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Perfil de gastos com medicamentos entre idosos em diferentes grupos socioeconômicos

Resumo

O aumento da população idosa está associado a um aumento dos custos de saúde. Este estudo objetivou apresentar os resultados da pesquisa realizada em grupos de idosos de diferentes classes socioeconômicas, em Porto Alegre-RS, bem como comparar os perfis de gastos com medicamentos entre estes grupos. Trata-se de estudo transversal, com amostra composta por pessoas de 60 anos ou mais de idade, participantes de grupos de convivência. Para analisar a diferença nas despesas entre as classes socioeconômicas foram utilizados a análise de variância (ANOVA) e o teste de Tukey. Foram entrevistados 225 idosos. Em todas as classes o sexo feminino foi predominante. A doença crônica mais comuns foi a hipertensão, que ocorreu em 21,0%, 36,0% e 38,0% dos idosos nas classes A, C e E, respectivamente. Na classe A, o número médio de medicamentos foi 5,34 (±2,64), na classe C 4,07 (±2,73) e na classe E 4,28 (±2,39). A parcela da renda familiar mensal gasta com medicamentos para os idosos nas classes A, C e E foi 4,0%, 5,7% e 10,0%, respectivamente. Os medicamentos que representaram o maior custo mensal para cada paciente nas classes A, C e E, respectivamente, foram: antiparkinson e antipsicóticos, medicamentos para diabetes e medicamento para o tratamento de doença óssea. Concluiu-se que existem diferenças específicas em relação ao custo e as despesas incorridas com medicamentos para os idosos de diferentes classes socioeconômicas.

Palavras-chave:
saúde, doenças; renda

Abstract

The increase in the elderly population is associated with increased health care costs. The objective of the present study was to describe the results of research conducted in groups of elderly persons from different socioeconomic classes in Porto Alegre in the state of Rio Grande do Sul, and to compare the drugs spending profiles of different groups. A cross-sectional study was performed using a sample of individuals aged 60 years or older who participated in community groups. Analysis of variance (ANOVA) and the Tukey test were used to analyze the difference in costs of drugs among different socioeconomic classes. A total of 225 seniors were interviewed and females were predominant in all classes. The most common chronic diseases included hypertension, which occurred in 21.0%, 36.0% and 38.0% of elderly persons in social classes A, C and E, respectively. The average number of medications was 5.34 (±2.64) in social class A, 4.07 (±2.73) in social class C and 4.28 (±2.39) in social class E. The share of household income spent on medication for elderly persons in classes A, C and E was 4.0%, 5.7% and 10.0%, respectively. The drugs with the highest monthly cost for each patient in class A, C and E, respectively, were antipsychotic and anti-Parkinson's medication, diabetes medicine, and medication for the treatment of bone disease. It was concluded that there are specific differences in the cost and expenses incurred on spending on medication for the elderly of different socioeconomic classes.

Key words:
health; diseases; income

INTRODUÇÃO

O aumento da população idosa está associado com uma elevação dos custos de cuidados de saúde, principalmente com medicamentos, devido às múltiplas doenças que podem ocorrer nesse segmento da população, especialmente as doenças crônicas.11. McAlister DA, Hughes CM, Fleming I, O'neill C. Cost of pharmacological care of elderly patients. Rev Clin Gerontol 2005;14(1):71-8.

2. González CG, García SS, Cedillo TJ, Carrasco OR, Robledo LMG, Peña CG. Health care utilization in the elderly Mexican population: expenditures and determinants. BMC Public Health 2011;11(1):192-8.
-33. Glynn LG, Valderas JM, Healy P, Burke E, Newell J, Gillespie P, et al. The prevalence of multimorbidity in primary care and its effect on health care utilization and cost. Fam Pract 2011;28(5):516-23. Os idosos utilizam em média de dois a cinco medicamentos, um valor superior a média da população mais jovem.33. Glynn LG, Valderas JM, Healy P, Burke E, Newell J, Gillespie P, et al. The prevalence of multimorbidity in primary care and its effect on health care utilization and cost. Fam Pract 2011;28(5):516-23.,44. Xu KT. Financial disparities in prescription drug use between elderly and nonelderly Americans. Health Aff 2003;22(5):210-21.

