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HIV/aids em idosos: estigmas, trabalho e formação em saúde

Resumo

Atualmente, no cenário mundial e no Brasil, registra-se um aumento do número de diagnósticos de HIV/aids em idosos. Este artigo apresenta resultados de uma pesquisa qualitativa que buscou analisar a atuação de profissionais de saúde em idosos com diagnóstico de HIV/aids em um serviço público de saúde. Foram entrevistados os nove profissionais que compõem um serviço público de assistência especializada em HIV/aids de um município de porte médio de Minas Gerais. As falas foram submetidas à análise de conteúdo e a análise dos resultados permite afirmar que, na percepção dos profissionais de saúde, os principais impactos do diagnóstico de HIV/aids estão vinculados ao isolamento, solidão, preconceito, medo da revelação do diagnóstico e desaceleração ou interrupção das práticas sexuais. Os profissionais relatam sobrecarga de trabalho e sobrecarga psíquica, dificuldades em abordar aspectos da sexualidade e práticas sexuais com idosos e admitem compartilhar alguns estereótipos e preconceitos vinculados ao HIV/aids e à sexualidade da pessoa idosa. Pela análise dos resultados, pode-se concluir que os estigmas e preconceitos vinculados ao HIV e à sexualidade da pessoa idosa estão intimamente presentes no processo de trabalho dos profissionais entrevistados, impactam o tratamento e interferem nos processos de saúde e adoecimento. A discussão sobre esses aspectos deve compor as ações de formação em saúde.

Palavras-chave:
Envelhecimento; HIV; Estigma Social; Formação Profissional.

Abstract

The number of HIV/AIDs diagnoses among the elderly is currently increasing both in Brazil and on a global level. The present article describes the results of a qualitative study which aimed to assess the role of health professionals on elderly patients diagnosed with HIV/AIDS receiving treatment via the public health service. Nine professionals who made up a specialized HIV/AIDS service in a medium-sized city in the state of Minas Gerais were interviewed. Their statements were subjected to content analysis, and the results suggested that according to the perceptions of the health professionals, the main impacts of the diagnosis of HIV/AIDS are linked to isolation, loneliness, prejudice, fear of revealing the diagnosis and the decrease or interruption of sexual practices. The professionals reported being overburdened both psychologically and in terms of workload, having difficulty addressing aspects of sexuality and sexual practices with the elderly, and admitted to possessing certain stereotypes and prejudices related to HIV/AIDS and the sexuality of the elderly. Through results analysis, it was concluded that the stigma and prejudice related to HIV and the sexuality of the elderly are intimately present in the work processes of the professionals interviewed, impacting on the treatment of such individuals and interfering with their health and illness processes. The discussion of these aspects should be included in health training strategies.

Keywords:
Aging; HIV; Social Stigma; Professional Training.

