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A invenção de uma bela velhice: em busca de uma vida com mais liberdade e felicidade

Há mais de três décadas venho pesquisando os discursos, comportamentos e valores das brasileiras a partir dos resultados da minha pesquisa com 5.000 mulheres e homens de 18 a 98 anos.

Um dos achados mais interessantes da pesquisa é a relação entre felicidade e idade. Pesquisas realizadas por economistas em 80 países, com mais de dois milhões de pessoas, descobriram uma "curva da felicidade" no formato da letra U: a felicidade é maior no início da vida, diminui ao longo dos anos chegando ao seu ponto mais baixo em torno dos 45 anos e depois começa a crescer.

Eu também encontrei uma “curva da felicidade” entre as mulheres que pesquisei. As que têm entre 35 e 45 anos são as mais insatisfeitas, frustradas e exaustas. Elas reclamam, principalmente, de falta de tempo, falta de reconhecimento e falta de liberdade. Algumas ainda dizem que “falta tudo”!

Quando perguntei o que elas mais invejam nos homens, elas responderam, em primeiríssimo lugar: liberdade. Quando perguntei o que elas mais invejam em outras mulheres, elas responderam: corpo, beleza, juventude, magreza e sensualidade. O corpo invejado por elas é jovem, magro e sensual. No Brasil, este modelo de corpo é considerado um verdadeiro capital.

As mulheres brasileiras estão entre as maiores consumidoras de todo o mundo de cirurgia plástica, botox, preenchimentos, tintura para cabelo, remédios para emagrecer, moderadores de apetite, medicamentos para dormir e ansiolíticos. São as que estão mais insatisfeitas com o próprio corpo, e as que mais deixam de sair de casa, ir a festas e até mesmo de trabalhar quando se sentem velhas, gordas e feias.

Wolf11 Wolf N. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; 2018., em O mito da beleza, baseada em inúmeras pesquisas e dados estatísticos, apresenta questões cruciais para as mulheres. Como podemos ser livres se somos prisioneiras de um ideal de corpo perfeito? Como podemos ser felizes se estamos permanentemente exaustas, inseguras e insatisfeitas com nosso corpo? Como podemos ter prazer se nos mutilamos e nos sacrificamos para ter um corpo magro, jovem e sexy? Wolf11 Wolf N. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; 2018. defende que cada mulher deve ter o direito de escolher a aparência que quer ter e o que deseja ser, em vez de obedecer ao que as forças do mercado e a indústria multibilionária da propaganda impõem.

É verdade que a mulher brasileira se emancipou amplamente de antigas servidões sexuais, procriadoras e indumentárias. No entanto, seu corpo encontra-se hoje submetido a coerções estéticas cada vez mais imperativas e geradoras de ansiedade. A brasileira vive uma verdadeira crise de identidade: um dos momentos de maior independência e liberdade é também aquele em que há um alto grau de controle sobre o corpo feminino.

O corpo jovem sem marcas indesejáveis (rugas, estrias, celulites) e sem excessos (gordura, flacidez) é o único que, mesmo sem roupa, pode ser considerado decentemente vestido.

Mas eu descobri que tudo começa a melhorar a partir dos 50 anos e a curva da felicidade começa a subir. A partir dessa idade as mulheres começam a se sentir muito mais livres e felizes. Por quê?

Em primeiro lugar, elas descobriram que o tempo é o verdadeiro capital. Elas não podem, e não querem mais, desperdiçar o próprio tempo. As mulheres mais jovens querem agradar e cuidar de todo mundo e reclamam que não têm tempo para elas. Mais velhas, elas aprendem a dizer não e passam a priorizar o tempo para cuidar delas. Aprender a dizer não é uma verdadeira revolução para as mulheres.

Elas também aprenderam a fazer a faxina existencial. A faxina não é só jogar fora as roupas que não servem mais, os cacarecos, as coisas que elas não precisam. A faxina existencial é deletar das nossas vidas todas as pessoas que só fazem mal, que só criticam, que só sugam a nossa energia: os verdadeiros vampiros emocionais.

