Introdução
A caprinocultura leiteira tem aumentado a sua participação no agronegócio brasileiro com o objetivo de conquistar e manter mercados para o leite de cabra e seus derivados(1). O aumento de demanda por esses produtos tem exigido maior eficiência de toda a cadeia produtiva(2), como a intensificação dos sistemas de produção e consequente aumento da ocorrência de enfermidades em cabras, devido aos desequilíbrios entre o aporte de nutrientes, a capacidade de metabolização dos mesmos e o nível de produção alcançado(3). Adicionalmente, outros fatores como a idade, as condições ambientais, o regime de manejo, a fase reprodutiva e a lactação também podem ocasionar variações fisiológicas nesses animais(4,5), comprometendo assim a produtividade. A gestação, o parto e a lactação são considerados períodos de estresse físico e metabólico para os animais(6,7), e durante a gestação ocorrem alterações no sistema hematopoético materno, a fim de satisfazer as necessidades do desenvolvimento do feto e da mãe(7). Sendo assim, o periparto é considerado uma fase crítica, uma vez que a maioria dos distúrbios metabólicos ocorre durante este período, no qual o crescimento e expulsão do feto junto a produção de leite impõem enormes demandas fisiológicas(8,9).
Um criterioso exame físico associado à correta interpretação dos achados hematológicos são procedimentos imprescindíveis na identificação dessas alterações. A realização do hemograma é simples, rápida e de relativo baixo custo. O presente estudo objetivou avaliar os parâmetros clínicos e hematológicos de cabras no periparto, com o intuito de caracterizar o valor de tais parâmetros nas alterações inerentes ao periparto em cabras.
Material e Métodos
O delineamento experimental do presente estudo foi submetido e aprovado pelo CEUA/UFV sob o número de protocolo 30/2012. O experimento foi realizado na Unidade de Ensino Pesquisa e Extensão em Caprinocultura do Departamento de Zootecnia da Universidade Federal de Viçosa, na cidade de Viçosa-MG, durante o período de setembro a novembro, no qual foi observado temperaturas médias de 20,7°C (médias de temperatura mínima: 15,9°C e máxima: 28,0°C) e umidade relativa do ar de 72,5% no período de coleta das amostras.
Todos os animais eram mantidos em regime de confinamento total em apriscos de madeira elevados. Foram utilizadas 34 fêmeas adultas da espécie caprina, das raças Saanen e Parda Alpina, tendo entre 2 e 5 anos de idade com escore corporal médio de 3, segundo Ribeiro (3) , e peso médio de 56,2±7,9 kg (média e desvio padrão). O grupo experimental (GExp) foi composto por 24 cabras no periparto, enquanto o grupo controle (GCon) foi constituído por dez cabras não gestantes e não lactantes. Todas as colheitas foram realizadas no período da manhã (entre sete e dez horas da manhã).
Todos os animais foram submetidos a avaliação clínica e análise hematológica. Os animais do GCon foram avaliados em um único tempo, durante a fase inicial da coleta das amostras para criação de uma base de dados, enquanto os do GExp foram avaliados em sete tempos: T-15 (quinze dias antes do parto); T0 (imediatamente após o parto); T2 (dois dias após o parto); T5 (cinco dias após o parto); T10 (dez dias após o parto); T15 (quinze dias após o parto); T30 (trinta dias após o parto). As cabras do GCon e do GExp no T-15 e no T0 foram alimentadas com cerca de 5 kg de silagem de milho e 100g de concentrado por animal. Após o parto, no grupo GExp foi fornecido, além da silagem, 1000g de concentrado (mesmo concentrado utilizado nos animais em período seco) a base de milho, farelo de soja e minerais (Tabela 1).
