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Aspectos afetivos relacionados ao comportamento alimentar dos idosos frequentadores de um centro de convivência

Affective aspects relating to feeding behavior of elderly attending a day care center

Resumos

Instituições direcionadas à alimentação de idosos têm-se tornado mais numerosas, e poucos estudos são realizados nesses locais. Hipotetizamos que a maneira pela qual a alimentação é realizada nesses locais pode interferir negativamente na relação afetiva que o idoso estabelece com a alimentação. OBJETIVOS: compreender o significado e o componente afetivo da alimentação na vida dos idosos que frequentam um centro de convivência direcionado à alimentação; identificar os aspectos situacionais que envolvem o comportamento alimentar desses idosos. MÉTODOS: foram estudadas pessoas com 60 anos ou mais de idade, frequentadoras de um Núcleo de Convivência da zona leste de São Paulo-SP, a partir de uma entrevista semiestruturada, interpretada pelo Discurso do Sujeito Coletivo. As questões norteadoras da entrevista foram: Por que o Sr(a). se alimenta aqui? Como o se sente comendo aqui? Fale-me como era a sua alimentação antes de entrar no centro de convivência e agora. Houve mudanças? Qual a importância da alimentação na sua vida? O sr(a) acha que a comida é capaz de fazer amigos? RESULTADOS: a hipótese inicialmente estabelecida não foi comprovada, observandose na verdade a presença de uma nova situação de vida para o idoso, que pareceu agradável e desvinculada de fatos passados. Os entrevistados no presente estudo não demonstram muita relação pregressa com a alimentação. CONCLUSÕES: locais que ofereçam alimentação coletiva ao idoso mostram-se importantes para o suporte social, facilitam a socialização e a aquisição de alimentação para os idosos que vivem em situações desfavorecidas.

Envelhecimento; Saúde do idoso; Idoso; Comportamento alimentar; Alimentação coletiva; Promoção da saúde


Institutions aimed at feeding the elderly have become more numerous, and few studies are conducted at these sites. We hypothesize that the manner in which feeding is held at these places can adversely affect the emotional relationship the elderly has with food. OBJECTIVES: To understand the meaning and the affective component of feeding in the lives of seniors who attend a day care center directed to feeding; to identify the situational aspects that involve the feeding behavior of these elderly. METHODS: We studied people aged 60 or more years attending a Day Care Center in eastern São Paulo city, through a semistructured interview using the Collective Subject Discourse. The guiding questions of the interview were: Why do you eat here? How does eating feel here? Tell me how was your food before going into day care center and now. Were there any changes? What is the importance of food in your life? Do you think that food can help making friends? RESULTS: The hypothesis initially established has not been proven, and we noticed the presence of a new living situation for the elderly, which seemed nice and disconnected from past events. Respondents in this study did not show much relationship with the previous feeding. CONCLUSIONS: places that offer food service to the elderly have shown to be important for social support, facilitate socialization and acquisition of food for older people living in disadvantaged situations.

Aging; Health of the Elderly; Elderly; Feeding behavior; Collective feeding; Health promotion


ARTIGOS ORIGINAIS ORIGINAL ARTICLES

Aspectos afetivos relacionados ao comportamento alimentar dos idosos frequentadores de um centro de convivência

Affective aspects relating to feeding behavior of elderly attending a day care center

Glenda Dias dos Santos; Sandra Maria Lima Ribeiro

Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Universidade de São Paulo. São Paulo, SP, Brasil

Correspondência Correspondência: Sandra Maria Lima Ribeiro Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Universidade de São Paulo Av. Arlindo Bettio, 1000 - Ermelino Matarazzo 03808-000 - São Paulo, SP, Brasil E-mail: smlribeiro@usp.br

RESUMO

Instituições direcionadas à alimentação de idosos têm-se tornado mais numerosas, e poucos estudos são realizados nesses locais. Hipotetizamos que a maneira pela qual a alimentação é realizada nesses locais pode interferir negativamente na relação afetiva que o idoso estabelece com a alimentação.

OBJETIVOS: compreender o significado e o componente afetivo da alimentação na vida dos idosos que frequentam um centro de convivência direcionado à alimentação; identificar os aspectos situacionais que envolvem o comportamento alimentar desses idosos.

