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Avaliação antropométrica em idosos: estimativas de peso e altura e concordância entre classificações de IMC

Anthropometry assessment in the elderly: estimates of weight and height and agreement between BMI ratings

Resumos

OBJETIVO: Avaliar a concordância entre diferentes classificações de Índice de Massa Corporal (IMC) e verificar modelos de fórmulas propostas para estimativa de peso e altura que podem ser aplicadas na população idosa do Sul do Brasil. MÉTODO: Estudo transversal que avaliou 131 idosos residentes de três instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) no Sul do Brasil, por meio de uma avaliação antropométrica, utilizando peso, estatura, altura do joelho, dobra cutânea subescapular, circunferência da panturrilha, circunferência do braço, circunferência abdominal e hemienvergadura. RESULTADOS: A idade média da amostra foi de 78,9 anos, sendo 41,2% homens e 58,8% mulheres. De acordo com a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas dois idosos (1,5%) apresentaram baixo-peso, 63 idosos (48,1%) foram classificados como eutróficos e 66 (50,4%) foram classificados com sobrepeso, obesidade grau I e II. Já os pontos de corte estipulados por Lipschitz determinaram que 21 idosos (16%) se encontram com baixo-peso, 69 (52,7%) eutróficos e 41 (31,3%) com sobrepeso. Ao comparar as medidas de peso e altura aferidas com as mesmas medidas estimadas, percebe-se que a única que não mostrou diferença significativa foi a fórmula de estimativa de altura de Rabito. CONCLUSÃO: Os pontos de corte utilizados apresentaram moderada concordância, sendo que Lipschitz salienta uma maior faixa de risco para desnutrição. Comparando as medidas de peso e altura aferidas com as medidas estimadas, foi observado que somente a fórmula de estimativa de altura de Rabito pode ser aplicada para esta população.

Idoso; Índice de Massa Corporal; Instituição de Longa Permanência para Idosos; Antropometria


OBJECTIVE: Assessing the concordance between different classifications of body mass index (BMI) and verify if the formulas to estimate weight and height, that can be applied to the elderly population in Southern Brazil. METHOD: Cross-sectional analysis was applied to 131 elders from three long-stay institutions in Southern Brazil. They were evaluated through anthropometric assessment, considering weight, knee height, sub-scapular skin fold, as well as, calf, arm and waist circumferences and anthropometry. RESULTS: The average age of the samples was 78.9 (41.2% males and 58% females). According to the WHO scale, only two elders (1.5), were considered underweight; 63 of them (48.1) were classified as eutrophic and 66 (50.4%) were classified as being overweight, obesity degrees I and II. On the other hand, cut-off points set by Lipschitz considered 21 elders (16%) as being underweight, 69 ( 52.7%) eutrophic and 41 (31%) as overweight. By comparing standard weight and height measurement to the same estimated measures, it was clear that Rabito's formula for estimated height and weight showed no significant difference. CONCLUSION: The cut-off points showed moderate concordance. Lischitz emphasizes a higher range of risk for malnutrition. Comparing weight and height standard measurements to the estimated ones, it was concluded that just Rabito's formula can be applied to this population.

Aged; Body Mass Index; Homes for the Aged; Anthropometry


ARTIGOS ORIGINAIS

Avaliação antropométrica em idosos: estimativas de peso e altura e concordância entre classificações de IMC

Anthropometry assessment in the elderly: estimates of weight and height and agreement between BMI ratings

Raphaela SouzaI; Juliana Schimitt de FragaI; Catarina Bertaso Andreatta GottschallII; Fernanda Michielin BusnelloII; Estela Iraci RabitoII

ICurso de Nutrição. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

IIDepartamento de Nutrição. Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre. Porto Alegre, RS, Brasil

Correspondência Correspondência: Fernanda Michielin Busnello E-mail: fernandab@ufcspa.edu.br

RESUMO

OBJETIVO: Avaliar a concordância entre diferentes classificações de Índice de Massa Corporal (IMC) e verificar modelos de fórmulas propostas para estimativa de peso e altura que podem ser aplicadas na população idosa do Sul do Brasil.

MÉTODO: Estudo transversal que avaliou 131 idosos residentes de três instituições de longa permanência para idosos (ILPIs) no Sul do Brasil, por meio de uma avaliação antropométrica, utilizando peso, estatura, altura do joelho, dobra cutânea subescapular, circunferência da panturrilha, circunferência do braço, circunferência abdominal e hemienvergadura.

