Acessibilidade / Reportar erro

Direitos adquiridos, envelhecimento ativo e resiliência: a importância desses conceitos ao longo da vida

O ano de 2016 ficará gravado na memória de todos pela profunda crise econômica, política e social que o Brasil atravessa. Embora deflagrada anteriormente, a crise agravou-se no correr do ano e não me parece que tenhamos chegado ao fundo do poço. Os reflexos dessa crise seguem extraordinariamente preocupantes. A proporção de desempregados (incluindo-se os que trabalham menos do que poderiam e gostariam) já passa de 20% e as projeções indicam que esta lamentável proporção ainda aumente no decorrer de 2017. Muitos idosos passaram a ser os principais provedores de recursos para toda a família. O poder aquisitivo segue em queda. Nossas políticas sociais estão fragilizadas, as instituições públicas combalidas. O setor saúde experimenta cortes sucessivos. Hospitais públicos oferecem serviços ainda mais precários. O desemprego levou milhões à perda do seguro saúde. Inevitavelmente, tudo isso agrava o bem estar de milhões de pessoas idosas. Em vários estados, muitas delas não recebem suas aposentadorias em dia. Há grandes incertezas de como a reforma previdenciária ocorrerá. Inevitável, ela me parece ser. A previdência social urbana atingiu em 2016 o montante de 150 bilhões de reais - devendo aumentar em ritmo exponencial, se nada for feito. Da forma como ela existe, tornou-se insustentável. O país não pode continuar a ser dos pouquíssimos, onde não há uma idade mínima para a aposentadoria, em que a idade média ao aposentar-se é de apenas 54 anos, 52 para mulheres, 56 anos para homens. Chegamos a uma expectativa de vida de mais de 75 anos, mantendo uma previdência social concebida quando a mesma mal passava dos 40 anos. Urge, no entanto, grande sensibilidade na execução dessa reforma. Há direitos adquiridos em jogo, há expectativas que se não forem bem resolvidas, poderão gerar grande instabilidade social. Será essencial que todos os grupos sejam ouvidos, de baixo para cima - e não uma imposição vinda de cima, passando por um Legislativo cuja credibilidade tem sido posta em dúvida por conta da atuação de seus próprios integrantes.

Todo esse cenário reforça a importância de se programar políticas que abracem os princípios do envelhecimento ativo definido pela Organização Mundial da Saúde em 2002. Foi nesse ano, na Assembléia das Nações Unidas do Envelhecimento, que a OMS lançou o marco político do envelhecimento ativo, definindo-o como o processo de otimizar as oportunidades para saúde, participação e segurança/proteção de modo a aumentar a qualidade de vida a medida em que as pessoas envelhecem. A esses pilares, nosso Centro Internacional da Longevidade-Brasil (ILC-Brazil) acrescentou um quarto - o da aprendizagem ao longo da vida - no documento "Envelhecimento Ativo: Um Marco Político em resposta à Revolução da Longevidade (www.ilcbrazil.org). Na prática, para o indivíduo que envelhece, seja qual for sua idade, essa definição pressupõe o acúmulo de quatro capitais essenciais para o bem envelhecer: saúde, capital intelectual, capital social e o financeiro (Revista Exame, 18 Janeiro 2017, página 33). Quanto mais cedo começamos a acumulá-los melhor - mas nunca é tarde demais. No entanto, a responsabilidade não cabe apenas ao indivíduo. É imperativo que o setor público cumpra sua parte, assista-o. É também necessário que a academia, as instituições da sociedade civil, o setor privado e a mídia facilitem o processo. Em outubro de 2016, o ILC-Brazil organizou o IV Forum Internacional da Longevidade sob o tema "a função do design e da tecnologia em uma sociedade mais longeva". O documento dele procedente (www.ilcbrazil.org) enuncia os princípios que devem orientar os vários setores da sociedade quanto ao objetivo de desenvolver produtos, serviços e políticas mais amigáveis às pessoas idosas - e assim, às pessoas de todas as idades.

Em anos recentes, o conceito de resiliência vem ganhando mais e mais espaço na discussão gerontológica. E aqui a palavra de esperança. Estudos demonstram que os idosos são, sim, muitas vezes vulneráveis. No entanto, demonstram também que, acima de tudo, são resilientes (Annual Review of Gerontology and Geriatrics, Volume 32, 2012 Emerging Persperctives on Resilience in Adulthood and Later Life). Tanto no que toca ao desenvolvimento de políticas relacionadas ao envelhecimento quanto no âmbito de pesquisa gerontológica que explore suas múltiplas dimensões e ampla gama de determinantes, creio que nos próximos anos aprenderemos mais e mais a compreender a importância desse conceito ao longo do curso de vida - resiliência: ter acesso às reservas necessárias para se adaptar, suportar ou crescer a partir dos desafios encontrados na vida" (ILCBrazil.org).

Alexandre Kalache
Presidente Centro Internacional da Longevidade - Brasil
Assessor da RBGG

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Mar-Apr 2017
Universidade do Estado do Rio Janeiro Rua São Francisco Xavier, 524 - Bloco F, 20559-900 Rio de Janeiro - RJ Brasil, Tel.: (55 21) 2334-0168 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revistabgg@gmail.com