MÉTODOS: foram estudadas pessoas com 60 anos ou mais de idade, frequentadoras de um Núcleo de Convivência da zona leste de São Paulo-SP, a partir de uma entrevista semiestruturada, interpretada pelo Discurso do Sujeito Coletivo. As questões norteadoras da entrevista foram: Por que o Sr(a). se alimenta aqui? Como o se sente comendo aqui? Fale-me como era a sua alimentação antes de entrar no centro de convivência e agora. Houve mudanças? Qual a importância da alimentação na sua vida? O sr(a) acha que a comida é capaz de fazer amigos?

RESULTADOS: a hipótese inicialmente estabelecida não foi comprovada, observandose na verdade a presença de uma nova situação de vida para o idoso, que pareceu agradável e desvinculada de fatos passados. Os entrevistados no presente estudo não demonstram muita relação pregressa com a alimentação.

CONCLUSÕES: locais que ofereçam alimentação coletiva ao idoso mostram-se importantes para o suporte social, facilitam a socialização e a aquisição de alimentação para os idosos que vivem em situações desfavorecidas.

Palavras-chave: Envelhecimento. Saúde do idoso. Idoso. Comportamento alimentar. Alimentação coletiva. Promoção da saúde.

ABSTRACT

Institutions aimed at feeding the elderly have become more numerous, and few studies are conducted at these sites. We hypothesize that the manner in which feeding is held at these places can adversely affect the emotional relationship the elderly has with food.

OBJECTIVES: To understand the meaning and the affective component of feeding in the lives of seniors who attend a day care center directed to feeding; to identify the situational aspects that involve the feeding behavior of these elderly.

METHODS: We studied people aged 60 or more years attending a Day Care Center in eastern São Paulo city, through a semistructured interview using the Collective Subject Discourse. The guiding questions of the interview were: Why do you eat here? How does eating feel here? Tell me how was your food before going into day care center and now. Were there any changes? What is the importance of food in your life? Do you think that food can help making friends?

RESULTS: The hypothesis initially established has not been proven, and we noticed the presence of a new living situation for the elderly, which seemed nice and disconnected from past events. Respondents in this study did not show much relationship with the previous feeding.

CONCLUSIONS: places that offer food service to the elderly have shown to be important for social support, facilitate socialization and acquisition of food for older people living in disadvantaged situations.

Key words: Aging. Health of the Elderly. Elderly. Feeding behavior,. Collective feeding. Health promotion.

INTRODUÇÃO

O envelhecimento precisa ser entendido em sua dimensão biopsicossocial,1 e nesse contexto o conhecimento das práticas alimentares e de suas respectivas teias de relações é de extrema importância. A abordagem dos aspectos envolvidos com o comportamento alimentar permite a compreensão da multidimensionalidade da alimentação humana, colaborando para a promoção da saúde e qualidade de vida dos indivíduos.2

As práticas alimentares indicam a história cultural e social do indivíduo e correspondem a procedimentos desde a escolha, preparação até o consumo do alimento. No comportamento alimentar de um indivíduo, não há apenas a busca pela satisfação das necessidades fisiológicas, mas também pelas necessidades psicológicas, sociais e culturais. Dessa maneira, o comportamento alimentar engloba aspectos biológicos, cognitivos, situacionais e afetivos.3,4

No aspecto biológico estão incluídas as necessidades nutricionais para a manutenção fisiológica e metabólica do indivíduo.5 O aspecto cognitivo inclui o conhecimento que o indivíduo tem sobre os alimentos e a nutrição, enquanto o aspecto situacional recebe influência dos fatores econômicos, culturais e sociais. Com relação aos aspectos afetivos, estes correspondem às atitudes e aos sentimentos que se tem em relação à alimentação. Nestes estão inseridos os motivos pessoais relacionados aos valores sociais, culturais, religiosos e outros significados atribuídos ao alimento.3

Diversos momentos da vida são marcados com a presença de alimentos, e o componente afetivo guia a escala de preferências e símbolos alimentares, como a comida de ocasiões especiais: na demonstração de afeto, no presentear pessoas com alimentos, nos ritos de passagem, como batizados, aniversários, casamentos, formaturas e até funerais.4,6

Em todas as sociedades humanas, a comida é uma maneira de criar e expressar as relações entre os indivíduos.7 Quando o alimento é consumido em uma refeição coletiva, fica evidente a relação de cada indivíduo com os outros e com o mundo exterior. As refeições são controladas pelas normas de um grupo, que ditam quem prepara ou serve o alimento, quem come junto ao grupo e quem limpa no final, a ordem dos pratos na refeição, a louça ou os talheres usados e comportamento à mesa. Essas relações são estabelecidas por todo o curso da vida.