Tabela 1 Composição do concentrado utilizado na dieta das cabras
Composição | Quantidade |
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Milho | 67,55% |
Farelo de soja | 27,5% |
Sal Mineral | 1,7% |
Fosfato bicálcio | 0,91% |
Cálcio | 0,9% |
Ureia com sulfato de amônia | 0,8% |
Bicarbonato de sódio | 0,6% |
Monensina sódica | 0,015% |
Na avaliação clínica foram mensurados frequência cardíaca (mensurada por ausculta das bulhas cardíacas durante um minuto e demonstrada em batimentos por minuto-bpm), frequência respiratória (pela ausculta da inspiração e expiração na região da traqueia durante um minuto, e indicada por movimentos por minuto-mpm), temperatura retal (mensurada em graus Celsius (°C) por meio de termômetro digital), movimentos ruminais completos (mensurados por ausculta na fossa paralombar esquerda durante cinco minutos-mov/5min), tempo de enchimento capilar (mensurado pelo tempo gasto para o retorno venoso aos vasos capilares da mucosa oral após ligeira compressão digital), perímetro abdominal (mensurado por fita métrica na região da fossa paralombar e dado em centímetros-cm) e coloração da mucosa ocular (avaliada na visualização da pálpebra inferior e classificada em 0 = pálida, 1 = rosa pálida, 2 = rósea e 3 = avermelhada)(10).
A colheita de sangue para análise hematológica foi realizada por venopunção da veia jugular externa em frascos a vácuo com ácido etilenodiaminotetracético (EDTA) a 10%. Os hemogramas foram realizados manualmente e imediatamente após as colheitas, seguindo as técnicas descritas por Ferreira Neto(11). A determinação da concentração da proteína plasmática e do fibrinogênio também foram realizadas manualmente de acordo com as técnicas descritas por Hendrix(12).
Os dados foram submetidos ao teste de Lilliefors para normalidade e o teste de Bartlett para homocedasticidade das variâncias como premissa da análise de variância de medidas repetidas (ANOVA). As médias foram comparadas pelo teste de Tukey quando os coeficientes de variação foram menores que 15% ou Duncan quando foram maiores que este valor. Quando não atendidas as premissas da ANOVA, realizou-se a avaliação não paramétrica com o teste de Kruskall Wallis com post hoc de Dunn´s. Todas as análises foram interpretadas considerando o nível de significância de 5% (P<0,05). Para todas as análises estatísticas foi utilizado o programa SAEG-UFV 2009.
Resultados e Discussão
Atualmente é bem reconhecido que existem profundas alterações fisiológicas nos períodos pré e pós-parto. Essas alterações não significam necessariamente doença, mas antes disso, refletem variações fisiológicas(13).
No presente estudo, dentre os parâmetros avaliados no exame físico, foram observadas diferenças, ao longo do tempo, apenas nas frequências cardíaca e respiratória, temperatura retal e perímetro abdominal. Os outros parâmetros se mantiveram sem alterações significativas dentro dos grupos, assim como entre os grupos (Tabela 2).
Tabela 2 Frequência cardíaca (bpm), frequência respiratória (mpm), temperatura retal (ºC), tempo de enchimento capilar (s), frequência de movimentos ruminais completos (mov/5min) e perímetro abdominal (cm) de cabras vazias, gestantes e lactantes
GCon | GE\p | |||||||
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T-15 | T0 | T2 | T5 | TIO | T15 | T30 | ||
FC | 101±24c | 126±18ab | 128±16a | 113±16bc | 117±14abc | 115±15abc | 108±13c | 109±17c |
*FR | 23±11c | 46±11a | 35±8b | 35±8b | 29±6bc | 34±8b | 31±13bc | 35±22b |
TR | 38,9±0,5ab | 38,6±0,4b | 39,2±0,4a | 39,0±0,6ab | 38,9±0,4ab | 39,0±0,4a | 38,9±0,4ab | 38,8±0,4ab |
TEC | 2,3±1 | 2,1±1 | 2,6±1 | 2,2±1 | 2,5±1 | 2,3±1 | 2,4±1 | 2,4±1 |
*QMR | 6±1 | 7±3 | 6±3 | 7±2 | 7±2 | 7±2 | 7±2 | 8±2 |
PA | 100±12c | 118±8a | 106±6b | 101±6bc | 100±5bc | 101±7bc | 100±7c | 101±8bc |
Valores médios seguidos por letras diferentes na mesma linha diferem entre si (P<0,05) pelo teste de Tukey ou Duncan*. FC (Frequência cardíaca), FR (Frequência respiratória), TR (Temperatura retal), TEC (Tempo de enchimento capilar), QMR (Quantidade de movimentos ruminais), PA (Perímetro abdominal).
