Introdução
As famílias Echimyidae e Cricetidae são as de maior representatividade dentro da ordem Rodentia(1). O gênero do roedor Holochilusabordado neste estudo, está sistematicamente inserido na família Cricetidae, que compreende seis subfamílias, 130 gêneros e mais de 600 espécies. Os cricetídeos são encontrados em toda Europa e na maior parte da Ásia, inclusive no Brasil(2-4). Para o território nacional, o estado do Maranhão representa uma das localidades onde estes roedores podem ser encontrados, com especial destaque para a Baixada Ocidental Maranhense(5). Essa região está localizada a noroeste do estado, entre as coordenadas 01° 59'- 4° 00' S e 44° 21' - 45° 33' W e apresenta uma paisagem constituída por grandes lagos devido ao seu relevo com pequeno declive e drenagem superficial deficiente, que favorecem tanto a pesca quanto a manutenção dos vetores da esquistossomose(6). Os moluscos vetores encontrados para a localidade são das espécies Biomphalaria glabrata e B. straminea(7).
A transmissão dessa doença envolve um ciclo de vida heteróxeno, que ocorre pelo contato dos hospedeiros definitivos, ser humano e outros vertebrados, com as coleções límnicas contaminadas pelas cercárias que são liberadas pelos hospedeiros intermediários, os caramujos do gênero Biomphalaria, que foram infectados pela larva miracídio, a qual foi liberada pelo ovo dos trematódeos do gênero Schistosoma. A adaptação do S. mansoni a diversas espécies de Biomphalaria e a participação de hospedeiros vertebrados não-humanos no seu ciclo tem contribuído para a evolução de populações com variações intraespecíficas (cepas) na morfologia externa do verme adulto e diferenças em nível molecular; essas cepas têm sido responsabilizadas por diferenças nas formas clínicas da esquistossomose(8).
Os primeiros casos de roedores naturalmente infectados por S. mansoni no Brasil foram registrados em meados do século XX(9). Já na Baixada Maranhense, foi constatada a existência de dois hospedeiros definitivos do S. mansoni: o ser humano e o roedor silvestre, que se integram. Esses roedores locomovem-se dentro d'água, por serem dotados de pequenas membranas interdigitais, o que permite que entrem em contato com as cercarias(5,10), sendo considerado por alguns um importante elo da cadeia epidemiológica do S. mansoni, por albergar grandes quantidades do verme adulto, além de eliminar ovos viáveis em suas fezes, caracterizando-se assim como um potencial agente epidemiológico nessa região(5,10).
A esquistossomose é classificada como a terceira maior doença parasitária de impacto na saúde pública e, com a presença de populações de roedores silvestres em uma região já endêmica, abundância dos hospedeiros intermediários, ausência de infraestrutura sanitária e educação ambiental, os programas de controle da mesma tornam-se mais difíceis. Neste contexto, o objetivo deste trabalho foi monitorar o índice de positividade do roedor do gênero Holochilus sp., encontrado em São Bento - MA, para o helminto S. mansoni, como forma de atualizar o cenário epidemiológico e subsidiar posteriores programas no controle da esquistossomose na região.
Material e Métodos
O trabalho foi realizado realizado durante o período de agosto de 2012 a julho de 2013, no município de São Bento, localizado no Estado do Maranhão, na microrregião da Baixada Maranhense, a uma distância de 314 Km da capital (São Luís). A cidade apresenta clima tropical úmido, onde é possível destacar duas estações climáticas: uma chuvosa, entre janeiro e julho, e outra seca entre agosto e dezembro. Além disso, nessa região encontra-se um dos mais importantes focos de esquistossomose humana do Estado, com a abundância de hospedeiros intermediários e presença de dois hospedeiros definitivos, o ser humano e o roedor silvestre do gênero Holochilus, sendo este último designado também por hospedeiro alternativo, além da existência dos campos alagados característico da região.
