Introdução
No mercado consumidor, há uma crescente demanda por produtos alimentares que derivam de sistemas de produção que causam menos poluição ambiental(1). A investigação de novas tecnologias tem promovido de forma significativa o desenvolvimento da produtividade da indústria avícola. Em particular, estudos sobre alimentos alternativos permitiram a redução considerável nos custos de produção(2) e, assim, têm contribuído com a redução da poluição ambiental.
Em rações para aves, o milho é a principal fonte energética, enquanto o farelo de soja é a principal fonte proteíca e esses alimentos têm a maior parcela do custo total das rações. Na região nordeste (NE) do Brasil, esses ingredientes são onerados devido à distância dos principais centros produtores de grãos e problemas relacionados à logística. A redução de custos das rações é uma busca constante nas indústrias avícolas; dessa forma, promover estudos para tornar possível a substituição, parcial ou total, dos ingredientes mais onerosos de forma econômica é um fator que contribui para a viabilização da produção(3).
A agricultura irrigada e, mais especificamente, a fruticultura irrigada, promoveu um grande dinamismo na economia do NE e na estrutura urbana(4). Com a evolução da atividade e a diversificação do mercado de frutas, as indústrias beneficiadoras aumentaram o processamento como medida de agregação de valor. Assim, houve aumento da produção de resíduos agroindustriais que podem ser aproveitados na dieta animal(5).
O uso de resíduo de goiaba é uma alternativa interessante por ser produzido em grande quantidade. Sendo o Brasil o quarto maior produtor mundial, a região NE configura-se como a maior produtora do país, com maior concentração no estado de Pernambuco(6). O farelo de goiaba (FG) é composto de polpa e principalmente sementes, que também possuem quantidades significativas de ácido graxo insaturado e matéria fibrosa(7). No processamento da goiaba, após o despolpamento e a lavagem com água clorada, obtém-se um resíduo composto principalmente por sementes, na proporção de 4 a 12% da massa total dos frutos beneficiados, porém 8% do beneficiamento da goiaba é descartado diretamente em aterros sanitários(7,8).
A composição química do FG apresenta 2.900 kcal/kg de energia metabolizável; 24% de proteína bruta; 1,22% de matéria mineral; 11,71% de extrato etéreo; 0,16% de lisina; 0,49% de metionina + cistina e 55,2 % fibra bruta(9,10). Contudo, do ponto de vista fisiológico do animal, o elevado conteúdo de fibra pode ser um entrave na inclusão de altos níveis deste ingrediente nas rações de não-ruminantes, pois as aves têm dificuldade para digerir fibra.
A utilização do FG vem trazendo alguns resultados satisfatórios com poedeiras comerciais com 8% de inclusão(11), 12% para frangos de corte(12) e boa digestibilidade em peixes(13). Entretanto, o efeito do uso deste ingrediente em codornas europeias precisa ser investigado, uma vez que ainda é escasso na literatura. Portanto, este trabalho foi conduzido com o objetivo de analisar o desempenho e características de carcaça de codornas europeias alimentadas com FG.
Material e Métodos
Este experimento foi realizado no Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de Alagoas - UFAL, no laboratório de pesquisas de animais não ruminantes, conduzido entre os meses de março e abril de 2008. Foram utilizadas 280 codornas em fase de cria, de sexo misto, com 16 dias de idade, em um delineamento experimental inteiramente casualizado, com cinco tratamentos e oito repetições com sete aves. Os tratamentos consistiam de uma ração controle baseada nas exigências nutricionais do NRC(9) e de quatro rações com diferentes níveis de inclusão (%) do FG. Os tratamentos foram ração referência (RR), RR mais 2,5% de inclusão de FG (FG2,5), RR mais 7,5% de inclusão de FG (FG7,5) e RR mais 10% de inclusão de FG (FG10) sendo as rações à base de milho e farelo de soja.
Aos 16 dias de idade, as codornas foram distribuídas nas gaiolas de acordo com seu peso vivo, divididas em 20 unidades experimentais, em sistema de baterias, as quais possuíam piso de arame e bandejas coletoras de fezes. As gaiolas foram alojadas em galpão com piso de concreto, iluminação artificial fornecida por lâmpadas fluorescentes de 40W. Para garantir que as aves se alimentassem durante 24 horas por dia, o programa de luz utilizado foi o contínuo (luz artificial e natural por 24 horas). A alimentação foi fornecida em comedouros e bebedouros próprios para a fase de criação e a ração e água foram fornecidos ad libitum durante todo o período de criação.
