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Instituições de longa permanência para idosos - ILPIS: desafios e alternativas no município do Rio de Janeiro

Long-term care facilities – challenges and alternatives in Rio de Janeiro municipality, Brazil

Resumo

O aumento da longevidade em nosso país tem trazido diversas questões para a gestão das políticas públicas, dentre as quais o aumento da demanda por Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Tais instituições surgiram historicamente para atender a pessoas em situação de pobreza, com problemas de saúde e sem suporte social. Atualmente, os determinantes da institucionalização têm sido mais bem conhecidos através de estudos sobre o perfil das ILPIs e do público atendido, características e necessidades das instituições, as quais apresentam, em muitas situações, problemas na gestão, que as deixam ainda distantes do padrão de qualidade desejável definido na legislação que regula os direitos dos idosos no país. Com base nessa contextualização, este artigo apresenta um panorama de algumas ações desenvolvidas no município do Rio de Janeiro, apontando demandas e dificuldades que motivam a busca pelas ILPIs, as alternativas oferecidas aos idosos e os principais desafios. Conclui-se que é importante ampliar esse debate, para que se possa avançar na proposição e implementação de novas propostas e modelos alternativos à institucionalização.

Palavras-chave:
longevidade; direitos dos idosos; políticas públicas de saúde; instituição de longa permanência para idosos; implementação de plano de saúde; indicadores de qualidade em assistência à saúde; Rio de Janeiro

Abstract

The increase of longevity in our country rises many questions for public policies, such as the increasing demand for Long Term Care. Historically these institutions were created to take care of poor people, those with health problems and without social support. Nowadays the facts that determine the institutionalization are better known through studies on the profile, characteristics and needs of institutions that present problems regarding their management, and usually are far from the desirable quality standard defined by the legislation that controls the elderly's rights in Brazil. Based on this context, this article presents an overview of some actions developed in Rio de Janeiro municipality, pointing out the demands and difficulties that encourage searching for LTC's, alternatives offered to the aged and main challenges. In conclusion, it is urgent to broaden this discussion so as to stimulate the implementation and proposition of new ideas and alternative models for institutionalization.

Key words:
longevity; aged rights; health public policy; homes for the aged; health plan implementation; quality indicators, health care; Rio de Janeiro city

INTRODUÇÃO

“Há pouco, andava quase que como o voar de um beija flor.

Com o tempo, vou manso, bem devagar.

Bem há pouquinho, era o sol.

E de repente, anoiteceu.

Lembro-me que era ontem, bem recente; frescor, fragrância, textura de pêssegos recém-colhidos.

Vieram passos, nesgas, marcas bem marcadas.

Me olhei, e vi que ali no espelho, era eu.”* * Poesia de autoria da autora Pollo, S.

O envelhecimento populacional é uma conquista da humanidade, mas apresenta desafios a serem enfrentados pela sociedade e os formuladores de política. Em nível mundial, a proporção de pessoas com 60 anos ou mais cresce de forma mais rápida que a de outras faixas etárias. Espera-se que em 2050 haja dois bilhões de idosos, 80% deles nos países em desenvolvimento. A população de 80 anos ou mais é a que mais cresce e poderá passar dos atuais 11% para 19% em 2050.11. Freitas EV. Demografia e Epidemiologia do envelhecimento. In: Py L, et al, organizadores. Tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Rio de Janeiro: Nau; 2004. p. 19-38.

Longevidade, porém, não é sinônimo de envelhecimento saudável. Com o aumento da expectativa de vida, a proporção de anos de vida com desvantagens socioeconômicas, com doenças crônico-degenerativas e incapacidades também aumenta.22. Romero DE, Leite IC, Szwarcwald CL. Healthy life expectancy in Brazil: applying the Sullivam method. Cad Saúde Pública 2005 set.; 7-18.

O envelhecimento populacional brasileiro teve início na década de 60 e vem ocorrendo em velocidade sem precedentes.33. Silva MC. O processo de envelhecimento no Brasil: desafios e perspectivas. Textos sobre Envelhecimento 2005 jan./abr; 8 (1): 43-60. Mas o que significa ser um país de longevos em um contexto permeado por desigualdades sociais e pobreza? Quais os desafios emergentes neste contexto?

As transformações histórico-culturais que marcaram a segunda metade do século XX repercutiram na atenção à velhice. Novos arranjos familiares surgiram, a família nuclear não é mais o único modelo e o aumento das separações e recasamentos trouxe à tona a vulnerabilidade dos vínculos. A família brasileira tem se modificado com a modernização da sociedade. A inserção da mulher no mercado de trabalho, os contraceptivos, a redução do tamanho das famílias e a falta de tempo na vida atual vêm modificando a relação de cuidado. A mulher, reconhecida culturalmente como aquela que cuida, tem hoje dificuldades para conciliar papéis e assumir esta função.44. Medeiros SAR. O lugar do velho no contexto familiar. In: Py L, et al, organizadores. Tempo de envelhecer: percursos e dimensões psicossociais. Rio de Janeiro: Nau; 2004. p. 185-200.,55. Oliveira RD. Reengenharia do tempo. Rio de Janeiro: Rocco; 2003. 148. p.