RESULTADOS: A idade média da amostra foi de 78,9 anos, sendo 41,2% homens e 58,8% mulheres. De acordo com a classificação da Organização Mundial da Saúde (OMS), apenas dois idosos (1,5%) apresentaram baixo-peso, 63 idosos (48,1%) foram classificados como eutróficos e 66 (50,4%) foram classificados com sobrepeso, obesidade grau I e II. Já os pontos de corte estipulados por Lipschitz determinaram que 21 idosos (16%) se encontram com baixo-peso, 69 (52,7%) eutróficos e 41 (31,3%) com sobrepeso. Ao comparar as medidas de peso e altura aferidas com as mesmas medidas estimadas, percebe-se que a única que não mostrou diferença significativa foi a fórmula de estimativa de altura de Rabito.

CONCLUSÃO: Os pontos de corte utilizados apresentaram moderada concordância, sendo que Lipschitz salienta uma maior faixa de risco para desnutrição. Comparando as medidas de peso e altura aferidas com as medidas estimadas, foi observado que somente a fórmula de estimativa de altura de Rabito pode ser aplicada para esta população.

Palavras-chave: Idoso. Índice de Massa Corporal. Instituição de Longa Permanência para Idosos. Antropometria.

ABSTRACT

OBJECTIVE: Assessing the concordance between different classifications of body mass index (BMI) and verify if the formulas to estimate weight and height, that can be applied to the elderly population in Southern Brazil.

METHOD: Cross-sectional analysis was applied to 131 elders from three long-stay institutions in Southern Brazil. They were evaluated through anthropometric assessment, considering weight, knee height, sub-scapular skin fold, as well as, calf, arm and waist circumferences and anthropometry.

RESULTS: The average age of the samples was 78.9 (41.2% males and 58% females). According to the WHO scale, only two elders (1.5), were considered underweight; 63 of them (48.1) were classified as eutrophic and 66 (50.4%) were classified as being overweight, obesity degrees I and II. On the other hand, cut-off points set by Lipschitz considered 21 elders (16%) as being underweight, 69 ( 52.7%) eutrophic and 41 (31%) as overweight. By comparing standard weight and height measurement to the same estimated measures, it was clear that Rabito's formula for estimated height and weight showed no significant difference.

CONCLUSION: The cut-off points showed moderate concordance. Lischitz emphasizes a higher range of risk for malnutrition. Comparing weight and height standard measurements to the estimated ones, it was concluded that just Rabito's formula can be applied to this population.

Key words: Aged. Body Mass Index. Homes for the Aged. Anthropometry.

INTRODUÇÃO

A população idosa vem aumentando de forma progressiva no Brasil nos últimos anos, e as projeções indicam que em 2025 o contingente de idosos será de 32 milhões de indivíduos, com expectativa de vida ao redor dos 75 anos. Dessa forma, o Brasil ocupará o sexto lugar no mundo em relação ao número de habitantes idosos.1 Neste contexto, torna-se necessária atenção aos fatores que possibilitam o bem-estar desse grupo etário, para que os serviços de saúde estejam preparados para este novo panorama demográfico, e para o acompanhamento dessa maior longevidade com melhor qualidade de vida.2

O adequado estado nutricional ao longo da vida pode ser considerado um dos fatores que determinam a longevidade bem-sucedida. O processo de envelhecimento é associado a diversas alterações fisiológicas, que podem ter importantes implicações sobre o estado nutricional.3-5

Quando se fala em avaliação geriátrica, a avaliação do estado nutricional é um dos itens primordiais, uma vez que a detecção precoce de desnutrição tem relação estreita com a morbi-mortalidade.4 A avaliação nutricional do idoso apresenta características particulares que as diferencia da avaliação nutricional dos demais grupos populacionais. Medidas utilizadas em jovens e adultos, como peso, altura, e cálculo do índice de massa corporal (IMC), não têm sido validadas entre esse grupo etário.5 Na impossibilidade de que o indivíduo se mantenha em pé para aferição de peso e estatura, é possível a realização do cálculo de estimativas de peso e altura por meio de equações específicas. Essas equações são rotineiramente utilizadas na prática clínica para a avaliação nutricional, entretanto a acurácia e a precisão delas são pouco conhecidas para idosos brasileiros.6 Caso a pesagem não seja possível, o peso corporal é estimado por meio de fórmulas de estimativa de peso para idosos que utilizam a altura do joelho (AJ), dobra cutânea subescapular (DCSE), circunferência do braço (CB), circunferência da panturrilha (CP) e circunferência abdominal (CA).

