pesquisa achou necessário, em vez de olhar para a mídia, estudar como eleitoras e eleitores recebiam essas mensagens.

Lazarsfeld foi escolhido para o trabalho por sua experiência com estudos desse tipo. Nos anos imediatamente anteriores, graças a uma bolsa de pesquisa nos Estados Unidos, havia liderado um estudo sobre a audiência de programas de rádio, o Princeton Radio Research Project. Dentre seus colaboradores estava outro recém-chegado da Europa, Theodor W. Adorno – que, desde o início, teve acentuadas diferenças com Lazarsfeld, tornando-se posteriormente um de seus principais críticos (ADORNO, 1995ADORNO, T. W. Palavras e Sinais. Petrópolis: Vozes, 1995.; POLLAK, 2018POLLAK, M. Paul F. Lazarsfeld: fundador de uma multinacional científica. Política e Sociedade, Vol. 17, no. 38, Jan/Abr. 2018, pp. 94-134.; CARONE, 2019; POOLEY; JERÁBEK, 2022POOLEY, J.; JERÁBEK, H. Lazarsfeld’s legacy. International Journal of Communication, Vol. 16, no. 1, 2022, pp. 604-607.).

O cenário em Erie era diferente. O estudo não era sobre a audiência do rádio ou o gosto musical do público, mas buscava entender as dinâmicas do voto. Pesquisas de opinião haviam sido desenvolvidas em um período relativamente recente, e a possibilidade de prever com acerto o resultado de uma eleição estava na pauta dos estudos de Comunicação e Política – além de ser um bom negócio, tanto para institutos de pesquisa quanto para o campo político (POLLAK, 2018POLLAK, M. Paul F. Lazarsfeld: fundador de uma multinacional científica. Política e Sociedade, Vol. 17, no. 38, Jan/Abr. 2018, pp. 94-134.). Em geral, essas pesquisas eleitorais eram realizadas a partir de questionários aplicados em uma amostra estatística representativa da população, de forma relativamente parecida com o que é feito hoje. Isso permitia compreender variáveis importantes, bem como suas correlações – por exemplo, entre voto e idade, localização ou classe. E ainda conferia à pesquisa social uma aura de cientificidade bastante bem-vinda naquele momento, como lembra Becker (2022)BECKER, H. S. Evidências. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2022..

O olhar de Lazarsfeld e sua equipe estava em outro aspecto. Pesquisas de opinião, por mais bem conduzidas que fossem, mostravam estatisticamente como pessoas votavam, mas deixavam de lado um aspecto fundamental: os motivos e razões pelos quais uma pessoa escolhia um candidato e não outro – e, mais ainda, porque elas mudam de opinião. O que levava uma pessoa a optar por alguém? Em que momento do processo eleitoral essa escolha era feita? Quais fatores levariam uma pessoa a duvidar de sua escolha ou mesmo modificá-la? Qual era o lugar da mídia – naquele momento, os jornais e o rádio – na tomada de decisões?

A compreensão dessas perguntas demandava uma metodologia que incluísse, de um lado, entrevistas mais amplas; de outro, um intervalo de tempo maior, contemplando todo o período eleitoral, de modo a observar a dinâmica das mudanças e escolhas.

A opção foi dedicar seis meses à pesquisa, começando em maio de 1940 e terminando em novembro, logo após as eleições. No lugar de questionários com respostas fechadas, foram realizadas, mensalmente, entrevistas individuais com uma amostra representativa de 600 participantes, escolhidos a partir de um grupo inicial de duas mil pessoas.

O resultado foi The People’s Choice (“A escolha do povo”), publicado em edição comercial em 1948 por Paul Lazarsfeld, Bernard Berelson e Hazel Gaudet.

O principal aspecto do estudo era mostrar a importância decisiva das relações pessoais na tomada de decisão – mais do que a propaganda eleitoral ou posicionamento da mídia: longe de influenciarem diretamente a escolha política, eram objeto de debate e conversa entre as pessoas, destacando-se, nesse momento, indivíduos mais engajados ou bem-informados a respeito do tema, denominados, no estudo, “líderes de opinião”.

Esses pontos pareciam contrariar a perspectiva de uma influência direta da mídia nas escolhas eleitorais e, de maneira mais ampla, no comportamento político das pessoas. Ao mesmo tempo, mostrava que os “grupos primários”, como denominavam Riley e Riley (1973)RILEY, J.W.; RILEY, M. W. A comunicação de massa e o sistema social. In: COHN, G. Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo: Cia Editora Nacional, 1971, pp. 118-154., ou seja, família, trabalho e amigos, eram decisivos na definição das atitudes políticas.