O uso de medicamentos na população idosa contribui com uma proporção substancial dos custos em saúde de países em desenvolvimento.55. Metge C, Grymonpre R, Dahl M, Yogendran M. Pharmaceutical use among older adults: using administrative data to examine medication related issue. Can J Aging 2005;24(1):81-95.,66. Goldman DP, Joyce GF, Zheng Y. Prescription drug cost sharing: associations with medication and medical utilization and spending and health. JAMA 2007;298(1):61-9. Um exemplo deste consumo pode ser verificado nos dados de prescrição. No Canadá, os idosos representam apenas 12,0% da população total, mas 40,0% das prescrições são realizadas para esse público, enquanto que nos Estados Unidos, os idosos representam apenas 11,7% da população, mas recebem 31,0% das prescrições de medicamentos.77. Law MR, Cheng L, Dhalla IA, Heard D, Morgan SG. The effect of cost on adherence to prescription medications in Canada. CMAJ 2012;184(3):297-302.,88. Lu WH, Wen YW, Chen LK, Hsiao FY. Effect of polypharmacy, potentially inappropriate medications and anticholinergic burden on clinical outcomes: a retrospective cohort study. CMAJ 2015;187(4):130-7.

A quantidade de prescrições aviadas para o idoso pode ser avaliada em relação ao custo que isso representa para os sistemas de saúde e/ou para os pacientes. Analisando dados de países desenvolvidos, pode-se observar que, no Canadá, entre 1996 e 2002, os gastos com medicamentos per capita cresceram 10,8%. Considerando a idade e os custos com aquisição de medicamentos, o envelhecimento da população explica 1,0 ponto da taxa anual observada no aumento dos gastos em saúde.99. Morgan SG. Prescription drug expenditures and population demographics. Health Serv Res 2006l;41(2):411-28. Outro estudo investigou o uso de medicamentos entre idosos belgas e o gasto médio por mês para aquisição de medicamentos para doenças crônicas foi € 140.1010. Elseviers MM, Vander Stichele RR, Van Bortel L. Drug utilization in Belgian nursing homes: impact of residents' and institutional characteristics. Pharmacoepidemiol Drug Saf 2010;19(10):1041-8.

Nos países em desenvolvimento, o acesso a medicamentos representa um grande desafio para os profissionais de saúde. Na saúde pública, os recursos disponíveis são insuficientes para satisfazer a procura, levando ao racionamento e gestão mais rigorosa dos recursos.1111. Velden MEV, Severens J, Novak A. Economic evaluation of healthcare programmes and decision making. Pharmacoeconomics 2005;23(11):1075-82.,1212. Drummond MF. Guidelines for authors and peer reviewers of economic submission to the BMJ. BMJ 1996;313:275-83.

No Brasil de hoje, a população recebe medicamentos de duas maneiras: (1) no sistema público de saúde, no qual o paciente recebe medicamentos gratuitos, desde que o medicamento esteja incluído em uma lista de medicamentos essenciais estabelecida pelo governo ou (2) nas farmácias privadas, entendendo que o custo do medicamento nesta forma de aquisição é uma responsabilidade individual. Há também o Programa Farmácia Brasil Popular, em que o paciente recebe alguns medicamentos para uso crônico, presentes na lista de medicamentos essenciais, de forma gratuita ou subsidiada pelo governo. Neste país, enquanto a despesa total em saúde aumentou 9,6%, aquelas relacionadas com medicamentos tiveram aumento de 123,9% no período de 2002 a 2006. Considerando que, em 2006, o produto interno bruto (PIB) brasileiro cresceu 3,7%, verificou-se aumento de 7,5% nos gastos pelo Ministério da Saúde, sendo a elevação dos gastos com medicametnos de 26,0%, gerando uma discrepância entre os gastos com medicamentos e as despesas totais em saúde.1313. Brasil. Ministério da Saúde. Evolução dos gastos do Ministério da Saúde com medicamentos [Internet]. Brasília, DF: MS; 2015 [acesso em 10 out 2015]. Disponível em: http://portal.saude.gov.br/portal/saude/area.cfm?id_area=1001