O IMC é o indicador antropométrico mais utilizado para avaliar o risco nutricional, por ser uma medida facilmente aplicável, não invasiva e de baixo custo. Em idosos, porém, seu emprego apresenta controvérsias em função do decréscimo de estatura, acúmulo de tecido adiposo, redução da massa corporal magra e diminuição da quantidade de água no organismo. Assim, vem sendo muito discutido o uso do IMC e dos limites de normalidade adotados para análise de desnutrição, sobrepeso e obesidade em idosos.7-10

Existem duas referências para a classificação do IMC: a primeira foi estipulada pela OMS3 e a outra, proposta por Lipschitz.11 Há críticas, no entanto, sobre o uso dos mesmos pontos de corte para classificar obesidade em adultos e idosos, pois mudanças na composição corporal, associadas ao processo de envelhecimento, devem ser consideradas.9 Já os pontos de corte propostos por Lipschitz11 levam em consideração as mudanças na composição corporal que ocorrem com o envelhecimento quando comparados com os indivíduos adultos.

Ainda não há, portanto, consenso quanto ao ponto de corte de IMC mais adequado para avaliar o estado nutricional de idosos, e não há no Brasil algum estudo de base populacional que avalie a adequação do IMC como marcador de adiposidade em idosos. Dessa forma, o presente estudo objetiva avaliar a concordância entre as diferentes classificações de IMC e verificar se as fórmulas propostas por Chumlea12 e Rabito13 para estimativa de peso e altura podem ser aplicadas na população idosa do Sul do Brasil.

MÉTODO

Trata-se de estudo transversal e observacional, realizado de janeiro a junho de 2011. Foram analisados 131 idosos de ambos os sexos, com idade maior ou igual a 60 anos, residentes de três instituições de longa permanência localizadas em Porto Alegre. Foram incluídos no estudo idosos hígidos, lúcidos e coerentes, que tiveram condições de deambular para realizar a avaliação antropométrica e que aceitaram participar da pesquisa, assinando o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), independentemente da presença ou não de morbidades associadas ao envelhecimento. Foram excluídos do estudo idosos acamados, que não tiveram condições para a realização das medidas antropométricas, aqueles com membros amputados ou imobilizados, ou com edema e/ou ascite.

As variáveis antropométricas coletadas foram: peso, estatura, AJ, DCSE, CP, CB, CA e hemienvergadura. A aferição das medidas foi executada nas próprias instituições, em local fechado, por examinadores previamente treinados.

A tomada das medidas foi realizada com base nas técnicas propostas por Lohman et al.14 Para a mensuração do peso, utilizou-se balança calibrada, digital, da marca Plenna, com capacidade máxima de 150 Kg, com divisões de 100 gramas. O idoso foi pesado no centro da balança, descalço, com o mínimo de roupa possível e foi pedido que ele estivesse com a bexiga vazia. A mensuração da estatura foi realizada utilizando o estadiômetro portátil, marca Seca, com total de 2m. O idoso foi posionado em pé, descalço, o peso igualmente distribuído entre os pés; com o corpo erguido em extensão máxima.

As medidas de AJ, CB, CP, CA, e de hemienvergadura foram medidas com fita métrica inextensível, com graduação de 1 mm, da marca Cescorf. A DCSE foi mensurada utilizando um plicômetro plástico da marca Cescorf, com variação de 0,2 mm e capacidade máxima de 60mm.

O IMC foi calculado com base nos dados de peso e altura obtidos, com o objetivo de avaliar o estado nutricional da população estudada. Este índice é calculado dividindo-se o peso pela altura ao quadrado. Os dados encontrados foram classificados de acordo com dois diferentes pontos de corte. O primeiro da OMS,3 que classifica indivíduos com IMC < 18,5kg/m2 como baixo-peso; eutrofia, IMC entre 18,5kg/m2 e 24,9 kg/m2; sobrepeso, IMC entre 25kg/m2 e 29,9kg/m2; obesidade grau I, IMC entre 30kg/m2 e 34,9kg/m2; obesidade grau II, IMC entre 35kg/m2 e 39,9kg/m2; e obesidade grau III, IMC > 40kg/m2. Já segundo os pontos de corte de Lipschitz,11 os indivíduos são classificados como baixo-peso com IMC < 22kg/m2; eutrofia, IMC entre 22kg/m2 e 27kg/m2; e sobrepeso IMC > 27kg/m2.