Na década seguinte, Lazarsfeld e outros colaboradores repetiram esse estudo em Elmira, no estado de Nova York, obtendo resultados similares, publicados em 1954 no livro Voting (“Votando”), assinado por Berelson, Lazarsfeld e McPhee; uma maior elaboração foi publicada no ano seguinte por Katz e Lazarsfeld em Personal Influence (“Influência Pessoal”). Juntos, esses livros formam um capítulo à parte na história das Teorias da Comunicação, uma espécie de “trilogia do voto”, sendo geralmente apresentados, na literatura da Área, como o modelo de “efeitos limitados” da mídia. Oito décadas depois, em um cenário radicalmente diferente, seria questionável o que esses livros teriam a contribuir com a pesquisa em Comunicação, sendo, talvez, candidatos a figurar em um imaginário “museu das teorias” da Área.

No entanto, em anos recentes, a ideia de “líder de opinião”, vem recebendo uma renovada atenção nos estudos sobre influenciadores digitais. Em um trabalho anterior realizado por Martino (2018), nota-se a articulação do conceito com o estudo dos influenciadores digitais, os “influencers”. Ao acompanhar o crescimento dessa produção, na forma de artigos em publicações acadêmicas e trabalhos apresentados em eventos, levanta-se um questionamento: o que esse conceito dizia originalmente sobre processos eleitorais? Quais aspectos poderiam ser articulados em um cenário de comunicação política marcado por redes sociais, grupos de conversa em aplicativos, circulação ostensiva de fake news e intensa polarização?

Este artigo delineia algumas das propostas teóricas sobre o lugar da comunicação nos processos políticos elaboradas por Paul F. Lazarsfeld e colaboradores na trilogia composta por The People’s Choice (publicado originalmente em 1948), Voting (1954) e Personal Influence (1955). O exame conceitual dos livros permite delinear pontos de contato com três questões contemporâneas: (1) o lugar das relações pessoais e grupos próximos na tomada de decisões do indivíduo; (2) o surgimento de líderes de opinião como resultado de um vínculo de confiança e (3) a polarização decorrente da homogeneização das opiniões internas em um grupo e hostilização de visões contrárias. Esses três aspectos são problematizados contra o pano de fundo das teorias da comunicação buscando-se, quando possível, aproximações contemporâneas.

Este texto prossegue e amplia discussões anteriores sobre o tema, dialogando com referências críticas ao mesmo conjunto de obras (MARTINO, 2010MARTINO, L. C. Dois estágios da comunicação versus efeitos limitados. 19o. COMPÓS. Anais... Rio de Janeiro, 7 a 9 de junho de 2010; STAMM, 2010STAMM, M. Paul Lazarsfeld’s Radio and the Printed Page: a critical reappraisal. American Journalism, Vol. 27, no. 4, 2010, pp. 37-58.; LACY; STAMM, 2016LACY, S.; STAMM, M. Reassessing the People’s Choice: revisiting a classic and excavating lessons for research about media and voting. Mass Communication and Society, no. 19, 2016, pp. 105-126.; MARTINO, 2018MARTINO, L. C. Dois estágios da comunicação versus efeitos limitados. 19o. COMPÓS. Anais... Rio de Janeiro, 7 a 9 de junho de 2010).

Por razões de espaço, optou-se por reduzir o número de citações diretas, optando-se pela paráfrase quando possível; do mesmo modo, embora cada um dos livros seja assinado por diferentes autoras e autores, em ordem diversa, optou-se, quando possível, por assinalar a autoria de Lazarsfeld – sem dúvida, principal nome; finalmente, dado que o objetivo não é fazer um inventário das pesquisas ou diferenças entre os livros, optou-se por uma leitura transversal pautada nos conceitos que aparecem nos três.

O lugar dos estudos sobre o voto no discurso teórico da comunicação

As propostas de Lazarsfeld e suas equipes tendem a ser apresentadas, na literatura sobre Teoria da Comunicação, como crítica à concepção anterior de “efeitos ilimitados” da mídia, identificados às vezes como “teoria da agulha hipodérmica” e personificada, em alguns momentos, na figura de Harold Lasswell – de maneira errônea, como aponta Varão (2009VARÃO, R. A teoria hipodérmica reconsiderada. 32o. INTERCOM. Anais... Curitiba, 4 a 7 de setembro de 2009.; 2021)VARÃO, R. Harold Lasswell e o campo da comunicação. Curitiba: CRV, 2021., uma vez que Lasswell nunca chegou a formular uma hipótese nesse sentido.