INTRODUÇÃO

Vivemos um momento em que as infecções por HIV (Human Immunodeficiency Virus) avançam em números absolutos no Brasil11. Brasil. Ministério da saúde. Boletim epidemiológico: aids e DST ano II, nº 01. Brasília: 2013. [Acesso em 2014 mai 13] Disponível em URL: http://www.aids.gov.br/sites/default/files/anexos/publicacao/2013/55559/_p_boletim_2013_internet_pdf_p__51315.pdf
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e no mundo. Conforme exemplo demonstrado no estudo epidemiológico ATHENA, um país como a Holanda que terá um aumento da média de idade de 43,9 para 56,6 anos; estima-se que o número de pacientes infectados pelo HIV com idade superior a 50 anos passará de uma proporção de 28% em 2010 para 73% em 2030.² O número de casos de aids em idosos no Brasil cresceu vertiginosamente nos últimos anos, sendo que entre 1980-2001 o número de pessoas com mais de 60 anos com diagnóstico de aids foi de 5.410 e entre 2002-2014 foi de 17.861. Esses dados apontam que no período de 21 anos houve uma variação média de 257,61 casos por ano, enquanto no período subsequente de 12 anos essa variação subiu para 1.488,41 casos por ano, o que corresponde a uma variação de 577,77%.33. Brasil. Ministério da saúde. Boletim epidemiológico: aids e DST ano III, no 01. Brasília: 2014. [Acesso em 2015 nov 22]. Disponível em URL: http://www.aids.gov.br/publicacao/2014/boletim-epidemiologico-2014
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O Brasil coloca-se em destaque em relação ao envelhecimento populacional, tendo entre 1950 e 2025 um aumento esperado de 15 vezes o número de idosos, se comparado à década de 1950.44. Closs VE, Schwanke CHA. A Evolução do Índice de Envelhecimento no Brasil, nas suas Regiões e Unidades Federativas no Período de 1970 a 2010: Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia [Internet]. 2012. [Acesso em 2012 out 28]; 15 (3): 443-458. Disponível em URL: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1809-98232012000300006&script=sci_arttext
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As alterações da composição da população lançam um desafio para a sociedade em geral, mas principalmente, para os profissionais de saúde: lidar com o processo de envelhecimento e com as pessoas idosas, associando longevidade à qualidade de vida, considerando tanto mudanças de caráter econômico e sanitário, quanto no âmbito social, incluindo a sexualidade como um direito do idoso.55. Garcia GS, Lima LF, Silva JB, Andrade LDF, Abrão FMS. Vulnerabilidade dos idosos frente ao HIV/aids: tendências da produção científica atual no Brasil. DST - J Bras Doenças Sex Transm. [Internet]. 2012 [Acesso em 2014 out 15], 24(3):183-188; Disponível em URL: http://www.dst.uff.br/revista24-3-2012/7-Vulnerabilidade_idosos_aids.pdf
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,66. Batista AFO; Marques APO, Leal MCC, Marino JG, Melo HMA. Idosos: associação entre o conhecimento da aids, atividade sexual e condições sociodemográficas. Revista Bras. de Geriatria e Gerontologia [Internet]. 2011. [Acesso em 2013 nov 11]; 14(1):39-48. Disponível em URL: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232011000100005
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Ao longo da história da humanidade, sexualidade e preconceito se apresentam interligados. O preconceito em relação à vivência da sexualidade no idoso remonta à repressão existente na sociedade frente à sexualidade ao longo de vários séculos, associando-a somente a fins reprodutivos.77. Risman, A. Sexualidade e terceira idade: uma visão histórico-cultural: Textos Envelhecimento [Internet]. 2005. [Acesso em 2010 set 27]; 8(1): 89-115. Disponível em URL: http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151759282005000100006&lng=pt&nrm=iso
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,88. Almeida, T, Lourenço, ML. Reflexões: conceitos, estereótipos e mitos acerca da velhice: Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano [Internet]. 2009 [Acesso em 2010 set 26]; 6(2): Disponível em URL: http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232007000100008&lng=pt&nrm=iso
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,99. Silva VXL, Marques APO, Lyra-da-Fonseca JLC. Considerações sobre a sexualidade dos idosos nos textos gerontológicos: Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia [Internet]. 2009. [Acesso em 2012 out 28]; 12(2): 295-303. Disponível em URL: http://www.crde-unati.uerj.br/img_tse/v12n2/pdf/art_12.pdf
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Apesar do desempenho sexual dos idosos se beneficiar atualmente com os avanços científicos e tecnológicos, aumento da expectativa de vida e melhorias na qualidade de vida, crescem também as preocupações com as infecções por doenças sexualmente transmissíveis nessa faixa etária.1010. Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Ações Programáticas e Estratégicas. Atenção à saúde da pessoa idosa e envelhecimento. Brasília: 2010. [Acesso em 2014 mai 13] Disponível em URL: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/atencao_saude_pessoa_idosa_envelhecimento_v12.pdf
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,1111. Halter JB, Ouslander JG, Tinetti M, Studenski S, High K, Asthana S, et al. Hazzard´s geriatric medicine and gerontology. 6.ed. New York: McGraw Hill Medical, 2009. Ao mesmo tempo, percebe-se a permanência de estereótipos e preconceitos vinculados ao mito da assexualidade do idoso.55. Garcia GS, Lima LF, Silva JB, Andrade LDF, Abrão FMS. Vulnerabilidade dos idosos frente ao HIV/aids: tendências da produção científica atual no Brasil. DST - J Bras Doenças Sex Transm. [Internet]. 2012 [Acesso em 2014 out 15], 24(3):183-188; Disponível em URL: http://www.dst.uff.br/revista24-3-2012/7-Vulnerabilidade_idosos_aids.pdf
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,77. Risman, A. Sexualidade e terceira idade: uma visão histórico-cultural: Textos Envelhecimento [Internet]. 2005. [Acesso em 2010 set 27]; 8(1): 89-115. Disponível em URL: http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151759282005000100006&lng=pt&nrm=iso
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,88. Almeida, T, Lourenço, ML. Reflexões: conceitos, estereótipos e mitos acerca da velhice: Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano [Internet]. 2009 [Acesso em 2010 set 26]; 6(2): Disponível em URL: http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232007000100008&lng=pt&nrm=iso
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Neste sentido, dentre o conjunto de estereótipos e transformações que acompanham o processo de envelhecimento atualmente, destaca-se sua possibilidade de associação com o diagnóstico soropositivo para HIV, quadro que deve ser analisado também em seu potencial de estigmatização1212. Silva LC, Felício EEEA, Cassétte JB, Soares LA, Morais RA, Prado TS, et al. Envelhecimento e HIV/aids: contribuições da psicologia social ao ensino e pesquisa em saúde. CONVIBRA SAUDE [Internet]. 2013. [Acesso em 2013 out 23]; 1 (1) 1-12. Disponível em URL: http://www.convibra.com.br/upload/paper/2013/59/2013_59_5813.pdf.
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, seus efeitos sobre a identidade dos indivíduos, dos grupos e das relações sociais, além de suas repercussões específicas nos processos de saúde e adoecimento. O estigma é uma construção social, que nasce na relação entre os indivíduos e os estereótipos sociais e que define de forma simbólica ou concreta os territórios de normalidade.1313. Goffman E. Estigma - Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC Editora; 1988. Ultrapassar os limites definidos para o que seja considerado como normalidade social pode promover a discriminação, acompanhada de acusação, isolamento, rejeição e a adoção de medidas punitivas e corretivas, tanto por parte dos sujeitos ditos "normais", quanto por parte dos próprios sujeitos estigmatizados. O estigma atribui a um indivíduo ou grupo, determinado caractere que norteia toda sua rede de relações pessoais e quando internalizado, domina as referências de si mesmo, seus sentimentos e até mesmo atitudes, gerando culpa, vergonha, raiva, confusão e desorganização da identidade.1414. Guimarães, R, Ferraz, AF. A interface aids, estigma e identidade - algumas considerações: Revista Mineira de Enfermagem [Internet]. 2002. [Acesso em 2012 out 28]; 6(2):77-85. Disponível em URL: http://www.enf.ufmg.br/site_novo/modules/mastop_publish/?tac=Vol._6_n%BA_1%2F2_jan_.%2Fdez._2002
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,1515. Casaes, NRR. Suporte social e vivência de estigma: um estudo entre pessoas com HIV/AIDS. [dissertação de mestrado] [internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas; 2007 [Acesso em 2012 fev 28]; Disponível em: http://www.pospsi.ufba.br

Em relação à infecção por HIV, o indivíduo soropositivo pode ser incluído no estereótipo do "aidético" e passa a ser percebido como alguém que pertence aos erroneamente denominados grupos de risco,1414. Guimarães, R, Ferraz, AF. A interface aids, estigma e identidade - algumas considerações: Revista Mineira de Enfermagem [Internet]. 2002. [Acesso em 2012 out 28]; 6(2):77-85. Disponível em URL: http://www.enf.ufmg.br/site_novo/modules/mastop_publish/?tac=Vol._6_n%BA_1%2F2_jan_.%2Fdez._2002
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,1515. Casaes, NRR. Suporte social e vivência de estigma: um estudo entre pessoas com HIV/AIDS. [dissertação de mestrado] [internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas; 2007 [Acesso em 2012 fev 28]; Disponível em: http://www.pospsi.ufba.br carregando todo o peso moral dessa classificação. Além disso, a realidade de ser idoso e viver com o HIV/aids se coloca como uma realidade muitas vezes surpreendente, impensada e de difícil aceitação, uma vez que contraria os estereótipos especificamente vinculados aos idosos, principalmente relacionados às concepções de assexualidade nesse momento da vida.