Houve aumento (P<0,05) da frequência cardíaca (FC) nos tempos T-15 e T0, no GExp em relação ao GCon. A partir do segundo dia após o parto T2 ocorreu diminuição (P<0,05) da FC. A frequência respiratória (FR) aumentou (P<0,05) no GExp em relação ao GCon. Nos T0, T2, T10 e T30, a média da FR também foi superior (P<0,05) no GExp em relação ao GCon, porém esse aumento foi inferior (P<0,05) ao do T-15. Ao longo do período de avaliação, em T5 e T15, a FR também se apresentou semelhante ao GCon. Houve diferença (P<0,05) na temperatura retal (TR) ao longo do tempo. Os maiores valores foram registrados no T0 e T10, enquanto o menor foi observado no T-15. Não houve diferença (P>0,05) no perímetro abdominal das cabras, entretanto, no T-15 foi observada a maior média do experimento.
A descrição dos resultados do hemograma foi dividida em eritrograma (hemácias, hematócrito, hemoglobina, volume corpuscular médio e concentração de hemoglobina corpuscular média), apresentados na Tabela 3, e em leucograma (contagem total e diferencial de leucócitos), juntamente com os valores de proteínas plasmáticas totais e fibrinogênio, mostrados na Tabela 4.
Tabela 3 Valores médios e desvios-padrão do eritrograma de cabras vazias, gestantes e lactantes
GCon | GExp | |||||||
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T-15 | T0 | T2 | T5 | T10 | T15 | T30 | ||
Hemácias (x106/μL) | 18,4±3,6a | 12,4±2,5c | 14,3±3,9bc | 15,2±3,2abc | 15,3±4,1ab | 14,2±3,6bc | 13,8±3,4bc | 15,9±3,8ab |
Hematócrito (%) | 34,5±2,9a | 28,4±4,7a | 30,6±5,2a | 32,2±5,8a | 31,4±5,5a | 30,9±6,4a | 30,5±6,4a | 30,0±6,3a |
Hemoglobina (g/dL) | 11,6±1,0a | 9,2±1,4b | 10,0±1,3ab | 10,2±1,6ab | 10,0±1,7ab | 9,9±1,9ab | 9,7±2,0ab | 9,9±2,0ab |
VCM (fL) | 18,9±2,0b | 23,4±3,8a | 21,8±3,5ab | 21,5±2,5ab | 21,2±3,1ab | 22,2±2,7a | 22,5±3,4a | 19,2±3,4b |
**CHCM (%) | 33,7±2,8a | 32,7± 1,5a | 33,0±2,la | 32,0±2,6a | 32,1±1,6a | 32,4± 1,4a | 32,1±2,9a | 33,1±2,2a |
Valores médios seguidos por letras diferentes na mesma linha diferem entre si (P<0,05) pelo teste de Tukey ou Kruskall Wallis**. HEM (Hemácias), HCT (Volume globular), HGB (Hemoglobina), VCM (Volume corpuscular médio) e CHCM (Concentração de hemoglobina corpuscular média).
Tabela 4 Valores médios e desvios-padrão do leucograma, proteína plasmática total e fíbrinogênio de cabras vazias, gestantes e lactantes
GCon | GExp | |||||||
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T-15 | T0 | T2 | T5 | T10 | T15 | T30 | ||
*Leucócitos (/μL) | 8790±3117cd | 7904±2501d | 12854±4290a | 10621±3632bc | 11529±3425ab | 11021±3508abc | 10700±3288bc | 10358±3282bc |
**Bastonetes (/μL) | 17±38a | 21±51a | 5±24a | 55±144a | 32±74a | 0±0a | 0±0a | 10±48a |
**Segmentados (/μL) | 3424±2309a | 3972±1802ace | 9116±3730bdf | 6452±2930ad | 6890±2846bd | 6453±2679ad | 6433±2582ad | 5515±2088adc |
*Linfócitos (/μL) | 4742±1809a | 3375±1250b | 3134±1317b | 3233±1450b | 3954±1378ab | 3982±1602ab | 3770±1781ab | 4321±1470a |
**Monócitos (/μL) | 229±172a | 476±274ac | 595±468ac | 824±470bc | 563±290a | 426±331ac | 326±245a | 275±184a |
**Eosinófilos (/μL) | 378±473a | 56±60ac | 25±63bc | 51±91ac | 94±265ac | 159±351ac | 138±165ac | 160±236ac |
PPT (g/dL) | 7,9±0,5a | 6,7±0,6c | 6,7±0,7c | 6,9±0,7bc | 7,2±0,7abc | 7,4±0,8ab | 7,4±0,8ab | 7,5±0,7ab |
*Fibrinogênio (g/dL) | 0,4±0,2abcd | 0,3±0,2d | 0,6±0,2a | 0,6±0,3ab | 0,5±0,2abc | 0,5±0,3abcd | 0,4±0,2cd | 0,4±0,2bcd |
Valores médios seguidos por letras diferentes na mesma linha diferem entre si (P<0,05) pelo teste deTukey, Duncan* ou Kruskall Wallis**. PPT (proteína plasmática total)
Observando os parâmetros avaliados no exame físico realizado no presente estudo, a elevação da FC no T-15 pode ter ocorrido como resposta compensatória à diminuição da resistência vascular que ocorre durante a gestação(14). É possível que a resistência vascular seja menor até o parto, visto que neste momento a FC permanece elevada. Somado a isso, pode-se atribuir a elevação da FC no parto como consequência ao esforço físico realizado neste momento, apesar da parição ocorrer com facilidade na maioria das cabras.