Somada a essas mudanças, a escassez de alternativas para as famílias manterem seus velhos em casa e a questão dos idosos sem referência familiar têm impulsionado a demanda por Instituições de Longa Permanência para Idosos (ILPIs). Mas poderão as ILPIs dar conta da demanda crescente? Como os municípios estão equacionando oferta e procura por esta modalidade de assistência?

Tais questionamentos resultam da experiência da autora principal na Diretoria de Serviço Social (DSS), da Secretaria Extraordinária de Qualidade de Vida (SEQV) da Prefeitura do Rio de Janeiro. Uma das funções da SEQV é formular, implantar, monitorar e avaliar políticas de assistência ao idoso no município. A DSS é também responsável pelos idosos em situação de alta vulnerabilidade social.

Este artigo objetiva refletir sobre as ILPIs, a partir da experiência recente da gestão municipal do Rio de Janeiro no enfrentamento das demandas e na busca de alternativas à institucionalização. O estudo baseou-se em revisão da literatura científica sobre institucionalização de idosos e da legislação sobre envelhecimento. Espera-se contribuir para o debate sobre a premência de redes de apoio social aos idosos, capazes de reinventar as formas de morar e de recriar vínculos para uma vida digna até o fim.

INSTITUIÇÕES ASILARES PARA IDOSOS: DO SURGIMENTO AOS DIAS ATUAIS

O surgimento de instituições para idosos não é recente. O cristianismo foi pioneiro no amparo aos velhos: “Há registro de que o primeiro asilo foi fundado pelo Papa Pelágio II (520-590), que transformou a sua casa em um hospital para velhos”.66. Alcântara AO. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos. Campinas: Alínea; 2004.149 p.

No Brasil Colônia, o Conde de Resende defendeu que soldados velhos mereciam uma velhice digna e “descansada”. Em 1794, no Rio de Janeiro, começou então a funcionar a Casa dos Inválidos, não como ação de caridade, mas como reconhecimento àqueles que prestaram serviço à pátria, para que tivessem uma velhice tranqüila.66. Alcântara AO. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos. Campinas: Alínea; 2004.149 p.

No século XVIII, os asilos da Era Elisabetana eram instituições que abrigavam mendigos. A partir do século XIX, foram criados na Europa asilos grandiosos, com alta concentração de velhos. O maior era o Salpêtrière, que abrigava oito mil doentes, dentre os quais dois a três mil idosos. Segundo a autora, este pode ser considerado o núcleo da primeira instituição geriátrica, espaço que possibilitou coletar dados clínicos e sociais sobre idosos.77. Beauvoir S. A velhice. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1990. p. 711.

O hospital enquanto instrumento terapêutico aparece em torno de 1780. Até essa época, o hospital era um lugar de “internamento”, cujo objetivo era prestar assistência material e espiritual aos doentes, pobres, devassos, loucos e prostitutas. Caracterizava-se como espaço de separação e exclusão, pois se acreditava que o indivíduo doente deveria ser separado do convívio social para evitar dano à sociedade.88. Foucault M. Microfísica do poder. Rio de Janeiro: Graal; 1979. p. 99-128.

A história dos hospitais se assemelha à de asilos de velhos, pois em seu início ambas abrigavam idosos em situação de pobreza e exclusão social. No Brasil, o Asilo São Luiz para a Velhice Desamparada, criado em 1890, foi a primeira instituição para idosos no Rio de Janeiro. Segundo Groisman,99. Groisman D. Asilos de velhos: passado e presente. Estudos interdisciplinares sobre o envelhecimento 1999; 2: 67-87. seu surgimento dá visibilidade à velhice. A instituição era um mundo à parte e ingressar nela significava romper laços com família e sociedade.

Quando não existiam instituições específicas para idosos, estes eram abrigados em asilos de mendicidade, junto com outros pobres, doentes mentais, crianças abandonadas, desempregados. Em fins do século XIX, a Santa Casa de Misericórdia de São Paulo dava assistência a mendigos e, conforme o aumento de internações para idosos, passou a definir-se como instituição gerontológica em 1964.1010. Born T. Cuidado ao idoso em instituição. In: Papaléo Neto M, et al, organizadores. Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 2002. p. 403-13.

O modelo asilar brasileiro ainda tem muitas semelhanças com as chamadas instituições totais, ultrapassadas no que diz respeito à administração de serviços de saúde e/ou habitação para idosos.1111. Moreno A, Veras R. O idoso e as instituições asilares no município do Rio de Janeiro. Gerontologia 1999; 7 (4): 167-77. Goffman1212. Goffman E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva; 2003. p. 11-157. define instituição total como “um local de residência e trabalho, onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada”. Nesse espaço os indivíduos se tornam cidadãos violados em sua individualidade, sem controle da própria vida, sem direito a seus pertences sociais e à privacidade, com relação difícil ou inexistente com funcionários e o mundo exterior.1212. Goffman E. Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva; 2003. p. 11-157.

Segundo Born,1010. Born T. Cuidado ao idoso em instituição. In: Papaléo Neto M, et al, organizadores. Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 2002. p. 403-13. não se dispõe ainda de um levantamento nacional sobre as instituições para idosos no Brasil. Um estudo conhecido foi o do sociólogo francês Hôte, em 1984. Ao investigar programas para idosos no Brasil, o autor estimou que havia nesse ano entre 0,6% e 1,3% de pessoas idosas em instituições.

