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Associação entre declínio cognitivo e qualidade de vida de idosos hipertensos

Resumos

Objetivo:

Analisar a associação entre o declínio cognitivo e a qualidade de vida de idosos hipertensos.

Métodos:

Pesquisa de abordagem quantitativa com delineamento analítico transversal, com 125 idosos hipertensos, de ambos os sexos, atendidos no Programa HIPERDIA, de São Luís-MA. Para a avaliação do declínio cognitivo, aplicou-se o Miniexame do Estado Mental (MEEM) e para avaliar a qualidade de vida, o Medical Outcomes Study 36 - Short-Form Health Survey (SF-36). A normalidade dos dados foi testada por meio do teste de Shapiro-Wilk, utilizando-se ainda o teste de Mann Whitney (qualidade de vida). Para testar a associação entre declínio cognitivo e qualidade de vida, usou-se o coeficiente de Spearman.

Resultados:

A prevalência de declínio cognitivo foi de 20,80%, com predominância em idosos com baixa escolaridade (45,83%). Idosos hipertensos com declínio cognitivo apresentaram pior qualidade de vida, comparados aos idosos hipertensos sem declínio cognitivo. Houve associação positiva da função cognitiva com a qualidade de vida nos domínios: capacidade funcional (r=0,222; p=0,01), dor (r=0,1871; p=0,04) e aspectos emocionais (r=0,3136; p=0,0005).

Conclusão:

Os resultados encontrados neste estudo sugerem que o declínio cognitivo afeta diretamente a qualidade de vida do idoso hipertenso, na medida em que limita a capacidade de realização de atividades do cotidiano, principalmente se associado a quadros dolorosos e alterações emocionais.

Envelhecimento; Idoso; Declínio cognitivo; Qualidade de vida


Objective:

To evaluate the association between cognitive decline and quality of life in hypertensive elderly persons.

Methods:

A quantitative, cross-sectional, analytical study involving 125 hypertensive elderly individuals of both genders attending the HIPERDIA Program in São Luís, in the state of Maranhao, was performed. The Mini Mental State Exam (MMSE) was used to evaluate cognitive decline and quality of life was assessed using the Medical Outcomes Study 36 Short-Form Health Survey (SF-36). The normality of the data was verified by the Shapiro-Wilk test. The Mann-Whitney test was also applied (quality of life). The association between cognitive decline and quality of life was evaluated using Spearman's coefficient.

Results:

The prevalence of cognitive decline was 20.8% and there was a predominance of elderly persons with a low educational level (45.83%). Hypertensive elderly individuals with cognitive decline had a poorer quality of life than those without cognitive decline. A positive association between cognitive function and quality of life was observed for the following domains: functional capacity (r=0.222; p=0.01), pain (r=0.1871; p=0.04), and emotional aspects (r=0.3136; p=0.0005).

Conclusion:

The results of this study suggest that cognitive decline directly affects the quality of life of the elderly by limiting the capacity to perform activities of daily living, especially if associated with painful medical conditions and emotional disturbances.

Aging; Elderly; Cognitive Decline; Quality of life


INTRODUÇÃO

O crescimento da população idosa é um fenômeno mundial com consequências diretas nos sistemas de saúde pública. No Brasil, esse fenômeno está fortemente atrelado a importantes processos, como a diminuição significativa da taxa de fecundidade e natalidade, o aumento progressivo da expectativa de vida, o avanço tecnológico, o acesso a serviços de saúde, as mudanças culturais, dentre outros.11. Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise de Situação de Saúde. A vigilância, o controle e a prevenção das doenças crônicas não transmissíveis: DCNT no contexto do Sistema Único de Saúde brasileiro. Brasília, DF: Ministério da Saúde; 2009.

O envelhecimento humano, assim como as demais etapas de desenvolvimento da vida, é um processo de transformação do organismo que se reflete nas suas estruturas físicas, nas manifestações da cognição, bem como na percepção subjetiva dessas transformações.22. Parente MAMP, organizador. Cognição e envelhecimento. Porto Alegre: Artmed; 2006.

A velhice engloba mudanças que tendem a gerar alterações no cotidiano, sem, necessaria-mente, representar ameaça à autonomia da pessoa idosa. No entanto, quando esse processo vem acompanhado de condições de caráter crônico e progressivo, que envolvem comprometimentos dos sistemas vascular, nervoso, entre outros, as perdas cerebrais são de maior magnitude, podendo causar diversas perdas funcionais ao idoso. Nesse contexto, as funções cognitivas dos idosos sofrem alterações que podem interferir em sua rotina diária de atividades.33. Rabelo DF. Declínio cognitivo leve em idosos: fatores associados, avaliação e intervenção. Rev Min Ciênc Saúde 2009;1(1):56-68.

A cognição envolve aquisição, processamento e aplicação da informação na vida cotidiana, orientando a seleção, o desempenho, a análise e o aprendizado de todas as atividades humanas, sendo a base para o estabelecimento da autodeterminação e autonomia do idoso.44. Clark F, Azen SP, Zemke R, Jackson J, Carlson M, Mandel D, et al. Occupational therapy for independent- living older adults: a randomized controlled trial. J Am Med Assoc 1997;278:1321-6. Logo, a preservação da capacidade cognitiva indicará as condições que um indivíduo deverá ter para resguardar sua integridade física, psicológica e social.55. Moraes EN. Princípios básicos de gerontologia e geriatria. Belo Horizonte: Coopmed; 2008.

