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Redes sociais e qualidade de vida dos idosos: uma revisão e análise crítica da literatura

Resumo

Diversos estudos documentam a importância das redes sociais para a qualidade de vida (QV) na velhice. Este artigo procede a uma revisão e análise crítica da literatura sobre a relação entre as redes sociais dos idosos e a sua QV/bem-estar. Mediante pesquisa em motores de busca interdisciplinares [Web of Knowledge, Scopus, Google Académico, Science Direct e Biblioteca do Conhecimento Online (b-on)], seguida de análise aprofundada dos 37 trabalhos, selecionados tendo em conta o seu conteúdo, o contexto geográfico da pesquisa e a data de publicação, foram observadas algumas tendências. Em primeiro lugar, as redes de amigos contribuem mais do que as redes familiares para a QV/bem-estar dos idosos. Também foi evidenciado o contributo positivo de mais do que um tipo de relação (por exemplo, relações de amizade e, simultaneamente, relações familiares) para a QV/bem-estar das pessoas mais velhas. Por fim, os estudos científicos assinalam o impacto positivo da proximidade emocional na QV/bem-estar. Constatou-se a falta de estudos longitudinais que permitissem observar a causalidade entre as características das redes e a QV/bem-estar. Escasseiam também pesquisas acerca da relação entre redes sociais e QV/bem-estar em idosos que vivem sós. Um aspeto problemático prende-se com o facto de poucos trabalhos apresentarem a definição de QV adotada, assim como a justificação da forma de operacionalização do conceito.

Palavras-chave:
Idoso; Rede Social; Qualidade de Vida; Bem-estar; Revisão.

Abstract

Several studies have documented the importance of social networks for quality of life (QL) in old age. This article presents a review and critical analysis of the literature on the relationship between the social networks of the elderly and their QL/well-being. A survey using interdisciplinary search engines [Web of Knowledge, Scopus, Scholar Google, Science Direct and Online Knowledge Library (b-on)], followed by an in-depth examination of the 37 documents subsequently identified, selected based on content, the geographical context of the study and its publication date, suggested a number of tendencies. In the first place, networks of friends have a greater impact on the QL/well-being of elderly persons than family networks. Secondly, the positive effect of the existence of more than one type of relationship was revealed (such as simultaneous friendships and family relationships). Finally, literature suggests emotional closeness has a positive impact on QL/well-being. The present study exposed the lack of longitudinal studies into the causality between network characteristics and QL/well-being. It also revealed the lack of research on the relationship between social networks and QL/well-being in elderly persons living alone. One problematic aspect relates to the fact that few studies provide a definition of the QL measures they adopt, or the rationale behind the manner of their operationalization of the concept.

Keywords:
Elderly; Social Networking; Quality of Life; Well-Being; Review.

INTRODUÇÃO

As redes sociais são consideradas um importante fator determinante da qualidade de vida (QV) das pessoas idosas, designadamente por lhes permitir lidar com ambientes estressantes ou experiências de vida difíceis11. Bosworth HB, Schaie KW. The relationship of social environment, social networks, and health outcomes in the Seattle Longitudinal Study: Two analytical approaches. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 1997;52(5):197-205.. Podem, por exemplo, possibilitar aos idosos com reduzido rendimento e/ou problemas de saúde, a redução dos potenciais efeitos negativos de tais fatores22. Martin M, Grünendahl M, Martin P. Age differences in stress, social resources, and well-being in middle and older age. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2001;56(4):214-222., promovendo assim a manutenção ou elevação da QV desses indivíduos. No entanto, apesar de a literatura sublinhar sobretudo os efeitos positivos das redes sociais no seu bem-estar33. Bowling A, Gabriel Z, Dykes J, Dowding LM, Evans O, Fleissig A, et al. Let's ask them: a national survey of definitions of quality of life and its enhancement among people aged 65 and over. Int J Aging Hum Dev 2003;56(4):269-306.

4. Cornwell B, Laumann EO, Schumm LP. The social connectedness of older adults: a national profile. Am Sociol Rev 2008;73(2):185-203.
-55. Netuveli G, Wiggins RD, Hildon Z, Montgomery SM, Blane D. Quality of life at older ages: evidence from the English longitudinal study of aging (wave 1). J Epidemiol Community Health 2006;60(4):357-63., estas podem também ter um efeito negativo nos indivíduos66. Krause N. Social Support. In: Binstock RH, George LK, Editores. Handbook of Aging and the Social Sciences. San Diego: Academic Press; 2001. p. 272-94.,77. Wiggins RD, Higgs PFD, Hyde M, Blane DB. Quality of life in the third age: key predictors of the CASP-19 measure. Ageing Soc 2004;24(5):693-708., como sucede, por exemplo, quando há maus-tratos à pessoa idosa por parte de um ou mais elementos da sua rede social.

Esta revisão de literatura insere-se no contexto de uma pesquisa de doutoramento, no âmbito do projeto europeu Survey of Health, Ageing and Retirement in Europe (SHARE), incidindo sobre o impacto das redes sociais na QV de indivíduos de 50 anos de idade e mais em contextos monorresidenciais em Portugal.

Da inserção do presente trabalho no âmbito do SHARE derivam os conceitos utilizados, que são aqueles que constam da base de dados da quarta vaga deste projeto longitudinal, cuja recolha de informação teve lugar em 2010-2011, em 16 países europeus. As características das redes sociais tidas em consideração são a dimensão da rede social (número de indivíduos na rede social); o tipo de relação (relação de amizade, relação familiar, de vizinhança, entre outros tipos de relação); a proximidade geográfica dos elementos da rede social (distância geográfica entre a residência do respondente e a dos membros da sua rede social); a frequência do contacto (frequência do contacto presencial, por telefone ou outra via com elementos da rede social); e a proximidade emocional (nível de proximidade emocional com os membros da rede).