A maior média da FR foi registrada no T-15, excedendo em 40% o limite superior do intervalo de referência sugerido por Pugh(15). Esse aumento pode estar relacionado à compressão torácica decorrente da expansão uterina que ocorre ao longo da gestação e com a necessidade de um maior aporte de oxigênio para suprir os requerimentos maternos e para o desenvolvimento fetal(16). O aumento na média do tempo T15 em relação aos demais tempos do GExp, excedeu em apenas 15%, aproximadamente, os limites sugeridos por Pugh(15) para a espécie. O aumento da FR não é clinicamente relevante durante a lactação, assim como observado por Brasil et al.(17), Medeiros et al.(18), Aiura et al.(19) e Santana(20), que trabalharam com as raças Parda Alpina e/ou Saanen e verificaram frequência respiratória média de 57, 73 e 69 mpm, avaliadas sob condição ambiental com temperatura média de 32, 28 e 28,5°C, respectivamente. O intervalo de referência de 15 a 30 mpm sugerido por Pugh(15) para a frequência respiratória difere dos valores observados por autores que trabalharam no Brasil provavelmente por se tratar de valores de referência obtidos de animais provenientes de regiões com clima temperado.
Apesar das alterações na temperatura retal, os valores obtidos no presente estudo mantiveram-se dentro do intervalo de referência citado por Pugh(15) e também do indicado por Smith(21). Além disso, ao se comparar a temperatura dos animais do Gcon com os do GExp ao longo do experimento, verifica-se que os valores das cabras gestantes ou lactantes foram semelhantes aos das cabras vazias e não lactantes.
Não houve diferença significativa nos movimentos ruminais das cabras durante o período experimental e nem entre o grupo controle, permanecendo dentro dos parâmetros fisiológicos para a espécie (10,15).
Resultados semelhantes foram verificados por Santana(20), que avaliou a adaptabilidade ao calor em cabras Saanen gestantes. A autora observou que a temperatura retal dos animais avaliados permaneceu na faixa de normalidade. Uribe-Velásquez et al.(22) relataram que cabras lactantes da raça Parda Alpina mantidas em ambiente termoneutro não apresentaram alterações que extrapolassem os valores de referência na TR. Aiura et al.(19), trabalhando com cabras das raças Saanen e Parda Alpina criadas em ambiente tropical, relataram valores de temperatura média de 39,28°C.
O aumento observado no perímetro abdominal das cabras no T-15 é compatível com o maior volume abdominal causado pela presença do feto nas cabras gestantes. No T0, o valor do perímetro abdominal diminuiu e se mostrou semelhante ao das cabras do grupo controle. A redução do perímetro abdominal após o parto era esperada, justamente pela expulsão do feto.
Foi observada influência da gestação e lactação no número de hemácias, sendo registrado no T-15 o menor valor desta variável. Já os valores de hemoglobina diminuíram (P<0,05) no T-15 com relação ao GCon. Foi observado um aumento (P<0,05) do volume corpuscular médio (VCM) no T-15. A concentração de hemoglobina corpuscular média (CHCM) não sofreu alterações ao longo de todo o experimento.