No recenseamento brasileiro de 2000, 113 mil idosos moravam em domicílios coletivos. Desse total, estimou-se em 107 mil o número de idosos residentes em ILPIs, o que significa 0,8% da população idosa. Os estados com a maior proporção de idosos em ILPIs são Minas Gerais, Rio de Janeiro, São Paulo, Rio Grande do Sul e Goiás. Segundo o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), responsável pela política de cuidados de longa duração no Brasil, em 2005 a União financiou 1.146 instituições para 24.859 idosos.1313. Camarano AA, et al. Idosos brasileiros: indicadores de condições de vida e de acompanhamento de políticas. Brasília: Presidência da República, Subsecretaria de Direitos Humanos; 2005. 144 p.

Nos EUA e na Inglaterra, a denominação para instituições que atendem a idosos dependentes é Long Term Care Institution (LTC). Nos anos 50, fazia-se distinção entre instituição para idosos independentes – Home for the aged (lar para idoso) e para dependentes - Nursing Home (lar-enfermaria ou residência medicalizada), sendo esta expressão ainda utilizada na literatura internacional, principalmente nas de língua inglesa.1010. Born T. Cuidado ao idoso em instituição. In: Papaléo Neto M, et al, organizadores. Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 2002. p. 403-13. O National Institute on Aging afirma que existem dois tipos de instituições para idosos: Assisted living facilities (instituição de vida assistida), para o idoso independente; e Nursing homes ou skilled nursing facilities (lar-enfermaria), para o idoso dependente de algum tipo de cuidado.1414. National Institute on Aging. U.S. National Institutes of Health. Cuidado a largo plazo: escogiendo el lugar correcto, 2004. [acesso 2006 set. 23] Disponível em: URL: www.nlm.nih.go
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A institucionalização de idosos tende a crescer com o envelhecimento populacional. Mesmo nos países desenvolvidos como Canadá e EUA, onde a institucionalização de idosos abaixo de 85 anos diminuiu, as internações de pessoas com 85 anos e mais aumentaram.1515. Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. In: Freitas EV, et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.768-77.

Em 1970, quando escreveu A Velhice, Beauvoir77. Beauvoir S. A velhice. 2. ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1990. p. 711. denunciou veementemente as deficiências dos asilos. Hoje os problemas persistem e, apesar de existirem instituições com atendimento de qualidade, ainda é expressivo o número daquelas que não atendem a parâmetros básicos de funcionamento.

Quando inevitável, para que se torne uma alternativa que proporcione dignidade e qualidade de vida, a instituição tem que romper com sua imagem histórica de segregação e se tornar uma saída, uma opção, na vida dos idosos.

POR QUE ILPIS? ILPIS PARA QUEM?

Nos países avançados, as opções para se manter o idoso na comunidade através de uma rede de serviços têm mudado o perfil da institucionalização. Hoje a predominância nas instituições é de idosos com idades mais avançadas, com perdas funcionais sérias e com demência.1515. Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. In: Freitas EV, et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.768-77.

Nos países como o Brasil, com extrema desigualdade socioeconômica e diversidade cultural, o atendimento assume contornos diferenciados. No sul, sudeste e para aqueles com poder aquisitivo maior, a institucionalização tende a ser similar a dos países desenvolvidos. Porém, muitos idosos são institucionalizados por doenças crônico-degenerativas e dificuldades geradas pela falta da família ou impossibilidade desta para mantê-lo.1010. Born T. Cuidado ao idoso em instituição. In: Papaléo Neto M, et al, organizadores. Gerontologia. São Paulo: Atheneu; 2002. p. 403-13.

Algumas situações são também marcadas pelo conflito familiar e resultam na procura da família, ou às vezes do próprio idoso, pela institucionalização. De outra parte, muitas famílias não conseguem manter o idoso dependente em casa porque o cuidado se torna difícil e desgastante física e emocionalmente. Quando a situação socioeconômica é mais favorável, a sobrecarga pode ser minimizada com a contratação de cuidadores e outros tipos de suporte.

Para Vasconcelos,1616. Vasconcelos EM, organizador. Saúde Mental e Serviço Social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez; 2000. 328 p. cuidar implica função física, psicológica, relacional, material, e para tal demanda, é fundamental a disponibilização de determinadas condições econômicas e sociais que viabilizem o cuidado. Na atualidade, nem todas as famílias estão aptas a cuidar de seus membros, devido à crise econômica e as transformações no mundo do trabalho.

A tendência, da sociedade e dos profissionais que trabalham com a questão do envelhecimento, de culpabilizar a família, não contribui para a resolução da problemática da institucionalização. A família necessita de orientações, suporte psicossocial e acesso à rede de serviços para o cuidado do idoso por parte do Estado.