Essa inserção em um discurso teórico é definida por Katz (2005 [1955]KATZ, E.; LAZARSFELD, P. F. Personal influence: the part player by people in the flow of mass comumunication. Nova Jersey: Transaction Books, 2005 (original de 1955).; 1987)KATZ, E. Communications Research Since Lazarsfeld. Public Opinion Quarterly, Vol. 51, no. 2, 1987, pp. S25-S45. no prefácio de Personal Influence e em textos posteriores, e também acompanhada por outros autores como Gitlin (1978)GITLIN, T. Media sociology: the dominant paradigm. Theory and Society, Vol. 6, no. 2, setembro 1978, pp. 205-253. ou Pooley e Jerábeck (2022)POOLEY, J.; JERÁBEK, H. Lazarsfeld’s legacy. International Journal of Communication, Vol. 16, no. 1, 2022, pp. 604-607.: embora não chegue a mencionar Lasswell, Katz aponta para os estudos de Lazarsfeld como contraponto ao pensamento até então dominante sobre Comunicação, voltado para o conhecimento dos efeitos ilimitados de uma mídia dotada de poderes excepcionais na condução das opiniões e atitudes políticas.

É importante observar também que os discursos teóricos, como todo discurso, não podem ser separados de seus lugares de origem, e essa definição se estabelece tanto por filiações a uma genealogia quanto por contraste com outras.

No caso das ideias de Lazarsfeld, a afiliação explícita é com as concepções de Gabriel Tarde (1992)TARDE, G. A opinião e as massas. São Paulo: Martins Fontes, 1992. sobre a importância da conversação na formação da opinião pública política; é sintomático, aliás, que Tarde seja o único pensador citado de maneira mais ampla nos três livros, especialmente em Voting. Ao mesmo tempo, se posicionam em um lado oposto ao de Durkheim (1995)DURKHEIM, E. As regras do método sociológico. São Paulo: Martins Fontes, 1995. sobre a precedência do social sobre o individual – que, em sua leitura, ofereceria um fundamento para a ideia da mídia capaz de conduzir opiniões e atitudes.

Assim, os conceitos de “líder de opinião” e “fluxo em duas etapas”, centrais nos três trabalhos, seria um resgate da conversação na formação da opinião pública, em um processo no qual a mídia ocupa um lugar importante, mas não central, na maneira como indivíduos e grupos tecem considerações e se chega à formação da opinião.

É igualmente sintomático, aliás, que no prefácio da 3ª edição de Personal Influence, Katz (2005)KATZ, E.; LAZARSFELD, P. F. Personal influence: the part player by people in the flow of mass comumunication. Nova Jersey: Transaction Books, 2005 (original de 1955). chegue a evocar um diálogo com nada menos do que “Mudança Estrutural da Esfera Pública”, de Habermas (2012)HABERMAS, J. Mudança estrutural na esfera pública. São Paulo: Unesp, 2012., que, por sua filiação frankfurtiana, estaria nas antípodas do pensamento de Lazarsfeld. A aproximação proposta, mas não desenvolvida, está ancorada na importância dada à conversação entre indivíduos autônomos na formação das opiniões políticas.

No exterior, essa perspectiva genealógica é seguida em alguns dos principais textos sobre Teoria da Comunicação, como Willet (1992)WILLETT, G. La Communicacion Modélisée. Ottawa: Editions du Renouveau Pédagogique, 1992., McQuail e Windhal (1993)McQUAIL, D.; WINDHAL, S. Communcation Models. Londres: Longman, 1993., Severin e Tankard (2000)SEVERIN, W. J.; TANKARD, J. W. Communication Theories. Nova York: Pearson, 2000., Maigret (2004)MAIGRET, É. Sociologie des communication et des medias. Paris: Armand Colin, 2004. MARTINO, L. M. S. Lendo “The People’s Choice” em seu 70º Aniversário: dos “líderes de opinião” aos “influenciadores digitais”. Revista Intercom, Vol. 41, no. 3, nov-dez. 2018, pp. 1-15. e McQuail (2005)McQUAIL, D. Mass communication theory. 5a. Edição. Londres: Sage, 2005.: os três livros que formam o objeto deste estudo são apresentados como um contraponto à noção de onipotência da mídia.

Na pesquisa brasileira sobre Teoria da Comunicação, o lugar dos estudos de Lazarsfeld parece ser bastante restrito. Embora seja citado em 13 dos 36 livros publicados com esse título entre 1967 e 2016, as menções raramente ultrapassam uma ou duas páginas, geralmente no contexto de estudos sobre “Escolas Norte-Americanas”, “Escola Funcionalista” ou “Mass Communication Research”.

