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Qualidade de vida dos idosos de Manaus segundo a escala de Flanagan

Resumo

Objetivo:

o objetivo do estudo foi avaliar a qualidade de vida de idosos atendidos nos Centros de Atenção Integral a Melhor Idade (CAIMI) do município de Manaus.

Método:

trata-se de um estudo observacional, transversal, com 741 idosos, utilizando um questionário socioeconômico e demográfico e a Escala de Qualidade de Vida de Flanagan (EQVF).

Resultados:

a maioria dos idosos era do sexo feminino, com média de idade de 69 (±6,6) anos, casados, aposentados, porém, ainda trabalhavam, com baixa renda e baixa escolaridade, mas que, quando avaliada a qualidade de vida, os mesmos mostravam-se satisfeitos. Quando comparados com populações de outros países e regiões do Brasil, mesmo com um baixo perfil socioeconômico, mostraram uma melhor satisfação com a qualidade de vida que populações de países desenvolvidos. Alguns domínios da escala de qualidade de vida foram invertidos em frente à escala original.

Conclusão:

mesmo os idosos apresentando baixo nível socioeconômico, encontram-se satisfeitos com sua qualidade de vida.

Palavras-chave:
Qualidade de Vida; Idoso; Envelhecimento

Abstract

Objective:

the aim of the present study was to evaluate the quality of life of elderly people enrolled in specialized elderly care centers in Manaus and compare the findings with the results of already published studies.

Method:

a cross-sectional study was conducted with 741 elderly people enrolled in three of the centers in the city, from November 2015 to March 2017 using a socioeconomic and demographic questionnaire and the Flanagan Quality of Life Scale (FQLS). Interviews were carried out by previously trained physiotherapy students of the Federal University of Amazonas.

Results:

the majority of the elderly were female, with a mean age of 69±6.6 years, married, retired but still working, with a low income and low educational level. When they assessed their quality of life, however, they appeared satisfied. When compared to populations in other countries and regions of Brazil, despite their low socioeconomic profile, they demonstrated a higher quality of life than populations of developed countries. Some domains of the scale were inverted in relation to the original scale.

Conclusion:

the results allow us to conclude that even elderly persons with low socioeconomic status are satisfied with their quality of life.

Keywords:
Quality of Life; Elderly; Aging

INTRODUÇÃO

O envelhecimento da população é um fenômeno de amplitude mundial, principalmente nos países em desenvolvimento. A Organização Mundial da Saúde (OMS) prevê que, em 2025, o número de idosos será de aproximadamente 1,2 bilhões de pessoas, sendo o grupo dos que têm 80 anos ou mais o de maior crescimento11 Ran L, Jiang X, Li B, Kong H, Du M, Wang X, et al. Association among activities of daily living, instrumental activities of daily living and health-related quality of life in elderly Yi ethnic minority. BMC Geriatr. 2017;17:1-17.,22 Miranda GMD, Mendes ACG, Silva ALA. Envelhecimento populacional brasileiro: desafios e consequências sociais e futuras. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2016;19(3):507-19.. No Brasil, os idosos representam 14,3% da população e essa proporção varia nas diferentes regiões. As regiões norte e nordeste apresentam valores inferiores às demais. No Amazonas, a população de idosos cresceu 3,5% em dez anos, superando o crescimento de adultos e crianças. Em Manaus, nos últimos 40 anos, a população de idosos cresceu 10 vezes33 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Estatísticas da saúde: assistência médico-sanitária. Rio de Janeiro: IBGE; 2010..

As alterações e desgastes causados pelo processo de envelhecimento no organismo podem levar à diminuição da condição de saúde do idoso e de sua qualidade de vida, o qual acaba procurando com mais frequência os serviços de saúde, principalmente, aqueles vinculados ao Sistema Único de Saúde (SUS)44 Pilger C, Menon MU, Mathias TAF. Utilização de serviços de saúde por idosos vivendo na comunidade. Rev Esc Enferm USP. 2013;47(1):213-20..