Conforme dados da The AGS Foundation for Health in Aging, desde 1994 tem aumentado o número de internações em Nursing Homes nos Estados Unidos e a maioria delas ocorreu após alta hospitalar. Segundo projeções, sem uma solução no tratamento de demências, o número de pessoas com 65 anos ou mais vivendo nesses espaços provavelmente dobrará em 2020.1717. AGS (American Geriatrics Society) Foundation for Health in Aging. Aging in the Know. Nursing Home Care. [acesso 2006 set 23]. Disponível em: URL: http//www.nlm.nih.go
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De acordo com a AGS, quase a metade das pessoas que vive nessas instituições tem 85 anos ou mais, a maioria são mulheres (72%) e com um grupo pequeno de familiares e amigos para dar suporte. Em torno de 50 a 70% têm demência, 25% dos residentes necessitam de ajuda para 1 ou 2 AVDs (atividades de vida diária) e 75% para 3 ou mais.1717. AGS (American Geriatrics Society) Foundation for Health in Aging. Aging in the Know. Nursing Home Care. [acesso 2006 set 23]. Disponível em: URL: http//www.nlm.nih.go
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Conforme Kane, citado por Born e Boechat1515. Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. In: Freitas EV, et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.768-77., 12 estudos analisados nos EUA demonstraram que os principais fatores para a institucionalização foram: idade, diagnóstico, limitação nas AVDs, estado civil, situação mental, morar sozinho, etnia, pobreza, ausência de suportes sociais.

Boechat, citado por Amendoeira,1818. Amendoeira MCR, et al. O sentimento de isolamento social em idosos de uma instituição do Rio de Janeiro. Arquivos Brasileiros de Psiquiatria, Neurologia e Medicina Legal 2000 out./dez; 95 (75): 39-46. aponta os seguintes fatores de risco para internação no Brasil: síndrome de imobilidade, múltiplos problemas médicos, depressão, demência, alta hospitalar recente, incontinência, ser mulher, ter idade acima de 70 anos, ser solteiro, sem filhos, viúvo recente, morar sozinho, isolamento social (falta de apoios sociais) e pobreza.

Estudos em alguns locais do Brasil confirmam o perfil apresentado. Pesquisa realizada em três instituições de Natal concluiu que as características socioeconômicas e de saúde encontradas na população internada são marcadas pelo predomínio de mulheres, condições de saúde precária, baixo poder aquisitivo, contatos familiares conflituosos e ausência de moradia.1919. Davim RMB, et al. Estudo com idosos de instituições asilares no município de Natal/RN: características socioeconômicas e de saúde. Rev Lat Am Enfermagem 2004 maio/jun; 12 (3): 518-24.

A pesquisa em 14 ILPIs no Rio Grande do Sul mostrou que a maioria dos moradores são mulheres (64,9%), com escolaridade e renda baixas, idade superior a 70 anos, solteiras ou viúvas. A maioria tem família (42,6% possuem filhos), é aposentada (44,3% recebem de um a menos de dois salários mínimos), e muitos apresentam cuidados especiais de saúde.2020. Herédia VBM, et al. A realidade do idoso institucionalizado. Textos sobre Envelhecimento. UnATI/UERJ 2004 jul./dez; 7 (2): 9-31. Em pesquisa similar realizada em Belo Horizonte, Chaimowicz2121. Chaimowicz F, Greco DB. Dinâmica da institucionalização de idosos em Belo Horizonte, Brasil. Rev Saúde Pública 1999 dez; 33 (6): 454-60. verificou como fatores de risco para a institucionalização a baixa renda, o fato de morar sozinho e o suporte social precário. As mulheres também representaram maioria (81,1%) nas ILPIs.

Até o momento inexistem dados exatos sobre o número de idosos institucionalizados no Brasil e a demanda por esse atendimento. A realidade é que, seja porque foram colocados nas instituições ou foram por conta própria, não há sinais de que a demanda por instituições irá diminuir, principalmente se não forem disponibilizadas outras alternativas para atender aos idosos e às famílias.

O CORPO E ALMA DE UMA INSTITUIÇÃO. COMO DEVEM FUNCIONAR?

O termo ILPIs é proveniente de debates nas comissões e congressos da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia nos últimos anos. Uma ILPI “deve procurar ser uma residência, mostrando, tanto nos seus aspectos físicos quanto em toda a sua programação, detalhes que lembrem uma casa, uma moradia, a vida numa família”.1515. Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. In: Freitas EV, et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.768-77.

A Portaria n° 810/1989 foi a primeira a definir as Normas e Padrões de Funcionamento de Casas de Repouso, Clínicas Geriátricas e outras instituições para idosos. Ela define como deve ser a organização da instituição, a área física, as instalações e os recursos humanos.2222. Brasil. Portaria n. 810 Normas para Funcionamento de Casas de Repouso, Clínicas Geriátricas e Outras Instituições Destinadas ao Atendimento ao Idoso 1989 set 22. Pub DO [2003 set. 27].

No processo de regulamentação da Política Nacional do Idoso, a Portaria n° 73/01 trouxe nova definição de Normas e Padrões de Funcionamento para Serviços e Programas de Atenção à Pessoa Idosa. Ela adota o termo Atendimento Integral Institucional.2323. Brasil. Portaria n. 73. Normas de Funcionamento de Serviços de Atenção ao Idoso no Brasil 2001 maio 10.