Outro conceito privilegiado neste trabalho é o de QV, que também consta da referida base de dados. No projeto SHARE, a QV é definida pelo grau de satisfação das necessidades nos domínios controlo, autonomia, autorrealização e prazer. Como a QV é uma medida de bem-estar, foram incluídas na presente revisão de literatura outras medidas de bem-estar desde que remetessem para uma ou mais dimensões do conceito de QV.

Este artigo visou proceder a uma revisão e análise crítica da literatura sobre a relação entre as características das redes sociais das pessoas idosas, por um lado, e a sua qualidade de vida ou outros indicadores de bem-estar, por outro, em vários países da Europa e da América do Norte. Visou ainda identificar lacunas ao nível do conhecimento científico acerca dessa temática.

MÉTODO

Procedimento

Para identificar as publicações científicas a incluir nesta revisão e análise foram realizadas pesquisas através de cinco motores de busca, de modo a possibilitar o acesso ao maior número de publicações existentes sobre a relação em análise: Web of Knowledge, Scopus, Google Académico, Science Direct e Biblioteca do Conhecimento Online (b-on). Esses motores de busca foram selecionados por serem interdisciplinares, de forma a cobrir diversas disciplinas que trabalham o envelhecimento e a relação entre as redes sociais e a QV (ou outros indicadores de bem-estar).

As palavras-chave inseridas nos motores de busca, nas línguas inglesa e portuguesa, foram as seguintes: redes sociais; dimensão da rede social; tipo de relação; composição da rede social; proximidade geográfica da rede social; frequência do contacto; proximidade emocional; QV; bem-estar; idosos; velhice. Adicionalmente, foram consultadas as referências bibliográficas de artigos encontrados por essa via, no sentido de selecionar novas referências que permitissem aceder a informação sobre mais pesquisas acerca da relação em estudo.

Os trabalhos incluídos nesta revisão integrativa foram selecionados tendo em conta o seu conteúdo, o contexto geográfico da pesquisa e a data de publicação. Primeiramente, quanto ao conteúdo, cada publicação selecionada para esta revisão de literatura incluiu resultados baseados em dados empíricos acerca da relação de, no mínimo, uma das características da rede social, já enunciadas e a QV ou outros indicadores ou medidas de bem-estar na velhice (tendo em conta o objetivo deste trabalho, não se tem em consideração neste artigo a possível influência de variáveis sociodemográficas). Relativamente ao segundo critério de seleção, dado que a presente revisão de literatura se insere no contexto do projeto europeu SHARE, privilegiou-se o contexto geográfico europeu e, dada a comparabilidade deste projeto com o Health and Retirement Survey (HRS) realizado nos EUA, incluiu-se também estudos realizados na América do Norte. Por último, quanto ao critério respeitante à data de publicação, a pesquisa incidiu sobre trabalhos científicos publicados no período temporal de 1980 a 2014. A distribuição temporal das 37 publicações identificadas em função dos critérios enunciados não é uniforme. Com efeito, 5,4% destas compreendem o período entre 1980 e 1990; 18,9% abrangem o período entre 1991 e 2000; 43,3% compreendem o período entre 2001 e 2010; 32,4% dizem respeito ao período entre 2011 e 2014. A maior proporção de estudos identificados nos anos recentes, ou seja, desde 2001, deriva do facto dos trabalhos científicos sobre as redes sociais, com a identificação das suas características morfológicas, terem sido iniciados apenas na segunda metade do século XX, intensificando-se, a partir desta data, a produção científica sobre essa temática88. Portugal S. Contributos para uma discussão do conceito de rede na teoria sociológica. Oficina CES 2007;271:1-35..

Definindo os conceitos fundamentais

O conceito de rede social surgiu na Sociologia e na Antropologia Social nos anos 30 e 40 do século passado, gozando hoje de uma popularidade crescente99. Mercklé P. Sociologie des réseaux sociaux. Paris: La Découverte; 2004.. Mercklé99. Mercklé P. Sociologie des réseaux sociaux. Paris: La Découverte; 2004. considera que a rede social consiste num conjunto de unidades sociais e de relações entre essas unidades sociais, sejam elas indivíduos ou grupos de indivíduos. O termo rede social a que se recorre neste artigo designa então um conjunto de pessoas ou grupos que se encontram conectados por algum tipo de relação social1010. Matheus RF, Silva ABO. Análise de redes sociais como método para a Ciência da Informação. Rev Ciênc Inf [Internet] 2006 [acesso em 10 set 2012];7(2):72-93. Disponível em: http://www.dgz.org.br/abr06/F_I_art.htm.
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Opõem-se dois modos de abordar a rede social: a abordagem direta e a abordagem indireta. Mediante uma abordagem indireta é o investigador que identifica os elementos que fazem parte da rede social do inquirido, a partir das suas relações sociais. A mera existência de uma relação social autoriza o investigador a considerá-la uma relação significativa. Diferentemente, na abordagem direta das redes sociais, que é a abordagem privilegiada pelo projeto SHARE, é o inquirido que identifica os membros da sua rede social considerados por este como importantes para si.

O conceito de QV é também um conceito fundamental neste trabalho, mas defini-lo não é tarefa fácil. Não existe consenso entre investigadores sobre a definição do conceito e os critérios adequados para o operacionalizar1111. Farquhar M. Definitions of quality of life: a taxonomy. J Adv Nurs 1995;22(3):502-8.,1212. Fayers P, Machin D, editors. Quality of life: the assessment, analysis and interpretation of patient-reported outcomes. Chichester: Wiley; 2007.. A abordagem da Organização Mundial de Saúde (OMS) é uma das mais observadas na literatura, definindo a QV como a perceção do indivíduo acerca da sua posição na vida, no contexto da cultura e sistema de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, padrões, expectativas e preocupações. O instrumento WHOQOL-OLD, para aplicação a idosos, abrange sete domínios da QV: funcionamento sensorial; autonomia; atividades presentes, passadas e futuras; participação social; morte e morrer; intimidade; família1313. THE WHOQOL GROUP. The World Health Organization quality of life assessment (WHOQOL): position paper from the World Health Organization. Soc Sci Med 1995;41(10):1403-9..