Os dados epidemiológicos de base populacional, contendo informações sobre a saúde do idoso no Brasil, ainda são escassos, estão limitados a determinadas cidades e não representam a população brasileira como um todo. Um inquérito mais amplo da base populacional, incluindo questões relativas à saúde do idoso, foi realizado em 1998. Essa pesquisa incluiu 29.976 indivíduos idosos, não incluindo as regiões do norte do país. Dentro das questões de saúde, despesas incorridas em relação a medicamentos foram estudadas com profundidade, verificando-se que, no mês anterior à entrevista, os idosos apresentaram média de US$ 45.50 com medicamentos regulares.1414. Costa MFL, Barreto SM, Giatti L. Condições de saúde, capacidade funcional, uso de serviços de saúde e gastos com medicamentos da população idosa brasileira: um estudo descritivo baseado na Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios. Cad Saúde Pública 2003;19(3):735-43. Mesmo considerando a pesquisa realizada nas cidades brasileiras em separado, estudo desenvolvido em Belo Horizonte-MG, com 667 idosos, avaliando-se as despesas dessa população relacionadas com medicamentos, tanto no setor público quanto no privado, mostrou-se que a despesa média incorrida no setor público foi de US$ 7.89, enquanto o gasto médio no setor privado foi de US$ 69.48.1515. Lima MG, Ribeiro AQ, Acúrcio FS, Rozenfeld S, Klein CH. Composição dos gastos privados com medicamentos utilizados por aposentados e pensionistas com idade igual ou superior a 60 anos em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2007;23(6):1423-30.

Outro estudo brasileiro de base populacional transversal, realizado com 1.720 adultos que vivem na área urbana de Florianópolis-SC, Sul do Brasil, em 2009, observou que a média de gastos com medicamentos foi de US$ 23.70, com valores mais elevados entre as mulheres, indivíduos mais velhos e entre os de classe socioeconômica mais elevada.1616. Boing AC, Bertoldi AD, Peres KG. Desigualdades socioeconômicas nos gastos e comprometimento da renda com medicamentos no Sul do Brasil. Rev Saúde Pública 2011;45(5):897-905. Para garantir o acesso a medicamentos para a maioria da população, bem como para melhorar o atendimento nos serviços de saúde e o conhecimento especial do perfil de saúde da população idosa no Brasil, tem-se o desafio de realizar pesquisas de análises econômicas no setor da saúde que possam ser usadas para subsidiar decisões sobre a alocação de recursos financeiros.

O objetivo deste estudo foi apresentar os resultados da pesquisa realizada em grupos de idosos de diferentes classes socioeconômicas na cidade de Porto Alegre-RS, Brasil, bem como comparar os perfis e as despesas de consumo com medicamentos entre essas classes.

MÉTODO

A pesquisa seguiu o modelo transversal, com questionário estruturado, aplicado entre março e julho de 2007, como auxílio de um instrumento de coleta de dados.

A população estudada incluiu idosos participantes de grupos de convivência, que são espaços sociais que permitem aos cidadãos idosos, com idade superior a 60 anos, participar de atividades humanitárias, buscando melhorar as relações sociais com o desenvolvimento de atividades variadas.

A amostra foi intencional, escolhida por conveniência, selecionando indivíduos com idade igual ou mais de 60 anos, residentes no município de Porto Alegre-RS e participantes nos grupos de convivência selecionados. A amostra foi dividida em seis grupos: (a) dois grupos da classe socioeconômica A, (b) dois grupos da classe socioeconômica C, e (c) dois grupos da classe socioeconômica E. A classificação dos grupos por classe socioeconômica foi determinada utilizando a renda familiar do indivíduo entrevistado como parâmetro.1717. Associação Brasileira De Empresas De Pesquisa. Critério Brasil e Atualização da Distribuição de Classes [Internet]. 2008. [Acesso em 2013 mar 2]; 8(3). Disponível em URL: http://www.abep.org/codigosguias/ABEP_CCEB.pdf.
http://www.abep.org/codigosguias/ABEP_CC...
Os grupos foram escolhidos por bairro, de acordo com as características socioeconômicas dos moradores dos mesmos. Os dados para a seleção dos grupos foram fornecidos pelo Conselho Municipal do Idoso. Depois de selecionar os grupos, todos os seus participantes ativos foram convidados a participar e as entrevistas foram realizadas ao final das reuniões dos grupos, quando os idosos traziam a sacola de medicamentos ou nas residências. As entrevistas foram realizadas por pesquisadores treinados. Os idosos foram questionados sobre características socioeconômicas, dados gerais de saúde e de uso de medicamentos.