Em 2005 passa a vigorar a Resolução da Diretoria Colegiada, RDC n° 283. A RDC adota o termo ILPI e estabelece normas de funcionamento desta modalidade assistencial. Segundo o documento, ILPIs são “instituições governamentais ou não-governamentais, de caráter residencial, destinadas a domicílio coletivo de pessoas com idade igual ou superior a 60 anos, com ou sem suporte familiar, em condições de liberdade, dignidade e cidadania”.2424. ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Resolução da Diretoria Colegiada – RDC 283, 2005 set 26. A norma define quais são os graus de dependência e as condições gerais de organização institucional baseada nos direitos dos idosos, incluindo recursos humanos, infra-estrutura, processos operacionais, notificação compulsória, monitoramento e avaliação.

A implementação desse documento é um desafio para os órgãos fiscalizadores e as instituições. A cada dia mais, estas estão sendo obrigadas a se adequar à legislação, superando o paradigma de atendimento enquanto caridade e assistencialismo para o de prestação de serviços com qualidade e garantia dos direitos da pessoa idosa.

O documento Eixos Norteadores para Abrigos,2525. Pollo SHL, et al. Eixos Norteadores para Abrigos. SMDS/CPS 2003 ago;1-7. produzido pela Prefeitura do Rio de Janeiro, define itens para o atendimento de qualidade nas instituições e afirma que o abrigo é parte de uma rede de serviços e deve estar articulado e atuar em parceria com as áreas de Saúde, Educação, Esporte, Cultura, Lazer, dentre outras.

Com relação à localização, propõe que o ideal é possibilitar o fácil acesso a transportes e a rede de serviços, garantir a segurança da instituição, dos profissionais e dos usuários. A disposição arquitetônica deve respeitar a individualidade e propiciar espaços para convivência que lembrem residências, com cores claras e variadas, móveis e utensílios que ofereçam conforto, higiene e segurança.2525. Pollo SHL, et al. Eixos Norteadores para Abrigos. SMDS/CPS 2003 ago;1-7.

Para oferecer um atendimento de qualidade, também é fundamental que as instituições assegurem aos profissionais o espaço para supervisão, estudos e reuniões. Além da qualificação continuada, esse contato é importante para que os profissionais possam dividir suas dúvidas, angústias e anseios.

O documento pressupõe a provisoriedade da institucionalização e aponta a necessidade de serviços que ampliem a porta de saída dos abrigos, tais como apoio à moradia, reinserção familiar, alfabetização, centros-dia, centros de convivência, repúblicas, programas de transferência de renda para as famílias permanecerem com seus idosos, retorno à cidade de origem, qualificação profissional, programas de geração de renda e inserção no mercado de trabalho e programas habitacionais.

Por fim, o padrão de qualidade no atendimento institucional deve se pautar na valorização da história do idoso, no respeito à sua individualidade, autonomia e privacidade, na preservação dos vínculos e na participação na comunidade. A assistência religiosa deve ser oferecida de acordo com a crença para aqueles que desejarem.2525. Pollo SHL, et al. Eixos Norteadores para Abrigos. SMDS/CPS 2003 ago;1-7.

Familiares e idosos têm muitos questionamentos, receios e expectativas quanto à internação. Por isso é importante que o idoso receba apoio e acompanhamento e, se possível, planeje e acompanhe o processo de institucionalização para uma melhor adaptação e aceitação.1515. Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. In: Freitas EV, et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.768-77. Para Born e Boechat, além do planejamento da família, a instituição deve também oferecer formas de recepcionar o idoso. Os profissionais e residentes devem fazer parte dessa recepção. Ao idoso deve ser permitido levar pequenos objetos de uso pessoal e a ele deve ser apresentada a instituição, seus horários e rotinas, numa abordagem que transmita segurança e sensação de acolhimento. Para os idosos que perderam a autonomia e/ou independência, é fundamental que possam sair do leito, tomar sol, ter acesso à área externa e, se possível e conveniente, participar de atividades de socialização.1515. Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. In: Freitas EV, et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.768-77.

A incorporação de todos esses requisitos não é fácil em um país que vive uma realidade de desigualdade e pobreza. Entretanto, os projetos arquitetônicos podem apresentar soluções criativas e relativamente simples, como, por exemplo, local com plantas, quadros, fotografias, uso de materiais recicláveis, ambientes coloridos. O fundamental é que as exigências de segurança, conforto e qualidade sejam cumpridas. Outras determinações da legislação, entretanto, talvez exijam uma verdadeira corrida em busca de recursos, parcerias, convênios, doações, dentre outras estratégias.

AS ILPIS NO MUNICÍPIO DO RIO DE JANEIRO

A Cidade do Rio de Janeiro possui o maior o número de idosos do Brasil, estimado em 860 mil, segundo projeções para 20072626. Brasil. Ministério da Saúde. Departamento de Informática do SUS. Informações de Saúde. [Acesso 2006 out.13]. Disponível em: URL: http://www.datasus.gov.br
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e grandes são os desafios para atender à demanda crescente por serviços, incluindo ILPIs.

A DSS, baseada no Sistema Único de Assistência Social (SUAS), desenvolve seus projetos através dos seguintes eixos: Proteção Social Básica; e Proteção Social Especial, voltado para idosos que tiveram seus direitos violados. É neste que estão as ILPIs como modalidade de atendimento de alta complexidade.

