Introdução
As biotécnicas aplicadas à reprodução animal como inseminação artificial, transferência e produção in vitro de embriões, indução e sincronização de cio e congelamento de gametas vêm sendo cada vez mais utilizadas na prática veterinária. No entanto, algumas biotécnicas ainda não alcançaram o seu total aperfeiçoamento técnico dentro da reprodução equina, como a criopreservação de sêmen(1). Os grandes entraves encontrados referem-se ao menor potencial fecundante do sêmen após o descongelamento, maiores custos com materiais, inseminação no momento mais próximo da ovulação, técnicas utilizadas durante inseminação artificial e as variações entre garanhões da mesma raça e de raças diferentes(2).
O desenvolvimento de técnicas adequadas para preservação e armazenamento de sêmen possibilita o melhor aproveitamento de animais com alto valor zootécnico, evita gastos e riscos com transporte de animais e permite a conservação de material genético por tempo indeterminado(2).
Dentre as raças nacionais, o Mangalarga Marchador tem seu sêmen considerado como de baixa congelabilidade; desta forma, estudos são necessários para que se estabeleçam protocolos mais eficazes para a criopreservação do sêmen deste genótipo(3). A concentração e o tipo do crioprotetor, além dos demais componentes do diluente de congelamento, interferem diretamente na viabilidade da célula após o descongelamento. Com base no exposto, o presente estudo teve por objetivo comparar três diluentes na criopreservação do sêmen de garanhões da raça Mangalarga Marchador.
Material e Métodos
Foram utilizados cinco garanhões adultos da raça Mangalarga Marchador. Foi realizado o esgotamento prévio das reservas espermáticas extragonadais, com colheitas em dias alternados, por sete dias, e os animais foram submetidos à avaliação andrológica(4). Em seguida, foram realizadas três colheitas, em dias alternados, de cada garanhão, totalizando 15 ejaculados criopreservados. Imediatamente após a colheita do sêmen foram avaliados o volume, aspecto e odor. À avaliação microscópica, estimaram-se os valores de motilidade total e vigor espermático. Foram utilizados para o congelamento apenas os ejaculados com motilidade total ≥60% e vigor ≥4.
O sêmen foi diluído na proporção de l:l em meio à base de leite em pó desnatado (Botu-sêmen®, Botupharma, Brasil) e centrifugado a 6OO G por 10 minutos. Após a centrifugação, o sobrenadante foi desprezado e o pelletressuspendido em três diluentes de criopreservação, tendo as seguintes composições de crioprotetores: l% de glicerol e 4% de metilformamida (Botucrio®, Botupharma, Brasil); 5% de glicerol (FR5®, Nutricell, Brasil); e 2% de glicerol e 3% de dimetilformamida (FR6®, Nutricell, Brasil).
As amostras foram envasadas em palhetas de 0,5 mL, com concentração ajustada para 200x106 espermatozoides/mL, e lacradas com massa de modelar atóxica e colorida. As palhetas foram distribuídas em uma plataforma-suporte e estabilizadas a 5 °C/6O min., em refrigerador comercial. Para o congelamento em plataforma-suporte, as palhetas foram posicionadas horizontalmente a 6 cm acima do nível de nitrogênio líquido e expostas ao vapor de nitrogênio líquido por 15 minutos. Logo em seguida, as palhetas foram imersas no nitrogênio líquido, acondicionadas em raques e estocadas em botijão criogênico a -196 °C, para posterior avaliação.
Após ficarem armazenadas por 90 dias, as amostras foram descongeladas à 37 °C por 30 segundos, para avaliação da motilidade total, vigor espermático e integridade das membranas plasmática e acrossomais. As avaliações da motilidade total e vigor espermáticos foram realizadas por microscopia óptica, em aumento de 2OOx, e os valores expressos em porcentagem de O a lOO% e em conformidade com escala de O a 5, respectivamente(4).