A abordagem em termos de necessidades satisfeitas/não satisfeitas nos domínios do controlo, autonomia, autorrealização e prazer tem igualmente sido destacada por trabalhos que elegem os idosos como população-alvo,1414. Hyde M, Wiggins RD, Higgs P, Blane DB. A measure of quality of life in early old age: the theory, development and properties of a needs satisfaction model (CASP-19). Aging Ment Health 2003;7(3):186-94. sendo adotada no projeto SHARE. Nesta abordagem, para avaliar a QV recorre-se à escala Control, Autonomy, Self-Realization, Pleasure (CASP) nas suas versões CASP-12 ou CASP-19. De referir que o controlo consiste na capacidade da pessoa intervir ativamente no seu ambiente; e a autonomia é a capacidade do indivíduo ser livre de uma interferência indesejada por parte de outras pessoas1515. Patrick BC, Skinner EA, Connell JP. What motivates children's behavior and emotion? Joint effects of perceived control and autonomy in the academic domain. J Pers Soc Psychol 1993;65(4):781-91.. Já os domínios autorrealização e prazer visam captar as dimensões mais ativas e reflexivas de ser idoso77. Wiggins RD, Higgs PFD, Hyde M, Blane DB. Quality of life in the third age: key predictors of the CASP-19 measure. Ageing Soc 2004;24(5):693-708..

A diversidade de abordagens da QV não permite chegar a uma definição única e universal do conceito. Dada essa impossibilidade, elege-se a abordagem em termos de necessidades satisfeitas/não satisfeitas como adequada à avaliação da QV de idosos. Essa abordagem apresenta vantagens relativamente a outras. Efetivamente, o instrumento CASP que mede a QV permite um enfoque multidimensional e global, em vez de uma avaliação de apenas um domínio da vida1616. Wiggins RD, Netuveli G, Hyde M, Higgs P, Blane D. The evaluation of a self-enumerated scale of quality of life (CASP-19) in the context of research on ageing: a combination of exploratory and confirmatory approaches. Soc Indic Res 2008;89(1):61-77.; é uma medida validada para a Europa e foi especificamente desenvolvida para aplicação em idosos. É também um instrumento que, diferentemente de outros instrumentos de medida, avalia a QV e não os fatores que a influenciam77. Wiggins RD, Higgs PFD, Hyde M, Blane DB. Quality of life in the third age: key predictors of the CASP-19 measure. Ageing Soc 2004;24(5):693-708.. Além disso, o CASP permite captar as dimensões mais ativas e reflexivas do ser idoso (autorrealização e prazer), dimensões que têm sido ignoradas em muitos estudos77. Wiggins RD, Higgs PFD, Hyde M, Blane DB. Quality of life in the third age: key predictors of the CASP-19 measure. Ageing Soc 2004;24(5):693-708..

Tendo em conta que alguns investigadores sobrepõem parcial ou totalmente o conceito de QV a outros conceitos que remetem para a noção de bem-estar, entendeu-se adequado considerar na presente revisão de literatura outros indicadores de bem-estar, desde que remetessem para alguma das dimensões do conceito de QV. Note-se que o bem-estar em idosos é um estado que pode resultar de uma diversidade de condições, desde a saúde física à perceção subjetiva de QV1717. George LK. Still happy after all these years: research frontiers on subjective well-being in later life. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2010;65(3):331-9..

Os indicadores do nível de bem-estar considerados nesta revisão compreendem o nível de afeto positivo (inclui indicadores positivos, designadamente alegria, bom humor, felicidade, calma) e/ou afeto negativo (inclui sentimentos negativos, sentidos pelos indivíduos, tais como tristeza, nervosismo, agitação)1818. Keyes CLM. The exchange of emotional support with age and its relationship with emotional well-being by age. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2002;57(6):518-25.; o nível de sintomatologia depressiva (inclui sintomas como humor deprimido; sentimentos de culpa, inutilidade, impotência, desesperança; perturbações do sono; e perda de apetite)1919. Radloff LS. The CES-D Scale: a Self-Report Depression Scale for Research in the General Population. Appl Psychol Meas 1977;1(3):385-401.,2020. Underwood M, Lamb SE, Eldridge S, Sheehan B, Slowther AM, Spencer A, et al. Exercise for depression in elderly residents of care homes: a cluster-randomised controlled trial. Lancet 2013;382(9886):41-9.; o nível de autoestima (avaliação cognitiva da própria pessoa, do eu)2121. Pinquart M, Sörensen S. Influences of socioeconomic status, social network, and competence on subjective well-being in later life: A meta-analysis. Psychol Aging 2000;15(2):187-224.; o nível de ansiedade (estado do indivíduo que apresenta uma visão catastrófica dos eventos, acreditando que algo perigoso e ameaçador pode suceder)2222. De Oliveira KL, Dos Santos AAA, Cruvinel M, Néri AL. Relação entre ansiedade, depressão e desesperança entre grupos de idosos. Psicol Est 2006;11(2):351-9.; a saúde física; a QV relacionada com a saúde (perceção da saúde mental e da saúde física, comummente medida por instrumentos de avaliação da qualidade de vida relacionada com a saúde, tais como os instrumentos SF-12 e SF-36); a saúde subjetiva (perceção ou apreciação subjetiva do estado de saúde geral); e o bem-estar geral, avaliado através de técnicas qualitativas de investigação ou escalas de Likert.