Foram excluídos do estudo os indivíduos que apresentaram problemas para responder ao questionário, conforme observação dos entrevistadores. Quanto ao uso de medicamentos, foi considerado válido quem apresentou para o entrevistador a caixa original ou prescrição, foram incluídos medicamentos de uso contínuo e esporádico.

Neste estudo, os custos diretos incorridos com medicamentos foram considerados em duas formas distintas: a) o preço de referência do medicamento: de acordo com o local de aquisição, pública ou privada, que calculou o custo considerando o preço por unidade, a posologia e a forma farmacêutica.1818. Lista de preços. In: Guia da Farmácia. São Paulo: Price; 2007. p.173. Por exemplo, o custo dos medicamentos no setor público foi calculado considerando o preço de aquisição do sistema público de saúde da cidade de Porto Alegre-RS. O cálculo do custo no setor privado foi realizado considerando: a) o preço máximo ao consumidor estabelecido pelo governo brasileiro; b) o custo social dos medicamentos, independentemente se adquirido no setor público ou privado. O cálculo considerou o preço médio de três farmácias comerciais.1919. Iunes RF. A concepção econômica de custos. In: Piola SF, Vianna SM. Economia da Saúde: conceitos e contribuição para a gestão da saúde. 3 ed. Brasília: IPEA; 2002. p. 227-47.

No período de coleta de dados, o salário mínimo (SM) no Sul do Brasil correspondia a US$ 210.00, e a cotação do dólar estava em R$ 2,13. Foi calculado o custo mensal médio considerando a porcentagem do comprometimento da renda familiar do idoso.

Os medicamentos foram categorizados pelo sistema de classificação Anatômico Terapêutico e Químico (ATC), no primeiro e no terceiro níveis.2020. World Health Organization. Collaborating Centre for Drug Statistics Methodology. ATC/DDD Index 2006 [Internet]. Genebra: WHO; 2015 [acesso em 20 nov 2015]. Disponível em: www.whocc.no/atcddd

A análise estatística foi realizada utilizando o software SPSS, versão 13. Para analisar a diferença nas despesas entre as classes socioeconômicas foram utilizados a análise de variância (ANOVA) e o teste de Tukey. O teste t para amostras independentes foi utilizado para verificar as diferenças entre custo com medicamentos e: aumento da idade, sexo e uso de medicamentos. Além disso, esse teste foi aplicado para verificar as diferenças entre custo médio de medicamentos, considerando o preço de referência e o custo social, entre as classes sociais A e E; A e C; C e E.

O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, sob o nº 2006647/2007. Todos os participantes, antes da coleta de dados, assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADOS

Foram entrevistados 225 idosos, 61 da classe socioeconômica A, 80 da classe socioeconômica C e 84 da classe socioeconômica E. Em todas as classes sociais o sexo feminino foi predominante, com 84,0% na classe A, 78,0% na classe C, e 89,0% na classe E. A idade dos idosos entrevistados variou de 60 a 99 anos. A idade média foi 74,25 (±7,8) anos na classe A, 72,07 (±7,4) anos na classe C, e 71,4 (±7,8) anos na classe E. Na classe A, 56,0% dos idosos tinham estudado uma média de 15 anos, já nas classes C e E, a maioria estudou menos de oito anos. Estes dados são apresentados na tabela 1.

Tabela 1
Características socioeconômicas e número de medicamentos utilizados dos idosos participantes de grupos de convivência. Porto Alegre, RS, 2007.

Em relação ao uso de medicamentos, verificou-se que 100,0% dos idosos na classe A usaram algum tipo de medicamento durante o período em que a entrevista foi realizada. Na classe C, esse valor chegou a 91,0%, enquanto na classe E, atingiu 94,0%. O número de medicamentos consumido variou de 0 a 15. Na classe A o número médio de medicamentos foi 5,34 (±2,64), enquanto que na classe C foi 4,07 (±2,73) e na classe E 4,28 (±2,39 ).

As doenças crônicas mais comuns foram hipertensão, que ocorreu em 21,0%, 36,0% e 38,0% dos idosos nas classes A, C e E, respectivamente. A diabetes ocorreu em 3,0%, 9,0%, e 24,0% dos idosos nas classes A, C, e E, respectivamente. Além disso, verificou-se elevada frequência de hipercolesterolemia (38,0%, 19,0%, e 23,0% nas classes A, C, e E, respectivamente), e de problemas cardíacos (20,0%, 11,0%, e 18,0% nas classes A, C, e E, respectivamente).