Note-se, igualmente, que boa parte dessas menções é feita a partir do livro de Mauro Wolf (1999)WOLF, M. Teorias da Comunicação. Lisboa: Presença, 1999. sobre teorias da comunicação, com raras incursões pelos trabalhos originais. Destaca-se a ideia do “fluxo em duas etapas” e dos “líderes de opinião” como uma resposta à ideia dos “efeitos ilimitados” da mídia. No entanto, as origens, questões e críticas dessa perspectiva raramente são problematizadas em seu contexto nesses livros. Do mesmo modo, na Biblioteca Digital Brasileira de Teses e Dissertações, do IBICT, são levantados apenas onze trabalhos com a palavra “Lazarsfeld” – e quatro no Catálogo de Teses e Dissertações da CAPES. Elaborações um pouco mais amplas estão nos textos de Barros Filho (1995)BARROS FILHO, C. Ética na Comunicação. São Paulo: Moderna, 1995., sobre ética, e Gomes (2008)GOMES, I. Efeito e Recepção. Rio de Janeiro: E-papers, 2008., sobre estudos de recepção.

Uma das razões desse cenário pode ser a falta de acesso: existem apenas dois textos de Lazarsfeld publicados no Brasil – “Comunicação de massa, gosto popular e ação social organizada”, escrito em conjunto com Robert K. Merton e incluído nas coletâneas de Cohn (1971)COHN, G. (Org.) Comunicação e Indústria Cultural. São Paulo: Edusp, 1971., esgotada há décadas, e Lima (1969)LIMA, L. C. (Org). Teoria da Cultura de Massa. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1969., ainda em publicação, e “A opinião pública e a tradição clássica”, na coletânea de Steinberg (1975)STEINBERG, C. (Org.) Meios de Comunicação de Massa. São Paulo: Cultriz, 1975., também fora de circulação. Um livro, A Sociologia, foi publicado em português nos anos 1970 pela editora Bertrand, de Lisboa, e está disponível apenas no mercado de livros usados.

Mesmo avaliações críticas de seu trabalho são difíceis de encontrar: as ressalvas de Adorno (1995)ADORNO, T. W. Palavras e Sinais. Petrópolis: Vozes, 1995. ao modelo institucional de pesquisa estatística, a “pesquisa administrativa”, as ressalvas de Wright Mills (1965)WRIGHT MILLS, C. A imaginação sociológica. Rio de Janeiro: Zahar, 1965. ao “empirismo abstrato”, e mesmo o “fogo amigo” de Merton (1970)MERTON, R. K. Sociologia: teoria e estrutura. São Paulo: Mestre Jou, 1970. sobre o uso de estatísticas também estão em livros fora de catálogo. Há algumas referências a seu trabalho em Wieggerhaus (2002)WIEGGERHAUS, R. A Escola de Frankfurt. São Paulo: Difel, 2002. e Carone (2019), mas o foco, nos dois casos, é a atividade de Adorno em seus primeiros anos nos Estados Unidos.

Não chega a ser uma surpresa, nesse sentido, que a obra de Lazarsfeld permaneça relativamente desconhecida, sendo objeto de citações episódicas nos livros da Área, sem maiores desenvolvimentos, problematizações ou críticas. O que talvez surpreenda seja que, mesmo nesse cenário desfavorável, exista uma progressiva reapropriação das noções de “influência” e “líderes de opinião” em pesquisas sobre influenciadores digitais.

A noção de “líder de opinião” no contexto das relações interpessoais

O aspecto mais conhecido dos três livros e, de certa maneira, da obra de Lazarsfeld nos estudos de Comunicação, é a noção de “líder de opinião”, componente da ideia de um “fluxo em duas etapas” (“two-step flow”) da comunicação. Se, em meados da década de 1970, Robinson (1976, p. 304)ROBINSON, J. P. Interpersonal influence in election campaigns: two step-flow hypotheses. Public Opinion Quarterly, Vol. 40, no. 1, 1976, pp. 304-319. já assinalava que essa era a contribuição “mais influente e duradoura” dos estudos de Lazarsfeld, em anos recentes, sua presença nos estudos de Comunicação vem ganhando uma renovada atenção, em particular em pesquisas sobre influenciadores digitais.