Em relação às especificidades da atuação dos profissionais de saúde que se deparam com a realidade dos pacientes que vivem com HIV/aids, a literatura aponta que estes têm que lidar com questões como: medo; insegurança em ter que lidar com uma notícia geradora de sofrimento e sem reversibilidade; estigmas e preconceitos relacionados ao HIV/aids que atrelam a doença à drogadição e hábitos sexuais socialmente questionáveis; questões vinculadas ao sofrimento e geradas pela exclusão social da pessoa atendida e as angústias associadas à finitude da vida.1616. Fonseca, JFAMF da; Figueiredo, MA de C. Vivência profissional: subsídios à atuação em HIV/Aids: Revista Paidéia [Internet]. 2009. [Acesso em 2012 jun 13]; 19(42): 67-76. Disponível em URL: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X2009000100009
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,1717. Shimma E, Nogueira-Martins MCF, Nogueira-Martins LA. The experience of infectologists faced with death and dying among their patients over the course of the AIDS epidemic in the city of São Paulo: qualitative study. São Paulo Medical Journal [Internet]. 2010. [Acesso em 2011 mar 03]; 128(2): 74-80. Disponível em URL: http://www.scielo.br/pdf/spmj/v128n2/a06v1282.pdf
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Essa realidade desafia o profissional de saúde cotidianamente a empreender críticas e reflexões acerca de suas práticas. Neste sentido, esta investigação poderá auxiliar no dimensionamento da complexidade do trabalho em saúde e nos diferentes aspectos que impactam o cotidiano desses profissionais, inclusive na relação entre as práticas de saúde e os estereótipos sobre a doença e a sexualidade das pessoas idosas que vivem com HIV/aids. Ressalta-se ainda a importância de que tais aspectos sejam considerados, tanto para o planejamento das políticas públicas voltadas para a promoção da saúde da pessoa idosa, quanto para as políticas e estratégias de formação e educação permanente em saúde.1818. Ceccim, RB; Carvalho, Y. Formação e Educação em Saúde: aprendizados com a Saúde Coletiva. In: Akerman, M, organizador. Tratado de Saúde Coletiva. 2 ed. São Paulo: Hucitec; 2012. p. 149-182.,1919. Monteiro S, Villela WV. Organizadoras. Estigma e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/FAPERJ; 2013.

Neste sentido, esta pesquisa buscou, de forma geral, analisar a atuação de profissionais de saúde com idosos HIV positivos em um serviço público de saúde. De forma específica, buscou-se identificar a percepção de tais profissionais acerca dos impactos desse diagnóstico; as especificidades dessa atuação, suas dificuldades e desafios.

MÉTODO

Admitindo-se a complexidade, especificidades e a abrangência multidisciplinar do campo da Saúde, este estudo caracteriza-se como uma pesquisa qualitativa, de caráter exploratório.2020. Minayo, MCS. O desafio do conhecimento: pesquisa qualitativa em saúde.12.ed. São Paulo: Hucitec; 2010. Foram considerados todos os profissionais de saúde diretamente envolvidos no atendimento de pacientes idosos acompanhados em um serviço público de assistência especializada em IST (Infecções Sexualmente Transmissíveis) e aids em um município de porte médio do estado de Minas Gerais, sendo este, referência para os 55 municípios de sua região. De acordo com os registros do DATASUS, o serviço acompanhava 726 pacientes com HIV/aids no ano de 2012, sendo que 40 pacientes tinham idade acima de 60 anos, o que corresponde a 8,26% dos pacientes atendidos pelo serviço.2121. Banco de Dados do Serviço de Assistência Especializada, SAE [Internet]. Divinópolis-MG: Prefeitura Municipal de Divinópolis: 2012. [Acesso em 2013 out 04]. Disponível em URL: http://www.divinopolis.mg.gov.br/portal/noticia.php?id=10238
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Esta pesquisa considerou o universo dos profissionais que compõem o SAE - Serviço de Assistência Especializada do município, uma vez que todos foram convidados a participar da pesquisa e aceitaram o convite. Foram conduzidas entrevistas semiestruturadas com todos os nove profissionais de saúde que nele atuam, sendo, três homens e seis mulheres, distribuídos nas áreas de medicina, enfermagem, farmácia, psicologia e assistência social; sete deles ocupam cargo de nível superior e dois ocupam cargo de nível médio. No período de fevereiro a outubro de 2012, foram realizadas entrevistas individuais semiestruturadas, as quais foram gravadas, transcritas e submetidas à análise de conteúdo, seguindo-se o referencial de análise temática ou categorial definido por Bardin.2222. Bardin L. Análise de conteúdo. Lisboa: Edições 70; 2010. Na análise, os conteúdos foram agrupados considerando-se sua ocorrência no conjunto de falas dos entrevistados e a proximidade temática dos núcleos de sentido que emergiram das mesmas. Os conteúdos das falas analisadas foram organizados em 3 categorias: 1) a percepção dos profissionais de saúde sobre os impactos do diagnóstico de HIV/aids no idoso; 2) o atendimento a pacientes idosos soroconvertidos; 3) dificuldades dos profissionais no cotidiano de trabalho. Foi adotado como principal referencial teórico de análise as discussões de Goffman sobre o processo de estigmatização e seus impactos para a identidade e socialização dos indivíduos, bem como as discussões que consideram esse referencial para analisar os impactos da epidemia de HIV/aids.1313. Goffman E. Estigma - Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. 4 ed. Rio de Janeiro: LTC Editora; 1988.

14. Guimarães, R, Ferraz, AF. A interface aids, estigma e identidade - algumas considerações: Revista Mineira de Enfermagem [Internet]. 2002. [Acesso em 2012 out 28]; 6(2):77-85. Disponível em URL: http://www.enf.ufmg.br/site_novo/modules/mastop_publish/?tac=Vol._6_n%BA_1%2F2_jan_.%2Fdez._2002
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-1515. Casaes, NRR. Suporte social e vivência de estigma: um estudo entre pessoas com HIV/AIDS. [dissertação de mestrado] [internet]. Salvador: Universidade Federal da Bahia, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas; 2007 [Acesso em 2012 fev 28]; Disponível em: http://www.pospsi.ufba.br,1919. Monteiro S, Villela WV. Organizadoras. Estigma e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/FAPERJ; 2013.

O projeto foi aprovado mediante parecer do Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São João Del Rei, Campus Centro-Oeste (CEP-UFSJCCO, nº 006/2011). Foram resguardadas todas as questões éticas e os profissionais de saúde entrevistados manifestaram formalmente sua concordância mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