O FG era constituído de sementes, casca e restos de polpa que não eram aproveitadas no processo de industrialização da fruta para fabricação de suco. O resíduo foi submetido ao processamento de secagem ao sol por oito horas e posteriormente moído em forma de farelo para inclusão na ração das aves.
As codornas receberam rações isocalóricas e isoprotéicas, apresentando em sua composição 2.900 kcal/kg de energia metabolizável e 24% de proteína bruta de acordo com as exigências nutricionais preconizados peo NRC(9) (Tabela 01).
Tabela 01 Composição centesimal das rações experimentais contendo diferentes níveis de inclusão de farelo de goiaba
Composição alimentar (%) | |||||
---|---|---|---|---|---|
RR | FG2,5 | FG5 | FG7,5 | FG10 | |
Farelo de soja | 50,775 | 50,531 | 50,868 | 50,905 | 50,649 |
Milho grào | 40,680 | 37,337 | 34,098 | 30,859 | 27,620 |
Farelo de goiaba | 0,000 | 2,500 | 5,000 | 7,500 | 10,000 |
Óleo de soja | 3,359 | 4,709 | 5,523 | 6,337 | 7,500 |
Fosfato bicálcico | 2,464 | 2,477 | 2,491 | 2,504 | 2,500 |
Calcário | 1,326 | 1,195 | 1,071 | 0,943 | 0,815 |
Sal comum | 0,405 | 0,407 | 0,409 | 0,412 | 0,414 |
DL-Metionina | 0,241 | 0,241 | 0,241 | 0,240 | 0,204 |
Premix vitaminico | 0,100 | 0,100 | 0,100 | 0,100 | 0,1 |
BHT* | 0,050 | 0,050 | 0,050 | 0,050 | 0,05 |
Bac-Zinco** | 0,050 | 0,100 | 0,100 | 0,100 | 0,1 |
Premix mineral | 0,050 | 0,050 | 0,050 | 0,050 | 0,05 |
TOTAL | 100,00 | 100,00 | 100,00 | 100,00 | 100,00 |
Composição calculada | |||||
Proteína Bruta % | 24,000 | 24,000 | 24,000 | 24,000 | 24,000 |
E. Metabolizável Kcal/Kg | 2,900 | 2,900 | 2,900 | 2,900 | 2,900 |
Cálcio % | 1,300 | 1,300 | 1,300 | 1,300 | 1,00 |
Fósforo disponível % | 0,600 | 0,600 | 0,600 | 0,600 | 0,600 |
Fósforo total % | 0,669 | 0,889 | 0,889 | 0,889 | 0,889 |
Lisina total % | 1,573 | 1,573 | 1,573 | 1,573 | 1,573 |
Met+Cist total % | 1,100 | 1,100 | 1,100 | 1,100 | 1,100 |
Metionina total % | 0,643 | 0,643 | 0,643 | 0,643 | 0,643 |
Sódio % | 0,160 | 0,180 | 0,180 | 0,180 | 0,180 |
Treonina total % | 1,071 | 1,071 | 1,071 | 1,071 | 1,071 |
Triptofano total % | 0,353 | 0,353 | 0,353 | 0,353 | 0,353 |
1. Premix: Níveis de garantia por quilo do produto: vitamina A - 12.000.000 UI; vitamina D3 - 2.500.000 UI; vitamina E - 30.000 UI: vitamina B1 — 2,0 g; vitamina B2 — 6,0 g; vitamina B6 — 3,0 g; pantotenato de cálcio — 10,0 g; biotina -0,07 g; vitamina K3 - 3,0 g; ácido fólico - 1,0 g; ácido nicotínico - 35,0 g: bacitracina de zinco — 10,0 g, cloreto e colina - 100,0 g;
*Butil hidrox tolueno (BHT) - 5,0 g; vitamina B12 - 15.000 mcg; claquindox - 5,0 g; selênio - 0,120 g.