Para avaliação da integridade de membrana plasmática foram utilizadas as sondas fluorescentes iodeto de propídeo (IP) e diacetato de 6-carboxifluoresceína (CFDA), conforme técnica descrita por Harrison e Vickers(5). Foram avaliadas 2OO células em microscopia de epifluorescência no aumento de lOOOx. Para análise da integridade da membrana acrossomal foi utilizada a sonda fluorescente isotiocianato de fluoresceína conjugada com a aglutinina do amendoim (Arachis hypogaea)(FITC-PNA) e iodeto de propídeo (IP), como descrito por Klinc e Rath(6). Foram avaliadas 2OO células em microscopia de epifluorescência alternada com o contraste de fase, no aumento de 1OOOx.
Os dados foram submetidos à análise de variância por meio do software Statistical Analysis System (SAS) pelo procedimento GLM, e para o teste de médias utilizou-se Tukey em nível de 5% de significância.
Resultados
A motilidade total e vigor espermáticos médios após a colheita do sêmen foram 75,83 ± 18,67% e 3,2 ± 0,6, respectivamente. Os valores médios de motilidade total, vigor e integridade das membranas plasmática e acrossomal, referentes aos três diluentes de criopreservação, estão apresentados na Tabela 1.
Tabela 1 Valores médios (±DP) de motilida.de total, vigor, integridade das membranas plasmática (INTMP) e acrossomal (INTAC) do sêmen de garanhões da raça Mangalarga Marchador (n=5) criopreservado em diluentes contendo diferentes tipos e concentrações de crioprotetores
Diluentes | Motilidade total (%) | Vigor (0 - 5) | INTMP (%) | INTAC (%) |
---|---|---|---|---|
Botucrio | 51,11a ± 14,88 | 2,7a ± 0,66 | 56,88a ± 3,56 | 55,38a ± 4,79 |
FR5 | 19,44b ± 11,22 | 1,4b ± 0,72 | 48,27b ± 4,55 | 46,77b ± 4,25 |
FR6 | 40,55a ± 15,10 | 2,33a ± 0,83 | 55,44a ± 2,50 | 53,01a ± 4,93 |
Letras diferentes na coluna indicam diferença significativa entre médias pelo teste de Tukey (P<0,05)
Com base nos resultados obtidos, constatou-se que, para os diluentes que continham a associação entre amidas e o glicerol (Botucrio e FR6), não houve diferença para as variáveis motilidade, vigor e integridade das membranas plasmática e acrossomal (P>0,05). No entanto, o diluente contendo apenas o glicerol (FR5) como crioprotetor resultou em valores inferiores para todas as variáveis analisadas (P<0,05).
Discussão
Devido à variação na resposta do sêmen de diferentes garanhões ao congelamento, deve-se estar atento à utilização de sêmen criopreservado que atenda às características desejáveis de qualidade para o uso na inseminação artificial(4).
A superioridade dos diluentes contendo metilformamida e dimetilformamida e o glicerol, em concentrações menores (Botucrio e FR6), observada no presente experimento, deve-se ao menor peso molecular e viscosidade das amidas, em relação ao glicerol, o que faz com que o crioprotetor penetre de forma mais rápida através da membrana plasmática, protegendo-a de forma mais eficaz e causando menores danos celulares(7). Ao avaliarem diferentes crioprotetores, para a criopreservação do ejaculado de 20 garanhões de diferentes raças, Medeiros et al.(8) observaram 27% de células móveis pós-descongelamento para o diluente contendo glicerol e 52% naquele com dimetilformamida (P<0,05). Para a criopreservação de espermatozoides de 55 garanhões de diferentes raças com diluentes contendo 5% de glicerol ou 5% de dimetilformamida como crioprotetores, Alvarenga et al.(9) verificaram motilidade progressiva superior com a dimetilformamida. Os autores relataram que a frequência de garanhões com motilidade pós-descongelamento superior a 40% foi, para o sêmen congelado com o glicerol, de 38% (21/55) e para a dimetilformamida, de 80% (40/55).