O conceito de qualidade de vida está relacionado à autoestima e ao bem-estar pessoal e abrange uma série de aspectos como a capacidade funcional, o nível socioeconômico, o estado emocional, a interação social, a atividade intelectual, o autocuidado, o suporte familiar, o próprio estado de saúde, os valores culturais, éticos e religiosidade, o estilo de vida, a satisfação com o emprego e/ou com atividades diárias e o ambiente em que se vive55 Vecchia RD, Ruiz T, Bocchi SCM, Corrente JE. Qualidade de vida na terceira idade: um conceito subjetivo. Rev Bras Epidemiol. 2005;8(3):246-52..

A Região Amazônica apresenta uma diversidade sociocultural, econômica, étnica e macroambiental que impõem a necessidade de estudos epidemiológicos sobre o idoso que vive nesse território. Tal ideia está subsidiada pela natureza multifatorial e complexa do fenômeno do envelhecimento, o que faz com que seja muito difícil que todas as variáveis que incidem sobre tal fenômeno e sobre a etiologia das doenças associadas à idade sejam investigadas ao mesmo tempo e sejam similares em todo o mundo66 Ribeiro E, Veras RP, Viegas K, Caldas C, Ribeiro E, Rocha M, et al. Projeto Idoso da floresta: indicadores de saúde dos idosos inseridos na Estratégia de saúde da família (ESF-SUS) de Manaus-AM. Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2008;11(3):307-26.. Ademais, o levantamento de informações com idosos atendidos pelo SUS é de extrema importância, já que possibilita o entendimento do envelhecimento em indivíduos participantes da comunidade. Diante disto, este estudo teve como objetivo avaliar a qualidade de vida de idosos atendidos nos Centros de Atenção Integral a Melhor Idade (CAIMI) do município de Manaus.

MÉTODO

Trata-se de um estudo epidemiológico e transversal, descritivo, desenvolvido com idosos cadastrados nos CAIMI da cidade de Manaus, Amazonas. Esses centros destinam-se ao atendimento ambulatorial do idoso, e existem três unidades espalhadas nas principais zonas da cidade com mais de 75 mil idosos cadastrados. A amostra foi selecionada por conveniência, feita após o cálculo amostral. Foram incluídos indivíduos de ambos os sexos, com 60 anos ou mais, que estivessem cadastrados nos centros de saúde. As coletas ocorreram de novembro de 2015 a março de 2017 por cinco estudantes de do curso de fisioterapia da Universidade Federal do Amazonas, que receberam treinamento prévio com todos os questionários utilizados.

A amostra foi calculada considerando uma prevalência desconhecida de 50% para a qualidade de vida, com nível de confiança de 95% e intervalo de confiança de 5%, resultando em uma quantidade mínima de 384 indivíduos, valendo-se de um fator de correção para população finita. Os critérios de inclusão foram: possui idade igual ou superior a 60 anos e estar cadastrado em uma das três unidades do CAIMI. Como critério de exclusão, foram excluídos idosos que não tinham nível cognitivo suficiente para responder às perguntas dos questionários.

A coleta de dados foi feita no formato de entrevista estruturada, aplicando-se um questionário socioeconômico, a fim de se obter informações a respeito de idade, gênero, escolaridade, renda, estado civil, aposentadoria e trabalho; e a Escala de Qualidade de Vida de Flanagan (EQVF), traduzida e validada77 Flanagan JC. Changes in school levels of achievement: Project TALENT ten and fifteen year retests. Educ Res. 1976;5(8):9-12.,88 Flanagan JC. Measurement of quality of life: current state of the art. Arch Phys Med Rehabil. 1982;63(2):56-9.,99 Hashimoto H, Guedes SL, Pereira VC. O Ostomizado e a qualidade de vida: abordagem fundamentada nas dimensões da qualidade de vida proposta por Flanagan [Monografia de especialização]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Escola de Enfermagem; 1996.,1010 Burckhardt CS, Anderson KL, Archenholtz B, Hägg O. The Flanagan quality of life scale: evidence of construct validity. Health Qual Life Outcomes. 2003:1-7..