RESULTADO E DISCUSSÃO

Antes de apresentar e discutir cada uma das categorias de análise, é importante ressaltar que a temática do estigma e do preconceito perpassa todas elas. Essa temática está presente na perspectiva dos estereótipos socialmente construídos em relação à doença e à sexualidade dos idosos, na perspectiva do preconceito dos próprios idosos consigo mesmos e com sua nova condição de saúde e na perspectiva dos estigmas e preconceitos dos próprios profissionais de saúde em relação à realidade do HIV/aids e da sexualidade da pessoa idosa. Neste sentido, é possível afirmar que o entrelaçamento entre envelhecimento e HIV/aids apresenta-se como uma categoria que demonstra seu potencial estigmatizante em duas vertentes que se associam: pelos atributos que produzem efeito de descrédito no sujeito e que são ligados à doença1919. Monteiro S, Villela WV. Organizadoras. Estigma e saúde. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz/FAPERJ; 2013.,2323. Parker R, Aggleton P. Estigma, discriminação e AIDS. Coleção ABIA: Cidadania e direitos 2001; 1: 9-17.,2424. Camargo BV, Barbará A, Bertoldo RB. Concepção pragmática e científica dos adolescentes sobre a AIDS: Psicologia em Estudo [Internet]. 2007. [Acesso em 2010 nov 27]; 12(2):277-84. Disponível em URL: http://www.scielo.br/pdf/pe/v12n2/v12n2a08
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e pelas incongruências que o diagnóstico de HIV/aids apresenta em relação ao estereótipo que se tem da pessoa idosa, especialmente como aquela vivendo em um momento assexuado da vida.77. Risman, A. Sexualidade e terceira idade: uma visão histórico-cultural: Textos Envelhecimento [Internet]. 2005. [Acesso em 2010 set 27]; 8(1): 89-115. Disponível em URL: http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S151759282005000100006&lng=pt&nrm=iso
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,88. Almeida, T, Lourenço, ML. Reflexões: conceitos, estereótipos e mitos acerca da velhice: Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano [Internet]. 2009 [Acesso em 2010 set 26]; 6(2): Disponível em URL: http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232007000100008&lng=pt&nrm=iso
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Os resultados e discussões apresentados a seguir seguem as categorias de análise anteriormente mencionadas e em cada uma delas são discutidas as especificidades da questão do estigma e preconceitos vinculados à realidade do envelhecimento associado ao diagnóstico de HIV/aids.

A percepção dos profissionais de saúde sobre os impactos do diagnóstico de HIV/aids no idoso

Nesta categoria são apresentadas e discutidas as percepções dos profissionais de saúde sobre os impactos do diagnóstico de HIV/aids para o idoso; incluindo-se as subcategorias: 1) mudanças nas relações afetivas com familiares, amigos e companheiros; 2) mudanças no convívio social e nas práticas sexuais; 3) o preconceito e suas implicações no tratamento.

De forma geral, todos os profissionais de saúde entrevistados declaram perceber algum tipo de impacto em relação ao diagnóstico de HIV/aids para os idosos com os quais mantêm contato no serviço de saúde. Os impactos mais frequentemente mencionados pelos profissionais de saúde estão vinculados à tristeza; negação do diagnóstico; solidão; isolamento social; afastamento de pessoas, grupos e atividades cotidianas; surpresa, vergonha e constrangimento por ter adquirido o vírus nessa faixa etária; incredulidade em relação ao diagnóstico e a ansiedade em relação ao possível preconceito a ser enfrentado caso as pessoas saibam de sua condição de soroconvertidos.

Destaca-se que, entre os profissionais de saúde envolvidos no cuidado ao paciente idoso com HIV/aids, os profissionais de medicina, enfermagem, serviço social e psicologia chamam mais a atenção para o impacto do anúncio do diagnóstico ao paciente e a necessidade de um suporte multiprofissional para apoiá-lo, o que pode ser identificado pelas falas a seguir:

"Primeira coisa tristeza, né. Têm muitos que choram, muitos são introspectivos, às vezes a gente tem que é (...)interromper a consulta, pedir um suporte ao profissional de psicologia e depois de alguns momentos retomar a consulta. Então a tristeza. Outra coisa, surpresa. Ele se surpreende, porque ele não espera o resultado positivo nunca". Med. 2

"E elas se sentem, assim, tipo valendo nada, tipo assim, um trapo. Elas sentem que o mundo acabou, diz que elas não vão viver". Serv. Social

Neste sentido, se afastam de amigos, vizinhos e colegas de trabalho com o objetivo de manter o sigilo sobre sua condição de saúde, uma vez que têm muito medo de sofrer discriminação e preconceitos.

Explicam que a família dos pacientes, muitas vezes, não aceita o fato do idoso ter uma vida sexual ativa, o que é revelado com o diagnóstico de HIV/aids. Muitos familiares inclusive se surpreendem ou duvidam do diagnóstico por imaginarem que seria impossível a transmissão do vírus por via sexual nessa faixa etária.

Com exceção de um dos profissionais de saúde que relata manter um contato bastante restrito e puramente técnico com os pacientes, sem desenvolver com eles maior vínculo, os demais percebem um conjunto de prejuízos na vida social dos idosos soropositivos, tais como isolamento, afastamento das atividades laborativas, religiosas e de lazer. Avaliam que todos estão prioritariamente vinculados ao medo de sofrer preconceito e discriminação. Percebem, para muitos idosos, um impacto financeiro relacionado aos gastos com transporte ao serviço de saúde ou pela tentativa de melhoria da alimentação. Esses impactos podem ser exemplificados pelas falas a seguir:

"Muitos não revelam isso pro convívio social. E alguns colocam para nós que isso até tem afastado do convívio social. Que é uma preocupação que a gente tem. Porque, às vezes, eles colocam "Olha eu frequentava é (...) a igreja é (...), o forró no final de semana, eu não vou mais ao forró." "Mas por que você não vai?", "É que eu fico preocupado de surgir algum comentário, e algum amigo descobrir o que eu tenho". Med. 2

Neste sentido, vale destacar ainda a percepção de um profissional da Psicologia que analisa que os idosos com diagnóstico de HIV/aids sentem que estão sendo julgadas pelo olhar do outro, mesmo quando o outro não tem conhecimento do diagnóstico:

"Normalmente a tendência é afastar um pouco, né, de atividades, se tiver, esportiva, atividade social. Tem alguns que assim, na atividade social, eles acham que só porque ela tem ou ele tem, só das pessoas olharem vão saber que ela tem ou que ele tem. Lógico, deve estar envolvido aí a questão pessoal deles mesmos, de como eles se veem agora com o HIV. Porque do mesmo modo que a gente fala do preconceito que a sociedade tem com o paciente, o paciente também tem um preconceito dele com ele mesmo. É como se fosse assim uma coisa quase que mágica, né. No sentido que agora eles vão saber que "eu tenho vida sexual, às vezes além, eles vão achar que eu tenho vida promíscua". Psi. 1

O profissional que relata manter um contato mais restrito com os pacientes afirma não perceber mudanças na vida social dos idosos, por acreditar que eles estão em uma fase "estagnada" da vida, por serem aposentados e terem pouca atividade física. Tal perspectiva de análise demonstra, por parte desse profissional de saúde, uma visão estereotipada e generalizada a respeito do que representa ser idoso e da própria velhice, vinculadas à inatividade e à decadência.55. Garcia GS, Lima LF, Silva JB, Andrade LDF, Abrão FMS. Vulnerabilidade dos idosos frente ao HIV/aids: tendências da produção científica atual no Brasil. DST - J Bras Doenças Sex Transm. [Internet]. 2012 [Acesso em 2014 out 15], 24(3):183-188; Disponível em URL: http://www.dst.uff.br/revista24-3-2012/7-Vulnerabilidade_idosos_aids.pdf
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,88. Almeida, T, Lourenço, ML. Reflexões: conceitos, estereótipos e mitos acerca da velhice: Revista Brasileira de Ciências do Envelhecimento Humano [Internet]. 2009 [Acesso em 2010 set 26]; 6(2): Disponível em URL: http://revista.unati.uerj.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1809-98232007000100008&lng=pt&nrm=iso
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Dentre os nove profissionais do serviço entrevistados, oito percebem prejuízos à sexualidade e práticas sexuais nos idosos após o diagnóstico de HIV/aids, principalmente expressos pela interrupção ou desaceleração destas. Observam que as maiores dificuldades estão vinculadas ao uso de preservativos, medo de contaminar alguém e medo de que os novos parceiros se assustem com sua condição de soroconvertidos. Alguns avaliam que para os homens o diagnóstico leva a uma desaceleração da vida sexual e para as mulheres, representa o fim dessas práticas.

