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Redefinindo a passagem do tempo: estilo de vida e longevidade

A ampliação da expectativa de vida é um processo que implica mudanças na organização das sociedades. Em meio às discussões sobre as medidas mais adequadas para adaptar as instituições às novas configurações populacionais, a projeção de um tempo de vida mais longo tem efeitos, sobretudo, na percepção das pessoas sobre suas próprias trajetórias. A perspectiva da longevidade suscita uma maior preocupação em ter as condições necessárias para viver plenamente a vida em toda sua duração, sendo capaz de lidar com as mudanças físicas, psicológicas e sociais.

Elias11 Norbert E. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1998. sugere que a noção do tempo se torna uma experiência sensível para os indivíduos através do engajamento no mundo, na medida em que surge a necessidade de definir parâmetros comuns que viabilizem a constituição de processos da vida coletiva. Os modelos de divisão e padronização de durações situam os indivíduos e suas trajetórias particulares em relação ao contexto em que se inserem. As divisões de fases da vida e as categorias de idade expressam o tempo da natureza humana e organizam um ciclo a ser vivido. Todavia, essas classificações têm uma história e se transformam de acordo com o desenvolvimento da sociedade. É nesse sentido que o debate contemporâneo sobre os diferentes fatores que ao longo da vida definem as condições em que envelhecemos influencia na forma como os indivíduos planejam e vivenciam o envelhecimento.

Com um número crescente de pessoas alcançando idades mais longevas, acima dos 80 anos, há um maior interesse em aprofundar o conhecimento sobre as diferentes formas de envelhecer. A velhice é um período longo demais para ser resumido. O referencial etário de “mais de 60 anos” vai dando lugar a um redimensionamento das fases da vida em uma visão mais atenta à complexidade e às particularidades dos estágios cronológicos mais avançados. Busca-se identificar quais fatores foram uma vantagem para aqueles que chegam a uma idade avançada desafiando antigas expectativas para a velhice. Assim, os “muito idosos” e, principalmente, os “super idosos” são evidências vivas de formas mais bem-sucedidas de envelhecer.

Quais fatores favoreceram a sobrevivência até tão avançada idade? O que faz com que os super idosos cheguem aos 80, 90, 100 anos e mantenham um desempenho físico e cognitivo acima do esperado para a idade? Essa busca por elementos que podem modificar as condições de envelhecer se estabelece em conformidade com a conjuntura de promoção de um envelhecimento ativo, com ênfase na noção de um processo de preparação para a vivência da velhice. Nesse contexto em que é necessário garantir a qualidade de vida, destaca-se uma categoria que tem redirecionado a abordagem biomédica do envelhecimento: o estilo de vida.

A noção de estilo de vida sugere considerar fatores, atitudes e hábitos que contribuem para uma forma melhor ou pior de envelhecer, integrando a dimensão biológica natural ao posicionamento ativo dos indivíduos na condução do próprio envelhecimento. A preservação da saúde e das funcionalidades na velhice é associada a uma trajetória pregressa, a fim de encontrar os indícios de práticas que potencialmente favorecem um envelhecimento saudável, ativo, autônomo e independente.

No âmbito demográfico, as pesquisas tentam identificar uma associação entre bem-estar e satisfação com a vida e as taxas de mortalidade22 SC Segerstrom, Combs HL, Winning A, Boehm JK. The happy survivor?: Effects of differential mortality on life satisfaction in older age. Psychol Aging. 2016;31(4):340-5.. De um ponto de vista biomédico, são investigados diferentes aspectos que influenciam no desempenho físico e mental ao longo do tempo: os hábitos da vida cotidiana, a postura perante a vida, a prática de atividades físicas, a qualidade do sono, o nível de estresse e os hábitos alimentares. Tais fatores são considerados, inclusive, em relação a estratégias de prevenção e controle de doenças crônico-degenerativas associadas ao envelhecimento, como a Doença de Alzheimer33 Jebelli J. Em busca da memória: uma biografia da Doença de Alzheimer, da sua descoberta às novas técnicas de cura. Tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta; 2018..

A perspectiva do estilo de vida ressalta a diversidade da experiência do envelhecimento como uma trajetória singular, mas há um viés controverso dessa ênfase: a rápida disseminação de diretrizes e padrões de dietas, exercícios físicos e mudança de hábitos, muitas vezes contraditórios, em busca de um desempenho ideal que contraponha o declínio da velhice.

Pensar a velhice como continuidade da trajetória de vida tem como desafio tornar a preparação para a longevidade não uma constante resistência à velhice, mas uma possibilidade de modificar o significado da experiência de envelhecer. É preciso considerar que, no lugar de modelos para a melhor forma de envelhecer, a compreensão de diferentes aspectos do envelhecimento pode indicar as várias formas de viver bem a própria velhice.

REFERENCES

  • 1
    Norbert E. Sobre o tempo. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor; 1998.
  • 2
    SC Segerstrom, Combs HL, Winning A, Boehm JK. The happy survivor?: Effects of differential mortality on life satisfaction in older age. Psychol Aging. 2016;31(4):340-5.
  • 3
    Jebelli J. Em busca da memória: uma biografia da Doença de Alzheimer, da sua descoberta às novas técnicas de cura. Tradução de Luis Reyes Gil. São Paulo: Planeta; 2018.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Nov-Dec 2018
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