No idoso, diversos fatores, de ordem biológica, social ou psicológica estão relacionados a mudanças nas práticas alimentares.8,9,10 Exemplos desses fatores podem ser: a aposentadoria, a viuvez, a saída dos filhos de casa, entre outros. Esses fatores muitas vezes são acompanhados da perda de papéis sociais e do poder aquisitivo, favorecendo o isolamento e solidão. Pode ocorrer desinteresse na preparação das refeições e na ingestão dos alimentos. Esse fato é comum em indivíduos que moram sozinhos, ou ainda em indivíduos que moram acompanhados, mas vivem em conflitos com os familiares.11

Por essas razões, é relativamente frequente o fato de os idosos passarem a se alimentar fora de casa, em instituições dirigidas para esse fim. Se por um lado, especificamente no aspecto biológico, isso pode ser considerado um fato positivo, por outro não se tem muita informação do impacto dessas mudanças na vida social e psicológica dos idosos. A grande maioria dos estudos relacionados a idosos e comportamento alimentar destaca sobretudo os aspectos biológicos, ou seja, as necessidades nutricionais, e não incluem os outros aspectos do comportamento alimentar.

É importante identificar significados individuais e coletivos da alimentação do idoso.4 Ao fazer as refeições em coletividades, o idoso pode perder sua cultura alimentar, principalmente se ele tiver costumes alimentares atrelados a valores diferentes, uma vez que novos valores e práticas alimentares são incorporados no local e na vida do idoso.

A partir do acima exposto, os objetivos do presente estudo são: compreender o significado e o componente afetivo da alimentação na vida dos idosos que frequentam um centro de convivência direcionado à alimentação; e identificar os aspectos situacionais que envolvem o comportamento alimentar dos idosos investigados.

CASUÍSTICA E MÉTODOS

Sujeitos

Foram estudadas pessoas com 60 anos ou mais de idade, frequentadores de um Núcleo de Convivência da zona leste de São Paulo-SP, que aceitaram participar do estudo mediante esclarecimento prévio e assinatura do Termo de Consentimento Livre (conforme Resolução CNS n. 196/96) e que frequentam regularmente a instituição. A instituição assinou o termo de concordância, permitindo que o estudo fosse realizado. Este estudo faz parte de um projeto maior, que foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade São Judas Tadeu, sob número 11/08.

A seleção dos sujeitos baseou-se na determinação de um período para a coleta de dados, que foi a permanência da pesquisadora três vezes por semana durante um mês na instituição. Os participantes foram escolhidos aleatoriamente e de acordo com a disponibilidade dos mesmos em participar, totalizando 20 sujeitos com idade acima de 60 anos.

Tipo de pesquisa

A pesquisa foi qualitativa devido aos objetivos deste estudo. De acordo com Lefèvre e Lefèvre,12 a pesquisa qualitativa permite compreender com profundidade os campos sociais e seus sentidos, pois se refere a uma teia de significados que estão presentes nos discursos.

Coleta de dados

A coleta dos dados se deu por meio de entrevistas gravadas, utilizando como instrumento um roteiro semiestruturado com as seguintes questões norteadoras:

1) Por que o (a) Sr (a) se alimenta aqui?

2) Como o (a) Sr (a) se sente comendo aqui?

3) Fale-me de como que era a sua alimentação antes de entrar no centro de convivência e agora. Houve mudanças?

4) Qual a importância da alimentação na sua vida?

5) O (a) Sr (a) acha que a comida é capaz de fazer amigos?

Os dados foram coletados no mês de setembro de 2008. Todas as entrevistas foram gravadas na íntegra e transcritas posteriormente. Cabe ressaltar que, anteriormente à coleta de dados, foi realizado um estudo-piloto, de forma a aprimorar as questões e testar o método de análise.