Através dos registros da DSS, tem-se observado o aumento por solicitação de vagas em ILPIs nos últimos dois anos. Essa demanda tem sido de 30 a 40 pedidos por mês, em sua maioria vinda de pessoas sem condições financeiras. Os pedidos provêm de atendimentos sociais e de órgãos como a Promotoria do Idoso – MP, Vara da Infância, Juventude e Idoso, Defensoria Pública – NEAPI (Núcleo Especial de Atendimento à Pessoa Idosa), Delegacia do Idoso, Unidades de Saúde, Ouvidorias, CRAF – Central de Recepção de Adultos e Família (acolhimento de pessoas em situação de rua), e da Vigilância Sanitária, por ocasião de interdições com indicação de retirada dos idosos da ILPI.

A análise dessa demanda revela que a velhice aliada a limitações funcionais e financeiras é um quadro delicado. As moradias são precárias, os familiares necessitam trabalhar mas não têm com quem deixar o idoso, e não conseguem atender a suas necessidades de alimentação, medicamentos e demais cuidados. Os encargos sociais, financeiros e subjetivos são insustentáveis. Neste contexto, vem-se tornando comum o fato de idosos serem cuidados por outros idosos, o que é particularmente dramático quando este também vivencia fragilidades física e emocional.

O público atendido é de pessoas em situação de vulnerabilidade social, muitas vezes provenientes da rua, dependentes químicos, com transtorno mental e demências. Em certas situações, surgem dificuldades no relacionamento entre os responsáveis e/ou equipe da instituição e os idosos. Dúvidas têm surgido sobre funcionamento e legislação, e têm sido promovidos encontros para orientações e debates para as ILPIs, com envolvimento de órgãos públicos.

Antes do encaminhamento para instituições, são feitas entrevistas, visitas domiciliares e/ou hospitalares, solicitação de laudos de profissionais da saúde e relatórios sociais para conhecer o perfil do idoso. Confirmada a necessidade de institucionalização, o idoso é encaminhado para ILPIs da rede municipal, composta hoje por duas instituições próprias, uma sob gestão e sete conveniadas. A capacidade é de 700 vagas, número que não é suficiente para atender à demanda apresentada. Nesse sentido, é fundamental a ação das três esferas de governo.

Nos últimos dois anos, têm sido feito contatos com algumas instituições para se ampliar a oferta de vagas, através de convênios e parcerias. No entanto, a maioria das instituições consultadas não demonstrou interesse, alegando que a remuneração per capita oferecida não era satisfatória ou compatível com os gastos, embora o valor oferecido seja um dos maiores do país (R$ 682,00 para idosos dependentes e R$ 340,00 para os independentes). Outros motivos foram porque não queriam e/ou não tinham condições de atender ao público-alvo ou porque apresentavam pendências na documentação.

O déficit de vagas é agravado por pedidos ocasionais de transferência total de idosos abrigados em ILPIs interditadas pela Vigilância Sanitária. Antes da transferência, é caracterizado o perfil dos idosos e verificada a possibilidade de reinserção familiar. Para os idosos e/ou familiares que possuam renda, a transferência é indicada para a rede privada. Os demais são encaminhados à rede municipal.

A realidade da interdição é também enfrentada por outros estados. Numa pesquisa sobre estrutura física em 29 asilos da zona rural da Cidade de São Paulo, verificou-se que a maior parte deles estava inadequada, conforme Castro, citado por Alcântara.66. Alcântara AO. Velhos institucionalizados e família: entre abafos e desabafos. Campinas: Alínea; 2004.149 p.. Para a autora, esse quadro é um complicador, pois o fechamento das instituições pode significar inexistência de local para os idosos.

Algumas outras situações também contribuem para aumentar a procura por instituições. Uma delas é a de idosos em situação de rua, público composto predominantemente por homens independentes para atividades de vida diária. Muitos idosos são ainda jovens e parcela significativa tem renda de um salário mínimo, o que não deveria habilitá-los para instituições. Entretanto, dada a falta de alternativas para esses idosos se autogerirem, os mesmos acabam demandando institucionalização, indo na contramão da tendência verificada nos países desenvolvidos.

A Secretaria e as ILPIs têm atuado através do trabalho de reinserção dos idosos às famílias, incentivo à socialização, fortalecimento da autonomia e inserção em atividades de geração de renda, para que criem uma rede de apoio social e possam futuramente viabilizar a saída da instituição. Essas ações, porém, não são ainda plenamente efetivas, pela complexidade envolvida no histórico dos idosos e pela dificuldade e/ou resistência dos mesmos e de seus familiares.

A situação de idosos com transtornos mentais, demência ou dependência química tem sido outro complicador. As instituições ainda não estão preparadas para essa demanda e a rede de serviços para dar suporte a suas necessidades ainda é muito precária. Segundo Fonsêca2727. Fonsêca LM. O debate sobre o destino dos egressos de longas internações psiquiátricas. O caso do Instituto Municipal de Assistência à Saúde (IMAS) Juliano Moreira [dissertação]. Rio de Janeiro: Fiocruz/ENSP; 2005. a reestruturação da assistência psiquiátrica requer ações voltadas para os residentes nos asilos psiquiátricos. Para essa clientela, atualmente estimada em duas mil pessoas no município carioca, os serviços de atenção diária, como os Centros e Núcleos de Atenção Psicossocial, são insuficientes, pois não problematizaram anteriormente a questão da moradia.