**Bacitracina de zinco.
2. Composição do resíduo de goiaba: Proteína bruta - 10,44%, Extrato etéreo - 11,25%. FDN - 75,63%, Matéria mineral - 1,95%, CHOT - 76,40% e CFN - 0,77%, fósforo disponível 0,037%, cálcio 0,025%, metionina + cistina total 0,49, Lisina total 0,16% e treonina total 0,23%.
A alimentação foi fornecida à vontade, e o total consumido foi calculado a cada sete dias, subtraindo-se do total fornecido as sobras. O monitoramento das variáveis climáticas foi realizado pela manhã às 08:00 horas e à tarde às 17:00 horas. Para o registro das variáveis climáticas foram utilizados dois termômetros analógicos de máxima e mínima localizados à altura das gaiolas, um termômetro de globo negro, um termômetro de bulbo seco e bulbo úmido. As médias das variáveis foram: temperatura máxima 27,4 °C, temperatura mínima 25,7 °C, umidade relativa 52% e entalpia 67,34 (kj/k). Os cálculos de entalpia foram propostos por Barbosa Filho et al.(14).
Para o cálculo do ganho de peso, todos os animais foram pesados semanalmente, o que permitiu determinar o ganho de peso médio das aves para o período avaliado. Aos 38 dias, foram selecionadas duas aves para abate com peso mais próximo da média na repetição de cada tratamento para avaliação do rendimento de carcaça e cortes. Para análise dos parâmetros relacionados à carcaça, foram abatidas 40 codornas com a escolha de duas aves por repetição, com peso corporal o mais próximo da média dos pesos da unidade experimental de onde foram coletadas. As aves foram pesadas individualmente para obtenção do peso vivo e em seguida permaneceram em jejum por seis horas. Após esse período, foram abatidas, sangradas, depenadas e novamente pesadas. Em seguida, as carcaças foram evisceradas e as vísceras comestíveis e não comestíveis pesadas. As variáveis analisadas foram: ganho de peso, consumo de ração, conversão alimentar, eficiência alimentar, pesos e rendimentos de carcaça e cortes nobres (peito, coxa e sobre-coxa), asas, dorso, pescoço e vísceras comestíveis (coração, fígado e moela), no período de 16 a 38 dias de idade.
Ao final do experimento foram avaliados os resultados de mortalidade, verificando-se o número de aves e as causas das mortes em cada fase e nível de inclusão do FG.
Os dados foram submetidos à análise de homocedasticidade e normalidade, em seguida as médias foram submetidas à análise de variância. Efetuou-se posteriormente a análise de regressão linear pelo procedimento PROC REG do SAS(15).
Resultados e Discussão
Os níveis de inclusão até 10% do FG não influenciaram no consumo de ração, ganho de peso, conversão alimentar e eficiência alimentar nos períodos de 16 a 38 dias de idade (Tabela 02).
Tabela 02 Consumo de ração (CR). Ganho de peso (GP) Conversão alimentar (CAg/g) e eficiência alimentar (EA) de codornas, de acordo com o nível de inclusão do farelo de goiaba, nos períodos de 16 a 38 dias de idade
Variável | Períodos (dias) | Nível de inclusão (%) | C.V (%) | ||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
RR | FG2,5 | FG5,0 | FG7,5 | FG10,0 | |||
Peso vivo | 16-38 | 167,91 | 180,17 | 169,37 | 168,.81 | 170,81 | 9,01 |
CR, g* | 16-38 | 381,76 | 384,66 | 381,55 | 376,05 | 380,55 | 5,37 |
GP, g* | 16-38 | 106,63 | 105,06 | 107,92 | 104,94 | 106,36 | 7,39 |
CA: g/g* | 16-38 | 3,58 | 3,64 | 3,53 | 3,58 | 3,57 | 6,25 |
EA, %* | 16-38 | 0,27 | 0,27 | 0,28 | 0,27 | 0,27 | 7,98 |
*= Não significativo (P>0,05); C. V. = Coeficiente de variação
A elevação dos valores de fibra nos tratamentos até o nível de 10% não foi capaz de influenciar o CR das codornas, a alta concentração de fibra na ração reduziu o aproveitamento de nutrientes e energia metabolizável, com consequente redução na taxa de crescimento e piora na eficiência alimentar.