As mudanças percebidas pelos profissionais entrevistados na vida social, sexualidade e práticas sexuais dos idosos soroconvertidos, podem ser exemplificadas na fala a seguir:

"Eu já tive assim oportunidade, quando eu tô fazendo orientação, é, de conversar e isso ficou claro num senhor que ele hoje prefere ficar em casa. E ele é só... e ele num sei se ele é separado, ele não tem companheira. Então ele fala que a vida dele é muito triste, porque nessa fase da vida dele como é que ele vai arrumar uma outra pessoa, tendo ele este diagnóstico? Então ele fala que ele prefere ficar em casa assistindo televisão e que... Ele falou assim: "como que eu vou ficar sozinho em casa sem tomar uma cervejinha, sem fumar? É o que me restou, não restou mais nada" Então, é difícil a gente cobrar isso deles, né? Porque eles se sentem sozinhos". Farm. 1

Destaca-se que um profissional relata não perceber mudanças nas práticas sexuais dos idosos soroconvertidos, uma vez que não aborda tais questões com os mesmos, apesar de ser responsável também pela orientação quanto ao uso do preservativo. Além disso, outros dois profissionais mencionam que não tocam diretamente nesse assunto com idosos, por acharem esse tema de difícil abordagem ou por acharem que não é relevante para sua atuação profissional. Mencionam ainda que essa temática, quando aparece, é por iniciativa do idoso.

Apesar de diferentes graus de envolvimento dos profissionais de saúde com os idosos atendidos pelo serviço de saúde, todos os profissionais entrevistados declaram perceber que os pacientes sofrem discriminação por sua condição de soroconvertidos e que fazem o possível para que ninguém conheça seu diagnóstico devido ao medo de sofrer preconceito. Enfatizam ainda que os preconceitos em relação ao HIV/aids ocorrem por parte do próprio paciente, de outras pessoas do convívio social, mas, muitas vezes, dentro da própria família, como se pode exemplificar com o relato a seguir:

"Olha no inicio, quando o paciente chega, é muito importante, fazer o acolhimento da família também, porque às vezes o preconceito vai começar em casa mesmo, né, por ignorância, né porque as pessoas são preconceituosas mesmo. Não é a questão da idade, às vezes os filhos são muito mais esclarecidos, muito mais jovens e são mais preconceituosos ainda. E, então, é, esse trabalho de orientar, né. Eles pensam que tem que separar as coisas do paciente em casa, né, isso é muito comum essa pergunta, muito! Aí separam roupa de cama, talheres, sabonete, num quer deixar o paciente usar o...muda a rotina da pessoa dentro de casa, né, e aí a gente tem que fazer um trabalho assim de esclarecimento continuo "não é assim que se passa o vírus", né, pra que ele sofra menos, porque se começa na família é pior ainda né?! Então esse preconceito ele ainda é muito comum, muito frequente, eles sofrem muito com isso, né". Psi. 2

Destacam-se as observações feitas pelos profissionais das áreas de enfermagem, medicina e psicologia a respeito da associação entre o diagnóstico, os preconceitos vinculados à doença, os prejuízos ao tratamento e a intensificação do sofrimento. O tratamento, como enfrentamento da doença, também implica sua afirmação e pode gerar tanto a rememoração dos preconceitos sofridos como também levar a situações que dificultam a ocultação do diagnóstico, como a guarda e o manuseio dos medicamentos. Essas questões são bastante interligadas e discutidas por esses profissionais e podem se repercutir na adesão ao tratamento, como exemplificado na fala a seguir:

"Com essa minha experiência eu acho que uma das grandes dificuldades é o preconceito. Porque o tratamento em si tem dado resultado, o tratamento tem mostrado que ele é efetivo quando o paciente assume, né, que tem o HIV, e assume o tratamento, independente se ele tá na hora ou não de tomar o medicamento. Mas, o que acontece: às vezes, pelo próprio preconceito, tanto social, as pessoas criam situações de evitação e, às vezes, estar num tratamento faz com que isso venha à tona. Esse sentimento de ser rejeitado, isso vem à tona. Então às vezes, é preferível não vir [ao serviço de saúde], talvez magicamente eu consiga ignorar esse preconceito, e aí eu não vou sentir esse preconceito, eu não vou me sentir incomodado com isso, então é preferível não tratar ou coisa assim. Tem esse aspecto. Então o preconceito é um dificultador muito grande para o tratamento em si. Porque as pessoas se escondem, e se escondem fatalmente deixarão de vir ao tratamento porque o tratamento é uma situação de elas terem que fazer o enfrentamento. Aí vem essa questão do preconceito deles com eles mesmos, também. Então, quer dizer, lógico que está aí essa questão de assumir a postura, admitir e, ao admitir, então eu me responsabilizar pelo tratamento. E o preconceito, acho que ele atrapalha um pouco esse processo, né, de fluir mais". Psi. 1

Estudos apontam que os soroconvertidos vivenciam depressão, culpa, vergonha, raiva, medo, rejeição, isolamento, diminuição drástica dos intercursos sexuais ou até mesmo a ausência destes.2525. Freitas, MRI, Gir E, Rodrigues ARF. Compreendendo a sexualidade de indivíduos portadores de HIV-1: Revista da Escola de Enfermagem USP [Internet]. 2000. [Acesso em 2010 nov 27]; 3(3): 258-263. Disponível em URL: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v34n3/v34n3a06
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Esses aspectos abordados, tanto na literatura científica, quanto nas reflexões expressas pelos profissionais, ajudam a pensar a complexidade da promoção da saúde, as especificidades do trabalho em saúde e os atuais desafios que se colocam àqueles que atuam junto a pessoas vivendo com HIV.