A EQVF foi desenvolvida pelo psicólogo americano John Flanagan, na metade da década de 7077 Flanagan JC. Changes in school levels of achievement: Project TALENT ten and fifteen year retests. Educ Res. 1976;5(8):9-12.. Usando a técnica do incidente crítico, o estudo abordou aproximadamente 3000 indivíduos norte-americanos, de ambos os sexos e diferentes faixas etárias. Os participantes eram indagados sobre quais as coisas importantes que haviam acontecido com eles e quão satisfeitos estavam com elas. Dos resultados obtidos, determinou-se 15 componentes, agrupados em cinco dimensões: bem-estar físico e mental, relações com outras pessoas, envolvimento em atividades sociais, comunitárias e cívicas, desenvolvimento e enriquecimento pessoal e recreação. No artigo original de Flanagan, não é informado o valor de alpha de Cronbach, mas no estudo de Burckhardt1010 Burckhardt CS, Anderson KL, Archenholtz B, Hägg O. The Flanagan quality of life scale: evidence of construct validity. Health Qual Life Outcomes. 2003:1-7.et al., foi encontrado um valor de alpha de 0,82 a 0.92 e num estudo de teste e reteste, os valores variaram de 0,78 a 0,84. Em nosso estudo, o valor do alpha obtido foi de 0,81, o que significa estar dentro dos valores esperados para a validade do instrumento.

As 15 questões da EQVF avaliam: 1) conforto material: casa, alimentação, situação financeira; 2) saúde: fisicamente bem e vigoroso; 3) relacionamento com pais, irmãos e outros parentes: comunicação, visitas e ajuda; 4) constituir família: ter e criar filhos; 5) relacionamento íntimo com esposo(a), namorado(a) ou outra pessoa relevante; 6) amigos próximos: compartilhar interesses, atividades e opiniões; 7) voluntariamente, ajudar e apoiar a outras pessoas; 8) participação em associações e atividades de interesse público; 9) aprendizagem: frequentar outros cursos para conhecimentos gerais; 10) autoconhecimento: reconhecer seus potencias e limitações; 11) trabalho (emprego ou em casa): atividade interessante, gratificante que vale a pena; 12) comunicação criativa; 13) participação em recreação ativa; 14) ouvir música, assistir televisão ou cinema, leitura ou outros; 15) socialização: “fazer amigos”. Para cada questão foi atribuído um valor de 1 a 7, o que corresponde respectivamente a: muito insatisfeito; insatisfeito; pouco insatisfeito; indiferente; pouco satisfeito; satisfeito; muito satisfeito.

Todas as informações coletadas foram tabuladas em um banco de dados distribuído em planilhas eletrônicas. Foi realizada a análise descritiva dos dados e, para a análise da qualidade de vida, procedeu-se a análise fatorial com rotação varimax para obtenção dos domínios definidos pela escala. Utilizou-se o coeficiente de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) para verificar a fatoração dos dados da amostra. O valor do KMO foi 0.843, indicando que a análise fatorial é apropriada. O critério para determinar os fatores foi de acordo com a escala. No estudo original, foram propostos cinco fatores e, para verificação das dimensões, os dados foram analisados nesse contexto. O valor do factor loading está apresentado na tabela 2 para cada item. A rotação varimax foi utilizada por ser uma rotação ortogonal e que forneceu melhor visualização dos fatores.

O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Amazonas sob o parecer de número 786.685/2014, e foi conduzida de acordo com a Resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde para Pesquisa com Seres Humanos, do Ministério da Saúde.