Os valores do leucograma retornaram aos níveis observados no GCon deste experimento a partir do T10, ou seja, em dez dias após o parto. O número total de leucócitos elevou-se (P<0,05) no T0 e T5. Não houve diferença (P˃0,05) nos valores de monócitos ao longo do experimento em relação ao GCon, com exceção do T2. Assim como o número de neutrófilos bastonetes não sofreu influência da gestação, parto ou lactação neste experimento, também não foram encontrados basófilos em nenhum dos tempos deste experimento. Os valores de fibrinogênio foram semelhantes ao GCon em todos os momentos do experimento. Em T0 foi observado o maior valor dessa variável, e neste momento foi registrada diferença (P<0,05) com relação aos tempos T-15, T15 e T30.
A redução no número de hemácias no T15 é semelhante aos resultados encontrados por Mbassa e Poulsen(23), Azab e Abdel-Maksoud(24), Viana et al.(25) e Iriadam(26), os quais afirmam que em cabras no estágio final da gestação há uma diminuição nos valores de eritrócitos. A partir do T0, todos os valores de hemácia foram semelhantes entre si e permaneceram dentro da faixa de referência sugerida por Weiss e Wardrop(27), sendo registrado em T30 o valor mais próximo do GCon. Mbassa e Poulsen(23), Azab e Abdel-Maksoud(24) e Iriadam(25) afirmam que durante a lactação a quantidade de hemácias é menor com relação às cabras não gestantes e não lactantes. Entretanto, assim como no presente experimento, os resultados dos respectivos estudos permaneceram dentro dos limites de variação supracitados.
A redução nos valores de hemoglobina T15, obtida no presente estudo, é compatível com o observado por outros autores. Nos tempos seguintes, os valores foram semelhantes ao GCon, indicando que o parto e a lactação não alteraram essa variável. Mbassa e Poulsen(23) também observaram, no final da gestação, valores de hemoglobina menores do que o de cabras não prenhes, entretanto, em outros estudos não foram observadas alterações dessa variável durante a gestação(24,25,26).
Os valores obtidos do volume corpuscular médio corroboram com os estudos de Mbassa e Poulsen(23), Azab e Abdel-Maksoud(24) e Viana et al.(25), que observaram, ao final da gestação, aumento dessa variável; e discordam de Iriadam(26), que não observou alterações nesse índice hematimétrico na gestação e lactação. Apesar da diferença significativa nessa variável entre os tempos, as suas médias se encontram na faixa de referência(27).
Ao avaliar o eritrograma dos animais deste experimento, pode-se notar, através da diminuição significativa (P<0,05) nos valores de hemácia e hemoglobina associados ao menor valor de volume globular, que no T-15, fase final da gestação, há uma tendência a um quadro anêmico. Em mulheres, foi descrito hemodiluição ao final da gestação(28), podendo ocorrer devido ao aumento do volume plásmatico e sendo denominado de anemia fisiológica(29). Hoversland et al.(30) observaram em cabras gestantes uma expansão do volume plasmático de 13%, enquanto Metcalfe e Parer(31) descreveram uma moderada hemodiluição em ovelhas, sem presença de anemia. A anemia fisiológica em cabras foi observada nos estudos realizados por Mbassa e Poulsen(23), Azab e Abdel-Maksoud(24), Viana et al.(25) e Iriadam(26).
A tendência à anemia fisiológica no presente estudo pode ser explicada pela hemodiluição citada anteriormente. Essa hipótese pode ainda ser amparada pelos valores de proteína, que apresentam o menor valor no T-15, indicando provável diluição da mesma no plasma. Ainda assim, como todos os valores das variáveis do eritrograma se mantiveram dentro dos limites de referência, não foi caracterizada a anemia fisiológica nos animais deste ensaio.
A elevação da contagem global de células nucleadas ao parto foi, também, observada por Azab e Abdel-Maksoud(24) e Birgel Júnior et al.(32), entretanto, Iriadam(26) não relatou aumento significativo na contagem de leucócitos em cabras após o parto. A elevação do número total de leucócitos, observada imediatamente após o parto, ocorreu como consequência do aumento significativo do número de neutrófilos segmentados acompanhado da diminuição de linfócitos e eosinófilos.