Hornhardt (2021)HORNHARDT, N. #tbt - qual o passado deles: uma genealogia dos influenciadores digitais. 8o. COMUNICON. São Paulo: Anais... ESPM, 13 a 15 de outubro de 2021., em uma genealogia dos influenciadores, menciona esse estudo como uma das fontes, e essa relação é seguida, de maneira mais ou menos próxima, por trabalhos com os de Turcotte et alli (2015), Zhang, Zhao e Xu (2016)ZHANG, L.; ZHAO, J.; XU, K. Who creates the trends in online social media? Journal of Computer-Mediated Communication Vol. 21, 2016, pp. 1-16., Oliveira e Moraes (2015)OLIVEIRA, T. S.; MORAES, Gisela C. L. C. O novo líder de opinião e sua atuação no facebook e no twitter. 38o. INTERCOM. Rio de Janeiro: Anais... PUC-RJ, 4 a 7 de setembro de 2015., Karhawi (2017)KARHAWI, I. Influenciadores digitais. Communicare, Vol. 17, no. 1, 2017, pp. 46-61., Pereira e Boaventura (2019)PEREIRA, Y. S.; BOAVENTURA, K. T. Os líderes de opinião e os novos fluxos de informação nas redes sociais. 42o. INTERCOM. Belém: Anais... UFPA, 2 a 7 de setembro de 2019., Gama (2019)GAMA, A. Quem faz sua cabeça? Estudo de caso sobre influenciadores digitais enquanto líderes de opinião. XV ENECULT. Anais... Salvador: 01 a 03 de agosto de 2019., Backes (2019)BACKES, S. A teoria do duplo fluxo da comunicação e os influenciadores digitais como líderes de opinião. Planície Científica, Vol. 1, no. 1, jan-jul. 2019, pp. 1-9., Sperb (2020)SPERB, N. C. Influenciador digital como encarnação do conceito de marca e estilo de vida. Curitiba: UTP, 2020 (Doutorado em Comunicação). e Primo, Matos e Monteiro (2021)PRIMO, A.; MATOS, L.; MONTEIRO, M. C. Dimensões para o estudo dos influenciadores digitais. Salvador: Ed. UFBA, 2021., em uma lista longe de ser completa.

Em linhas gerais, a ideia básica afirma que as mensagens da mídia não atingem de maneira direta e igual a todas as pessoas; elas são recebidas, em primeiro lugar, pelas pessoas mais interessadas ou com conhecimento a respeito de um assunto, os “líderes de opinião” que, em um segundo momento, as repassariam para os outros. Dessa maneira, o processo de comunicação seguiria da mídia para os líderes (passo 1) e, em seguida, deles para outras pessoas (passo 2), de onde a noção de um “fluxo em duas etapas”. Essa versão simplificada costuma figurar dos manuais de teoria da comunicação e, em termos amplos, capta o essencial da concepção elaborada por Lazarsfeld e seus colaboradores.

Essa ideia desperta uma série de perguntas que uma leitura mais detalhada dos três livros permite delinear com um pouco mais de nitidez.

Um dos pontos centrais do conceito, a noção de “líder de opinião”, provavelmente um dos principais alvos de crítica em relação às concepções do “fluxo em duas etapas”. No prefácio à 3ª edição de Personal Influence, Katz (2005)KATZ, E.; LAZARSFELD, P. F. Personal influence: the part player by people in the flow of mass comumunication. Nova Jersey: Transaction Books, 2005 (original de 1955). indica o quanto essa questão, presente desde o estudo inicial, é suscetível a críticas – como a de Troldahl (1966)TROLDAHL, V. C. A Field Test of a Modified “Two-Step Flow of Communication” Model. Public Opinion Quarterly, Vol. 30, No. 4, 1966, pp. 609-623., poucos anos depois do original, sugerindo a ineficácia dessa figura –, devido aos elementos problemáticos que emergem imediatamente de sua leitura.

Retirada do contexto das pesquisas empíricas que assinalaram sua existência, a ideia de “líder de opinião” apresenta problemas epistemológicos em termos não só de sua demonstração empírica, mas também de operacionalização metodológica. Em uma leitura rápida, a ideia de “líder de opinião” corre o risco de ser tomada em termos absolutos, como se fossem pessoas capazes de oferecer indicações a respeito de qualquer assunto para um grupo de pessoas; sua “liderança”, ainda em uma visão superficial, se daria no sentido de direcionar a maneira como os outros devem pensar a respeito de um dado assunto.

Se entendida como um ator social dotado de características específicas que o tornariam mais apto do que o conjunto ordinário de receptores, seria difícil realizar uma demonstração empírica de sua existência: seria complicado encontrar alguém que, por suas qualidades ou realizações, seja ouvida a respeito de toda e qualquer questão. É possível, evidentemente, encontrar posicionamentos de artistas, esportistas e celebridades a respeito de assuntos ou episódios de interesse público, mas seria difícil apontá-los como “líderes de opinião” e encontrar um grupo heterogêneo disposto a ouvir e acatar suas considerações.

Esse tipo de compreensão levaria a proposta de Lazarsfeld e seus colaboradores a um beco sem saída: na ausência de lideranças de opinião capazes efetivamente de serem vistas como tais, ou seja, desprovidas de uma legitimidade amplamente reconhecida, toda a construção teórica poderia imediatamente desmoronar: a inexistência de um líder minaria a hipótese de “duas etapas” e, de certa forma, indicaria a fragilidade da elaboração teórica.