A tabela 2 mostra que o preço de referência variou de US$ 31.50 para US$ 127.99 entre as três classes socioeconômicas, enquanto o custo social variou de US$ 44.21 para US$ 118.46 dólares.

Tabela 2
Comparação entre custo de referência e custo social dos medicamentos utilizados por idosos de grupos de convivência. Porto Alegre, RS, 2007.

Com base no preço de referência, constatou-se que a parcela da renda familiar mensal gasta com medicamentos para os idosos nas classes A, C e E foi 4,0%, 5,7% e 10,0%, respectivamente.

A tabela 3 apresenta o custo médio com medicamentos para cada classe social, subdividido em o preço de aquisição do produto no sistema público e o preço de venda nos estabelecimentos privados. Na classe A, o preço mais baixo por medicamento foi US$ 0.70, enquanto o maior preço foi US$ 371.18. Na classe C, os preços variaram de US$ 0.16 a US$ 107.15. Considerando-se o medicamento adquirido do setor público para a classe E, os preços variaram de US$ 0.17 a US$ 851.30, em comparação com o setor privado, no qual o preço máximo foi de US$ 62.81. Estes dados foram calculados com base no preço de referência do medicamento. Destaca-se que não foi realizada análise estatística para verificar se havia diferença entre os gastos do setor público e privado, tratando-se de uma limitação deste estudo.

Tabela 3
Custo médio mensal por medicamento adquirido no Sistema Único de Saúde (SUS) e em estabelecimentos privados, consumidos por idosos de grupos de convivência. Porto Alegre, RS, 2007.

Destacam-se os gastos com aquisição de medicamentos e foram comparados estatisticamente apenas entre classes, mas não se comparou os gastos entre o setor público e privado.

Os medicamentos foram agrupados em sistemas anatômicos, no primeiro nível da classificação ATC, e considerando-se o preço de referência, foram apresentadas as porcentagens de uso e as porcentagens de custo de cada nível da ATC. Medicamentos para tratar doenças do sistema cardiovascular apresentam a maior frequência de utilização em todas as classes sociais, esses dados são apresentados na tabela 4.

Tabela 4
Distribuição de uso e custo dos medicamentos de idosos de grupos de convivência, de acordo com o sistema de classificação Anatômico Terapêutico e Químico (ATC). Porto Alegre, RS, 2007.

A tabela 5 apresenta o custo mensal médio dos medicamentos classificados de acordo com o segundo nível da ATC e o número de pessoas idosas que utilizavam esses medicamentos. Os medicamentos que representaram o mais alto custo mensal para cada paciente nas classes A, C e E, respectivamente, incluíram: antiparkinson e medicamentos antipsicóticos, medicamentos para diabetes e medicamentos para o tratamento de doença óssea.

Tabela 5
Gasto médio com grupos farmacológicos mais usados por idosos de grupos de convivência. Porto Alegre, RS, 2007.

DISCUSSÃO

O envelhecimento está diretamente associado com um aumento em despesas médicas. Os idosos participantes desta pesquisa apresentam três perfis econômicos, que foram selecionados com o objetivo de analisar as diferenças de gastos com medicamentos entre as classes socioeconômicas distintas.

Os meios de adquirir os medicamentos variaram de acordo com o poder socioeconômico dos indivíduos. Na classe A, o custo médio dos medicamentos consumidos por pessoas idosas, considerando o preço de referência e os custos sociais, foi maior do que os mesmos custos para as classes C e E. Aplicando a ANOVA e o teste de Tukey, verificou-se uma diferença significativa no custo médio de medicamentos, considerando o preço de referência e o custo social, entre as classes sociais A e E (F=29,59; p<0,001) e entre as classes A e C (F=19,09; p<0,001). O custo de medicamento consumido na classe A é significativamente mais elevado do que nas outras classes; no entanto, não há diferença significativa entre as classes C e E.

Os idosos da classe socioeconômica A adquirem seus medicamentos, principalmente, em estabelecimentos privados, o que contribui para o fato de que o custo do tratamento farmacológico seja maior que o das classes C e E, que têm acesso direto a medicamentos gratuitos distribuídos pelo sistema público brasileiro de saúde. O custo dos medicamentos adquiridos do sistema público de saúde é subestimado, pois não considera outras despesas, tais como recursos humanos ou custos de logística em relação à distribuição do produto para diferentes unidades de saúde.