Elas falaram muito da importância das amigas. São as amigas que cuidam, que escutam, que conversam, que levam ao médico, que telefonam todos os dias para saber como elas estão. Quando perguntei: “Quem vai cuidar de você na velhice?”, elas responderam, em primeiro lugar: “eu mesma”. Em seguida disseram: “minhas amigas”. Quando perguntei aos homens: “Quem vai cuidar de você na velhice?”, eles responderam: “minha esposa, minhas filhas e minhas netas”.

No livro Coroas22 Goldenberg M. Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade. Rio de Janeiro: Record; 2008. eu mostrei que, como as minhas pesquisadas, também tive uma crise profunda quando fiz 40 anos. Fui, pela primeira vez na vida, a uma dermatologista para que ela me receitasse algum hidratante e filtro solar, produtos que nunca havia utilizado até então. Após um breve exame da minha pele, ela, observando atentamente meu rosto, perguntou: “Por que você não faz uma correção nas pálpebras? Elas estão muito caídas. Você vai ficar dez anos mais jovem.” Sem me dar tempo para responder, continuou: “Por que você não faz um preenchimento ao redor dos lábios? E botox na testa para tirar as rugas de expressão? Você vai rejuvenescer dez anos.”

Paguei a cara consulta, que ficou mais cara ainda, pois provocou uma crise que durou quase um ano. “Faço ou não faço a cirurgia nas pálpebras? E o preenchimento nos lábios? E o botox na testa? Se eu fizer tudo o que ela me recomendou, poderia ficar dez anos mais jovem. Eu sou culpada por estar envelhecendo. A culpa é minha!”.

A forma que encontrei para me libertar do pânico de envelhecer foi aprender a rir dos meus medos e inseguranças. Escrevi, então, o Manifesto das Coroas Poderosas. Nele, eu defendo que a maturidade é uma fase de conquista de liberdade, segurança, charme, sucesso, reconhecimento, respeito, independência, prazer, autoconhecimento e muito mais. Podemos, finalmente, ter tempo para nós mesmas: tempo para rir, dançar, viajar, estudar, namorar, cuidar da saúde, curtir as amigas, enfim, “ser nós mesmas” e não responder, desesperadamente, às expectativas dos outros. Podemos exibir o nosso corpo sem medo do olhar dos homens e das mulheres, sem vergonha das imperfeições. Aprendemos que cada mulher é única e especial33 Goldenberg M. Manifesto das Coroas Poderosas. Época [Internet]. 09 ago 2013 [acesso em 25 set. 2018]:Coluna Ruth de Aquino. Disponível em: https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2013/08/o-manifesto-das-coroas-poderosas.html
https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/...
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Hoje, como as mulheres de mais de 60 anos que eu pesquisei para o livro A bela velhice44 Goldenberg M. A bela velhice. Rio de Janeiro: Record; 2013., afirmo categoricamente: “Este é o melhor momento de toda a minha vida. Nunca fui tão feliz. É a primeira vez que eu posso ser eu mesma. Nunca fui tão livre”.

Por que será, então, que precisamos esperar tanto tempo para descobrir que a melhor rima para felicidade é liberdade? E que rir muito, especialmente rir de nós mesmas, é sempre o melhor remédio?

REFERENCES

  • 1
    Wolf N. O mito da beleza: como as imagens de beleza são usadas contra as mulheres. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos; 2018.
  • 2
    Goldenberg M. Coroas: corpo, envelhecimento, casamento e infidelidade. Rio de Janeiro: Record; 2008.
  • 3
    Goldenberg M. Manifesto das Coroas Poderosas. Época [Internet]. 09 ago 2013 [acesso em 25 set. 2018]:Coluna Ruth de Aquino. Disponível em: https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2013/08/o-manifesto-das-coroas-poderosas.html
    » https://epoca.globo.com/colunas-e-blogs/ruth-de-aquino/noticia/2013/08/o-manifesto-das-coroas-poderosas.html
  • 4
    Goldenberg M. A bela velhice. Rio de Janeiro: Record; 2013.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2018
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