Estudos de prevalência de declínio cognitivo em idosos brasileiros apresentam estimativas distintas, considerando a influência do contexto sociocultural e econômico diferenciado, variando de 7,1% a 73,1%.66. Herrera JE, Caramelli P, Nitrini R. Estudo epidemiológico populacional de demência na cidade de Catanduva. Rev Psiquiatr Clín 1998;25(2):70-3. , 77. Gurian MBF, De Oliveira RC, Laprega MR, Rodrigues Júnior AL. Rastreamento da função cognitiva de idosos não-institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012;15(2):275-84. Em estudos internacionais, essa estimativa varia entre 6,3% e 46%.88. Graves AB, Larson EB, Edland SD, Bowen JD, McCormick WC, McCurry SM, et al. Prevalence of dementia and its subtypes in the Japanese American population of king country, Washington state. The Kame Project. Am J. Epidemiol 1996;144(8):760-71. , 99. Aevarsson O, Skoog I. Dementia disorders in a Berth Cohort Followed from age 85 to 88: the influence of mortality refusal rate, and diagnostic change on pPrevalence. Int Psychogeriatr 1997;9(1):11-23.

O risco de desenvolvimento de declínio cognitivo pode ser associado a fatores intrínsecos e extrínsecos ao indivíduo, sendo a escolaridade um de seus determinantes mais evidenciados em estudos sobre fatores associados ao declínio cognitivo.66. Herrera JE, Caramelli P, Nitrini R. Estudo epidemiológico populacional de demência na cidade de Catanduva. Rev Psiquiatr Clín 1998;25(2):70-3.

7. Gurian MBF, De Oliveira RC, Laprega MR, Rodrigues Júnior AL. Rastreamento da função cognitiva de idosos não-institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012;15(2):275-84.
- 88. Graves AB, Larson EB, Edland SD, Bowen JD, McCormick WC, McCurry SM, et al. Prevalence of dementia and its subtypes in the Japanese American population of king country, Washington state. The Kame Project. Am J. Epidemiol 1996;144(8):760-71. , 1010. Di Nucci FRCF, Coimbra AMV, Neri AL, Yassuda MS. Ausência de relação entre hipertensão arterial sistêmica e desempenho cognitivo em idosos de uma comunidade. Rev Psiquiatr Clín 2010;37(2):52-6. , 11 11. Ferreira PCS, Tavares DMS, Rodrigues RAP. Características sociodemográficas, capacidade funcional e morbidades entre idosos com e sem declínio cognitivo. Acta Paul Enferm 2011;24(1):29-35.Outros fatores também são destacados nos estudos, como o sexo, estado civil, tabagismo e etilismo.1212. Nascimento NMR. Estudo comparativo sobre a prevalência de declínio cognitivo entre dois grupos de idosos [dissertação]. Porto Alegre: Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; 2008.

Dessa maneira, a disfunção cognitiva é determinada por uma associação complexa de fatores, que incluem condições individuais e sociais e que poderão interferir diretamente em aspectos da qualidade de vida do idoso.

A qualidade de vida pode ser definida como a percepção individual da pessoa acerca de sua posição na vida, de acordo com o contexto cultural e seu sistema de valores, considerando seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações.1313. The WHOQOL Group. The World Health Organization quality of life assessment (WHOQOL): development and general psychometric properties. Soc Sci Med 1998;46(15):69-85.

O enfrentamento das limitações físicas e doenças e a dimensão das expectativas em relação aos aspectos da saúde diferem entre as pessoas. Os conceitos individuais podem influenciar de maneira determinante a percepção e a valoração que a pessoa faz de seu estado de saúde e de sua satisfação com a vida.2 2. Parente MAMP, organizador. Cognição e envelhecimento. Porto Alegre: Artmed; 2006.Logo, a qualidade de vida na velhice pode ser entendida como a percepção que o idoso tem acerca de seu cotidiano, resultante da avaliação das ações que consegue desenvolver de forma independente e saudável até aquele momento.

A hipertensão arterial também é destacada em vários estudos como fator de risco para o comprometimento da função cognitiva e para o declínio da qualidade de vida do idoso.1414. Dos Santos CCC, Pedrosa R, Da Costa FA, De Mendonça KMPP, Holanda GM. Análise da função cognitiva e capacidade funcional em idosos hipertensos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2011;14(2):241-50. , 1515. Liao D, Cooper R, Cai J, Toole J, Bryan N, Burke G, et al. The prevalence and severity of white matter lesions, their relationship with age, ethnicity, gender, and cardiovascular disease risk factors: the ARIC Study. Neuroepidemiology 1997;16(3):149-62. Apesar de a associação entre hipertensão arterial e declínio cognitivo ainda ser pouco compreendida e muitos resultados serem controversos,1616. Cavalini LT, Chor D. Inquérito sobre hipertensão arterial e décifit cognitivo em idosos de um serviço de geriatria. Rev Bras Epidemiol 2003;6(1):7-17. , 1717. Posner HB, Tang X, Luchsinger J, Lantigua R, Stern Y, Mayeux R. The relationship of hypertension in the elderly to AD, vascular dementia, and cognitive function. Neurology 2002;58(8):1175-8. estudos apontam que indivíduos com hipertensão arterial têm mais chances de apresentar um declínio da capacidade cognitiva.1818. Harrington F, Saxby BK, McKeith IG, Wesnes K, Ford GA. Cognitive performance in hypertensive and normotensive older subjects. Hypertension 2000;36(6):1079-82. , 1919. Haan MN, Weldon M. The influence of diabetes, hypertension, and stroke on ethnic differences in physical and cognitive functioning in an ethnically diverse older population. Ann Epidemiol 1996;6(5):392-8.