Comparando-se as despesas médias mensais de medicamento com a parcela da renda familiar comprometida, pôde-se observar que o grupo da classe A gasta mais com a aquisição de medicamentos (60,0% do salário mínimo nacional e 4,0% de suas rendas individuais). Tais valores mostram um impacto menor sobre essa classe do que nas outras classes sociais entrevistadas: 19,0% (5,7% de um salário mínimo) para a classe C e 15,0% (10,0% de um salário mínimo) para a classe E. No entanto, esses dados representam apenas um cálculo estimado, pois tanto a classe C como a classe E adquirem parte de seus medicamentos no setor público.

Esses dados corroboram o estudo de Boing et al.1616. Boing AC, Bertoldi AD, Peres KG. Desigualdades socioeconômicas nos gastos e comprometimento da renda com medicamentos no Sul do Brasil. Rev Saúde Pública 2011;45(5):897-905. o qual relata que a população de alta renda usa medicamentos prescritos por médicos, preferindo aqueles recentemente lançados no mercado e, por consequência, tecnologicamente avançados; no entanto, essas despesas representam apenas uma pequena parcela de sua renda total. Enquanto o consumo de medicamentos pela população de renda média é influenciado por variações nos preços, a população de baixa renda apresenta uma demanda inelástica em relação ao preço, uma vez que, mesmo quando uma queda significativa nos preços dos medicamentos ocorre, a renda limitada dos usuários da classe E impede a sua capacidade de consumo. No caso brasileiro, o uso de medicamentos para a população de baixa renda depende da lista de medicamentos essencial adotada pela gestão pública.

O estudo transversal, como o presente estudo, pode avaliar a prevalência de uso de medicamentos e relaciona-lo com outras variáveis como: fatores sociais e demográficos, as condições de saúde, as características do sistema de saúde e os fatores relacionados os custos de medicamentos. Estudo realizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte-MG mostrou que idosos de níveis socioeconômicos mais baixos e problemas de saúde foram associados ao abandono de medicamento, em especial os de alto custo. Entre as mulheres deste estudo, a não adesão foi asssociada com baixa percepção de saúde ou com saúde mais debilitada. Por outro lado, a baixa percepção de saúde estava ligada com o bairro, sendo que baixa percepção do ambiente físico contribuiu de forma independente para a adesão.1515. Lima MG, Ribeiro AQ, Acúrcio FS, Rozenfeld S, Klein CH. Composição dos gastos privados com medicamentos utilizados por aposentados e pensionistas com idade igual ou superior a 60 anos em Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil. Cad Saúde Pública 2007;23(6):1423-30.

O medicamento mais frequentemente utilizado pelo entrevistado desta pesquisa relacionou-se ao sistema cardiovascular, o que está relacionado com o fato de as doenças cardiovasculares serem as mais prevalentes na população idosa, como já discutido por Metge et al (2004).55. Metge C, Grymonpre R, Dahl M, Yogendran M. Pharmaceutical use among older adults: using administrative data to examine medication related issue. Can J Aging 2005;24(1):81-95.

As classes de medicamentos do sistema nervoso central, trato alimentar e metabolismo foram frequentemente utilizadas por idosos da pesquisa. Nas classes C, o uso de medicamentos para o trato alimentar e metabolismo foi maior que para as doenças do sistema nervoso. Essa frequência de consumo se inverte na classe E, apresentando maior consumo de medicamentos para tratar doenças do sistema nervoso em relação às digestivas e metabólicas.

Embora o medicamento usado para o sistema cardiovascular seja mais frequentemente utilizado em todos os estratos sociais, pôde-se observar que os medicamentos consumidos na classe A diferiam dos das outras classes. A hidroclorotiazida, captopril, o propranolol, e o enalapril são os medicamentos mais frequentemente utilizados pelas classes C e E para o tratamento de hipertensão. Além disso, na classe A, a utilização de novos medicamentos ou a combinação deles, tais como losartan e valsartan, pôde ser observada. As classes C e E, predominantemente, utilizavam fluoxetina e amitriptilina para tratar a depressão, enquanto a classe A utilizava a venlafaxina, que é um fármaco com um período mais curto de comercialização no mercado. Além disso, na classe A, o consumo de medicamentos ou produtos de saúde que utilizam os slogans publicitários de "medicina preventiva" ou "suplemento alimentar", tais como vitaminas, pôde ser observado. Portanto, novos medicamentos e as associações destes representam um aumento nos custos dos tratamentos farmacológicos2121. Hernandez Perella JA, Mas GX, Riera CD, Quintanilla CR, Gardini CK, Torrabadella FJ. Inappropriate prescribing of drugs in older people attending primary care health centres: detection using STOPP-START criteria Rev. Esp Geriatr. Gerontol. 2013; 48(6): 265-8. e podem ter contribuído para o aumento das despesas com medicamentos para os idosos da classe social A.