Os roedores foram capturados com o auxílio de armadilhas do tipo Tomahawk, colocadas em pontos estratégicos do campo alagado, característico da área, onde esses animais costumam fazer seus ninhos utilizando a vegetação aquática. As 10 armadilhas foram colocadas a uma distância de 50 metros das casas da beira do campo durante a noite, com uma distância de 10 metros uma da outra, tendo como isca banana untada com pasta de amendoim. Passado o período de 12 horas, ainda em campo, foi feita a triagem do material obtido, removendo-se outros animais e mantendo somente os roedores Holochilus sp. Não houve captura diferenciada para machos e fêmeas. Em seguida, os animais foram conduzidos até o laboratório da Fazenda Escola da unidade da Universidade Estadual do Maranhão situada em São Bento.
No laboratório, os roedores foram analisados de forma qualitativa quanto à positividade para S. mansoni, por meio do método Kato-Katz(11), que consiste em um procedimento de análise de fezes para a detecção de ovos do parasito, caracterizado pela presença do espículo. Nesse método, foram utilizadas três lâminas para uma amostra fecal de cada roedor, as quais foram conduzidas ao microscópio óptico para a observação dos ovos. Logo após a utilização das fezes, os animais foram mantidos em gaiolas plásticas (um por gaiola) por um período de 24 horas para redução do estresse dos processos laboratoriais, só então foram devolvidos à natureza no mesmo local de captura. É importante ressaltar que a captura, transporte e coleta de material de roedores foram autorizados pelo Instituto Brasileiro de Meio Ambiente - IBAMA, de acordo com a licença para atividades com finalidades cientificas, n°40025/1 e Registro 543545 e está protocolado no Conselho de Ética e Experimentação Animal da Universidade Estadual do Maranhão, sob o n° 05/2013.
Resultados e Discussão
Ao término das coletas, constatou-se que, dos 101 exemplares de roedores Holochilus sp capturados, 28,7% apresentaram-se naturalmente infectados para S. mansoni (Figura 1), bem parecido ao encontrado por Veiga-Borgeaud et al.(10), quando verificaram um índice de 29,6% de Holochilus sp. positivos na mesma localidade, evidenciando que, quase três décadas depois desse estudo, o cenário parasitológico desse roedor permanece o mesmo para a região.

Figura 1 Monitoramento da positividade para S. mansoni em roedores do gênero Holochilus, capturados no município de São Bento - MA, entre os períodos de agosto de 2012 e julho de 2013.
O índice encontrado para o monitoramento de roedores do gênero Holochilus em outros estados da federação revela certa proximidade com os resultados obtidos nesta pesquisa, pois em Alagoas foi encontrado um percentual de 31,1%(9); em Sergipe 20,0%(12); em Pernambuco 19,6%(13) e em São Paulo 42,2%(14). A maioria desses estados tomou como alerta os resultados de suas pesquisas e iniciaram de alguma forma a inclusão desse roedor nos programas de vigilância epidemiológica.
Segundo Kawazoe(14), esse gênero de roedor foi a única espécie em seus estudos que apresentou eliminação constante dos ovos do parasito, demonstrando um alto grau de infecção natural por S. mansoni. No entanto, ainda para Kawazoe(14), o roedor do gênero Holochilus por ele estudado não representou importância significativa na transmissão da doença, devido ao fato de o animal ter sido encontrado com baixa frequência em sua área de estudo (Represa de Americana - SP), o que difere da região de São Bento - MA, em que a média de captura foi próxima dos nove exemplares por mês.
Em relação à distribuição dos animais positivos ao longo dos meses de captura, foi possível constatar que não houve muita variação entre agosto a maio. Com exceção do mês de fevereiro quando se obteve o maior percentual de infectados, mesmo resultado obtido para Veiga-Borgeaud et al.(10), que demonstraram ser o mês com o segundo maior número de animais positivos. Tal análise evidenciou que, por mês, uma média de 2,4 roedores estavam infectados para o período de um ano (exceção de julho), sendo possível encontrar animais positivos em quase todas as coletas.