A maioria dos estudos1414. Dos Santos CCC, Pedrosa R, Da Costa FA, De Mendonça KMPP, Holanda GM. Análise da função cognitiva e capacidade funcional em idosos hipertensos. Rev Bras Geriatr Gerontol 2011;14(2):241-50. , 1515. Liao D, Cooper R, Cai J, Toole J, Bryan N, Burke G, et al. The prevalence and severity of white matter lesions, their relationship with age, ethnicity, gender, and cardiovascular disease risk factors: the ARIC Study. Neuroepidemiology 1997;16(3):149-62. , 1818. Harrington F, Saxby BK, McKeith IG, Wesnes K, Ford GA. Cognitive performance in hypertensive and normotensive older subjects. Hypertension 2000;36(6):1079-82. , 1919. Haan MN, Weldon M. The influence of diabetes, hypertension, and stroke on ethnic differences in physical and cognitive functioning in an ethnically diverse older population. Ann Epidemiol 1996;6(5):392-8. indica que a Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) está relacionada ao declínio das funções cognitivas, sendo que os níveis elevados de pressão arterial são um dos fatores de risco para o acidente vascular encefálico, levando ao desenvolvimento da demência vascular. Dessa maneira, fisiologicamente, os infartos múltiplos podem ocasionar demência, dependendo do volume de cérebro afetado; infartos locais e bilateralidade; lesões de substância branca, que consistem em áreas de desmielinização e estreitamento da luz do vaso, os quais estão associados a ambas, HAS e disfunção cognitiva.1818. Harrington F, Saxby BK, McKeith IG, Wesnes K, Ford GA. Cognitive performance in hypertensive and normotensive older subjects. Hypertension 2000;36(6):1079-82. Por outro lado, o controle da hipertensão arterial por meio de medicamento anti-hipertensivo também teria influência, segundo algumas investigações, no surgimento/evolução ou na prevenção do declínio cognitivo, devido ao efeito deletério sobre a substância branca cerebral e na função cerebrovascular.1010. Di Nucci FRCF, Coimbra AMV, Neri AL, Yassuda MS. Ausência de relação entre hipertensão arterial sistêmica e desempenho cognitivo em idosos de uma comunidade. Rev Psiquiatr Clín 2010;37(2):52-6. , 2020. Guo Z, Viitanen M, Fratiglioni L, Winblad B. Low Blood pressure and dementia in elderly people: the kungsholmen Project. BMJ 1996;312:805-8.

Atualmente, há poucas pesquisas que direcionam a atenção para a relação existente entre declínio cognitivo e qualidade de vida de idosos hipertensos. Em estudo randomizado, realizado por Innocenti et al.,21 21. Innocenti AD, Elmfeldt D, Hansson L, Breteler M, James O, Lithell H, et al. Cognitive function and health-related quality of life in elderly patients with hypertension-baseline data from the study on cognition and prognosis in the elderly (SCOPE). Blood Press 2002;11(3):157-65.com 2.791 idosos hipertensos, os resultados mostraram que quanto maior o nível de função cognitiva, maior os níveis de bem-estar, autocontrole e estado de saúde atual, refletindo na qualidade de vida do idoso.

Trabalho realizado com um grupo de idosos de um município do Rio Grande do Sul observou que os que não apresentavam declínio cognitivo tinham melhores médias nas dimensões da qualidade de vida, como capacidade funcional, aspecto físico, estado geral da saúde, vitalidade, aspectos emocionais e saúde mental. Com relação à dimensão dor e aspectos sociais, os idosos com declínio cognitivo apresentaram as menores médias.2222. Leite MT, Winck MT, Hildebrandt LM, Kirchner RM, Da Silva AA. Qualidade de vida e nível cognitivo de pessoas idosas participantes de grupos de convivência. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012;15(3):481-92.

Estudo investigativo sobre a influência do declínio cognitivo na qualidade de vida de 129 idosos acometidos de acidente vascular encefálico (AVE) mostrou que o prejuízo nas funções cognitivas, as incapacidades nas atividades de vida diária e os distúrbios globais na saúde funcional estavam significativamente associados com pior qualidade de vida entre os mesmos.2323. Kwa VIH, Limburg M, Haan RJ. The role of cognitive impairment in the quality of life after ischaemic stroke. J Neurol 1996;243:599-604. Esses resultados corroboram outro estudo realizado com idosos de grupos de convivência de Porto Alegre-RS, no qual os dados mostraram associações importantes entre variáveis cognitivas e as dimensões física e psicológica da qualidade de vida.2424. Beckert M, Irigaray TQ, Trentini CM. Qualidade de vida, cognição e desempenho nas funções executivas de idosos. Estud Psicol Campinas 2012;29(2):155-62.

Assim, considerando as consequências que a hipertensão arterial, associada às alterações cognitivas, pode acarretar em dimensões próprias da vida do indivíduo, entendendo ser cada vez mais necessária a investigação de aspectos epidemiológicos relacionados a essa disfunção, no intuito de prevenir sequelas que afetem de modo decisivo a qualidade de suas atividades cotidiana, este estudo objetivou analisar a associação entre o declínio cognitivo e a qualidade de vida de idosos hipertensos integrantes do Programa HIPERDIA do Ministério da Saúde.