Análise dos dados

Os dados foram analisados de acordo com o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC).12 Essa técnica foi utilizada por alguns autores que realizaram estudos qualitativos com a alimentação de idosos, como Brasil13 e Santelle.14

As respostas de todos os sujeitos foram agrupadas por questões. Em seguida, foram destacadas as expressões-chave, parte dos depoimentos que estão relacionados com as questões da pesquisa; identificaram-se as ideias centrais, afirmações que demonstram o essencial do conteúdo discursivo, ou seja, o sentido do discurso. Depois disso, cada expressão-chave foi agrupada com a ideia central correspondente, para formar o discurso do sujeito coletivo, que é discurso na primeira pessoa do singular formado pelas expressões-chavedos diversos sujeitos com a mesma ideia central. Assim, a soma dos trechos dos depoimentos separada forma um todo discursivo coeso, porque esse "eu" diz em nome da coletividade.12

RESULTADOS

Caracterização do grupo estudado

Neste estudo participaram 20 pessoas, sendo 13 (65%) mulheres e sete (35%) homens. Dentre os entrevistados, 50% encontravam-se na faixa de 59 a 69 anos, 45% eram casados e 80% possuíam o ensino fundamental incompleto.

Em relação à renda pessoal, 75% responderam que possuíam rendimentos provenientes de aposentadoria ou pensão, 15% do Benefício de Prestação Continuada (BPC) e 10% não tinham nenhum rendimento. Das pessoas que responderam que possuíam rendimentos, 61% tinham renda de um salário mínimo, 28% renda de dois salários mínimos e 11% de três ou mais salários mínimos.

O tempo que os entrevistados frequentam o local variou de menos de um ano a 13 anos ou mais, 15% frequentavam a menos de um ano, 45% de um a seis anos, 35% de sete a 13 anos ou mais. Com relação à frequência do entrevistado na instituição, 60% frequentavam cinco vezes na semana, 15% frequentavam quatro vezes e 25% de três a duas vezes na semana.

Discurso do sujeito coletivo

Na análise das respostas das questões norteadoras, encontraram-se 21 ideias centrais, conforme demonstrado no Quadro 1.


Nas respostas à primeira questão (Por que o senhor se alimenta aqui?), a ideia central que obteve a participação de 11 de sujeitos foi IC5, "Porque recebe o lanche (é de graça)", como exibe o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC5):

"Eu me alimento porque na hora do lanche, ai eu tenho que comer porque eles dão mesmo, de um jeito e do outro eu como por ser gratuito. Porque todo mundo chega aqui se alimenta eu também, eu não sou uma exceção, não é porque eu preciso, porque graças a Deus eu não preciso, mas eu to aqui. Todo mundo pega, eu pego também, às vezes eu pego e nem tomo. A gente não vai dizer não, a gente não vai chegar em ninguém e dizer não quero, então é melhor eu pegar, às vezes eu levo pra casa ai eu como lá, porque é um horário muito impróprio, eles dão aqui 10h30 e nem dá vontade de almoçar. Não costumo comer em horário fora de hora, sempre fui acostumado assim, a gente não muda. Ou eu levo pra minha esposa comer em casa. Eu aproveito que todo mundo pega, acredito que seja um direito. Eu me alimentava aqui por causa do almoço, depois íamos pra casa tomava só um café a tarde, mas agora que estão dando o lanche, a gente toma o lanche, um copo de leite e depois chega em casa a gente faz o almoço."

Nas respostas da segunda questão (Como se sente comendo aqui?), a ideia central com a maior frequência nas respostas foi a IC9, "Indiferente", com a participação de oito sujeitos, como apresenta o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC9):

"Pra mim tá bem, não faz diferença a comida não é tão gordurosa porque eu não faço regime nenhum, e eu não sou uma pessoa de exigir muita coisa. Graças a Deus não me falta nada em casa. Eu tenho de tudo, o que não come aqui come em casa, eu tomo meu cafezinho de manhã em casa, venho pra cá, fico até o meio-dia e me alimento com lanche. A gente toma o lanche e vai bem. A gente se sente bem, porque sempre estão atendidas as nossas necessidades, não ta faltando nada. A maioria aqui é tudo gente pobre, o próprio bairro já diz das pessoas que moram aqui. Eu não sinto nada, me sinto bem."