As estimativas do peso e da altura foram calculadas utilizando as seguintes equações:

Chumlea e cols,12– homens:

Altura = 64,19 – (0,04 x idade) + (2,02 x AJ)

Peso = (1,16 x AJ) + (0,37 x DCSE) + (0,98 x CP) + (1,73 x CB) – 81,69

Chumlea e cols,12– mulheres:

Altura = 84,88 – (0,24 x idade) + (1,83 x AJ)

Peso = (0,87 x AJ) + (0,40 x SE) + (1,27 x CP) + (0,98 x CB) – 62,35

Rabito,13

Peso= 0,7922 x CB + 0,3474 x CA + 1,060 x CP + 0,1728 x DCSE - 26,5420

Rabito,13

Altura = 83,8750 - 4,3810 x sexo - 0,0872 x idade +1,0840 x hemi-envergadura

Onde:

Sexo = masculino: 1; feminino: 2.

As variáveis quantitativas foram descritas por média e desvio-padrão ou mediana e amplitude interquartílica. As variáveis qualitativas foram descritas por frequências absolutas e relativas. Para comparar as médias de peso e altura reais com as estimadas por Chumlea12 e Rabito,13 foi aplicado o teste t Student para amostras pareadas. Na comparação das classificações de IMC entre a OMS com Lipschitz, foi utilizado o teste Qui-quadrado de McNemar. Na avaliação da concordância entre os métodos, foi aplicado o coeficiente de kappa, que é uma medida de concordância interobservador e mede o grau de concordância além do que seria esperado tão somente pelo acaso. Esta medida de concordância tem como valor máximo o 1, que representa total concordância, e os valores próximos e até abaixo de 0, que indicam nenhuma concordância, ou a concordância foi exatamente a esperada pelo acaso. O nível de significância adotado foi de 5%, e as análises foram realizadas no SPSS V.18.

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre, sob o número 1284/10, bem como aprovação dos locais de realização da pesquisa. O trabalho não envolveu qualquer risco para os pacientes e os procedimentos estavam de acordo com orientações nacionais e internacionais para pesquisas envolvendo seres humanos, estando consoante a Declaração de Helsinki.

RESULTADOS

Do total de idosos estudados (131 idosos), 77 são do sexo feminino e 54 do sexo masculino, o que corresponde a 58,8% e 41,2%, respectivamente. A idade dos idosos estudados variou de 60 a 101 anos, sendo a média de 78,9 ± 7,7 anos. O tempo de institucionalização, utilizando-se a mediana, foi de cinco anos.

A tabela 1 descreve os valores médios de peso, altura, IMC e CA. A média de peso dos idosos foi de 63,1kg, sendo que a média mais alta foi encontrada no sexo masculino. Já a média de altura foi de 1,57m, na qual o sexo masculino também ficou com a média mais alta. O IMC teve média de 25,5kg/m2 e a CA foi maior no sexo masculino, onde se encontrou média de 97,4cm contra uma média de 93,6cm do sexo feminino, totalizando uma média de 95,2cm de todos os idosos estudados.

A tabela 2 apresenta a concordância entre a classificação de IMC pelos valores de referência da OMS e de Lipschitz. Para esta análise, foi necessário agrupar os idosos classificados com sobrepeso, obesidade grau I e II da OMS para que fosse possível relacionar com a classificação de sobrepeso de Lipschitz, pois essa classificação não faz distinção para categorias com diferentes níveis de risco, já que destaca todos os idosos com IMC acima de 27kg/m2 como tendo sobrepeso. De acordo com a classificação da OMS, apenas dois idosos (1,5%) são classificados como baixo-peso. Já 63 idosos (48,1%) foram classificados como eutróficos e 66 (50,4%) foram classificados como sobrepeso, obesidade grau I e II desta mesma referência. Ao se separar estas três classes, 51 idosos (38,9%) encontram-se em sobrepeso, 14 (10,7%) com obesidade grau I e apenas um idoso (0,8%) foi classificado como obesidade grau II. Nenhum idoso foi classificado como obesidade grau III. Já os pontos de corte estipulados por Lipschitz determinaram que 21 idosos (16%) se encontram com baixo-peso, 69 (52,7%) foram classificados como eutróficos e 41 (31,3%) como sobrepeso.