MÉTODOS

Este estudo é parte do Projeto de Pesquisa "Atenção à Saúde de Pacientes Hipertensos em Unidades Básicas de Saúde do Município de São Luís-MA". Trata-se de um estudo transversal, realizado no período de fevereiro a dezembro de 2010, no qual foram avaliados pacientes hipertensos cadastrados no programa HIPERDIA (Sistema de Cadastramento e Acompanhamento de Hipertensos e Diabéticos do Ministério da Saúde) e em acompanhamento nas Unidades Básicas de Saúde (UBS) dos bairros da Cohab e do São Francisco, no município de São Luís-MA.

A amostra mínima necessária foi calculada considerando a população de 365 idosos hipertensos, cadastrados no HIPERDIA, no ano de 2010, com prevalência de déficit cognitivo de 12%, margem de erro de 5% e nível de confiança igual a 95%. O número total de idosos da amostra foi estimado em 113 indivíduos. Considerando a possibilidade de perdas, acrescentou-se 10% a essa estimativa, totalizando então 125 idosos.

Com base na listagem dos idosos atendidos nas UBS selecionadas foi realizada amostragem aleatória simples por sorteio, sem reposição. Os idosos sorteados foram localizados pelos seus respectivos Agentes Comunitários de Saúde (ACS) da Estratégia de Saúde da Família (ESF), e ao comparecerem às UBS, foram esclarecidos acerca do estudo e convidados a participar.

Considerando a perspectiva de vida da população e a análise comparativa com estudos internacionais, optou-se por adotar uma amostra composta por idosos na faixa etária de 65 anos ou mais, de ambos os sexos, cadastrados no Programa HIPERDIA e atendidos nas UBS selecionadas. Os seguintes critérios de exclusão foram adotados: pacientes acamados ou em terapia renal substitutiva ou portadores de doenças crônicas consumptivas, tais como câncer, insuficiência cardíaca grave e síndrome da imunodeficiência adquirida. As informações sobre os critérios de exclusão foram obtidas por meio de autorrelato.

A coleta de dados ocorreu no período de fevereiro a dezembro de 2010. Primeiramente, os idosos responderam ao questionário que continha informações sociodemográficas (sexo, idade, situação conjugal, classe econômica, escolaridade), antropométricas (índice de massa corpórea), clínicas (presença de diabetes, tempo de diagnóstico da hipertensão arterial) e de estilo de vida (consumo de álcool e cigarro e prática de atividade física).

A escolaridade foi avaliada em anos de frequência à escola e categorizada em: menos de quatro anos de estudo, de quatro a sete anos de estudo e mais de sete anos de estudo, segundo classificação adotada no Miniexame do Estado Mental (MEEM).2525. Caramelli PC, Nitrini R. Como avaliar de forma breve e objetiva o estado mental de um paciente? Rev Assoc Med Bras 2000;46(4):301. A situação conjugal foi avaliada de acordo com a presença de companheiro e categorizada em: casado/união estável, solteiro/separado/viúvo e outros. A classe econômica foi definida com base no Critério de Classificação Econômica Brasil (CCEB),2626. Associação Brasileira de Empresas de Pesquisa. Critério de Classificação Econômica Brasil. Dados com base no Levantamento Sócio Econômico 2008 - IBOPE [Internet]. São Paulo: ABEP; 2010. [acesso em 14 jan 2010]. Disponível em: www.abep.org.
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e categorizada em classes AB, C e DE.

Com relação à ocupação, considerou-se atividade profissional o trabalho ou atividade especializada realizada dentro da sociedade, geralmente exercida por profissional competente para tal fim. A avaliação do Índice de Massa Córporea (IMC) foi feita com informações referentes ao peso (em quilogramas) verificado em balança portátil digital (Plena(r)) e estatura (em metros), medida em estadiômetro (Alturexata(r)). O resultado final é obtido a partir da razão entre o peso corporal e o quadrado da estatura, cujos valores são categorizados em: normal (18,6<IMC<24,9), com sobrepeso (25<IMC<29,9) e com obesidade (IMC≥30).2727. World Health Organization. Physical status: the use and interpretation of antropometric. Report of a WHO expert committee. Genebra: WHO; 2004.

Foi considerado tabagista o paciente que na entrevista declarou ser fumante, independentemente da quantidade diária de cigarros consumidos. Da mesma forma, etilista o paciente que referiu consumir álcool, independentemente do tipo, quantidade e frequência. Neste estudo considerou-se exercício físico atividades como: caminhada, corrida, ginástica, musculação, entre outras. Logo, foi visto como ativo o idoso praticante de atividade física de duas a mais vezes por semana e sedentário, o idoso não praticante de nenhuma atividade física.

A pressão arterial sistólica e diastólica (PAS e PAD) foi aferida com a utilização de esfigmomanômetro digital (Omron(r) HEM-705, Japan), mantendo o paciente sentado, em repouso de no mínimo cinco minutos, com o membro superior à altura do coração, palma da mão voltada para cima e cotovelo ligeiramente fletido. Foram realizadas três aferições de pressão arterial, com intervalo mínimo de 10 minutos cada, a fim de obter-se a média. Foi considerado hipertenso o idoso com nível pressórico >140/90 mmHg, conforme proposto pelo Ministério da Saúde e adotado pelo programa HIPERDIA.2828. Lima ST, Silva NSB, França AK, Salgado Filho N, Sichieri R. Dietary approach to hypertension based on low glycaemic index and principles of Dietary Approaches to Stop Hypertension (DASH): a randomised trial in a primary care service. Br J Nutr 2013;110(8):1472-79. O tempo apresentado de hipertensão arterial foi considerado a partir do diagnóstico da doença, categorizado em: menor que cinco anos, entre cinco e 10 anos e maior que 10 anos. Foi considerado diabético o paciente que no ato da entrevista referiu ter a doença.