No que se refere à análise da terceira questão (Qual a importância da alimentação na vida das pessoas?) destaca-se a ideia central IC12, "Para viver", com a participação de 11 sujeitos, como exibe o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC12):

"Eu acho que alimentação é tudo na vida. A gente tem que se alimentar porque é que nem uma planta se você não rega, ela vai indo, indo ela vai morrer. Se você não se alimenta você vai ficando fraco, fraco, até que te dá uma doença e quanta gente ai na rua não ta morrendo de fraqueza e de fome. Então é a única coisa que faz parte da vida da gente pra gente poder viver e vivendo é a alimentação de acordo, que é aquilo que a gente gosta de comer. Sem o alimento a gente vai pra cucuia. Sem comer não se vive, seja lá o que for, pra mim qualquer coisa, matando a fome pra mim ta bom. Alimentação é importante pra não passar mal. A gente não tem que comer uma coisa que vá prejudicar, a gente tem que comer uma coisa que se sinta bem. Pra mim é bem saudável, sem alimentação o que é que a gente faz, não faz nada. Alimentação é tudo, sabendo sobreviver né, sabendo se alimentar direitinho de acordo com a idade da gente."

Os depoimentos relacionados à quarta questão, "Como era a sua alimentação antes de entrar no centro de convivência e agora?", destacou-se a ideia central IC13, "Não mudou", com a participação de 13 sujeitos, como apresenta o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC13):

"Não mudou é a mesma coisa, a comida que eu faço é igual a que eu como aqui. Quando tinha o almoço, era arroz, feijão, carne e salada. Na minha casa é arroz, feijão que, é essencial quase todo dia, com uma salada, carninha assada ou cozida ou frita, peixe e frango pra mim qualquer coisa serve. Eu estando com a barriga cheia qualquer coisa tá bom. Mas, agora eu venho aqui como o lanche, chego em casa ainda tomo uma sopa, como alguma coisa, eu como de novo. A minha alimentação não muda, a gente se alimenta daquilo que a gente quer, daquilo que a gente gosta e sente bem."

Na análise das respostas da quinta questão, "Comida é capaz de fazer amigos?", a ideia central com maior número de participantes, 11 sujeitos, foi IC16, "Sim, por causa da conversa e da convivência", como apresenta o Discurso do Sujeito Coletivo (DSC16):

"Com certeza e muito principalmente hoje em dia para os idosos. Acredito sim, que muitas pessoas idosas, que vive só tendo um lugar aonde eles façam a refeição eles começam a formar um grupo de amizade, então isso, para o idoso é uma coisa muito importante porque fica tudo junto, come todo mundo junto é uma alegria pra gente, traz diálogos e a gente facilita a formação de amizades. Tira a gente da vidinha particular que a gente possa ter em casa, desunido. A convivência um com o outro faz bem para o ser humano não ficar isolado. A pessoa se distrai, ocupando o tempo dela se relacionando bem ou mal, é pior do que ela ficar sozinha, isolada sem participar com ninguém. Daria margem para a pessoa sentir com baixa autoestima. Aqui a gente olha pra um pro outro, conversa, fala bobagem, passa a se distrair, pode aprender e falar alguma coisinha para o outro, passar informação da vida. Se você tem boa intenção e quer aprofundar o conhecimento convida pra jantar e ai vai fazendo amizade com os amigos, eu acho que é legal. E mesmo se não dê aquela alimentação rica e bem feitinha, bem gostosinha, as pessoas vão querer comer, querer participar um churrasco, um bolinho, um docinho. Acho que a pessoa vai dizer: puxa que gostoso! E quando voltar a visitar a gente é capaz que pergunte: e aquele docinho?"

DISCUSSÃO

O presente estudo pretendeu identificar se alimentação realizada em coletividade, em um centro de convivência, poderia apresentar componentes negativos na relação entre idosos e a alimentação. A hipótese inicialmente estabelecida não foi comprovada, observando-se na verdade a presença de uma nova situação de vida para o idoso, que pareceu agradável e desvinculada de fatos passados.