Conforme análise de concordância com o teste de Kappa, o valor encontrado foi de 0,427, o que é classificado como moderada concordância entre os pontos de corte estipulados por Lipschitz e pela OMS.

A tabela 3 demonstra a comparação entre peso e altura aferidos com as estimativas de peso e altura calculados por meio das fórmulas de estimativa de Chumlea12 e Rabito.13 Percebe-se que a única fórmula que não mostrou diferença significativa foi a fórmula de estimativa de altura de Rabito. As demais mostraram que há diferença significativa ao serem comparadas com as reais medidas aferidas.

DISCUSSÃO

A população analisada constitui-se, na sua maior parte, por idosos do sexo feminino (58,8%), assim como na população brasileira, de modo geral, a cidade de Porto Alegre apresenta predominância de indivíduos do sexo feminino (53,61%).1 A circunferência abdominal foi maior nos homens, assim como em outros estudos.7,15 Além do aumento da gordura corporal, o envelhecimento leva à redistribuição da gordura abdominal, mesmo quando a quantidade de gordura total é a mesma. Com o aumento da idade, a gordura subcutânea se torna mais centralizada, com aumento na gordura abdominal.7

A média de IMC encontrada neste estudo foi de 25,5kg/m2, ponto de corte classificado como eutrofia por Lipschitz e como sobrepeso pela OMS. Isto demonstra que a população idosa também passa por um momento de transição nutricional, assim como as demais faixas etárias brasileiras.1 Santos & Sichieri8 encontraram IMC médio de 24,5kg/m2 em idosos do Rio de Janeiro, enquanto Sampaio & Figueiredo16 obtiveram 24,4Kg/m2 em indivíduos atendidos nos ambulatórios do Hospital das Clínicas da Universidade Federal da Bahia. Resultados divergentes foram encontrados por Menezes & Marucci,17 nos quais a média de IMC obtida foi de 22,4kg/m2 em 94 idosos do sexo masculino residentes em seis instituições geriátricas de Fortaleza, no Estado do Ceará.

Existem controvérsias quanto ao significado da obesidade entre os idosos e seu impacto, o qual parece ser menor do que o observado para adultos quanto à mortalidade.8 Estudo de Grabowski & Ellis,18 analisando a associação entre obesidade e mortalidade em idosos americanos, verificou que a condição de obesidade, comparada à magreza e à manutenção do peso na faixa de normalidade, pode ser protetora para a ocorrência da mortalidade.

A diminuição do IMC com o avançar da idade pode ser atribuída à redução da massa muscular corporal e à diminuição da quantidade de gordura corporal, que tende a diminuir depois dos 70 anos.19 Desta forma, Lipschitz enfatiza que a dificuldade na utilização do IMC na avaliação do estado nutricional em idosos é agravado pela heterogeneidade que acompanha o envelhecimento e pela presença de doenças idade-dependentes.11 Sua utilização, porém, é importante tanto para a análise de indivíduos quanto para populações, permitindo comparação com estudos nacionais e internacionais, além de expressar as reservas energéticas do indivíduo.20 Pode-se, portanto, afirmar que o IMC possui dois principais objetivos teóricos: promover facilmente estimativas comparáveis e interpretáveis de peso corporal padronizado pela estatura e promover estimativa de gordura e composição corporal.21

Os resultados obtidos nesta pesquisa mostram que os pontos de corte estipulados por Lipschitz abrangem uma maior faixa de indivíduos com baixo-peso do que os pontos de corte estipulados pela OMS. Segundo Chumlea et al.,12 as condições associadas ao baixo-peso são sérias em indivíduos idosos e estes são particularmente vulneráveis à desnutrição. Além disso, suas necessidades nutricionais não são bem definidas, devido à dificuldade em se avaliar a ingestão de nutrientes, visto que os métodos dietéticos disponíveis possuem uma série de limitações quando aplicados em idosos.

Em estudo realizado na cidade de Recife,22 observou-se que o percentual de indivíduos com baixo-peso, classificados pela OMS, apresentou-se bastante reduzido (1,9%), enquanto quando classificados por Lipschitz correspondeu a 12,3% da população estudada. Já em relação ao excesso de peso, 47,2% dos idosos foram classificados nesta faixa segundo Lipschitz, e o percentual classificado com excesso de peso e obesidade pela OMS foi de 65,1%, dados semelhantes aos encontrados na presente pesquisa.