A leitura dos livros, no entanto, mostra um panorama um pouco diferente, sobretudo em termos de uma preocupação constante em circunscrever a noção de “fluxo em duas etapas” ao contexto das pesquisas realizadas.

Autoras e autores dos livros insistem que a ideia de “líder de opinião” não pode ser tomada como sinônimo da capacidade de alguns indivíduos de conduzir ou modificar opiniões e atitudes de todos os outros. Essa leitura simplesmente transferiria da mídia para esses indivíduos um poder ilimitado de influência que o modelo procura refutar: as três obras, tomadas em seu conjunto, parecem apontar para a impossibilidade de atribuir um efeito amplo de influência a qualquer um – seja a mídia, sejam as lideranças de opinião.

Entra em cena novamente, aqui, a questão da genealogia teórica: Lazarsfeld e suas equipes não parecem estar interessados nos aspectos macrossociais da interação enquanto fenômeno genérico e espalhado pela sociedade; sua preocupação, na esteira de Tarde (1992)TARDE, G. A opinião e as massas. São Paulo: Martins Fontes, 1992., é compreender o lugar da conversação na formação das opiniões. Note-se a persistência da palavra “influência” como categoria central de análise: embora procurem se distanciar de um hipotético modelo anterior de influência da mídia, Lazarsfeld e seus colaboradores prosseguem com a noção de que sujeitos sociais são, ou tendem a ser, conforme a situação, “influenciados” por um terceiro elemento em seu processo de tomada de decisão.

De maneira direta, não existem, para Lazarsfeld e suas equipes, indivíduos capazes de influenciar as opiniões dos outros a qualquer momento; o líder de opinião é qualquer pessoa à quem, em uma dada situação, outros recorrem em busca de informação sobre um assunto.

A liderança de opinião existe dentro dos grupos nos quais, em momentos de conversação sobre um determinado assunto, sua opinião é levada em conta – e, mesmo assim, não por suas características pessoais, mas por seu engajamento, interesse e conhecimento prévio a respeito do assunto em pauta. Katz e Lazarsfeld (2005 [1955], p.3)KATZ, E.; LAZARSFELD, P. F. Personal influence: the part player by people in the flow of mass comumunication. Nova Jersey: Transaction Books, 2005 (original de 1955). mencionam uma “liderança horizontal de opinião” para deixar evidente esse caráter contextual, não absoluto, do líder.

Ao pedirmos a opinião de alguém decididos a levar em consideração seu direcionamento (isto é, quando o pedido de opinião não se dá no âmbito de uma situação de polidez, mas em termos de uma tomada de decisão), colocamos a pessoa em um lugar de “líder de opinião” a respeito daquele assunto. Sua relação de influência, nesse sentido, poderia ser traduzida enquanto confiança; é o vínculo de confiança e credibilidade que permite a alguém

“liderar a opinião” de outras pessoas, e esse tipo de ligação tende a ocorrer nas interações sociais delimitadas por grupos.

Não é coincidência que, nos três livros, Lazarsfeld e seus colaboradores estejam particularmente interessados em compreender as vinculações de grupo das pessoas entrevistadas: se as opiniões emergem da conversação, as lideranças só podem estar presentes em dinâmicas interacionais dentro de circuitos já existentes de comunicação pautados pela proximidade, reciprocidade e confiança – os grupos sociais.

A preocupação majoritária da literatura teórica com a figura dos líderes de opinião deixa um espaço menor para os aspectos relacionais a partir das quais a liderança emerge: o grupo, sobretudo os pequenos grupos, nos quais as relações se caracterizam por uma maior proximidade e intensidade dos vínculos. Ao que tudo indica, a perspectiva de uma “influência pessoal” parece supor que a comunicação pode ser “de massa” em sua origem (as grandes corporações de mídia, na época de Lazarsfeld; talvez seja possível traçar algum paralelo com os recursos algorítmicos que divulgam informações em larga escala desenvolvidos pelas grandes empresas de plataformas digitais, na atualidade), mas no âmbito da recepção a unidade principal é o grupo, não o indivíduo atomizado constituinte de uma massa.

Homogeneidade e polarização: comunicação interpessoal e liderança nos grupos

Uma boa parte de The People’s Choice, Voting e Personal Influence se dedica aos vínculos de grupo de cada pessoa entrevistada. Relações pessoais, dentro do contexto dos grupos aos quais se pertence nas atividades cotidianas, se mostram fundamentais na tomada de decisão dos indivíduos, sobretudo nas mudanças ocorridas ao longo do tempo e verificadas a partir da repetição das entrevistas.