RESULTADOS

Foram avaliados 741 idosos com 60 anos ou mais nos três CAIMI da cidade de Manaus. A idade média foi de 69 (±6,6) anos (60 a 102 anos), o sexo feminino foi mais frequente (70,31%), 44,94% eram casados ou tinham um companheiro, 60,05% não chegaram a completar o ensino fundamental, e somente 31 idosos completaram o terceiro grau. Houve predominância de aposentados (72,74%), entretanto, 79,76% ainda trabalham, 40,60% recebem até um salário mínimo e 3,52% recebem mais que quatro salários (Tabela 1).

Tabela 1
Características socioeconômicas de idosos cadastrados nos CAIMI. Manaus, AM, 2017.

A média dos escores obtidos na EQVF foi de 80,07, com mínimo de 30 e máximo de 105. O valor de α de Cronbach foi de 0,8098, o que confirma a boa consistência do instrumento, respondendo a questão da qualidade de vida dos idosos.

O resultado da tabela 2 apresenta o descritivo da análise fatorial obtida como o modelo válido, uma vez que se utilizou o limite de 0,5 como ponto de corte para formação do fator. Neste caso, apenas 13 dos 15 itens compuseram os fatores. Dois itens apresentaram carga fatorial menor que o limite. Isto indica que esses itens podem não ser importantes para compor o fator. De acordo com o artigo original, espera-se que cada fator seja composto por três itens, mas isso não aconteceu no presente estudo. Deste modo, contemplou-se o resultado final mesmo com apenas um item no último fator.

Tabela 2
Demonstrativo da aplicação da análise fatorial e identificação dos componentes que influenciaram no nível de satisfação com a qualidade de vida dos idosos de Manaus. Manaus, AM, 2017.

A Tabela 3 traz uma comparação com outros estudos, utilizando-se das médias e desvios-padrão de cada item da escala.

Tabela 3
Comparação de média e desvio padrão da versão original da EQVF, três versões validadas, versão de Botucatu-SP e deste estudo. Manaus, AM, 2017.

Nossos resultados demonstraram algumas divergências no tocante às dimensões do conceito de qualidade de vida propostas por Flanagan26 e aquelas consideradas pelos idosos como de maior importância na determinação de sua qualidade de vida, como demonstrado na Tabela 4.

Tabela 4
Demonstrativo de comparação das dimensões da EQVF e as identificadas na amostra. Manaus, AM, 2017.

DISCUSSÃO

Estudos avaliando qualidade de vida em diferentes populações, incluindo a idosa, vêm aumentando nos últimos tempos. A melhoria das medições, por diversos tipos de questionários, e a identificação dos fatores associados a ela são o foco do aumento do número desse tipo de estudo. Por ser uma questão subjetiva, os componentes responsáveis pela maior ou menor qualidade de vida não são iguais para as populações. Aspectos individuais e culturais devem ser levados em conta na hora da avaliação.

Na caracterização dos sujeitos desta pesquisa, constatou-se que a média de idade foi de 69 anos e 70,31% era do sexo feminino, o que confirma a tendência de estudo entre idosos1111 Kagawa CA, Corrente JE. Análise da capacidade funcional em idosos do município de Avaré-SP: fatores associados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(3):577-86.

12 Chaves AS, Santos AM, Alves MTSB, Salgado Filho N. Associação entre o declínio cognitivo e qualidade de vida de idosos hipertensos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(3):545-56.