Após entrevista inicial, os pacientes passaram por teste psicométrico para avaliação do declínio cognitivo, sendo adotado o questionário MEEM. Quando identificada alteração da função cognitiva, os pacientes foram encaminhados ao Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão (HU-UFMA).

Desenvolvido por Folstein et al.,2929. Folstein MF, Folstein SE, McHugh PR. Mini Mental State: a practical method for grading the cognitive state of patients for the clinician. J Psychiatr Res 1975;12(3):189-98. o MEEM avalia, por escore, a função cognitiva como um todo, sendo formado por várias questões agrupadas em sete categorias: orientação de tempo (5 pontos), orientação de local (5 pontos), registro de três palavras (3 pontos), atenção e cálculo (5 pontos), lembrança de três palavras (3 pontos), linguagem (8 pontos) e capacidade construtiva visual (1 ponto). O escore total pode variar de 0 a 30 pontos e o instrumento pode ser aplicado entre cinco e 10 minutos.

Os pontos de corte adotados para identificar declínio cognitivo foram: menor ou igual a 18 pontos para analfabetos; menor ou igual a 21 pontos para um a três anos de escolaridade; menor ou igual a 24 pontos para quatro a sete anos de escolaridade e menor ou igual a 26 pontos para mais de sete anos de escolaridade.2525. Caramelli PC, Nitrini R. Como avaliar de forma breve e objetiva o estado mental de um paciente? Rev Assoc Med Bras 2000;46(4):301.

Foi utilizado o questionário genérico SF-36 (Medical Outcomes Study 36 - Short-Form Health Survey) para avaliar aspectos da qualidade de vida dos participantes. Traduzido e validado no Brasil por Ciconelli,3030. Ciconelli RM. Tradução para o português e validação do questionário genérico de avaliação de qualidade de vida "Medical OutcomesStudy 36-Item Short Form Health Survey (SF-36)" [tese]. São Paulo: Universidade Federal de São Paulo, Escola Paulista de Medicina;1997. o SF-36 é um questionário multidimensional formado por 36 itens, distribuídos em oito dimensões: capacidade funcional (10 itens), aspectos físicos (quatro itens), dor (dois itens), estado geral de saúde (cinco itens), vitalidade (quatro itens), aspectos sociais (dois itens), aspectos emocionais (três itens), saúde mental (cinco itens), e mais uma questão de avaliação comparativa entre as condições de saúde atual e as de um ano atrás. O valor total de cada dimensão varia de 0 a 100 pontos, em que o maior escore indica melhor estado de saúde ou qualidade de vida, e os escores menores, pior situação ou qualidade de vida prejudicada.

Para a análise estatística, utilizou-se o programa Stata 10.0 (Stata Corporation, 2003). As variáveis qualitativas foram apresentadas por meio de frequências e porcentagens e as quantitativas, por média e desvio-padrão (média±dp) ou mediana e amplitude interquartílica (IQR). Para testar a normalidade das variáveis quantitativas, fez-se uso do teste de Shapiro Wilk.

A consistência interna do instrumento SF-36 foi verificada pelo índice alfa de Cronbach. Para comparar os escores das dimensões do SF-36 entre idosos com declínio e sem declínio cognitivo, utilizou-se o teste de Mann Whitney. A associação entre os escores do MEEM e das dimensões da qualidade de vida foi avaliada pelo coeficiente de correlação de Spearman, visto que tais escores não apresentaram distribuição normal. O nível de significância adotado foi de 5%.

Este estudo obteve aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Universitário da Universidade Federal do Maranhão - UFMA, sob o protocolo nº 3.128/2009. Todos os idosos que concordaram em participar do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE).

RESULTADOS

Da amostra estudada (n=125), obteve-se uma prevalência de 20,80% de declínio cognitivo. A média de idade foi de 72,72±5,71 anos, sendo 86 (68,80%) do sexo feminino. Quanto à situação conjugal, 76 (60,80%) eram casados ou mantinham união estável. Observou-se ainda que a maioria (58,40%) era sedentária, sendo que 41 (32,80%) eram fumantes e 18 (14,40%) consumiam álcool. A maioria (95,97%) fazia uso de anti-hipertensivo (tabela 1).

Tabela 1
Características sociodemográficas, clínicas e de estilo de vida em idosos hipertensos. São Luís, MA, 2013.

Em relação aos anos de estudo, 49 (42,61%) tinham mais de sete anos de estudo e 32 (27,83%), menos de quatro anos. Quanto ao IMC, observou-se que 77 (61,60%) estavam com excesso de peso. A presença de diabetes mellitus foi observada em 52 (41,60%) idosos (tabela 1).

No que se refere à escolaridade dos idosos que apresentaram declínio cognitivo, a maioria (45,83%) cursou menos de quatro anos de estudo (tabela 2).