Segundo Vasconcelos,1616. Vasconcelos EM, organizador. Saúde Mental e Serviço Social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez; 2000. 328 p. os pacientes sem família ou com vínculo familiar frágil são a maioria da população psiquiátrica e apresentam quadros clínicos que exigem abordagem prolongada. Nos hospitais psiquiátricos, a maioria da clientela provém dos segmentos despossuídos e assalariados. Pressionadas pela instabilidade e precariedade em suas condições de vida e trabalho, as famílias recorrem aos hospitais como “estratégia de sobrevivência para aliviar o peso temporal e psíquico, denotando a atenção e o cuidado com o adulto dependente”.1616. Vasconcelos EM, organizador. Saúde Mental e Serviço Social: o desafio da subjetividade e da interdisciplinaridade. São Paulo: Cortez; 2000. 328 p. Essa realidade é o que também ocorre de forma geral nas instituições para idosos.

Na busca de alternativas, têm sido realizados encontros com várias áreas da Secretaria Municipal de Saúde, Promotoria do Idoso e as ILPIs. Os encontros têm propiciado orientações, esclarecimentos e algum suporte no atendimento a esses idosos.

É fato que existe um número reduzido de ILPIs governamentais em todo o país e que as alternativas ao alojamento são precárias ou inexistentes. Enquanto ações não forem efetivamente implantadas, as listas de espera para admissão nas instituições continuarão a crescer e as ILPIs estarão atendendo a um público não correspondente ao seu perfil.

O levantamento das ILPIs do município do Rio de Janeiro, realizado em 2005/2006 pela DSS, mostrou que 76% dessas instituições são privadas, 21% são privadas sem fins lucrativos/filantrópicas e 3% são públicas. Quanto ao público atendido, 77% das instituições são mistas, 20% recebem apenas mulheres e 3% apenas homens.

ALTERNATIVAS À INSTITUCIONALIZAÇÃO E AS RESPOSTAS MUNICIPAIS

A instituição é uma forma de cuidado em transição e outros modelos começam a aparecer nos países desenvolvidos. Um deles é o lar comunitário ou residência coletiva, onde em cada casa são cuidados de seis a não mais que 12 idosos demenciados. Esse modelo também serve para idosos com outras necessidades.2828. Kane RA, Kane RL. Long-term Care: Principles, Programs, and Policies. In: Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p. 776 Na França ele existe há 20 anos e foi implantado com sucesso no Japão, Holanda e Finlândia. Os autores afirmam que embora esse modelo não esteja ainda amplamente desenvolvido no Brasil, os princípios de pequenos grupos, valorização da vida diária e participação dos idosos na execução das atividades domésticas poderiam orientar a reforma das ILPIs de maior porte.

Na Inglaterra há pequenas residências que funcionam de forma permanente e temporária, de modo que o idoso possa permanecer dois meses em sua casa e duas semanas na instituição. Nos Estados Unidos, pequenos alojamentos em áreas de fácil acesso (Respite House) são mantidos para curta permanência.1515. Born T, Boechat NS. A qualidade dos cuidados ao idoso institucionalizado. In: Freitas EV, et al. Tratado de Geriatria e Gerontologia. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2002. p.768-77.

A falta ou escassez de opções disponíveis para que as famílias mantenham seus idosos em casa têem sido um dos motivos da procura por instituições em nosso país. A Portaria n° 73/01 apresenta modalidades alternativas à institucionalização. A implantação das mesmas significaria, porém, a disponibilização de recursos públicos nas três esferas de governo, e do envolvimento e participação de idosos, entidades e profissionais na cobrança para garantir essas ações. Algumas modalidades previstas são: Grupo e Centro de Convivência (idosos independentes e familiares); Centro-Dia (idosos com limitações para realizar AVDs); República (residência para idosos independentes, co-financiada com seus recursos); Família Natural (idosos independentes que são cuidados por sua própria família).2323. Brasil. Portaria n. 73. Normas de Funcionamento de Serviços de Atenção ao Idoso no Brasil 2001 maio 10.

Com base nessas referências, a rede municipal do Rio de Janeiro disponibiliza hoje 47 Grupos de Convivência com atendimento a cerca de 1.700 idosos; dois Centros de Convivência com atendimento de 200 idosos; um Centro-Dia com atendimento de 20 idosos; uma República com atendimento de 14 idosos; Projeto Agente Experiente, com 100 idosos; e Projeto Idoso em Família, atualmente com dez famílias e perspectiva de ampliação para mais 20 famílias até final de 2007.

O Projeto Idoso em Família foi implantado experimentalmente em 2006 com dez famílias, unidas ou não por laços consangüíneos e em situação de vulnerabilidade social, visando a evitar a institucionalização. O projeto concede benefício financeiro às famílias e objetiva também inserir os idosos e seus familiares nos serviços disponíveis na rede, possibilitando-lhes atendimento, além de informações e orientações que auxiliem no cuidado.

O Projeto Agente Experiente caracteriza-se pela concessão de bolsa a 100 idosos para realizar atividades como: acompanhamento dos profissionais dos Centros de Referências de Assistência Social em visitas domiciliares; participação no levantamento da rede de serviços; participação na campanha de vacinação de idosos; encaminhamento da população para serviços e programas do município, dentre outras. Espera-se que o idoso possa ser um canal de informações sobre projetos e serviços da rede municipal. Além de mantê-los ativos, viabilizando também a criação de uma rede social de apoio, o projeto valoriza a experiência e conhecimento dos idosos, contribuindo para a sua auto-estima e complementação da renda – em alguns casos a única –, e para sua própria manutenção na comunidade.