Os níveis de afeto (positivo e/ou negativo), sintomatologia depressiva, autoestima e ansiedade remetem para o nível de bem-estar ao nível psicológico, que é importante para a satisfação das necessidades nos domínios prazer e autorrealização da QV; a saúde física permite a satisfação das necessidades da pessoa idosa nos domínios controlo e autonomia; a QV relacionada com a saúde e a saúde subjetiva remetem para o nível de satisfação das necessidades nos domínios controlo, autonomia, prazer e autorrealização. O conceito de bem-estar geral é um conceito abrangente que pode remeter para qualquer dos domínios do conceito de QV (controlo, autonomia, prazer e autorrealização).

Outros indicadores de bem-estar, tais como a satisfação com a vida e a felicidade, foram excluídos por se tratar de conceitos mais subjetivos e sujeitos a flutuações/alterações rápidas, ao contrário dos restantes conceitos considerados, que expressam condições mais constantes dos indivíduos.

RESULTADOS

As 37 publicações incluídas nesta revisão da literatura foram analisadas de acordo com as seguintes categorias: autor(es)/ano; local; metodologia; representatividade da amostra; características da rede social; medida de bem-estar; operacionalização da medida de bem-estar (Quadro 1). São, seguidamente, apresentados cinco resultados, dentre os 37 que compuseram a amostra final, da revisão integrativa realizada acerca da relação entre a rede social das pessoas idosas e a sua QV/bem-estar.

Quadro 1
Grelha de análise com publicações ilustrativas da revisão de literatura. Braga, Portugal, 2015.

A literatura científica sobre o impacto das redes sociais na QV/bem-estar dos idosos

Algumas características específicas da rede social são consideradas nucleares: a dimensão da rede social; o tipo de relação; a frequência do contacto; a proximidade geográfica dos elementos da rede social e a proximidade emocional. Litwin e Stoeckel2323. Litwin H, Stoeckel KJ. Engagement and social capital as elements of active ageing: an analysis of older europeans. Sociol Politiche Sociali 2014;17(3):9-31. construíram mesmo um indicador de rede social baseado nessas características da rede de confidentes (membros da rede social considerados pelo indivíduo/inquirido como importantes para si, falando frequentemente com esses membros sobre assuntos que lhe são importantes, tais como preocupações ou acontecimentos positivos que vivenciou). Uma análise de componentes principais permitiu aos autores proporem um índice que tem em conta essas cinco características.

Note-se que, nem todas as investigações permitem retirar conclusões acerca de relações de causa e efeito, possibilitando apenas verificar se existe “associação” entre determinada/s característica/s da rede social e a QV/bem-estar dos idosos. Apenas três dos estudos analisados são longitudinais2424. Huxhold O, Fiori KL, Windsor TD. The Dynamic Interplay of Social Network Characteristics, Subjective Well-Being, and Health: the costs and benefits of socio-emotional Selectivity. Psychol Aging 2013;28(1):3-16.

25. Webb E, Blane D, Mcmunn A, Netuveli G. Proximal predictors of change in quality of life at older ages. J Epidemiol Community Health 2011;65(6):542-7.
-2626. Zaninotto P, Falaschetti E, Sacker A. Age trajectories of quality of life among older adults: results from the English Longitudinal Study of Ageing. Qual Life Res 2009;18(10):1301-9., sendo as restantes pesquisas transversais, impossibilitando estas últimas o estabelecimento de causalidade entre as redes e a QV/bem-estar dos idosos.

Dimensão da rede social e QV/bem-estar

No que respeita à dimensão da rede social, sabe-se que, com o avançar da idade, as redes sociais dos idosos tendem a ser mais pequenas44. Cornwell B, Laumann EO, Schumm LP. The social connectedness of older adults: a national profile. Am Sociol Rev 2008;73(2):185-203.. Esta redução da dimensão das redes sociais com a idade pode ser explicada pela morte de pessoas próximas, problemas de saúde, saída dos filhos de casa e pela reforma que desenraíza as pessoas idosas das suas redes sociais no trabalho, mas também pela teoria da seletividade socioemocional. Tal teoria postula que as pessoas idosas tornam-se cada vez mais conscientes das limitações de tempo futuro e motivadas a ser mais seletivas na escolha dos parceiros sociais, favorecendo os relacionamentos emocionalmente significativos sobre os mais periféricos2727. Fung HH, Carstensen LL, Lang FR. Age-related patterns in social networks among European Americans and African Americans: implications for socioemotional selectivity across the life span. Int J Aging Hum Dev 2001;52(3):185-206..

A dimensão das redes sociais tem sido, em geral, positivamente associada à QV/bem-estar2121. Pinquart M, Sörensen S. Influences of socioeconomic status, social network, and competence on subjective well-being in later life: A meta-analysis. Psychol Aging 2000;15(2):187-224.,2323. Litwin H, Stoeckel KJ. Engagement and social capital as elements of active ageing: an analysis of older europeans. Sociol Politiche Sociali 2014;17(3):9-31.,2828. Farquhar M. Elderly people's definitions of quality of life. Soc Sci Med 1995;41(10):1439-46.

29. Fiori KL, Smith J, Antonucci TC. Social network types among older adults: a multidimensional approach. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2007;62(6):322-30.
-3030. Hellström Y, Andersson M, Hallberg IR. Quality of life among older people in Sweden receiving help from informal and/or formal helpers at home or in special accommodation. Heal Soc Care Community 2004;12(6):504-16., tanto em países da Europa como na América do Norte. No entanto, algumas investigações, realizadas em países europeus, mostram a inexistência de associação entre a dimensão da rede social e a QV3131. Bowling A, Gabriel Z. Lay theories of quality of life in older age. Ageing Soc 2007;27(6):827-48.,3232. Jakobsson U, Hallberg IR, Westergren A. Overall and health related quality of life among the oldest old in pain. Qual Life Res 2004;13(1):125-36.. De acordo com Bowling e Gabriel3131. Bowling A, Gabriel Z. Lay theories of quality of life in older age. Ageing Soc 2007;27(6):827-48., os indivíduos valorizam mais o apoio social e a proximidade emocional que as relações lhes podem proporcionar do que a dimensão da rede.