Inúmeras razões levam as pessoas a se alimentarem em um local que fornece refeições, desde a necessidade financeira, ou também o simples convívio social que esse tipo de ambiente proporciona. Fica clara, então, a importância desse tipo de ambiente, no sentido de colaborar com a qualidade de vida dos idosos.

Os entrevistados no presente estudo não demonstram muita relação "pregressa" com a alimentação. Mesmo a partir de questões estabelecidas, o grupo não demonstrou sentir saudades de momentos passados com a família ou com companheiros que já não estejam mais em seu convívio. Todos os discursos giraram em torno do "agora", dos amigos que eles possuem e fazem neste local, na atualidade. Similarmente aos resultados do presente estudo, Brasil13, estudando idosos institucionalizados, identificou que alguns deles não guardavam muita lembrança da alimentação anterior à institucionalização, porque eles não se importavam com a mudança de hábito alimentar que tiveram e preocupavam-se apenas com a satisfação em alimentar-se.

Por sua vez, nossos dados não foram similares ao estudo de Tchakmakian & Frangella,4 segundo qual, para os idosos, o aspecto afetivo da alimentação foi mais importante do que a representação que alimentação é fonte de saúde e sobrevivência. Em nosso estudo, ficou clara a relação fisiológica/metabólica que os idosos estabelecem com a comida.

O relato evidente da relação com o aspecto biológico pode ser decorrente do grande número de mensagens divulgadas pela mídia ou mesmo pelos profissionais de saúde, vinculando alimentação e prevenção de doenças. E essa constatação pode ser importante para se pensar em ações educativas pertinentes à saúde para esse grupo. Péres, Franco & Santos,15 em estudo com mulheres diabéticas, sugerem que os profissionais de saúde, para conseguirem maior eficácia em suas ações de educação alimentar, geralmente voltadas somente para a transmissão de conhecimentos, necessitam compreender os valores, símbolos e significados que envolvem o ato de comer. Os aspectos subjetivos e emocionais interferem na adesão ao tratamento mais do que os aspectos cognitivos.

A hipótese do presente estudo, de que, por não participarem da elaboração das refeições em um ambiente coletivo, o idoso deixaria de vivenciar fatos passados que poderiam ser agradáveis e prazerosos, foi sobreposta pela negação de lembranças do passado. Esses dados reforçam a ideia de Florentino,16 de que a preparação de uma refeição pelos idosos pode trazer recordações negativas do passado. Assim, eles preferem comer em outros lugares diferentes do ambiente doméstico - no caso, em um centro de convivência com pessoas da mesma faixa etária. A amizade e o convívio entre as pessoas é um fator positivo que influencia a qualidade de vida e o bem-estar dos idosos.13,17

Nesse sentido, as refeições realizadas em conjunto proporcionam a socialização de um grupo18 e colaboram para o fortalecimento do vínculo afetivo, porque há a preferência de comer acompanhado das pessoas com maior ligação afetiva.17,19 Segundo Câmara Cascudo, citado por Holland & Szarfarc,18 no momento em que as pessoas comem em conjunto, há o estabelecimento de vínculos e amizade; cria-se uma nivelação social -"nós comemos a mesma coisa, logo, somos parecidos" - e ocorre uma fixação geográfica - "nós estamos no mesmo local, assim, comemos as coisas que existem aqui".

No trabalho de Falk, Bisogni & Sobal,20 a justificativa dos idosos para se alimentarem em locais coletivos foi a socialização e as companhias que lhe são proporcionadas nesses locais. Quando se observa, no presente estudo, a questão que aborda se "a comida é capaz de fazer amigos", observa-se que os idosos demonstraram ideias divergentes com relação ao aspecto afetivo da alimentação. Alguns idosos observaram apenas o aspecto biológico novamente, sem conseguir compreender o ponto onde alimentação é troca, amizade. Outros já apontaram o momento da alimentação como prazeroso e capaz de unir as pessoas. Novamente, nenhuma referência foi feita a fatos anteriores ou pessoas que conviviam no passado e que a alimentação possa ser um vínculo de saudade.

A despeito da importância social e psicológica, não se pode negar a importância biológica da alimentação para alguns idosos. Segundo dados do Nutrition Screening Initiative,10 as refeições comunitárias, como o caso do Programa Meals on Wheels, podem prevenir a má nutrição decorrente da solidão. Muitos estudos mostram relação entre viver só e baixa qualidade na dieta. Nisso, os homens podem apresentar maior risco, porque são menos experientes com planejamento, compras e preparo nas refeições. Já as mulheres podem sentir-se menos motivadas para preparar as refeições, quando não há ninguém para compartilhar com elas.