A elevação do valor de leucócitos por neutrofilia, sem desvio à esquerda, acompanhada de diminuição dos linfócitos e eosinófilos, caracteriza o leucograma de estresse(33). De acordo com o mesmo autor, isto ocorre com a liberação de hormônio adrenocorticotrópico pela glândula pituitária e consequente liberação de cortisol pela glândula adrenal(33). Este quadro era esperado, visto que o trabalho de parto pode ser considerado um momento de estresse.
Outra causa para o aumento no número de leucócitos e neutrófilos, observada no pós-parto, é a reação inflamatória causada pela limpeza uterina. A separação placentária ocorre mediante a resposta imune materna que produz fatores ativadores de neutrófilos no epitélio caruncular(34). Os fatores quimiotáticos de neutrófilos e o processo inflamatório uterino podem desencadear um aumento na liberação de neutrófilos pela medula, causando o aumento da celularidade observada no pós-parto imediato.
Os valores do leucograma retornaram aos níveis observados no GCon deste experimento a partir do T10, ou seja, em dez dias após o parto. Os trabalhos realizados com leucograma na gestação e puerpério divergem sobre qual momento este retorno acontece. Birgel Júnior et al.(32) afirmaram que isto ocorre em dois dias após o parto, enquanto Azab e Abdel-Maksoud(24) observaram este retorno em uma semana após o parto e, no trabalho de Iriadam(26), observa-se que em três semanas após o parto há o regresso à normalidade.
No T2 foi observado monocitose, fato que não foi relatado por Birgel Júnior et al.(32), que também realizaram o leucograma com 48 horas após o parto. Ao analisar os trabalhos de Mbassa e Poulsen(23), Azab e Abdel-Maksoud(24), Viana et al.(25), Birgel Júnior et al.(32) e Iriadam(26), verifica-se que a quantidade de monócitos em cabras não é influenciada pela gestação, parto ou lactação e que, quando há alteração, a mesma é sutil, não excedendo os limites de referência sugeridos para a espécie(27). De acordo com Tharwat et al.(13), as mais importantes alterações hematológicas observadas no período de transição em cabras foram a neutrofilia, a monocitopenia e a diminuição da contagem total de eritrócitos.
A proteína teve um decréscimo no seu nível sérico durante os tempos T-15, T0 e T2 com relação ao GCon e, a partir do T5, os valores se mantiveram semelhantes ao das cabras vazias e não lactantes. Esses resultados corroboram com os achados de Mbassa e Poulsen(23), que observaram que o valor de proteína foi menor ao final da gestação e se elevou após o parto. Sandabe et al.(35) não observaram diferença significativa entre o valor de proteína de cabras gestantes comparado com o encontrado em não gestantes. Saut et al.(36) e Yanaka et al.(37) afirmaram que os teores séricos de proteína total não sofreram influência do puerpério. A diminuição de proteína em T-15 pode ser considerada mais um resultado da hipótese da ocorrência de hemodiluição durante a gestação, que provavelmente se estende até poucos dias após o parto, justificando, dessa maneira, a diminuição também em T0 e T2. Por outro lado, Tharwat et al.(13) observaram aumento significativo da proteína total desde uma semana antes até três semanas após o parto em cabras, fato creditado ao aumento da produção de imunoglobulinas. Tal observação não pôde ser corroborada no presente estudo.
A elevação do fibrinogênio imediatamente após o parto pode ser devido a lesão causada durante o parto ou mesmo as alterações ocorridas no processo de expulsão da placenta, conforme relatado por Fonteque et al.(7).
Conclusões
Conclui-se que os parâmetros físicos e hematimétricos são úteis para detecção das variações que ocorrem no periparto. As cabras no terço final da gestação apresentaram diminuição do número de hemácias (dentro dos valores fisiológicos), aumento da frequência cardíaca e respiratória, assim como elevação da temperatura corporal no pós-parto imediato. Tais achados, associados ao leucograma de estresse e ao aumento da taxa metabólica basal, encontrado nesta mesma fase, corroboram com o momento de fragilidade fisiológica na qual a cabra se encontra. Assim, cuidados no manejo relacionados ao conforto térmico e atendimento às exigências nutricionais são fundamentais a fim de se evitar mais desequilíbrios orgânicos decorrentes de fatores externos que podem vir a comprometer a saúde do caprino e posterior desempenho produtivo.