Em suma, grande parte da literatura indica que redes maiores estão associadas a maior bem-estar da população idosa2121. Pinquart M, Sörensen S. Influences of socioeconomic status, social network, and competence on subjective well-being in later life: A meta-analysis. Psychol Aging 2000;15(2):187-224.,2323. Litwin H, Stoeckel KJ. Engagement and social capital as elements of active ageing: an analysis of older europeans. Sociol Politiche Sociali 2014;17(3):9-31.,2828. Farquhar M. Elderly people's definitions of quality of life. Soc Sci Med 1995;41(10):1439-46.

29. Fiori KL, Smith J, Antonucci TC. Social network types among older adults: a multidimensional approach. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2007;62(6):322-30.
-3030. Hellström Y, Andersson M, Hallberg IR. Quality of life among older people in Sweden receiving help from informal and/or formal helpers at home or in special accommodation. Heal Soc Care Community 2004;12(6):504-16.. Constatando-se que, tendencialmente, as redes sociais dos idosos são pequenas, esta reduzida dimensão poderá estar associada a uma baixa qualidade de vida/bem-estar desses indivíduos. Mas esses dados devem ser lidos em conjunto com aqueles que se seguem relativamente ao impacto na QV de outras características da rede social.

Tipo de relação e QV/bem-estar

O tipo de relação parece também influenciar o bem-estar, sendo que tem sido documentado um efeito mais positivo das redes de amizade e de vizinhança do que das redes familiares2121. Pinquart M, Sörensen S. Influences of socioeconomic status, social network, and competence on subjective well-being in later life: A meta-analysis. Psychol Aging 2000;15(2):187-224.,3333. Cheng ST, Li K, Leung EMF, Chan ACM. Social exchanges and subjective well-being: do sources of positive and negative exchanges matter? J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2011;66(6):708-18.

34. Larson R, Mannell R, Zuzanek J. Daily well-being of older adults with friends and family. Psychol Aging 1986;1(2):117-26.
-3535. Paúl C. Envelhecimento activo e redes de suporte social. Sociologia 2005;25:275-87., dado o carácter voluntário das primeiras em vez destas últimas3535. Paúl C. Envelhecimento activo e redes de suporte social. Sociologia 2005;25:275-87.. Além disso, como defendido por Larson et al.3434. Larson R, Mannell R, Zuzanek J. Daily well-being of older adults with friends and family. Psychol Aging 1986;1(2):117-26., referindo-se a um estudo sobre idosos do Canadá, geralmente as atividades realizadas com familiares são rotineiras, enquanto que o tempo passado com os amigos é comummente dedicado a atividades mais baseadas em interesses comuns e caracterizadas por espontaneidade. De acordo com Pinquart e Sörensen2121. Pinquart M, Sörensen S. Influences of socioeconomic status, social network, and competence on subjective well-being in later life: A meta-analysis. Psychol Aging 2000;15(2):187-224., os amigos são, muitas vezes, membros da mesma faixa etária, partilhando características pessoais, experiências e estilos de vida. Outro potencial motivo, defendido por Cheng et al.3333. Cheng ST, Li K, Leung EMF, Chan ACM. Social exchanges and subjective well-being: do sources of positive and negative exchanges matter? J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2011;66(6):708-18. com base numa revisão da literatura, reside no facto das interações negativas serem mais frequentes entre membros da família do que entre amigos. Acresce que o conflito com familiares pode ter um efeito muito negativo no bem-estar dos idosos uma vez que os laços estabelecidos com membros da família não podem ser desfeitos facilmente66. Krause N. Social Support. In: Binstock RH, George LK, Editores. Handbook of Aging and the Social Sciences. San Diego: Academic Press; 2001. p. 272-94..

Por outro lado, estudos desenvolvidos na Europa e América do Norte revelam um contributo ou associação positivo/a entre mais do que um tipo de relação em simultâneo (por exemplo, relações com o cônjuge e filhos, concomitantes a relações de amizade com indivíduos externos à família) e a QV/bem-estar2323. Litwin H, Stoeckel KJ. Engagement and social capital as elements of active ageing: an analysis of older europeans. Sociol Politiche Sociali 2014;17(3):9-31.,2626. Zaninotto P, Falaschetti E, Sacker A. Age trajectories of quality of life among older adults: results from the English Longitudinal Study of Ageing. Qual Life Res 2009;18(10):1301-9.,3636. Litwin H, Shiovitz-Ezra S. Social network type and subjective well-being in a national sample of older Americans. Gerontologist 2011;51(3):379-88.,3737. Litwin H, Stoeckel KJ. Confidant network types and well-being among older europeans. Gerontologist 2013:1-11..

Proximidade geográfica da rede social e QV/bem-estar.