Esses aspectos estão intimamente associados aos processos de estigmatização, aos estereótipos sociais, preconceitos e suas repercussões para a saúde dos indivíduos. O processo de estigmatização se reflete tanto na maneira como o sujeito se percebe, quanto no conjunto das relações interpessoais que estabelece. Para as pessoas que vivem em condição estigmatizante, o contato com as pessoas que transitam nos territórios de normalidade tem o potencial de gerar muitas dificuldades e por isso o esforço para evitar contatos e manter a condição estigmatizante em segredo.1414. Guimarães, R, Ferraz, AF. A interface aids, estigma e identidade - algumas considerações: Revista Mineira de Enfermagem [Internet]. 2002. [Acesso em 2012 out 28]; 6(2):77-85. Disponível em URL: http://www.enf.ufmg.br/site_novo/modules/mastop_publish/?tac=Vol._6_n%BA_1%2F2_jan_.%2Fdez._2002
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A partir disso é possível depreender que a compreensão desse processo de estigmatização e suas repercussões torna-se fundamental para o adequado manejo dos idosos HIV positivos e de suas famílias.

O atendimento a pacientes idosos soroconvertidos

Nessa categoria são apresentadas as percepções dos profissionais de saúde em relação ao atendimento de idosos com HIV/aids, suas primeiras experiências com esses pacientes; especificidades no atendimento aos idosos HIV positivo e os desafios no atendimento dos mesmos.

Cinco profissionais de saúde, responderam que quando começaram a atuar no serviço de referência para atendimento de IST/aids já esperavam receber pacientes idosos, visto que acreditam que a transmissão do vírus poderia acontecer em várias situações e que as práticas sexuais fazem parte da vida de pessoas idosas. Outros quatro profissionais do serviço, tanto aqueles de grau de escolaridade de nível médio quanto de nível superior, revelaram que não esperavam receber idosos no serviço, seja porque não esperavam que os idosos fossem tão ativos sexualmente ou porque associavam o HIV/aids com os antigos "grupos de risco", que não incluíam os idosos. No entanto, ao relatarem suas primeiras experiências com idosos HIV positivo, seis profissionais de saúde, tanto de escolaridade de nível médio ou de nível superior e incluindo alguns daqueles que haviam mencionado que esperavam receber pacientes idosos com HIV/aids, relataram surpresa e dificuldade em acreditar no diagnóstico de HIV/aids em pessoas idosas, por causa dos próprios preconceitos, referências culturais particulares e ideias vinculadas aos grupos de risco. Essas diferentes reações são exemplificadas pelas falas seguir:

"Eu esperava sim, [receber pacientes idosos HIV positivos] porque no meu conceito eu acredito que a sexualidade ela não acaba porque você é idoso, ela não tem data pra começar e não tem data pra terminar. Melhorou um tanto de coisa, né, pro idoso. Tem a questão do Viagra, tem a questão da informação, a melhoria da qualidade de vida, tudo isso favorece um prolongamento da sexualidade. E se nós fizermos uma revisão dos nossos antepassados eles tinham sexualidade, né, com oitenta, com setenta". Enf. 1

"Mas quando eu comecei a atender pessoas assim de 70, 80 anos eu me assustei um pouco, né? Eu não sabia que... que nível de atividade sexual essas pessoas, né, que... que esses encontros de terceira idade, né, geravam tantos contatos. Eles são sexualmente ativos e muitos, promíscuos. A promiscuidade também está nessa idade, né. Então esses grupos de encontros, esses bailes de terceira idade, né, as relações sexuais ocorrem com uma frequência, né, significativa. Então, assim, é... eu não tinha a percepção do nível de atividade sexual de pessoas dessa idade". Med. 1

"Eu mudei muito a minha visão de ver o ser humano depois que eu vim pra cá, porque, é... é preconceito, mas a gente tinha uma imagem, né, entre aspas, de quem seria portador. Então, fiquei muito surpresa de ver pessoas, de índole né, que você considera que isso... jamais vai pensar que essa pessoa possa ser portador. Hoje em dia, eu falo muito isso pros meus filhos, a aparência não significa mais nada. Mais nada. Você achava que o portador do vírus ele taria já doente, seria aquela pessoa debilitada, é... ou seria homossexual ou trans...é... travesti, né? Você tinha aquele conceito antigo de que só aquele que tinha relação com o mesmo sexo é que corria o risco de pegar o vírus. Pois tá enganada, já, agora, igual tô te falando, aqui eu vi senhoras casadas que ficaram viúvas, mulheres jovens casadas que o marido é caminhoneiro, é... já vi jovem, moças bonitas que são portadoras do vírus, não quer dizer que já tenham aids, são só portadoras do vírus. E se ocê passar por elas na rua, cê jamais, nunca você vai imaginar que aquela pessoa tem um vírus que é contagioso, que pode contaminar milhares de pessoas, né". Enf. 2

Dois profissionais entrevistados disseram não se lembrar dessas primeiras experiências e se recusaram a abordar essa discussão. Cabe ressaltar que as falas apresentadas demonstram o quanto os estereótipos e preconceitos podem estar arraigados na percepção de profissionais de saúde em relação à sexualidade de pessoas idosas, atrelando-a inclusive a comportamentos promíscuos de forma muito abrangente, o que efetivamente não encontra confirmação na história de contaminação de pacientes idosos que frequentam o serviço de saúde pesquisado. Talvez a recusa dos profissionais em falar sobre esse assunto, esteja inclusive vinculada ao constrangimento de expor seus próprios preconceitos.

A partir de suas experiências, os profissionais analisam diferentes especificidades no atendimento ao idoso: 1) a necessidade do profissional de saúde ser mais atencioso com o idoso, tanto pela identificação que fazem do idoso com a figura do avô, quanto pela maior vulnerabilidade deste; 2) a necessidade de estar mais atento às dificuldades vinculadas à idade, tais como as dificuldades de enxergar, ouvir e compreender esquemas complexos de medicação; 3) a necessidade de usar uma linguagem mais simples, adequada e não técnica, devido ao baixo grau de escolaridade ou analfabetismo comum nessa população atendida pelo serviço; 4) a necessidade de ter mais habilidade para conversar com idosos sobre prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e práticas sexuais, seja pelas dificuldades dos próprios idosos ou dos profissionais de saúde com o tema; 5) as habilidades técnicas requeridas dos profissionais, pelo fato de o manejo do HIV/aids ser mais difícil nessa população em função das comorbidades e intercorrências médicas nessa idade.