Todas essas modalidades têm sido fundamentais na atenção aos idosos e os resultados têm sido satisfatórios. Entretanto, essas ações ainda não são suficientes e por isso é necessária a parceria entre o poder público, sociedade, profissionais e idosos para dar continuidade a ações bem-sucedidas, ampliar e implementar novas modalidades de serviços no país.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A longevidade é uma conquista, mas para indivíduos em situação de vulnerabilidade social, pode ser para muitos um fardo, um castigo. As fragilidades da família e do poder público refletem-se na deficiência para se garantir aos idosos mais jovens, independentes ou com dependências leves, sua manutenção no domicílio, e também nas poucas ou precárias opções aos idosos mais velhos e dependentes, principalmente em condições de pobreza.

Para o idoso, não deveria existir lugar melhor para se estar do que em seu próprio lar, junto a familiares. Mas o lar pode ser um local com situação precária e maus-tratos que comprometem o bem-estar e a vida. A família é um lugar de construção de relações, negociações e afetos que nem sempre são positivos. Cuidar envolve afeto e disponibilidade emocional e física, como também condições materiais, financeiras e suporte do Estado.

Com as mudanças estruturais da sociedade, as famílias têm encontrado dificuldades para desempenhar as funções que tradicionalmente lhes eram conferidas. As doenças incapacitantes e as demências têm tornado mais complexas e difíceis a tarefa de cuidar. À família não deve ser atribuída culpa, mas oferecida melhoria nas suas condições de vida, recursos e alternativas para o acompanhamento e cuidados aos seus idosos.

Também aos idosos sem familiares ou com vínculos fragilizados, alternativas têm que ser criadas e disponibilizadas. Sejam quais forem os motivos que estejam levando à internação, a realidade é que muitos têm recorrido a essa modalidade de atendimento.

Para uma cidade com elevado percentual de idosos como o Rio de Janeiro, vários são os desafios diante da demanda por ações para esse segmento. Assim como em todo o país, o cenário é de procura crescente por ILPIs, número reduzido de vagas, pequena quantidade de instituições gratuitas que excluem ainda mais aqueles em situação de vulnerabilidade e sem recursos, condições precárias de muitos espaços e dificuldades para gerir e garantir um atendimento de qualidade. “A fragilidade do tripé família-Estado-sociedade”,2121. Chaimowicz F, Greco DB. Dinâmica da institucionalização de idosos em Belo Horizonte, Brasil. Rev Saúde Pública 1999 dez; 33 (6): 454-60. no Rio de Janeiro, assim como no Brasil, acaba institucionalizando idosos que não deveriam ser público dessa modalidade de atendimento. Por essa razão, assim como foi rápido o processo de envelhecimento em nosso país, é necessário haver rapidez também para viabilizar modelos alternativos de assistência.

Com o objetivo de ampliar e diversificar o atendimento aos idosos, a Prefeitura tem desenvolvido ações com bons resultados e satisfação do público atendido. O desafio atual é, junto a outras esferas de governo, criar e ampliar modalidades de atendimento alternativas à institucionalização. Mas, enquanto a institucionalização não for de fato a última alternativa para o idoso, enquanto as internações não forem apenas para aqueles com idades mais avançadas e com maior grau de dependência, como nos países desenvolvidos, é necessário suporte, acompanhamento e fiscalização sistemáticos a essas instituições para que possam oferecer atendimento de qualidade, em consonância com os direitos fundamentais da pessoa idosa.

Para a redução da demanda por ILPIs, é fundamental incrementar a implementação de modalidades de assistência alternativas. É preciso que profissionais, idosos, familiares, sociedade civil, entidades e órgãos envolvidos com essa temática reflitam, discutam, construam novas formas de cuidado e acolhimento, fomentem novos modelos de convivência social e familiar. É urgente um envolvimento global para traçar estratégias e implementar alternativas, tanto para os idosos que ainda mantêm sua independência e autonomia, como para os fragilizados, com doenças incapacitantes e dependentes de cuidados.

Para que envelhecer não seja visto como um castigo, mas parte de um dos ciclos da vida, é preciso que se possa viver com respeito, garantia de direitos e cidadania, como uma celebração para quem chegou até aqui e para os que ainda virão. E para que assim, como disse o poeta:

“Sejamos simples e calmos,

Como os regatos e árvores,

E Deus amar-nos-à fazendo de nós

Belos como as árvores e os regatos,

E dar-nos-á verdor na sua primavera,

E um rio aonde ir ter quando acabemos!…”* * Autoria Fernando Pessoa (Alberto Caeiro), poema VI “Pensar em Deus”, livro “O Guardador de Rebanhos”.

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    Poesia de autoria da autora Pollo, S.
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    Autoria Fernando Pessoa (Alberto Caeiro), poema VI “Pensar em Deus”, livro “O Guardador de Rebanhos”.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Ago 2019
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2008

Histórico

  • Recebido
    09 Out 2007
  • Aceito
    17 Dez 2007
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