No presente estudo, pôde ser confirmado que o custo com aquisição de medicamentos não está diretamente relacionada com o sexo do indivíduo (teste t para amostras independentes; p=0,945). Da mesma forma, este estudo não demonstra diferença entre o aumento das despesas incorridas com o uso de medicamentos e o aumento da idade dos entrevistados (teste t para amostras independentes; p=0,139). A associação entre o aumento das despesas com medicamentos e a idade, que não foi verificada no presente estudo, poderia ser creditada ao fato de que os idosos tendem a consumir uma quantidade maior de medicamentos devido às doenças crônicas.2222. Thomas CP, Ritter G, Wallack SS. Growth in prescription drug spending among insured elders. Health Aff 2001;20(5):265-78.

Considerando o custo dos medicamentos adquiridos, os valores gastos na classe A foram superiores aos das outras classes. O maior valor de custo por classe farmacológica foi de antipsicóticos [US$ 121.80 (±191.40)] e antiparkinsonianos, o custo do tratamento para idosos da classe C foi de US$ 8.20 (±4.30), enfatizando que, nesta pesquisa, os idosos com maior poder de compra utilizaram medicamentos mais novos, que tendem a incorrer em custos mais elevados.

Na classe E, as duas classes terapêuticas com maior custo aos pacientes foram os medicamentos para o tratamento da doença óssea e agentes modificadores de lipídios. Os medicamentos mais frequentemente utilizados foram aqueles que contêm cálcio associado com a vitamina D e sinvastatina. Embora esses medicamentos possam ser encontrados na lista de medicamentos essenciais no Brasil, eles não estão disponíveis para distribuição gratuita em todas as cidades brasileiras. Além disso, tais medicamentos incorrem num custo relativamente elevado, considerando a renda do idoso, o que limita a sua aquisição em estabelecimentos farmacêuticos privados.

As principais limitações deste estudo foram: a não monitoração das mudanças no uso dos medicamentos, a amostra ter sido por conveniência e o custo do setor privado não ter sido avaliado pela nota fiscal de compra, mas por valores praticados no mercado.

CONCLUSÕES

O presente estudo mostrou que há diferenças específicas em relação ao custo e as despesas com medicamentos por idosos de diferentes classes socioeconômicas.

Indivíduos de classe A tendem a adquirir medicamentos no setor privado, enquanto as classes C e E usam o sistema público de saúde brasileiro e estabelecimentos privados para ter acesso aos medicamentos necessários. Os medicamentos mais frequentemente adquiridos estão relacionados com os grupos farmacológicos recomendados para o tratamento das doenças prevalentes na população idosa, como a hipertensão e problemas cardíacos. Apesar disso, as pessoas idosas na classe A utilizam medicamentos com mais recente comercialização do que aqueles utilizados pelas classes C e E. Essa particularidade aumenta os custos do produto para a classe A. Se os idosos das classes C e E fossem adquirir todos os medicamentos prescritos em estabelecimentos privados, a sua renda familiar seria comprometida em 5,7% e 10,0%, respectivamente. No entanto, a maioria dos produtos pode ser adquirida no sistema público de saúde brasileiro.

A análise de custo apresentada nesta pesquisa fornece importantes dados de planejamento de ação para os gestores de saúde no Brasil, especialmente no que diz respeito aos idosos, que é um consumidor em potencial de polifarmácia. Considerando-se que o uso irracional de medicamentos é um problema importante na saúde pública, é necessário considerar, além do custo incorrido com a aquisição do produto, a assistência qualificada necessária para garantir melhorias no uso dos medicamentos, com vistas a reduzir riscos de morbimortalidade.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Mar 2015
  • Revisado
    13 Jan 2016
  • Aceito
    20 Jun 2016
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