13 Linden Junior E, Trindade JLA. Avaliação da qualidade de vida de idosos em um município do Sul do Brasil. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2013;16(3):473-9.
-1414 Marques LP, Schneider IJC, D´Orsi E. Quality of life and its association with work, the Internet, participation in groups and physical activity among the elderly from the EpiFloripa survey, Florianópolis, Santa Catarina State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2016;32(12):1-14.. Entretanto, como nossa amostra foi selecionada por conveniência, existe o viés seletivo, o que pode explicar essa alta porcentagem de mulheres. Porém, já foi relatado em várias pesquisas1515 Silva SPC, Menandro MCS. As representações sociais da saúde e de seus cuidados para homens e mulheres idosos. Saúde Soc. 2014;23(2):626-40.,1616 Brito AKOL, Silva EM, Feitosa NLS, Almeida AFV, Pessoa RMC. Motivos da ausência do homem às consultas na atenção básica: uma revisão integrativa. Rev Ciênc Saberes. 2016;2(2):191-5.,1717 Cavalcanti JRD, Ferreira JA, Henriques AHB, Morais GSN, Trigueiro JVS, Torquato IMB. Integral assistance to men´s health: needs, barries and coping strategies. Esc Anna Nery. 2014;18(4):628-34. que as mulheres tendem a se preocupar e se cuidar mais que os homens, buscando serviços de saúde, seja privado ou público, fazendo com que muitas doenças possam ser tratadas no início, o que é um dos fatores responsáveis pela alta taxa de pessoas do sexo feminino que chegam a terceira idade. No Brasil, a mulher vive, em média, oito anos a mais que os homens, além de preocupar-se mais com seu bem-estar de um modo geral, quando comparada ao homem idoso1818 Araujo LF, Coutinho MPL, Carvalho VAML. Representações sociais da velhice entre idosos que participam de grupos de convivência. Psicol Ciênc Prof. 2005;25(1):118-31..

Em relação à escolaridade, estado civil, e renda, nossos resultados corroboram com vários estudos1111 Kagawa CA, Corrente JE. Análise da capacidade funcional em idosos do município de Avaré-SP: fatores associados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(3):577-86.,1212 Chaves AS, Santos AM, Alves MTSB, Salgado Filho N. Associação entre o declínio cognitivo e qualidade de vida de idosos hipertensos. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(3):545-56.,1919 Amaral TLM, Amaral CA, Prado PR, Lima NS, Herculano PV, Monteiro GTR. Qualidade de vida e morbidades associadas em idosos cadastrados na Estratégia de Saúde da Família do município Senador Guiomard, Acre. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(4):797-808.,2020 Pereira DS, Nogueira JAD, Silva CAB. Qualidade de vida e situação de saúde de idosos: um estudo de base populacional no Sertão Central do Ceará. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(4):893-908.. A maioria dos idosos da amostra não chegou a completar o ensino fundamental, sendo que quanto mais avançada a idade, maior a proporção de pessoas com baixa escolaridade. Este dado pode dever-se ao fato de que os idosos da amostra, principalmente os mais velhos, não tinham a cultura, nem oportunidade, muitas vezes, de estudar muitos anos quando eram crianças, principalmente, quando adolescentes, já que casavam e formavam família muito cedo, tendo que começar a trabalhar ainda muito jovem2121 Ferraro AR. Escolarização no Brasil: articulando as perspectivas de gênero, raça e classe social. Educ Pesqui. 2010;36(2):502-26.. A média de anos de estudo dos idosos que trabalham, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) 20162222 Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua - PNAD 4° trimestre de 2016. Rio de Janeiro: IBGE; 2017., é de 5,7 anos. No tocante a aposentadoria, a maioria está aposentado, resultado encontrado nos trabalhos citados anteriormente. Entretanto, a maioria dos idosos do nosso estudo ainda trabalha, discordando de outros estudos1111 Kagawa CA, Corrente JE. Análise da capacidade funcional em idosos do município de Avaré-SP: fatores associados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(3):577-86.,1414 Marques LP, Schneider IJC, D´Orsi E. Quality of life and its association with work, the Internet, participation in groups and physical activity among the elderly from the EpiFloripa survey, Florianópolis, Santa Catarina State, Brazil. Cad Saúde Pública. 2016;32(12):1-14.. Isso pode ser devido a cidade de Manaus ter um custo de vida mais elevado que as cidades dos estudos anteriores, que faz com que o idoso tente buscar outras formas de complementar sua renda, já que a maior parte ganha até um salário mínimo. Além disso, pode-se explicar este dado pelo fato da maioria ser arrimo de família, e, devido a atual situação econômica do país, os idosos estão voltando ao mercado de trabalho para complementar sua aposentadoria, já que muitos dos adultos e jovens da família estão sem emprego. Este dado é confirmado pela PNAD 2016, na qual verificou o aumento na proporção de idosos ocupados.