Terraciano et al.(10)demonstraram que diluentes à base de amidas são mais eficazes na proteção aos espermatozoides, resultando em motilidade progressiva pós-descongelamento superior quando comparado aos que contém apenas glicerol (FR5). Candeias et al.(11), ao avaliarem três meios de criopreservação, dois deles com 4% de glicerol e outro com 1% de glicerol e 4% de metilformamida, obtiveram efeitos superiores de motilidade total para este último. O mesmo resultado foi encontrado com os meios utilizados no presente experimento, em que as variáveis analisadas foram superiores para os que contêm 1 ou 2% de glicerol e a metilformamida. Esses resultados também estão de acordo com Gomes et al.(3) e Medeiros et al.(8), que trabalharam com reprodutores Mangalarga Marchador, e Oliveira et al.(12), com garanhões da raça Crioula.
A toxicidade do glicerol já foi relatada por alguns autores(13,14), demonstrando efeito contraceptivo na égua, por reduzir a fertilidade do sêmen equino quando incluído nos diluentes usados para sêmen fresco, refrigerado e congelado. Alvarenga et al.(15) observaram que o glicerol em concentrações próximas a 5% foi o crioprotetor que induziu ao maior estresse osmótico na célula espermática, levando à redução dos valores das variáveis motilidade, viabilidade e integridade de membrana, fato também observado para o sêmen criopreservado dos garanhões da raça Mangalarga Marchador com o FR5. Pace e Sullivan(16) verificaram que o glicerol em concentrações superiores a 3%, ou quando usado de forma isolada em concentrações superiores a 5%, exerce efeito tóxico sobre o espermatozoide equino, fato esse evidenciado para garanhões de raças consideradas de baixa congelabilidade, como o Mangalarga Marchador e outras raças nacionais(3,8,11,12).
Os resultados superiores de integridade das membranas plasmática e acrossomais encontrados neste experimento com os diluentes contendo metilformamida corroboram os resultados de Terraciano et al.(10) e Medeiros(17); contudo, Alvarenga et al.(9), Candeias et al.(11) e Ferreira(18) não observaram diferenças na preservação da integridade de membrana quando compararam protocolos de criopreservação com glicerol e amidas.
Neste experimento, quando se utilizou apenas o glicerol como crioprotetor (FR5), o resultado de motilidade total pós-descongelamento foi 30%, enquanto para concentrações de 1 ou 2% de glicerol, em combinação com a metilformamida e dimetilformamida (Botucrio e FR6), a motilidade foi superior a 30%, dados semelhantes aos encontrados por Candeias et al.(11) e Oliveira et al.(12). Gomes et al.(3) observaram que, de 17 garanhões utilizados para a criopreservação de sêmen, as variáveis pós-descongelamento foram superiores quando se utilizou metilformamida e dimetilformamida em 15 deles.
Segundo Gomes et al.(3), o uso das amidas em garanhões de boa congelabilidade não proporciona melhora da motilidade e os resultados são semelhantes àqueles obtidos com o glicerol. Entretanto, em garanhões que apresentam baixa tolerância à criopreservação, como a maioria das raças nacionais, as amidas são mais eficazes em conferir proteção à célula espermática(3,8,11,12).
Os resultados deste experimento reafirmaram os relatos da literatura quanto à combinação das amidas com o glicerol ser mais eficaz que a utilização isolada do glicerol como crioprotetor, em especial numa raça considerada como de baixa resistência ao processo de criopreservação, como o Mangalarga Marchador.
Conclusão
Para o sêmen de garanhões da raça Mangalarga Marchador, considerados de baixa congelabilidade, diluentes que combinam concentrações de glicerol de 1 ou 2%, com crioprotetores alternativos como a metilformamida e dimetilformamida, foram mais eficazes na proteção da célula espermática pós-descongelamento, quando comparados ao diluente contendo apenas o glicerol na concentração de 5%.