Dentre outros efeitos esperados da inclusão de fibra nas dietas está a diluição da concentração energética da dieta e a interação com a utilização dos demais nutrientes devido ao aumento da velocidade do trânsito digestivo(3). A presença de fibra pode provocar a formação de uma substância gelatinosa que dificulta a absorção de nutrients e a formação dessa substancia está relacionada principalmente à fibra solúvel, que é composta em maioria pela hemicelulose(16).
Além disso, a combinação de proteínas, carboidratos e a disponibilidade dos mesmos para as aves pode ter mantido invariável a digestibilidade. Assim, é possível inferir que a composição química do FG não influenciou de forma negativa na digestibilidade dos nutrientes e consequentemente no desempenho das aves até o nível de 10% de substituição.
Lira et al.(12)avaliaram o efeito da inclusão de FG (0, 3, 6, 9 e 12%) na ração sobre o desempenho e rendimento de carcaças de frangos de corte. Os autores afirmam que a inclusão de FG até o nível de 12% na ração foi semelhante ao desempenho e rendimento de carcaça das aves que se alimentaram sem o resíduo.
Devido à diluição da energia provocada pela fibra do FG, as aves tendem a aumentar o seu consumo para suprir a sua necessidade de energia, porém, no presente estudo tal efeito não foi observado. O alto teor de fibra presente em dietas para aves, além de alterar a densidade da ração, pode levar à absorção de água pelos carboidratos estruturais(17).
Não foram observadas diferenças significativas (P>0,05) para as variáveis de peso da carcaça e cortes e rendimentos das codornas alimentadas com diferentes níveis de FG (Tabela 03). Lira et al.(12) não encontraram diferença significativa para o peso da carcaça e para os cortes de frangos de corte até o nível de 12% de inclusão de FG na dieta das aves.
Tabela 03 Peso dos cortes e rendimentos de codornas japonesas submetidas a diferentes níveis de inclusão do farelo de goiaba abatidas aos 38 dias de idade
0 | 2,5 | 5 | 7,5 | 10 | C.V. | |
---|---|---|---|---|---|---|
Peso de abate | 155,62 | 176,93 | 161,56 | 160,25 | 162,31 | 10,47 |
Carcaça inteira | 117,5 | 127,01 | 122,56 | 120,92 | 122,01 | 9,79 |
Peito | 40,08 | 44,52 | 41,1 | 41,66 | 41,63 | 13,74 |
Coxa e s.coxa | 25,72 | 27,43 | 27,01 | 27,01 | 26,48 | 9,19 |
Asas | 9,48 | 9,76 | 9,7 | 9,19 | 9,74 | 9,84 |
Dorso | 21,3 | 22,47 | 21,64 | 20,83 | 21,91 | 13,63 |
Pescoço | 8,73 | 9,24 | 9,41 | 8,85 | 9,02 | 15,56 |
Coração | 1,64 | 1,53 | 1,6 | 1,57 | 1,55 | 18,41 |
Fígado | 4,09 | 3,84 | 3,99 | 3,82 | 3,55 | 19,43 |
Moela | 3,21 | 3,3 | 3,7 | 3,3 | 3,33 | 17,08 |
Variáveis | Rendimentos em ralação ao peso vivo (%) | |||||
Carcaça* | 68,78 | 65,27 | 68,9 | 68,2 | 68,22 | 10,44 |
Peito | 25,75 | 25,16 | 25,43 | 25,99 | 25,64 | 13,74 |
Coxa e s.coxa | 16,52 | 15,5 | 16,71 | 16,85 | 9,19 | 9,19 |
Asas | 6,09 | 5,51 | 6 | 5,73 | 6 | 9,84 |
Dorso | 13,68 | 12,69 | 13,39 | 12,99 | 13,49 | 13,63 |
Pescoço | 5,6 | 5,22 | 5,82 | 5,52 | 4,84 | 15,56 |
Coração | 1,05 | 0,86 | 0,99 | 0,97 | 0,95 | 18,41 |
Fígado | 2,62 | 2,17 | 2,46 | 2,38 | 2,18 | 19,43 |
Moela | 2,06 | 1,86 | 2,29 | 2,05 | 2,05 | 17,08 |
NS = Não significativo (P>0,05); C. V. = Coeficiente de variação