Observamos uma alta média no escore da escala de Flanagan, evidenciando que nossa população tem uma boa qualidade de vida. 13, dos 15, itens da escala obtiveram carga fatorial satisfatória. Quando feita a comparação das médias obtidas em cada item da escala, nossa população chegou a ter vários itens com valores superiores aos das populações de países desenvolvidos, que tem uma renda maior que a da nossa população. Entretanto, para os idosos do nosso estudo, esse fator parece não ser responsável para ter uma qualidade de vida boa. Em relação ao último item da escala, que se refere à socialização - "fazer amigos", tanto nossa população, quanto a população de Botucatu/SP, obtiveram escores maiores que as dos outros países, o que pode sugerir que o idoso brasileiro é mais sociável.

Na EQVF, os 15 itens da escala são agrupados em cinco dimensões, nesta ordem: bem-estar físico e material, relações com outras pessoas, atividades sociais, comunitárias e cívicas, desenvolvimento pessoal e realização, e recreação. Entretanto, quando comparamos os resultados da nossa população, houve inversões de quatro domínios. Na proposta inicial de Flanagan77 Flanagan JC. Changes in school levels of achievement: Project TALENT ten and fifteen year retests. Educ Res. 1976;5(8):9-12., o domínio bem estar físico e material foi apontado como a primeira dimensão. Em nosso estudo, o domínio "relação com outras pessoas" foi mais importante para a qualidade de vida que o observado por Flanagan. Isso pode se explicar devido a diferença da população estudada, que tem hábitos e culturas bem diferentes da vista na nossa. Além disso, Flanagan trabalhou com população de diferentes faixas etárias, o que pode contribuir para modificação na ordem dos domínios. Para os idosos do estudo, a relação com outras pessoas, a recreação e as atividades sociais, comunitárias e cívicas parecem ser mais importantes que o bem estar físico e material, e o desenvolvimento pessoal e realização. Quando comparado com o estudo feito na população da cidade de Avaré, São Paulo1111 Kagawa CA, Corrente JE. Análise da capacidade funcional em idosos do município de Avaré-SP: fatores associados. Rev Bras Geriatr Gerontol. 2015;18(3):577-86., nossos resultados também diferiram aos encontrados naquela amostra. No estudo com idosos de Avaré - SP, o bem estar físico e material também foi o primeiro domínio e a recreação ficou em último, corroborando com o resultado obtido por Flanagan77 Flanagan JC. Changes in school levels of achievement: Project TALENT ten and fifteen year retests. Educ Res. 1976;5(8):9-12..