Convergentes com as especificidades citadas, os desafios apontados pelos profissionais de saúde no atendimento a idosos HIV positivo são: 1) do ponto de vista da organização do trabalho em saúde, os profissionais mencionam que a sobrecarga de trabalho gera falta de tempo para que o atendimento seja mais apropriado para o idoso com suas especificidades; 2) do ponto de vista da educação em saúde e das ações de prevenção, enfatizam a necessidade de buscar uma maior adesão dos idosos ao uso de preservativos e ao esquema medicamentoso; 3) desenvolver estratégias para lidar de forma adequada com as dificuldades em abordar as questões vinculadas às práticas sexuais, seja pela falta de abertura para esse tipo de diálogo; seja pelo grau de desinformação sobre o tema e também pelas dificuldades dos próprios profissionais em abordar esse assunto com os pacientes idosos 4) ter mais paciência com os idosos para prestar esclarecimentos a respeito do diagnóstico, tratamento e prevenção, considerando-se tanto as limitações de escolaridade da população atendida, quanto as possibilidades de que o HIV já possam ter acelerado distúrbios neuropsíquicos; 5) do ponto de vista da formação dos profissionais de saúde, a necessidade de promover constante atualização a respeito do manejo técnico do HIV/aids e suas comorbidades no envelhecimento.

Nas falas de todos os profissionais de saúde entrevistados, em maior ou menor grau de profundidade, é possível constatar a percepção da presença cotidiana dos estereótipos, dos estigmas e preconceitos em relação ao HIV/aids na realidade dos idosos e o impacto desses nos processos de saúde-adoecimento. No entanto, a percepção do impacto desses estereótipos, estigmas e preconceitos nas próprias reações dos profissionais diante do diagnóstico do idoso com HIV/aids, bem como o impacto dessas questões na prática profissional varia.

Essa variação parece não estar vinculada ao grau de escolaridade ou área de formação e sim ao tipo de vínculo estabelecido com o paciente; ao interesse e entendimento do profissional por uma abordagem mais ampliada da saúde e por suas oportunidades concretas em analisar e avaliar criticamente sua prática profissional em relação aos preconceitos que fazem parte da sociedade e que por isso, são também formadores de subjetividade. Neste sentido, considerando a formação profissional, as ações de educação permanente e as práticas de promoção de saúde, cabe destacar a importância de incluir a temática dos estereótipos, estigmas e preconceitos em sua relação com os processos de saúde-adoecimento. Além disso, é fundamental uma formação em saúde mais voltada para a reflexão e crítica acerca das práticas cotidianas em saúde.2525. Freitas, MRI, Gir E, Rodrigues ARF. Compreendendo a sexualidade de indivíduos portadores de HIV-1: Revista da Escola de Enfermagem USP [Internet]. 2000. [Acesso em 2010 nov 27]; 3(3): 258-263. Disponível em URL: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v34n3/v34n3a06
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Vale destacar que pesquisas apontam que tanto nas campanhas organizadas pelo poder público, quanto entre os profissionais de saúde estão presentes, em maior ou menor grau, as ideias de que somente algumas pessoas usam drogas, fazem sexo e têm práticas sexuais que os expõem ao risco de contrair IST/aids e os idosos não estariam incluídos entre essas pessoas. Tal perspectiva influencia na solicitação de teste para o HIV, o que demonstra a dificuldade dos profissionais em abordar as questões vinculadas à sexualidade, sua adesão aos estereótipos e estigmas sociais e a repercussão nas possibilidades de tratamento, prevenção e promoção de saúde.2525. Freitas, MRI, Gir E, Rodrigues ARF. Compreendendo a sexualidade de indivíduos portadores de HIV-1: Revista da Escola de Enfermagem USP [Internet]. 2000. [Acesso em 2010 nov 27]; 3(3): 258-263. Disponível em URL: http://www.scielo.br/pdf/reeusp/v34n3/v34n3a06
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Dificuldades dos profissionais no cotidiano de trabalho

Nessa categoria são apresentadas as percepções dos profissionais de saúde em relação às dificuldades pessoais e profissionais de seu cotidiano de trabalho no serviço público de saúde e no atendimento aos idosos soroconvertidos.

À exceção de dois profissionais de saúde, um de nível médio e um de nível superior, os demais enfatizam que a principal dificuldade enfrentada em seu cotidiano de trabalho está na sobrecarga do serviço de saúde devido ao número insuficiente de profissionais para dar conta da demanda e também a sobrecarga psíquica do trabalho. Três profissionais das áreas de medicina e psicologia dão ênfase à questão da sobrecarga psíquica da realidade de atendimento aos idosos com HIV/aids devido ao fato de entrarem em contato cotidianamente com histórias pesadas, vidas sofridas, pessoas estigmatizadas e que convivem com o preconceito e discriminação. Afirmam ainda que outro elemento ligado à sobrecarga psíquica do trabalho está ligado às dificuldades em abordar a questão da sexualidade e das práticas sexuais com pacientes idosos, como pode ser exemplificado pela fala a seguir.

"O paciente com HIV ele é um paciente que necessita de uma energia nossa muito grande. Então se a gente não tiver muito bem equilibrado psicologicamente, não tiver um conhecimento pessoal muito grande, a energia entra como uma radiação imperceptível e vai destruindo a gente por dentro, entendeu? Também as histórias são muito pesadas, as histórias são muito tristes, né. Muitas vezes nós somos dentro de poucas pessoas em quem eles têm confiança pra poder dizer algumas coisas. Então, assim, a saúde mental dos trabalhadores que lidam com os pacientes com aids realmente é uma saúde mental que precisa de ter muito cuidado, entendeu?" Med. 1

A atuação dos profissionais de saúde no atendimento a pacientes que vivem com HIV/aids deve se estruturar considerando a necessidade de oferecer suporte e isso engloba a solidariedade, a educação em saúde e a transmissão de informações que evitem a discriminação. Somam-se a essas questões os sentimentos de impotência, frustração, incompetência e fragilidade que surgem dessa realidade profissional e a necessidade do profissional trabalhar os seus próprios tabus e preconceitos para que possa ajudar os pacientes a enfrentarem a situação de crise iniciada com o diagnóstico.1616. Fonseca, JFAMF da; Figueiredo, MA de C. Vivência profissional: subsídios à atuação em HIV/Aids: Revista Paidéia [Internet]. 2009. [Acesso em 2012 jun 13]; 19(42): 67-76. Disponível em URL: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X2009000100009
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,1717. Shimma E, Nogueira-Martins MCF, Nogueira-Martins LA. The experience of infectologists faced with death and dying among their patients over the course of the AIDS epidemic in the city of São Paulo: qualitative study. São Paulo Medical Journal [Internet]. 2010. [Acesso em 2011 mar 03]; 128(2): 74-80. Disponível em URL: http://www.scielo.br/pdf/spmj/v128n2/a06v1282.pdf
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Tais aspectos ajudam na compreensão da dimensão da sobrecarga psíquica mencionada pelos entrevistados desta pesquisa.