A literatura acerca da relação entre a proximidade geográfica da rede social e a QV/bem-estar de idosos é escassa. No conjunto restrito de pesquisas em que se procede a esta análise, contam-se os estudos de De Belvis et al.3838. De Belvis AG, Avolio M, Spagnolo A, Damiani G, Sicuro L, Cicchetti A, et al. Factors associated with health-related quality of life: the role of social relationships among the elderly in an Italian region. Public Health 2008;122(8):784-93.,3939. De Belvis AG, Avolio M, Sicuro L, Rosano A, Latini E, Damiani G, et al. Social relationships and HRQL: a cross-sectional survey among older Italian adults. BMC Public Health [Internet] 2008 [acesso em 14 fev. 2014];8(348):1-10. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/8/348
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, em Itália, que mostram existir uma associação positiva entre a proximidade geográfica da rede familiar e a QV relacionada com a saúde de idosos com 60 ou mais anos, controlando o efeito de variáveis sociodemográficas e de saúde. Já os resultados apresentados por Litwin e Stoeckel3737. Litwin H, Stoeckel KJ. Confidant network types and well-being among older europeans. Gerontologist 2013:1-11., a partir de dados da quarta vaga do projeto SHARE, sobre indivíduos com 65 ou mais anos, em 16 países da Europa, indicam que baixa ou moderada proximidade geográfica dos elementos da rede social está associada a maior QV desses indivíduos, uma vez controlado o efeito de variáveis sociodemográficas e o estado de saúde. Esse controlo é necessário para evitar os casos em que a proximidade geográfica é uma opção de famílias com idosos necessitando de cuidados e, por isso, com menor QV. Não é possível dar uma explicação satisfatória dessa discrepância de resultados. De resto, sendo reduzida a quantidade de estudos, não é possível identificar nenhum padrão ou tendência relativamente à relação entre essa característica da rede social e o bem-estar de idosos.

Frequência do contacto e QV/bem-estar.

A frequência dos contactos é um dos indicadores mais utilizados para descrever a interação. Frequências de contacto elevadas têm sido comumente associadas a maiores níveis de QV ou outros indicadores de bem-estar, na América do Norte e países europeus2121. Pinquart M, Sörensen S. Influences of socioeconomic status, social network, and competence on subjective well-being in later life: A meta-analysis. Psychol Aging 2000;15(2):187-224.,2929. Fiori KL, Smith J, Antonucci TC. Social network types among older adults: a multidimensional approach. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2007;62(6):322-30.,3838. De Belvis AG, Avolio M, Spagnolo A, Damiani G, Sicuro L, Cicchetti A, et al. Factors associated with health-related quality of life: the role of social relationships among the elderly in an Italian region. Public Health 2008;122(8):784-93.

39. De Belvis AG, Avolio M, Sicuro L, Rosano A, Latini E, Damiani G, et al. Social relationships and HRQL: a cross-sectional survey among older Italian adults. BMC Public Health [Internet] 2008 [acesso em 14 fev. 2014];8(348):1-10. Disponível em: http://www.biomedcentral.com/1471-2458/8/348
http://www.biomedcentral.com/1471-2458/8...

40. Litwin H, Stoeckel KJ. Social networks and subjective wellbeing among older Europeans: does age make a difference? Ageing Soc 2013;33(7):1263-81.
-4141. Scott JP, Butler MH. Subjective well-being of rural adults 75 years of age or older: a longitudinal evaluation. Fam Consum Sci Res J 1997;25(3):251-68.. Todavia, alguns estudos associam a frequência do contacto a menor bem-estar4242. Litwin H. Social Networks and Well-being: a comparision of older people in mediterranean and non-mediterranean countries. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2009;65(5):599-608. ou têm concluído a inexistência de associação entre a frequência de contacto e a QV/bem-estar dos idosos77. Wiggins RD, Higgs PFD, Hyde M, Blane DB. Quality of life in the third age: key predictors of the CASP-19 measure. Ageing Soc 2004;24(5):693-708.,3131. Bowling A, Gabriel Z. Lay theories of quality of life in older age. Ageing Soc 2007;27(6):827-48.,4343. Newsom JT, Schulz R. Social support as a mediator in the relation between functional status and quality of life in older adults. Psychol Aging 1996;11(1):34-44.,4444. Ward RA. Multiple parent-adult child relations and well-being in middle and later life. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2008;63(4):239-47.. Distinguindo o contacto com família e amigos, Netuveli et al.55. Netuveli G, Wiggins RD, Hildon Z, Montgomery SM, Blane D. Quality of life at older ages: evidence from the English longitudinal study of aging (wave 1). J Epidemiol Community Health 2006;60(4):357-63. detectam uma associação positiva entre a frequência de contacto com amigos e a QV e, pelo contrário, uma associação negativa entre a frequência de contacto com familiares e a QV. De modo similar, mas partindo de dados de um estudo longitudinal, Webb et al.2525. Webb E, Blane D, Mcmunn A, Netuveli G. Proximal predictors of change in quality of life at older ages. J Epidemiol Community Health 2011;65(6):542-7. constatam que a QV de idosos residentes em Inglaterra está positivamente associada à frequência com que estes contactam os seus amigos, sendo que, pelo contrário, uma elevada frequência de contacto com familiares reduz a sua QV. É provável que as explicações para essa diferença entre o contacto com a família e o contacto com amigos sejam as já apontadas na secção anterior sobre o tipo de relação e a QV/bem-estar.

Apesar de alguma discrepância de resultados, que pode ser devida aos diferentes contextos geográficos e às amostras, e a formas distintas de operacionalização do conceito de bem-estar nas pesquisas mencionadas, os resultados sugerem uma associação positiva entre a frequência do contacto e os indicadores de bem-estar. É possível que com a tendência para a redução da dimensão da rede social na velhice, devido, nomeadamente, ao falecimento de pares, o contacto com os elementos que constituem essa rede ganhe maior significado e importância para as pessoas idosas, sendo por isso positivo o contributo da frequência do contato com a rede social para o seu bem-estar. Porém, pode também supor-se, inversamente, que os idosos com maior bem-estar estabelecem mais contactos precisamente porque se sentem bem.

Proximidade emocional e QV/bem-estar.