Santos et al.2323 Santos SR, Santos IBC, Fernandes MGM, Henriques MER. Qualidade de vida do idoso na comunidade: aplicação da Escala de Flanagan. Rev Latinoam Enferm. 2002;10(6):757-64. analisou a qualidade de vida de idosos, utilizando a mesma escala que nosso trabalho, e obtiveram divergências no tocante às dimensões do conceito de qualidade de vida proposta por Flanagan77 Flanagan JC. Changes in school levels of achievement: Project TALENT ten and fifteen year retests. Educ Res. 1976;5(8):9-12.. Ao avaliarem 128 idosos da cidade de João Pessoa, Paraíba, chegaram a conclusão que, para aquela população, o desenvolvimento pessoal e a realização tem maior importância na determinação da qualidade de vida. Na pesquisa deles, os itens 7 e 14 (7= voluntariamente, ajudar e apoiar a outras pessoas; 14= ouvir música, assistir televisão ou cinema, leitura ou outros) exerceram pouca influência, sendo descartados, pois não obtiveram carga fatorial dentro do limite estabelecido. Em nosso estudo, as maiores médias ficaram nos itens 14 e 15 (14 = ouvir música, assistir televisão ou cinema, leitura ou outros; 15 = socialização: “fazer amigos”), que se referem ao domínio recreação, domínio que ficou em primeiro lugar em nossa avaliação. As menores médias ficaram nos itens 9 e 2. O item 9 avalia a aprendizagem, como frequentar cursos para conhecimento geral. Esses resultados diferentes nas respostas da escala influenciaram na ordem das dimensões da mesma, explicando as diferenças entre as populações.

Os dados do nosso estudo, na sua globalidade, são consistentes com os obtidos em outros estudos realizados com populações de outros países, como demonstrado na tabela 3. Quando comparados nossos resultados obtidos na EQVF com a população inglesa, tivemos uma maior média em 11 dos 15 critérios avaliados. Já com a população sueca e norueguesa, somente seis e sete médias, respectivamente, foram superiores as daquelas populações. No entanto, nossas médias não foram tão díspares com as apresentadas por aquelas populações. Entretanto, comparando com a pontuação total, os idosos brasileiros, tanto os de Botucatu quanto os de Manaus, apresentaram um escore final melhor que os daquelas populações. Somente Israel ficou bem abaixo da pontuação obtida pelos outros. Podemos dizer, com isso, que os idosos, mesmo sendo de países diferentes, com hábitos e culturas diversas, são, em sua maioria, parecidos, mesmo não compartilhando características socioeconômicas semelhantes. A qualidade de vida deve ser compreendida como um conceito ativo, que pode ser construído e interpretado a partir das relações dialéticas do indivíduo, podendo apresentar equivalências, contradições e diferenças entre os indivíduos.

Uma das limitações deste trabalho foi em relação a nossa amostra, que, por ser de conveniência, a maioria eram mulheres e, com base no nível de educação e renda, eram de classe baixa. São necessárias amostras adicionais, incluindo proporções maiores de homens e pessoas de diferentes classes socioeconômicas, para fornecer evidências adicionais nessas populações. Além disso, destacamos a dificuldade de encontrar estudos de qualidade de vida na população idosa utilizando o mesmo questionário.

CONCLUSÃO

A partir dos dados observados, pode-se dizer que a perspectiva da qualidade de vida e de bem-estar dos idosos cadastrados nos Centros de Atenção Integral a Melhor Idade da cidade de Manaus é boa. A maioria dos idosos são mulheres, casados, com baixa escolaridade e baixa renda, mas com uma boa qualidade de vida quando avaliado pela Escala de Qualidade de Vida de Flanagan. Quando comparados com populações de países desenvolvidos, utilizando a mesma escala, os idosos deste estudo apresentam uma satisfação com qualidade de vida melhor. Nossos resultados sugerem que os aspectos demográficos e socioeconômicos, mesmo não sendo favoráveis, tiveram pouca influência na satisfação da qualidade de vida quando avaliada pela Escala de Qualidade de Vida de Flanagan.

É importante que mais estudos como este sejam realizados com intuito de avaliar a qualidade de vida em amostras de diferentes localidades. Além disso, observar em novos estudos se os aspectos socioeconômicos e demográficos exercem alguma influência na qualidade de vida quando avaliadas pela Escala de Qualidade de Vida de Flanagan. Resultados de estudos futuros podem contribuir para melhorar ainda mais as ações de prevenção e promoção de saúde no envelhecimento.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jul-Aug 2018

Histórico

  • Recebido
    26 Jan 2018
  • Revisado
    15 Maio 2018
  • Aceito
    20 Jul 2018
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