Outro estudo desenvolvido no estado do Rio de Janeiro23 obteve os mesmos resultados encontrados nesta pesquisa, já que a classificação proposta pela OMS mostrou maior quantidade de idosos com sobrepeso, enquanto que Lipschitz mostrou maior número de idosos desnutridos. A quantidade de idosos eutrófico foi bem próxima a este estudo.

Esses dados mostram que ainda há importante variação na prevalência de sobrepeso e baixo-peso na população idosa, devido à utilização de valores de corte diferentes entre os estudos, os quais, na maioria, são os mesmos aplicados para adultos considerando a falta de pontos de corte específicos para idosos. Segundo Stevens et al.,24 a escolha do ponto de corte do IMC pode ter efeito político, porque são utilizados para avaliar a saúde da população e a necessidade de atividades de promoção à saúde. Para profissionais da saúde, no entanto, a utilização de maior ponto de corte do IMC para baixo-peso e menor para obesidade seria mais interessante, pois estaria considerando as modificações corporais que ocorrem durante o envelhecimento, permitindo assim diagnosticar mais precisamente o estado nutricional desse grupo etário. Diante disso, confirma-se a necessidade de padrões de referência locais, para cada grupo etário, sejam eles populacionais ou específicos para a população a que se destina.

Outro aspecto a ser considerado diz respeito à obtenção dos dados de peso e altura. É comum indivíduos idosos estarem em cadeiras de rodas ou acamados, sendo incapazes de permanecer em pé para aferição de medidas, ou com deformidade espinhal, tornando difícil a aplicação da antropometria e, por conseguinte, levando a medidas errôneas da estatura.25 Nessas situações, pode-se realizar a avaliação antropométrica pelo uso de medidas estimadas, já que problemas com mobilidade não afetam esse método para coleta das medidas, reduzindo, assim, a incidência de erros.26

Leary et al.27 encontraram diferenças significativas entre massa corporal e a estatura, mensuradas e preditas. Nesse caso, a amostra foi composta por 30 idosos de ambos os sexos. No estudo de Mendonça-Núnes et al.,28 com 736 indivíduos, detectaram-se diferenças significativas nas duas variáveis, e atribuem este fato devido às equações de Chumlea terem sido desenvolvidas para uma população diferente da usada no seu estudo, assim como a presente pesquisa.

Como visto anteriormente, a fórmula estipulada por Rabito para estimativa de altura foi a única que pode ser utilizada para a população desta pesquisa. Dessa maneira, salienta-se a importância da aplicabilidade fidedigna desta fórmula para esta população. Além disso, com ela é possível calcular o peso ideal para que, consequentemente, sejam calculadas as necessidades calórico-proteicas do idoso acamado. O cálculo do peso ideal também é vantajoso, já que não considera a presença de edema, ascite e demais variações do peso comuns nesta faixa etária.4

É de suma importância, portanto, a necessidade de detectar os indivíduos em risco nutricional, pois assim se torna possível realizar intervenção nutricional primária. Não há consenso sobre o melhor instrumento de triagem nutricional, pois os descritos na literatura possuem limitações, vantagens e desvantagens quando utilizados em populações específicas.29

Logo, é necessário padronizar técnicas de avaliação antropométrica e rastreamento nutricional e sistematizar sua aplicação, já que detectar o risco de desnutrição, sobretudo na população idosa, auxilia na adequação do tratamento nutricional, previne a instalação da desnutrição e melhora a qualidade de vida.30

CONCLUSÃO

Os pontos de corte utilizados apresentaram moderada concordância, sendo que Lipschitz salienta uma maior faixa de risco para desnutrição por considerar as modificações corporais do envelhecimento, proporcionando um diagnóstico mais preciso.

Comparando-se as medidas de peso e altura aferidas com as medidas estimadas, conclui-se que somente a fórmula de estimativa de altura de Rabito pode ser aplicada para essa população.

Recebido: 07/2/2012

Revisado: 05/11/2012

Aprovado:10/11/2012

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  • Correspondência:
    Fernanda Michielin Busnello
    E-mail:
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      10 Maio 2013
    • Data do Fascículo
      Mar 2013

    Histórico

    • Recebido
      07 Fev 2012
    • Aceito
      10 Nov 2012
    • Revisado
      05 Nov 2012
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