A proximidade emocional é uma característica da rede que tem sido operacionalizada de formas diferentes: como grau de proximidade emocional da pessoa idosa em relação aos membros da sua rede social3737. Litwin H, Stoeckel KJ. Confidant network types and well-being among older europeans. Gerontologist 2013:1-11. ou como número de pessoas emocionalmente próximas55. Netuveli G, Wiggins RD, Hildon Z, Montgomery SM, Blane D. Quality of life at older ages: evidence from the English longitudinal study of aging (wave 1). J Epidemiol Community Health 2006;60(4):357-63..

Globalmente, pode-se dizer que uma elevada proximidade emocional tem sido associada a elevados níveis de QV/bem-estar na velhice55. Netuveli G, Wiggins RD, Hildon Z, Montgomery SM, Blane D. Quality of life at older ages: evidence from the English longitudinal study of aging (wave 1). J Epidemiol Community Health 2006;60(4):357-63.,77. Wiggins RD, Higgs PFD, Hyde M, Blane DB. Quality of life in the third age: key predictors of the CASP-19 measure. Ageing Soc 2004;24(5):693-708.,2121. Pinquart M, Sörensen S. Influences of socioeconomic status, social network, and competence on subjective well-being in later life: A meta-analysis. Psychol Aging 2000;15(2):187-224.,2525. Webb E, Blane D, Mcmunn A, Netuveli G. Proximal predictors of change in quality of life at older ages. J Epidemiol Community Health 2011;65(6):542-7.,2626. Zaninotto P, Falaschetti E, Sacker A. Age trajectories of quality of life among older adults: results from the English Longitudinal Study of Ageing. Qual Life Res 2009;18(10):1301-9.,3737. Litwin H, Stoeckel KJ. Confidant network types and well-being among older europeans. Gerontologist 2013:1-11.. A teoria da seletividade socioemocional, já referida neste artigo, contribui para explicar o contributo positivo da proximidade emocional no bem-estar dos idosos. Essa teoria da seletividade socioemocional deriva da teoria de otimização compensatória4545. Baltes PB, Baltes MM. Psychological perspectives on successful aging: The model of selective optimization with compensation. In: Baltes PB, Baltes MM, Editores. Successful Aging: Perspectives from the behavioral sciences. New York: Cambridge University Press; 1990. p. 1-34., que também permite compreender esses resultados. De acordo com esse modelo, otimização significa aquisição, aplicação, coordenação e manutenção de recursos internos e externos envolvidos no alcance de níveis mais altos de funcionamento; a compensação implica a adoção de alternativas para manter o funcionamento4646. Neri AL. O legado de Paul B. Baltes à psicologia do desenvolvimento e do envelhecimento. Temas Psicol 2006;14(1):17-34.. De facto, os idosos podem compensar as barreiras sociais relacionadas com a idade e otimizar as suas interações sociais, concentrando o seu tempo e a sua energia limitados em poucos parceiros sociais, mais capazes de satisfazer as suas principais necessidades sociais2727. Fung HH, Carstensen LL, Lang FR. Age-related patterns in social networks among European Americans and African Americans: implications for socioemotional selectivity across the life span. Int J Aging Hum Dev 2001;52(3):185-206..

DISCUSSÃO

A partir da presente revisão de literatura científica acerca da relação entre as redes sociais e a QV ou outros indicadores de bem-estar de idosos identificaram-se algumas tendências de teor metodológico, ao nível das abordagens e operacionalização da QV, e também ao nível dos resultados no que respeita à relação entre as características das redes sociais e a QV/bem-estar na velhice.

Em termos de metodologia, é notório o recurso, sobretudo, à metodologia quantitativa de investigação social, sendo muito menor a utilização da metodologia qualitativa ou da combinação de ambas. As amostras a que se tem recorrido são tendencialmente de mais de 30 indivíduos; e, em mais de metade das pesquisas analisadas nesta revisão77. Wiggins RD, Higgs PFD, Hyde M, Blane DB. Quality of life in the third age: key predictors of the CASP-19 measure. Ageing Soc 2004;24(5):693-708.,2525. Webb E, Blane D, Mcmunn A, Netuveli G. Proximal predictors of change in quality of life at older ages. J Epidemiol Community Health 2011;65(6):542-7.,2626. Zaninotto P, Falaschetti E, Sacker A. Age trajectories of quality of life among older adults: results from the English Longitudinal Study of Ageing. Qual Life Res 2009;18(10):1301-9.,2929. Fiori KL, Smith J, Antonucci TC. Social network types among older adults: a multidimensional approach. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2007;62(6):322-30.,3030. Hellström Y, Andersson M, Hallberg IR. Quality of life among older people in Sweden receiving help from informal and/or formal helpers at home or in special accommodation. Heal Soc Care Community 2004;12(6):504-16.,3737. Litwin H, Stoeckel KJ. Confidant network types and well-being among older europeans. Gerontologist 2013:1-11.,3838. De Belvis AG, Avolio M, Spagnolo A, Damiani G, Sicuro L, Cicchetti A, et al. Factors associated with health-related quality of life: the role of social relationships among the elderly in an Italian region. Public Health 2008;122(8):784-93.,4242. Litwin H. Social Networks and Well-being: a comparision of older people in mediterranean and non-mediterranean countries. J Gerontol Ser B Psychol Sci Soc Sci 2009;65(5):599-608., foram estudadas amostras representativas, isto é, tem havido uma preocupação de seleção probabilística dos elementos a estudar num determinado contexto temporal e geográfico.

O conceito de QV tem sido abordado de diferentes modos e operacionalizado de forma também distinta. Pode-se dizer, porém, que independentemente da forma como o conceito de QV é definido e operacionalizado em cada trabalho, a pesquisa tem demonstrado consistentemente o efeito benéfico das relações sociais e familiares, ou seja, das redes sociais, na QV/bem-estar das pessoas idosas.