Adicionalmente, Florentino16 menciona que o isolamento social afeta a alimentação do idoso. Por não ser estimulado, o idoso acaba diminuindo a quantidade de alimentos ingeridos ou perde o interesse em alimentar-se. O autor destaca que mulheres idosas, viúvas e que vivem sozinhas preferem fazer as refeições fora do ambiente doméstico ou comem lanches rápidos, porque o ato de preparar uma refeição para elas traz lembranças do convívio e da confraternização familiar. Para idosas viúvas, o fato de cozinhar pode ser visto como um fardo e muitas preferem libertar-se dessa obrigação.20

A maioria dos idosos referiu realizar as refeições no local "por ser de graça", e isso pode ser considerado um aspecto situacional do comportamento alimentar. Mais da metade dos idosos referiu receber um ou dois salários mínimos para viver. Observa-se, portanto, a necessidade de receber essa alimentação, pois a situação econômica de muitos idosos compromete a alimentação. Devido ao baixo valor, a aposentadoria geralmente é utilizada, em sua maior parte, para compra de medicamentos. Deste modo, fica destinada à alimentação uma pequena parcela suficiente para adquirir alimentos mais baratos, de mais fácil preparo e muitas vezes de baixo valor nutricional.11

Neste estudo, a maioria dos idosos mencionou não ter ocorrido mudança depois que começou a frequentar a instituição; entretanto, alguns referiram que a alimentação ficou descontrolada e outros que a alimentação ficou mais rica. Estes resultados corroboram o estudo de Santelle,14 segundo o qual alguns idosos mencionaram benefícios com a alimentação - possivelmente, eles tinham menos no domicílio do que agora na instituição. Os que referiram que alimentação na instituição nada mudou possivelmente se alimentavam no domicílio de forma similar ao presente.

Assim, não se pode somente olhar o aspecto biológico e esquecer os aspectos cognitivos, afetivos e situacionais do comportamento alimentar que exercem grande influência na alimentação do idoso. De acordo com Tchakmakian & Frangella,4 não se pode querer compreender os fenômenos que acontecem na vida de um indivíduo de maneira fragmentada; devem-se interligar todas as partes isoladas para conseguir uma somatória dos conhecimentos. Os dados do presente estudo reforçam a necessidade de locais especializados em realização da alimentação de idosos, sobretudo por atenderem a constructos da promoção da saúde, indo além da simples necessidade biológica.21

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com os discursos analisados, a hipótese inicial não foi comprovada. Os idosos não demonstraram necessidade de retomar fatos passados a partir da alimentação. Assim, eles preferem comer em outros lugares diferentes do ambiente doméstico, desvinculados de lembranças do passado. O aspecto mais importante da alimentação coletiva para estes idosos é a socialização, mais do que o tipo de alimento servido.

Observa-se também a influência dos fatores econômicos no comportamento alimentar dos idosos, o que implica a necessidade de receber essa alimentação. Este é um ponto importante para se pensar em políticas públicas relacionadas à alimentação de idosos. Há idosos vivendo em condições desfavorecidas que necessitam da alimentação servida nestes locais para sobreviver, e também há idosos que necessitam de companhia e contato social que a refeição coletiva possibilita, pois é um momento de convivência e conversa entre as pessoas.

Conclui-se que locais que ofereçam alimentação coletiva ao idoso mostram-se importantes para o suporte social, facilitam a socialização e a aquisição de alimentação para os idosos que vivem em situações desfavorecidas.

Recebido: 10/2/2009

Revisado: 12/9/2010

Aprovado: 25/11/2010

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  • Correspondência:

    Sandra Maria Lima Ribeiro
    Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Universidade de São Paulo
    Av. Arlindo Bettio, 1000 - Ermelino Matarazzo
    03808-000 - São Paulo, SP, Brasil
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2011

    Histórico

    • Recebido
      10 Fev 2009
    • Aceito
      25 Nov 2010
    • Revisado
      12 Set 2010
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