Vinculada a essa sobrecarga no trabalho, várias outras dificuldades profissionais foram levantadas pelos sete entrevistados que falaram sobre esse aspecto: 1) necessidade de criar um sistema de encaminhamento para as especialidades do próprio serviço de saúde; 2) os múltiplos vínculos empregatícios de algumas categorias profissionais; 3) dificuldade de fazer a busca ativa de pacientes não aderentes ao atendimento; 4) a necessidade de despir-se de preconceitos a cada dia e fazer um bom atendimento para os usuários; 5) a falta de reuniões semanais da equipe para discussão dos casos e do processo de trabalho; 6) a necessidade de reflexão com os pacientes sobre qualidade de vida e não quantidade de vida.

Como se pode perceber, o conjunto de dificuldades apontadas pelos profissionais de saúde demonstra uma precária organização do serviço, seja pelo número insuficiente de profissionais para atender à demanda, seja pela necessidade de melhorar fluxos e encaminhamento de pacientes, ou pela falta de estratégias de suporte ao profissional e à equipe do serviço de saúde que atende a uma realidade tão complexa.1616. Fonseca, JFAMF da; Figueiredo, MA de C. Vivência profissional: subsídios à atuação em HIV/Aids: Revista Paidéia [Internet]. 2009. [Acesso em 2012 jun 13]; 19(42): 67-76. Disponível em URL: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X2009000100009
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,1717. Shimma E, Nogueira-Martins MCF, Nogueira-Martins LA. The experience of infectologists faced with death and dying among their patients over the course of the AIDS epidemic in the city of São Paulo: qualitative study. São Paulo Medical Journal [Internet]. 2010. [Acesso em 2011 mar 03]; 128(2): 74-80. Disponível em URL: http://www.scielo.br/pdf/spmj/v128n2/a06v1282.pdf
http://www.scielo.br/pdf/spmj/v128n2/a06...
,2929. Garcia GS, Lima LF, Silva JB, Andrade LDF, Abrão FMS. Vulnerabilidade dos idosos frente ao HIV/aids: tendências da produção científica atual no Brasil: DST - Jornal Brasileiro de Doenças Sexualmente Transmissíveis [Internet]. 2012. [Acesso em 2014 mai 11]; 24(3):183-188. Disponível em URL: http://www.dst.uff.br/revista24-3-2012/7-Vulnerabilidade_idosos_aids.pdf
http://www.dst.uff.br/revista24-3-2012/7...
,3030. Santos AFM, Assis M. Vulnerabilidade das idosas ao HIV/AIDS: despertar das políticas públicas e profissionais de saúde no contexto da atenção integral: revisão de literatura: Revista Brasileira de Geriatria e Gerontologia [Internet]. 2011. [Acesso em 2014 jan 21]; vol.14, n.1, pp. 147-157. Disponível em URL: http://revista.unati.uerj.br/pdf/rbgg/v14n1/v14n1a15.pdf
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Além disso, cabe destacar que a aids trouxe inúmeras demandas que extrapolam o modelo biomédico de atuação em saúde, exigindo novos parâmetros para a formação e atuação profissional, pautados não somente no atendimento a demandas técnicas, mas aos aspectos psicossociais e necessidade de organização de um trabalho em equipes multidisciplinares.1616. Fonseca, JFAMF da; Figueiredo, MA de C. Vivência profissional: subsídios à atuação em HIV/Aids: Revista Paidéia [Internet]. 2009. [Acesso em 2012 jun 13]; 19(42): 67-76. Disponível em URL: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0103-863X2009000100009
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,1717. Shimma E, Nogueira-Martins MCF, Nogueira-Martins LA. The experience of infectologists faced with death and dying among their patients over the course of the AIDS epidemic in the city of São Paulo: qualitative study. São Paulo Medical Journal [Internet]. 2010. [Acesso em 2011 mar 03]; 128(2): 74-80. Disponível em URL: http://www.scielo.br/pdf/spmj/v128n2/a06v1282.pdf
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Tratando-se de estudo desenvolvido com grupo restrito de profissionais, os conhecimentos gerados não devem ser generalizados para outros serviços. As pretensões da pesquisa conduzida relacionam-se ao estudo e à elucidação das especificidades da realidade de um serviço especializado em saúde. Sua relevância vincula--se às suas potencialidades em contribuir com o desenvolvimento de outros estudos que levam ao aprofundamento do tema, bem como contribuir para a análise de pontos de convergência e de divergência de outras realidades pesquisadas. Considerando-se ainda as possibilidades dos estudos quantitativos e qualitativos organizarem--se de forma complementar, as análises geradas poderão servir de base para o desenvolvimento de estudos posteriores e que busquem maior abrangência.

CONCLUSÃO

Uma vez que os estereótipos sociais e os preconceitos são elementos da cultura e, portanto, contribuem no processo de formação dos indivíduos e no conjunto de relações sociais, parece fundamental que tais discussões sejam incluídas ao longo do processo de formação em saúde, tanto na graduação quanto nas ações de formação permanente dos profissionais de saúde, com vistas a compreender a importância desses elementos nos processos de saúde e adoecimento e na promoção de saúde. A visão sobre a velhice e o envelhecimento; as temáticas da sexualidade e das práticas sexuais, especialmente em idosos, seguem como desafios para a atuação em saúde e promoção da saúde da pessoa idosa.

Na percepção dos profissionais de saúde, o diagnóstico de HIV nos idosos traz uma desorganização das referências que os sujeitos têm de si, da maneira como organizam suas vidas e suas relações com outras pessoas e a consequente necessidade de reformulação de tais aspectos de suas vidas.

Além disso, percebem que o diagnóstico de HIV em idosos, em seu potencial estigmatizante, está vinculado às experiências de sofrimento do sujeito em relação à visão que tem de si e das formas como será percebido e julgado pelos outros; das possibilidades de tratamento e promoção de saúde.

Ressalta-se ainda que é fundamental para a promoção da saúde da pessoa idosa, não somente os investimentos em formação em saúde, como também na melhoria das condições de trabalho nos serviços públicos de saúde.

Por fim, cabe destacar que, pelas características específicas de pesquisas qualitativas, as análises empreendidas não buscam estabelecer generalizações em relação à complexidade da situação analisada, tampouco a pretensão de esgotar as discussões sobre os temas aqui abordados. Os resultados desta pesquisa podem contribuir na reformulação da organização do processo de trabalho em saúde, das práticas profissionais, sustentar ações de formação permanente, subsidiar políticas públicas sobre a promoção de saúde da pessoa idosa e lançar novos olhares aos problemas enfrentados. Enfatiza-se a necessidade de desdobramentos de estudos que consigam aprofundar na interferência dos estereótipos, estigmas e preconceitos nas práticas em saúde.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2016

Histórico

  • Recebido
    10 Jul 2015
  • Revisado
    22 Nov 2015
  • Aceito
    08 Jul 2016
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