Tabela 2
Prevalência de declínio cognitivo de acordo com os anos de estudos dos idosos hipertensos. São Luís, MA, 2013.

Avaliada a consistência interna do SF-36, o maior valor do coeficiente alfa foi obtido nas dimensões aspectos emocionais e capacidade funcional (0,88) e o menor valor, na dimensão dor e estado geral de saúde (0,63).

Na tabela 3 são apresentados os escores medianos das dimensões do SF-36, sendo os maiores valores apresentados nas dimensões aspectos emocionais: 100 (0-100), capacidade funcional: 80 (55-85) e saúde mental: 80 (64-92). A dimensão dor apresentou o menor escore mediano: 72 (51-90).

Tabela 3
Escores medianos e intervalo interquartílico das dimensões do SF-36. São Luís, MA, 2013.

Ao comparar os escores medianos do SF-36 entre idosos com declínio e sem declínio cognitivo, verificou-se diferença estatisticamente significante nas dimensões: capacidade funcional: 60 (45-85) versus 80 (60-90), com p=0,02 e aspectos emocionais: 17 (0-100) versus 100 (0-100), com p=0,01 (tabela 4).

Tabela 4
Comparação das dimensões do SF-36 entre idosos com declínio e sem declínio cognitivo. São Luís, MA, 2013.

Foi encontrada associação positiva entre função cognitiva e qualidade de vida dos idosos hipertensos nas dimensões capacidade funcional (r=0,222; p=0,01), dor (r=0,1871; p=0,04) e aspectos emocionais (r=0,3136; p=0,0005) (tabela 5).

Tabela 5
Correlação entre o escore do MEEM e as dimensões do SF-36. São Luís, MA, 2013.

DISCUSSÃO

Dados da amostra total demonstram a predominância de idosos com mais de sete anos de estudos. No entanto, ao analisá-los, segundo a presença de declínio cognitivo, observa-se a inversão dos resultados, podendo-se constatar que a maioria dos idosos com declínio cognitivo apresentou menos de quatro anos de estudo, confirmando a relação dos escores do teste de rastreio cognitivo (MEEM) com a escolaridade.

Esses achados corroboram os estudos de Herrera et al.66. Herrera JE, Caramelli P, Nitrini R. Estudo epidemiológico populacional de demência na cidade de Catanduva. Rev Psiquiatr Clín 1998;25(2):70-3. e Gurian et al.,77. Gurian MBF, De Oliveira RC, Laprega MR, Rodrigues Júnior AL. Rastreamento da função cognitiva de idosos não-institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012;15(2):275-84. nos quais os idosos que tiveram os escores mais baixos foram associados a fatores como baixa escolaridade. Por outro lado, não se observou associação da variável educação com a pontuação do MEEM em estudo realizado por Innocenti et al.2121. Innocenti AD, Elmfeldt D, Hansson L, Breteler M, James O, Lithell H, et al. Cognitive function and health-related quality of life in elderly patients with hypertension-baseline data from the study on cognition and prognosis in the elderly (SCOPE). Blood Press 2002;11(3):157-65.

Diante desse resultado, é importante ressaltar que a variável educação é complexa e individual, uma vez que a capacidade cerebral de um indivíduo é determinada, na maioria das vezes, pelo desenvolvimento do Sistema Nervoso Central (SNC) e pelo quão susceptível à influência de riscos ambientais mais comumente associados ao baixo nível educacional, como nutrição inadequada, escassa estimulação neuropsicomotora, maior exposição a condições precárias de vida, podendo refletir na vida adulta e contribuir para o declínio intelectual no idoso.77. Gurian MBF, De Oliveira RC, Laprega MR, Rodrigues Júnior AL. Rastreamento da função cognitiva de idosos não-institucionalizados. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012;15(2):275-84.

Outro dado importante deste estudo é que a maioria dos idosos faz uso de medicação para o controle da hipertensão arterial. Estudos que investigaram o impacto do tratamento anti-hipertensivo na relação entre hipertensão e cognição apresentaram conclusões controversas.1010. Di Nucci FRCF, Coimbra AMV, Neri AL, Yassuda MS. Ausência de relação entre hipertensão arterial sistêmica e desempenho cognitivo em idosos de uma comunidade. Rev Psiquiatr Clín 2010;37(2):52-6. , 1616. Cavalini LT, Chor D. Inquérito sobre hipertensão arterial e décifit cognitivo em idosos de um serviço de geriatria. Rev Bras Epidemiol 2003;6(1):7-17. , 1717. Posner HB, Tang X, Luchsinger J, Lantigua R, Stern Y, Mayeux R. The relationship of hypertension in the elderly to AD, vascular dementia, and cognitive function. Neurology 2002;58(8):1175-8. Pressupõe-se que a hipertensão não tratada poderia ser um preditor para o declínio cognitivo, sendo o uso de anti hipertensivos um protetor da função cognitiva. Em estudo realizado por Di Nucci et al.,1010. Di Nucci FRCF, Coimbra AMV, Neri AL, Yassuda MS. Ausência de relação entre hipertensão arterial sistêmica e desempenho cognitivo em idosos de uma comunidade. Rev Psiquiatr Clín 2010;37(2):52-6. não foram detectadas alterações significativas na cognição em idosos hipertensos que fazem uso regular da medicação anti-hipertensiva. No entanto, são necessárias investigações com delineamentos mais bem estruturados.