Mas os vínculos de grupo não são apresentados de maneira determinista – seria substituir a “sociedade” pelo “grupo” como instância de imposição de opiniões. Lealdades, aspectos afetivos, laços familiares, obrigações e interesses profissionais são elementos constitutivos dos grupos, e implicam não apenas graus diferentes de adesão e participação dos indivíduos, mas também importâncias diversas no momento da escolha de um candidato.

O eleitor ou eleitora convicto de um partido, por exemplo, não só toma sua decisão ainda nas etapas iniciais do processo eleitoral como raramente muda de opinião: seu grupo primário tende a ser formado por pessoas que pensam e votam como ele, garantindo o reforço mútuo dos pontos de vista. Por outro lado, quem ainda não decidiu tende a ser mais suscetível aos comentários de outras pessoas de acordo com a relação estabelecida dentro de um grupo.

A relevância do grupo como uma das unidades fundamentais na tomada de decisão dos indivíduos é central para a compreensão do fluxo em duas etapas de uma maneira mais fluida e próxima das perspectivas apontadas nos livros, sobretudo em Voting e Personal Influence. Ao que tudo indica, para se compreender a liderança de opinião é necessário ter em mente seu caráter episódico, circunscrito a uma esfera de reciprocidade e confiança estabelecida no interior de um grupo de conversa.

Se é possível fazer uma aproximação contemporânea, pode-se olhar para a preocupação, em eleições recentes, com a circulação de informações, tanto verdadeiras quanto falsas, em grupos de conversa em aplicativos como Whatsapp, Telegram e similares. Guardadas a distância cronológica e tecnológica, pode-se traçar alguns pontos em comum entre a dinâmica dos grupos de whatsapp e as perspectivas encontradas por Lazarsfeld.

O processo geralmente começa com a existência de grupos formados por pessoas com interesses, atividades ou ideias afins – o “grupo da família”, “grupo do trabalho” ou de alguma prática específica.

A participação das pessoas nos grupos é desigual, sendo possível apontar a existência de um número geralmente reduzido de indivíduos engajados, que frequentemente escrevem posts ou compartilham informações, aos quais se segue uma maioria de participantes mais dispostos à observação ou à participação episódica. Participantes mais engajados tendem a postar nos grupos informações encontradas em outros espaços, como portais de notícia, redes sociais ou demais grupos dos quais fazem parte. É a partir deles que as informações chegam para o conjunto dos outros participantes.

Evidentemente não é possível uma comparação exata entre a perspectiva monolítica da comunicação de massa, estudada nos três livros, com a pluralidade de conexões das mídias digitais; no entanto, se o aspecto observado for a existência de interações em grupo caracterizadas por diferenças de engajamento e interesse na obtenção e interpretação de informações, não se está muito distante da perspectiva de uma liderança de opinião responsável por tomar a frente no debate a respeito de um determinado assunto.

Note-se, por exemplo, que nas discussões sobre a disseminação das chamadas “fake news” a principal preocupação não costuma ser com sua existência em si, mas com sua disseminação em grupos de conversa em plataformas digitais (CALVO; ARUGUETE, 2020CALVO, E.; ARUGUETE, N. Fake news, trolls y otros encantos. Buenos Aires: Siglo XXI, 2020.).

Na dinâmica dos pequenos grupos, o compartilhamento de informações tende a estar ligado exatamente a essa homogeneidade que não apenas reforça os pontos de vista já cristalizados, com a reiteração constante dos pressupostos sobre os quais ele se alicerça.

Seguindo um exemplo presente em Personal Influence, no período eleitoral, a tendência de um eleitor do Partido Republicano seria buscar seus correligionários para conversar e procurar apoio para suas convicções: sua rede primária de contatos para essa finalidade seriam outros eleitores do mesmo partido. Conversando majoritariamente com outros republicanos, esse eleitor veria um cenário eleitoral próximo ao de seus colegas, construído a partir do compartilhamento de informações sobre o assunto – as propostas, os candidatos e suas atitudes, as falas e ações dos adversários, a visão a respeito das eleições, os posicionamentos mais ou menos próximos e assim por diante. Isso leva à homogeneização observada nos três estudos e na progressiva cristalização de opiniões e pontos de vista, tendencialmente mais alinhados com o grupo.

É necessário levar em conta que nenhum indivíduo pertence a um único grupo, e os conflitos de lealdade, engajamento, participação e interesse são necessariamente parte da tomada de decisão política do indivíduo – ao longo da vida, as pessoas estabelecem diferentes graus de engajamento com grupos diversos, de acordo com seus interesses e possibilidades de cada momento.

Os três estudos destacam a ideia de um conflito de interesses e vinculações como um ponto fundamental do processo de tomada de decisão política: em cada grupo tendem a existir lideranças que procuram, no conjunto, colocar seus pontos de vista em pauta e buscar a concordância de outros participantes. Para o indivíduo, a tomada de decisão significa também pensar em termos de lidar com suas várias lealdades e graus de engajamento com essas lideranças de opinião – e com sua própria atuação nesse sentido, conforme o caso.