Essa frequência de animais positivos pode ser parcialmente explicada por Gentile et al.(15) que, em pesquisas parasitológicas com roedores (Nectomys sp.), comprovaram que em condições naturais a infecção por S. mansoni, a sobrevivência, a capacidade de reprodução e a mobilidade do animal não foram afetadas, garantindo, assim, a continuidade do ciclo do helminto.
Durante o estudo, percebeu-se que os roedores machos apresentaram maior frequência de infecção pelo S. mansoni, pois, de 29 exemplares positivos, 82,7% correspondem aos machos, enquanto 17,3% correspondem às fêmeas. Desse modo, em um ano de captura, apenas em cinco meses verificaram-se fêmeas infectadas, enquanto houve registro de machos em mesma situação em praticamente todos os meses. Esses dados estão representados na Figura 2.

Figura 2 Comparação dos índices de positividade para S. mansoniem Holochilus sp. machos e fêmeas, capturados no município de São Bento - MA, entre os períodos de agosto de 2012 e julho de 2013
As diferentes respostas parasitológicas entre os sexos desses roedores são bem evidenciadas nas pesquisas de Silva-Souza e Vasconcelos(16), em que os machos foram mais suscetíveis à infecção do que as fêmeas. No entanto, esses autores declaram que, possivelmente, fatores hormonais sejam uma das explicações para essas diferenças(16). Na população humana, esse fato não é bem aceito, mas a questão social de trabalho dos homens que fazem com que os tornem mais expostos a águas contaminadas é uma hipótese bem difundida(17). Apesar das diferenças entre gênero encontradas neste trabalho, as capturas foram realizadas de maneira aleatória quanto ao sexo, e a maior quantidade de machos capturados pode também ter interferido nesses valores.
Os animais negativos para o exame parasitológico, por sua vez, não eliminam a possibilidade dos mesmos estarem infectados, uma vez que, para Warren(18), apenas 50% ou menos dos ovos produzidos pelos parasitos fêmeas alcançam a luz intestinal, o restante é levado pela circulação sanguínea e se instalam em outros órgãos. Ainda pode ter havido uma infecção que tenha dado origem somente a parasitos machos, o que é retratado por Moné(19). Até mesmo a possibilidade de terem sido infectados recentemente é uma boa explicação para a não ocorrência dos ovos do parasito nas fezes, uma vez que esse helminto ainda estaria no início do ciclo.
A presença desse roedor infectado para S. mansoni na região de São Bento - Baixada Maranhense (área com grande prevalência para a esquistossomose)(20), propicia a investigação do papel de mamíferos silvestres como reservatório da doença. Inúmeros estudos com o roedor do gênero Nectomys (rato d'água) o consideram como um dos mais importantes hospedeiros não humanos da esquistossomose no Brasil(21,22), apresentando características como eliminação de ovos viáveis do helminto durante todo o período de infecção, não ser fortemente afetado pelo parasitismo(23) e apresentar grande suscetibilidade a diversas cepas do parasito(24,25).
Apesar de estudos dessa natureza com os roedores Holochilus sp. para a região da Baixada Ocidental Maranhense serem escassos e confinados no século passado, o mesmo apresenta semelhantes aspectos ecológicos e parasitológicos com o Nectomys sp., entrando em contato com áreas endêmicas e por se apresentar positivo a testes parasitológicos. Portanto o roedor do gênero
Holochilus é um provável candidato à manutenção do ciclo da esquistossomose para a região da cidade de São Bento - MA, merecendo maiores esforços na elucidação de seu verdadeiro papel nesse ciclo.
Conclusão
Os roedores Holochilus sp. apresentaram-se positivos em 11 dos 12 meses de análise para a contaminação natural por S. mansoni. Tal fato pode ser um indicativo de que o roedor pode atuar na manutenção do ciclo da esquistossomose e que muito provavelmente deva ser incluído nas estratégias de abordagens das ações de saúde. Ao longo do monitoramento, foi percebido que os fatores como números de amostras, sexo do hospedeiro e tempo de manifestação do ciclo biológico do helminto podem afetar os resultados e devem ser considerados monitoramento parasitológico desses roedores para uma melhor interpretação dos dados.