Com relação aos parâmetros do SF-36, os valores do coeficiente alfa encontrados nesta pesquisa sugerem que o instrumento em avaliação e a homogeneidade entre as perguntas e todas as correlações entre os itens avaliados fornecem informações confiáveis. Sua interpretação é dada, de forma que, quanto mais próximo de 1, o alfa de Cronbach torna o instrumento de avaliação mais confiável, corroborando os resultados desta pesquisa.3131. Pasquali L. Psicometria: teoria e aplicações. Brasília, DF: Universidade de Brasília; 1997.

No presente estudo verificou-se que idosos hipertensos com declínio cognitivo apresentaram comprometimento maior em sua qualidade de vida, na dimensão capacidade funcional, comparados aos idosos sem declínio cognitivo, o que reduz o desempenho na realização de atividades produtivas e de vida diária.

A dimensão capacidade funcional avalia a presença e extensão de limitações relacionadas à capacidade física. O comprometimento da capacidade funcional tem implicações importantes para todo o contexto de vida do idoso, incluindo a família, a comunidade e o próprio sistema de saúde, podendo ocasionar maior vulnerabilidade e dependência, contribuindo para a diminuição do bem-estar e da qualidade de vida. Logo, a incapacidade funcional do idoso é representada pela dificuldade no desempenho de atividades do cotidiano ou mesmo pela impossibilidade de desempenhá-las.3232. Rosa TEC, Benicio MHD, Latorre MRDO, Ramos LR. Fatores determinantes da capacidade funcional entre idosos. Rev Saúde Pública 2003;37(1):40-8.

A função cognitiva é determinante para a manutenção de uma vida independente, sendo a sua perda considerada um marcador de declínio e fragilidade física e funcional, interferindo na realização de atividades cotidianas do idoso.2424. Beckert M, Irigaray TQ, Trentini CM. Qualidade de vida, cognição e desempenho nas funções executivas de idosos. Estud Psicol Campinas 2012;29(2):155-62. Portanto, o prejuízo encontrado na dimensão capacidade funcional pode ser justificado pelo grau de habilidades cognitivas que as atividades do cotidiano laboral e doméstico demandam, requerendo o uso de raciocínio, orientação espacial e temporal, memória e capacidade de comunicação, sendo essas atividades limitadas quando tais habilidades estão em declínio.3333. Figueiredo CS. Mudanças funcionais e cognitivas em idosos no município de Belo Horizonte: estudo longitudinal [dissertação]. Minas Gerais: Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Educação Física; 2012.

Esse achado foi encontrado também em investigação realizada com idosos do Rio Grande do Sul, que apresentaram declínio cognitivo, na qual a dimensão capacidade funcional registrou baixas médias em todas as distribuições.33 33. Figueiredo CS. Mudanças funcionais e cognitivas em idosos no município de Belo Horizonte: estudo longitudinal [dissertação]. Minas Gerais: Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Educação Física; 2012.Da mesma forma, em pesquisa tipo inquérito domiciliar realizada em Uberaba-MG com 2.898 idosos, o grupo com declínio cognitivo apresentou maior proporção de incapacidades funcionais.11 11. Ferreira PCS, Tavares DMS, Rodrigues RAP. Características sociodemográficas, capacidade funcional e morbidades entre idosos com e sem declínio cognitivo. Acta Paul Enferm 2011;24(1):29-35.É importante ressaltar que a amostra estudada é composta por idosos hipertensos, e, em sua maioria, sedentários, o que predispõe uma limitação maior na capacidade funcional do idoso, considerando o grau e severidade da condição cardiovascular, o efeito da terapia e as prováveis complicações no cérebro, coração e rins. A mudança de estilo de vida, com a adoção de hábitos como a atividade física, é primordial para o controle e prevenção da evolução da hipertensão, do declínio da cognição, melhorando a qualidade de vida. A prática da atividade física é uma estratégia eficaz no aumento dos escores de qualidade de vida, por melhorar a capacidade funcional, dor e até mesmo aumentar a disposição dos idosos para as tarefas do cotidiano.3434. Stival MM, Lima LR, Funghetto SS, Silva AO, Pinho DLM, Karnikowski MGO. Fatores associados à qualidade de vida de idosos que frequentam uma unidade de saúde do Distrito Federal. Rev Bras Geriatr Gerontol 2014;17(2):395-405.

Os resultados mostraram ainda que idosos hipertensos com declínio cognitivo apresentam comprometimento maior na dimensão emocional de sua qualidade de vida comparados aos idosos hipertensos sem declínio cognitivo.

A dimensão emocional avalia as limitações no tipo e na quantidade do trabalho e das atividades de vida diária em consequência de problemas emocionais. Vivências que envolvem fatores psicológicos refletem a percepção subjetiva do indivíduo e sua avaliação da situação funcionando como elementos importantes na adesão de comportamentos saudáveis, na percepção de suporte social, nas estratégias de enfrentamento de situações limitantes ou desfavoráveis e no ajustamento pessoal.33. Rabelo DF. Declínio cognitivo leve em idosos: fatores associados, avaliação e intervenção. Rev Min Ciênc Saúde 2009;1(1):56-68.