A “influência pessoal” do título do terceiro livro parece sublinhar mais a ideia do “pessoal” como o lugar de formação da opinião do que propriamente de uma “influência” única proveniente de outra pessoa, embora autoras e autores não descartem essa possibilidade, chegando a observá-la empiricamente em alguns casos no trabalho inicial The People’s Choice.

O contraponto desse sentido de homogeneidade interna dos grupos é uma palavra que, bastante familiar ao vocabulário político contemporâneo, não deixa de causar um efeito de surpresa quando aparece pela primeira vez em Voting: polarização.

O sentido da expressão não é exatamente aquele usado nos dias de hoje, que indica a formação de uma radical dicotomia política ao redor de duas visões contrastantes sobre a realidade. No entanto, as proposições de Lazarsfeld e suas equipes estão nas vizinhanças da ideia: a progressiva homogeneização das opiniões em circulação dentro de um grupo tende a criar um cenário proporcional de hostilização às ideias contrárias, defendidas por outros agrupamentos. À medida em que opiniões homogêneas se cristalizam para dentro de um grupo, menor seria a disposição de indivíduos para colocá-las em debate com os defensores de outras opiniões. Ao longo do tempo, conforme mais pessoas vão fazendo suas escolhas definitivas, a tendência é um afastamento progressivo entre os defensores de opiniões opostas.

A leitura de Voting, sobretudo, parece sugerir que, a certa altura, o debate entre grupos torna-se mínimo, com cada um dos candidatos concentrando ao seu redor grupos relativamente homogêneos no que tange à escolha política. Os dados empíricos sugerem que a polarização tende a diminuir o espaço do debate entre os grupos conforme as possibilidades de influência na definição ou mudança de candidato vão se tornando menores. Não seria difícil encontrar paralelos com o cenário contemporâneo, sobretudo no ambiente das mídias digitais, onde a exposição de opiniões políticas raramente leva a algum tipo efetivo de debate ou troca de ideias.

A influência pessoal e liderança de opinião se verificam em relação com as dinâmicas de cada grupo: homogeneidade e polarização nos grupos se apresentam como fatores relevantes nas tomadas de decisão dos indivíduos.

Considerações finais

Os trabalhos de Lazarsfeld e seus colaboradores tiveram uma ampla descendência nos estudos de comunicação, e atraíram um número proporcional de críticas. Nota-se uma considerável releitura da ideia de “líder de opinião”, indicando um talvez inesperado potencial heurístico da teoria no ambiente das mídias digitais – “inesperado” na medida que as ideias originais de Lazarsfeld foram desenvolvidas em um cenário de mídia no qual o cinema e o rádio eram os meios dominantes, a televisão ainda era uma novidade e a existência de uma rede mundial de informações ou smartphones estavam próximos da ficção científica.

Ao mesmo tempo, o prestígio da noção de “líder de opinião” e “influência pessoal” como categoria interpretativa do ambiente das mídias digitais, parece ter deixado um espaço menor para outros conceitos fundamentais de Lazarsfeld e suas equipes, as limitações da noção de “liderança” e seu contexto em relações de grupo. O contraste entre a teoria, tal como apresentada inicialmente, e seus acionamentos contemporâneos permitem, em termos epistemológicos, observar quais são as leituras atuais dos textos e compreender o uso desses conceitos em pesquisas recentes.

Ao oferecerem uma perspectiva diferente para a noção de “influência”, espécie de trauma fundacional da pesquisa em Comunicação, essas obras se situam em uma narrativa sobre os estudos da Área que merece ser revista de maneira crítica.

Observar esses movimentos epistemológicos da Comunicação permite também colocar em escala o lugar das proposições de Lazarsfeld na cronologia das Teorias da Comunicação, sobretudo questionando narrativas existentes, tanto críticas quanto apologéticas.

Desenvolvidos ao longo de uma década e meia, The People’s Choice, Voting e Personal Influence apresentam contribuições que permitem uma leitura de fenômenos contemporâneos, não só no cenário midiático, mas no conjunto da sociedade. Um ponto a se levar em consideração ao pensar na atualidade e potencial interpretativo de uma teoria.

Disponibilidade de dados

Os dados que suportam a pesquisa estão contidos no artigo.

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Editado por

Editora responsável: Maria Ataide Malcher
Assistente editorial: Aluzimara Nogueira Diniz, Julia Quemel Matta, Suelen Miyuki A. Guedes e Weverton Raiol

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2022
  • Aceito
    25 Out 2023
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