Relativamente à relação entre as características das redes sociais e a QV/bem-estar na velhice, observa-se que: a) em geral, a dimensão da rede social tem sido positivamente associada à QV/bem-estar de idosos, mas alguns estudos evidenciam a inexistência de associação entre a dimensão da rede social e a QV/bem-estar na velhice; b) globalmente, a literatura tem evidenciado, sobretudo, o maior contributo das redes de amigos, comparativamente com as redes familiares, para a QV/bem-estar da população idosa, ou o contributo positivo de mais do que um tipo de relação (por exemplo, importância conjunta das relações de amizade, e relações de vizinhança); c) a quantidade reduzida de estudos sobre o impacto da proximidade geográfica da rede social na QV/bem-estar na velhice não permite identificar nenhum padrão ou tendência relativamente ao efeito ou influência desta característica da rede social; d) globalmente, a frequência do contacto está positivamente associada ao bem-estar dos idosos, apesar de algumas pesquisas terem indicado inexistência de associação entre as variáveis; e) relativamente à proximidade emocional com elementos da rede social, a literatura indica, nitidamente, uma associação positiva entre esta característica da rede e a QV/bem-estar da população idosa.

A discrepância de resultados observada decorre, possivelmente, do recurso a distintas amostras, da realização de análises transversais em vez de pesquisas longitudinais (impossibilitando o estabelecimento de relações de causa e efeito entre a rede social e o bem-estar)4747. D'Orsi E, Xavier AJ, Ramos LR. Trabalho, suporte social e lazer protegem idosos da perda funcional: Estudo Epidoso. Rev Saúde Pública 2011;45(4):685-92., de diferentes contextos geográficos e formas distintas de definir e operacionalizar a QV/bem-estar. A discussão acerca da definição de QV e dos modos de a operacionalizar entre investigadores contribuiria de sobremaneira para mitigar estas divergências e acrescentar rigor à investigação científica sobre essa temática. Com efeito, muitas vezes os investigadores não definem o conceito de QV nas publicações, e raramente justificam a seleção do instrumento de medida a que recorrem, proliferando diferentes formas de operacionalizar o conceito.

Identificam-se outras omissões ao nível do conhecimento científico sobre a temática em estudo. Em primeiro lugar, têm-se verificado associações entre as características das redes sociais e a QV/bem-estar, mas raramente os investigadores averiguam os fatores que conduzem a essas associações. Em segundo lugar, existe uma carência de estudos longitudinais, que permitiriam estabelecer a causalidade entre as características das redes sociais e a QV/bem-estar. Em terceiro lugar, é evidente a falta de estudos sobre populações de idosos mais específicas, tais como os idosos que residem sós ou os idosos que residem em meio rural. Apesar da proporção de pessoas a viver sós, nas sociedades europeias, ter crescido consideravelmente nas últimas quatro décadas4848. Mauritti R. Viver só: mudança social e estilos de vida. Lisboa: Editora Mundos Sociais; 2011., sendo um padrão comportamental cada vez mais comum entre os idosos na Europa4949. Gierveld J, De Valk H, Blommesteijn M. Living arrangements of older persons and family support in more developed countries. Haia: Netherlands Interdisciplinary Demographic Institute; 2000., faltam investigações sobre esta população em situação de monorresidência.

As limitações da revisão de literatura no presente artigo derivam de critérios utilizados na seleção de material bibliográfico: o facto de se ter privilegiado trabalhos que resultam de pesquisas na Europa e América do Norte e a seleção de apenas algumas das características da rede social, embora as consideradas nucleares2323. Litwin H, Stoeckel KJ. Engagement and social capital as elements of active ageing: an analysis of older europeans. Sociol Politiche Sociali 2014;17(3):9-31..

Não obstante, a análise dos estudos considerados neste artigo evidencia o modo como tem sido definido e operacionalizado o conceito de QV e o estado da arte sobre a relação entre as principais características das redes sociais dos idosos e a sua QV. Esta análise poderá ser utilizada por estudantes e investigadores interessados no tema, para além de poder contribuir para a formulação de políticas públicas com vista a melhorar a qualidade de vida das pessoas idosas.

CONCLUSÃO

A literatura científica evidencia que as redes de amigos contribuem mais do que as redes familiares para a qualidade de vida/bem-estar dos idosos. Também foi demonstrado o contributo positivo de mais do que um tipo de relação (por exemplo, relações de amizade e simultaneamente relações familiares) para a qualidade de vida/bem-estar das pessoas idosas. Por fim, os trabalhos analisados indicam o impacto positivo da proximidade emocional na qualidade de vida/bem-estar.

A presente revisão de literatura permite apontar sugestões para desenvolvimento de investigações futuras. Primeiramente, considera-se que há necessidade de privilegiar análises longitudinais, dada a sua escassez. Importa também recorrer à combinação das metodologias quantitativa e qualitativa. Por um lado, através de metodologias quantitativas é possível trabalhar amostras de grande dimensão e representativas; por outro lado, mediante metodologias qualitativas poder-se-á aprofundar, enriquecer, e explicar/compreender a informação recolhida por via da metodologia quantitativa sobre as associações/efeitos das redes sociais na qualidade de vida. Por último, dada a escassez de informação verificada, dever-se-iam realizar mais pesquisas sobre populações específicas, designadamente sobre idosos que vivem sós.

AGRADECIMENTOS

Agradece-se o apoio da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), concedido através de uma bolsa de doutoramento, atribuída no âmbito do QREN-POPH-Tipologia 4.1-Formação Avançada, comparticipado pelo Fundo Social Europeu e por fundos nacionais do MEC, a uma das autoras deste trabalho.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2016

Histórico

  • Recebido
    24 Jan 2016
  • Revisado
    01 Ago 2016
  • Aceito
    07 Nov 2016
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