No que se refere a essa dimensão, é fato conhecido que com a chegada da velhice, os idosos ficam mais expostos a eventos adversos, de ordem intrínseca, como as alterações em todos os órgãos e sistemas do corpo humano, o aumento da ocorrência de doenças crônicas e incapacidades funcionais; e de ordem extrínseca, como a aposentadoria, com consequente mudança ou perda nas funções sociais, causando muitas vezes a sensação de improdutividade, acarretando prejuízos ao padrão de vida anteriormente vivenciado. Quando a faixa etária avançada vem associada ao comprometimento cognitivo, essas alterações apresentam maior proporção, com impacto significativo nas atividades cotidianas3333. Figueiredo CS. Mudanças funcionais e cognitivas em idosos no município de Belo Horizonte: estudo longitudinal [dissertação]. Minas Gerais: Universidade Federal de Minas Gerais, Escola de Educação Física; 2012. e os indivíduos tendem a apresentar uma instabilidade emocional, com conduta social inadequada e apatia, e progressiva dificuldade de lidar com questões envolvendo as emoções.3535. Moragas RM. Gerontologia Social. São Paulo: Paulinas; 1997.

Tais observações podem ser confirmadas em estudo realizado por Beckert et al.,2424. Beckert M, Irigaray TQ, Trentini CM. Qualidade de vida, cognição e desempenho nas funções executivas de idosos. Estud Psicol Campinas 2012;29(2):155-62. em que os resultados mostram que quanto melhor o controle emocional, melhor o desempenho cognitivo em algumas tarefas.

Outro achado deste estudo foi a associação entre dor e alterações cognitivas. A dimensão dor encontra relevância, pois representa a medida de intensidade da dor sentida e seu efeito no trabalho habitual e nas atividades diárias. Neste estudo, os idosos hipertensos com declínio cognitivo apresentaram comprometimento maior na dimensão dor de sua qualidade de vida comparados aos idosos hipertensos sem declínio cognitivo. Esse resultado corrobora a investigação realizada por Leite et al.,2222. Leite MT, Winck MT, Hildebrandt LM, Kirchner RM, Da Silva AA. Qualidade de vida e nível cognitivo de pessoas idosas participantes de grupos de convivência. Rev Bras Geriatr Gerontol 2012;15(3):481-92. na qual o quesito dor registrou as piores médias em idosos que apresentavam disfunção na capacidade cognitiva.

Nos idosos, a dor é altamente prevalente e causa incapacidades e inabilidades prolongadas, podendo ser vista como uma doença, e não somente um sintoma, resultando em diversas consequências importantes que afetam a qualidade de vida.3636. Sleutjes A. Relações entre dor crônica, atenção e memória [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; 2001.

A dor, além de ser um fator limitante de funções, aumenta o risco de estresse emocional, podendo levar, em casos mais acentuados, ao isolamento social. A dor influencia nas atividades cotidianas, nos altos níveis de inabilidade funcional, na maior fragilidade e em níveis aumentados de comorbidades nesses pacientes.3737. Celich KLS, Galon C. Dor crônica em idosos e sua influência nas atividades da vida diária e convivência social. Rev Bras Geriatr Gerontol 2009;12(3):345-59.

As estruturas neurais relacionadas ao processo da dor também são utilizadas para o processamento das funções cognitivas, podendo interferir na atividade cognitiva e justificar a presente associação. Além disso, a porcentagem de idosos sedentários e com sobrepeso neste estudo foi elevada, o que predispõe a vivência de quadros dolorosos relacionados a problemas de mobilidade, como dores articulares e na coluna.3636. Sleutjes A. Relações entre dor crônica, atenção e memória [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; 2001.

Devem ser consideradas algumas limitações da presente pesquisa, pois sendo um estudo de corte transversal, não foi possível fazer afirmações sobre relações causais. Pôde-se apenas realizar comparações e testar associações e, assim, levantar possíveis fatores de risco. Além disso, tais instrumentos apresentam limitações, como, por exemplo, a forte influência da escolaridade no MEEM e a avaliação subjetiva no SF-36.

Outra limitação que deve ser apontada é que neste estudo não foi analisada a quantidade de medicamentos utilizados pelo idoso. Além disso, a amostra foi composta apenas por idosos hipertensos. Nesse sentido, novos trabalhos deverão ser realizados com amostra mais diferenciada, a fim de investigar melhor a relação entre qualidade de vida e o declínio cognitivo em idosos.

CONCLUSÃO

Neste estudo, que buscou analisar a associação entre o declínio cognitivo e a qualidade de vida de idosos hipertensos, identificou-se uma amostra na sua maioria composta por mulheres, com baixo nível de escolaridade, sedentários e com sobrepeso.

Com relação aos aspectos relacionados à associação do declínio cognitivo com a qualidade de vida dos idosos hipertensos, os resultados encontrados nesta pesquisa sugerem que o declínio da capacidade cognitiva afeta diretamente a qualidade de vida dessa população, na medida em que limita a capacidade de desempenhar as funções necessárias à manutenção das atividades de sua vida diária, podendo influenciar na intensidade de quadros dolorosos e no risco de estresse emocional.

Esses resultados sinalizam a necessidade de realização do diagnóstico cognitivo de idosos hipertensos, favorecendo estratégias de enfrentamento mais adequadas e eficazes, no sentido de promover um envelhecimento mais saudável. A avaliação da capacidade cognitiva desses idosos possibilita intervir com ações específicas que contribuam para postergar as incapacidades, bem como para reabilitar as incapacidades detectadas, resultando em redução da dependência e, consequentemente, melhora na qualidade de vida dos idosos.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    July-Sep 2015

Histórico

  • Recebido
    11 Mar 2014
  • Revisado
    29 Jan 2015
  • Aceito
    24 Abr 2015
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