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O envelhecer na floresta

Aging in the rain forest

Fui convidado a escrever o editorial do primeiro número de 2008 da Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia. Neste número da revista são abordados importantes aspectos da vida e da saúde de populações idosas que habitam áreas urbanas das cidades. Então, resolvi falar sobre a população que mora na floresta.

O Homem da Floresta segue igual a todo ser humano, guardando, contudo, algumas características próprias. Morar na linha do Equador é uma tarefa complicada, senão vejamos: conviver com umidade perto de 100%, com temperaturas que variam de 27 a 40 graus centígrados, com uma média anual de 36 graus. Uma biodiversidade invejável, mas isto lhe permite conviver com grande quantidade de vetores de moléstias tropicais transmissíveis (malária, dengue, cólera, leishmania, pinta, dermatofagoides pteronissimos), além das doenças sociais com repercussão orgânica, tais como hanseníase, tuberculose, sífilis, Aids etc. E com todas essas vicissitudes, o Amazonas ainda assim é o quarto Estado brasileiro com o maior número de centenários.

Logo chegamos à conclusão de que alguma coisa de especial este homem possui. Em primeiro lugar, vamos caracterizá-lo. Representa geneticamente um mix de várias etnias, cujo principal representante é o índio. Mas o colonizador europeu representa a outra parcela, sem esquecermos os árabes e judeus. Os negros, por sua vez, contribuíram muito pouco, mais ainda assim guardam sua fração nesta composição. Enfim, temos um ser humano distinto geneticamente, o que lhe dá um sistema de defesa aprimorado. Só assim é capaz de seguir vencendo e participando ativamente do aumento da expectativa da vida do povo brasileiro.

Comparado, em pesquisa recente, a outras populações de grandes centros urbanos, da mesma idade cronológica e que freqüentam unidades específicas de cuidados de idosos, os homens da floresta apresentam, proporcionalmente, menor prevalência em relação a eventos cardiovasculares, e a depressão existe em níveis quase desprezíveis. O grau de estresse é também bem menor. No entanto, a dor articular é prevalente, em conseqüência da exposição à umidade pela ocupação: pesca e retirada da fibra de juta e malva, que o obrigam a trabalhar dentro do rio. Por conta de a alimentação ser à base sobretudo de farinha de mandioca, existe alta prevalência de diabetes tipo II, que leva ao aumento considerável da morbimortalidade.

Outra coisa que chama a atenção é uma prevalência exagerada da eosinofilia, em conseqüência do alto índice de parasitose intestinal. Com relação a tumores, os de estômago são muito freqüentes, devido aos derivados nitrogenados da farinha, que são considerados cancerígenos, além daqueles do colo uterino, devido à iniciação precoce da vida sexual, com traumatismos freqüentes e baixo índice de higiene das partes íntimas das mulheres.

Demências existem, mas não chegam a ter expressividade. A hipertensão é bem menor, pois o povo da floresta come pouco sal, menos gorduras saturadas, faz bastante exercícios – remando, desfibrando juta, plantando roçados, caminhando longas distâncias diariamente.

Pelo fato de se viver na região tropical de alta incidência de insolação, a vitamina D está sempre bem concentrada no sangue. E como é este hormônio, que inadequadamente é denominado de vitamina sem sê-lo, responsável pela agregação do cálcio e do fósforo nos ossos, através de um complexo lipídico protéico, a remodelação permanente dos ossos permanece quase sempre com um balanço positivo, e a osteoporose é bem menor que em outras populações.

Chegamos, assim, à conclusão de que o envelhecimento na floresta é mais favorável, daí a concentração cada vez maior, na população geral, de pessoas centenárias, por conta de um envelhecimento de qualidade.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2008
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